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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Transtornos da identidade de gênero: o que o ginecologista precisa saber sobre transexualismo

Lucia Alves da Silva Lara; Carmita Helena Najar Abdo; Adriana Peterson M Salata Romão
Rev Bras Ginecol Obstet. 2013; 35(6):239-42

Resumo: O indivíduo com transexualismo (CID-10) ou transtorno da identidade de gênero – tipo transexual (DSM-IV-TR) apresenta desejo irreversível de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto (ou insistência de que é do sexo oposto), acompanhado por um sentimento persistente de grande mal-estar e de inadequação em relação ao próprio sexo anatômico. Há profundo desconforto com o sexo designado (genitália e caracteres sexuais secundários), bem como com o papel de gênero atribuído pela sociedade para esse sexo. Tal condição, que geralmente se inicia na infância, é acompanhada por sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional, ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Transtorno de identidade sexual na infância divide especialistas

Carolina de Andrade 
20/11/2012 

Aos oito, ele mandou um e-mail para as pessoas da escola onde estudava (e sofria bullying) avisando ser "uma menina presa em um corpo de menino". E passou a se vestir como garota. Aos dez, disse à mãe que se mataria se começasse a "virar homem".  

Aos 11, Jack teve uma overdose e fez outras seis tentativas de suicídio antes de completar 16 anos. 

Como a lei inglesa não permite cirurgia de mudança de sexo antes dos 18, Jack foi operado na Tailândia, aos 16. 

A história de Jack, que a rede de TV britânica BBC exibe hoje, mostra os contornos e as dores do transtorno de identidade sexual na infância. Jackie Green tem agora 19 anos, é modelo e foi a primeira finalista transexual do concurso de Miss Inglaterra. 

A OMS define o fenômeno como o desejo, manifesto antes da puberdade, de ser (ou de insistir que é) do outro sexo. O termo "transexualismo" só é usado para adultos. 

Não há estatísticas de incidência do fenômeno. Entre pessoas acima de 15 anos, estima-se que um a cada 625 mil seja transexual, segundo o psiquiatra Alexandre Saadeh (leia entrevista abaixo). 

De acordo com Carmita Abdo, do programa de estudos em sexualidade da USP, a experiência clínica mostra que só um terço das crianças com o transtorno serão transexuais. 

Na visão da psiquiatria, transexualidade não é escolha, como querem alguns setores. Como psiquiatra, é claro que Alexandre Saadeh defende o diagnóstico de transtorno de identidade sexual na infância --embora critique seu uso estigmatizante. Professor da PUC-SP e coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo, ele conta como a medicina caracteriza o problema, à luz das últimas pesquisas. 

Folha - Como saber se a criança sofre de transtorno de identidade de gênero? 

Alexandre Saadeh - Pode ser que a criança esteja só brincando de assumir um papel, o que é comum entre os quatro e os seis anos, faz parte do desenvolvimento. Para constatar o transtorno é preciso que o comportamento ocorra por tempo prolongado. 

Quais são os indícios? 

Não é só o uso de roupas ou a criança se chamar por nome do outro gênero. Ela apresenta outros sinais: fica deprimida, irritada e agressiva se é obrigada a se comportar segundo o sexo anatômico. A necessidade de ser tratada como se fosse do outro gênero é constante. Muitas percebem que o comportamento incomoda os pais, aí o escondem. Os primeiros indícios surgem na infância, mas são raros os casos em que é claro desde o início se tratar de transexualismo. Nem toda criança com o transtorno fará cirurgia de mudança de sexo quando adulta. Mas todo transexual teve o transtorno. A criança deve ser avaliada por profissionais para evitar diagnósticos equivocados. 

Quais são as causas? 

Há evidências de que a diferenciação cerebral intrauterina pode ser influenciada por níveis de andrógenos [hormônios que desenvolvem as características sexuais masculinas] circulantes na gestação, o que pode gerar um cérebro masculino ou feminino, independentemente da anatomia já definida. Apesar da importância do ambiente e da cultura, não há evidências de como esses fatores se acrescentam aos fenômenos biológicos. 

Quais são as alternativas após o diagnóstico da criança? 

Pais e profissionais devem ajudar a criança a vivenciar o transtorno e, se for o caso, superá-lo; se não, a vivenciá-lo de maneira integral, sem censura. Não é fácil para nenhum pai ou mãe se adaptar a essa transformação, mas quando se pensa em respeito e aceitação pela diferença e por quem é de verdade o filho ou filha, fica mais palatável. No Brasil, a cirurgia só pode ser feita após os 21 anos, mas o uso dos hormônios pode começar a partir dos 18. Se tivermos certeza de que o adolescente já é um transexual, é possível tentar autorização junto ao Conselho Federal de Medicina para começar o tratamento hormonal antes. 

Os efeitos do tratamento hormonal para impedir a puberdade são reversíveis? 

Há a possibilidade de se bloquear o desenvolvimento das características masculinas ou femininas do adolescente, ou já fazer o tratamento hormonal específico para o gênero desejado. Alguns efeitos são reversíveis, outros não, por isso a controvérsia e a responsabilidade da indicação desse tipo de intervenção, o que aumenta mais a importância do diagnóstico. Sou a favor do bloqueio e do tratamento hormonal, já que impedem que a pessoa passe pelo sofrimento de desenvolver caracteres sexuais de seu sexo anatômico e não de sua identidade de gênero. 

A visão do transexualismo como transtorno é unânime? 

Para os [profissionais] que se preocupam em se atualizar nas pesquisas, é, sim. O problema é confundir transexualismo e homossexualidade ou tratar como doença mental. É um transtorno do desenvolvimento cerebral. As explicações psicológicas clássicas não conseguem mais caracterizar o fenômeno. As ciências humanas tendem a ser contra o diagnóstico e o consideram estigmatizante, do que discordo. Pode haver esse uso do diagnóstico, mas não é essa a finalidade. 

Qual sua opinião sobre os movimentos pela "despatologização" do transexualismo? 

Acredito no diagnóstico como delineador, não como estigmatizante. Como psiquiatra, não posso achar que o transexualismo seja questão de escolha. É questão de desenvolvimento embrionário, relacionada ao desenvolvimento cerebral na fase de diferenciação entre cérebro masculino e feminino. 

Como vê o "gender-neutral parenting", essas tentativas de criar uma educação sem estereótipos sexuais, a exemplo de uma escola na Suécia que não usa "ele" ou "ela" para se referir às crianças? 

A sociedade funciona com diferenciação de gêneros. A criança terá contato com os gêneros cedo ou tarde e isso pode gerar confusão.

Disponível em http://noticias.bol.uol.com.br/ciencia/2012/11/20/transtorno-de-identidade-sexual-na-infancia-divide-especialistas.jhtm. Acesso em 29 nov 2012.