Mostrando postagens com marcador JusBrasil. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador JusBrasil. Mostrar todas as postagens

domingo, 20 de abril de 2014

Tráfico internacional: mulher que agenciava travestis é condenada

JusBrasil

Um acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, reverteu uma sentença de primeira instância e condenou uma mulher por tráfico internacional de pessoas. A ré M.L.L.B. intermediou e promoveu a viagem de pelo menos três travestis para a Europa, em busca de ganhos com a prostituição.

A sentença de primeira instância havia absolvido a ré sob o argumento de que as travestis consentiram com a viagem e que a condenação transformaria o ordenamento jurídico em vigia da moralidade sexual das pessoas. Na apelação inteiramente aceita pelo TRF3 a procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga reconheceu que as vitimas não foram enganadas ou forçadas à viagem, mas apontou a situação de absoluta vulnerabilidade de travestis e transexuais.

Na peça, o Ministério Público Federal explica que se tratam de pessoas "cujo psicológico não se identifica com suas características físicas, o que gera enorme sofrimento psíquico. Quando decidem assumir o seu sexo e orientações psicológicas passam a enfrentar imensas barreiras sociais, o que compromete até mesmo a sua sobrevivência." Por tais motivos, "a situação destes está entre as mais dramáticas entre os diversos grupos minoritários que são constantemente discriminados. [...] Na maioria das vezes acabam por se tornar profissionais do sexo por não lhes restar outra opção" de trabalho, afirmou a procuradora.

Se as vítimas tivessem agido por conta própria não haveria crime e nem processo pois, de fato, o ordenamento jurídico não pode ser o vigia da moralidade sexual de ninguém, disse o MPF no recurso. Mas, como argumentou a procuradora, não eram as travestis que estavam sendo julgadas e, sim, a mulher que as agenciava para enviar ao exterior. Desse modo, não se pode aceitar como natural e atípica a conduta da ré de se aproveitar da vulnerabilidade e falta de opção de certos cidadãos e cidadãs, escreveu o MPF na apelação.

Na ação criminal, o MPF apresentou inúmeras provas documentais, depoimentos e escutas telefônicas que demonstraram a conduta ilegal da ré. Ela, inclusive, agenciava cirurgias plásticas para melhorar a aparência das travestis e a compra das passagens.

M.L.L.B. vinha sendo investigada pela 1ª Delegacia de Proteção à Pessoa e, no dia 22 de abril de 2008, foi presa no Aeroporto Internacional de Guarulhos, quando intermediava a viagem de duas travestis para a Suíça. Julgada pela Justiça Federal, ela foi absolvida em primeira instância sob o argumento de que houve consentimento das vítimas na viagem.

O desembargador federal Cotrim Guimarães não concordou com a sentença. O consentimento das vítimas não afasta a ilicitude das ações da ré, decretou. No acórdão, ele afirma que a atitude da ré colocava em situação de risco concreto pessoas que, num país estranho, muitas vezes sem conhecer a língua e as leis locais, submetem-se à prostituição e outras formas de exploração sexual, correndo o risco de serem detidas e deportadas ou aliciadas e subjugadas por oportunistas a diferentes formas de escravidão.

Guimarães também chegou à conclusão de que a ré não se importava com os riscos que as pessoas que 'ajudava' a viajar para o exterior corriam, embora soubesse que estavam indo para outros países para se prostituirem. Apesar de não ter se baseado especificamente no fato de as vítimas serem travestis para reconhecer a sua vulnerabilidade, o desembargador acolheu os fundamentos da apelação no sentido que a "extrema fragilidade" delas foi comprovada no caso.

O desembargador federal utilizou dados de um relatório publicado em 2011 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes para lembrar que 800 mil pessoas são traficadas através de fronteiras anualmente e que existem cerca de 27 milhões de pessoas no mundo submetidas a alguma forma de escravidão moderna, rendendo 32 bilhões de dólares ao ano para traficantes e exploradores.

Condenada a três anos e quatro meses de reclusão, a ré, que era primária, teve sua pena convertida em prestação de serviços à comunidade e pagamento de um salário mínimo mensal a uma entidade social, durante todo o período de condenação.


Disponível em http://coad.jusbrasil.com.br/noticias/3105057/trafico-internacional-mulher-que-agenciava-travestis-e-condenada. Acesso em 17 abr 2014.