Felipe Luchete
10 de janeiro de 2014
A legislação ignora o direito à liberdade individual
estabelecido na Constituição ao considerar crime a existência de casas de
prostituição e o favorecimento a essa atividade, afirma o jurista Guilherme
Nucci. Quando defendeu em uma rede social o fim da proibição a esse tipo
de estabelecimento, em 2012, não faltaram comentários de que a prostituição
“atinge a família, instituição sagrada para Deus” e que “cabe ao Direito
disciplinar atos tortos”. Em seu 27º livro, o recém-lançado Prostituição,
Lenocínio e Tráfico de Pessoas (Editora Revista dos Tribunais), Nucci diz ainda
que o Estado deve tutelar quem exerce a função e até criar um programa para
aqueles que desejam sair do ramo.
Embora a prostituição não seja considerada crime no Brasil,
o Código Penal tipifica uma série de penalidades para quem favorece a prática.
Para o autor da obra, as proibições estão mais ligadas a questões moralistas do
que legais, porque grosso modo só há crime quando alguém é prejudicado. “As
pessoas querem que seus valores éticos, pessoais e religiosos se espelhem na
lei, o que está completamente errado. Pessoas encarregadas de tentar garantir
as liberdades individuais não podem partir para esse tipo de preconceito, senão
a sociedade não evolui”, afirma Nucci, juiz convocado do Tribunal de Justiça
paulista e professor da PUC-SP, que compara sua tese ao adultério, retirado da
legislação penal.
“Lenocínio só pode ser crime se houver violência ou fraude.
É aquele cafetão que bate na mulher, tira o dinheiro dela, a escraviza. Agora,
aquele sujeito que administra os negócios é um empresário como outro qualquer,
dá inclusive segurança ao trabalho dela.” Ele diz que, durante a pesquisa para
o livro, notou que muitos magistrados deixaram de condenar donos de casas de
prostituição, com base no princípio da adequação social. Apesar de o Supremo
Tribunal Federal ter negado em 2011 a aplicação desse princípio, o jurista
defende que é preciso estimular o debate, já que “tudo tem seu momento certo”
para ser analisado.
Ainda segundo ele, o Executivo também dá sinais flexíveis ao
incluir, por exemplo, a prostituta e o garoto de programa como profissionais
reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, na Classificação Brasileira de
Ocupações. “Mas isso é pouco. Precisamos de uma lei que retire o apoio da
prostituição como crime e permita a fiscalização das casas de prostituição.”
Cadastro prostitucional
Para Nucci, alterar a legislação permitiria que as condições
de higiene e segurança desses locais fossem fiscalizadas, que os profissionais
da área tivessem de passar por exames periódicos e que eles inclusive tivessem
de pagar impostos. Ele aponta que, entre cem garotas e garotos de programa
entrevistados por sua equipe em São Paulo, a maioria disse ganhar entre R$ 5
mil e R$ 20 mil por mês, sem pagar Imposto de Renda.
A liberação penal levaria a um cadastro sigiloso de
profissionais e a políticas públicas mais eficientes, na visão de Nucci. Quem
quisesse deixar a ocupação poderia se inscrever em um programa social de
reinclusão no mercado de trabalho. Comerciantes e empresas conveniados
ganhariam descontos tributários para pessoas inscritas na iniciativa.
A obra aponta como a questão é tratada em 31 países. O autor
do livro diz ainda que 40 delegados entrevistados não apontaram vínculo entre
prostituição e outros crimes, como roubo e tráfico de drogas. Sobre o tráfico
de pessoas, o jurista afirma que a maioria dos acusados apenas ajuda quem quer
voluntariamente se prostituir em outro país. Casos de novela são raros, afirma.
Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-jan-10/brasil-descriminalizar-cafetinagem-cadastrar-prostitutas-nucci.
Acesso em 29 jul 2014.