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Um acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São
Paulo, reverteu uma sentença de primeira instância e condenou uma mulher por
tráfico internacional de pessoas. A ré M.L.L.B. intermediou e promoveu a viagem
de pelo menos três travestis para a Europa, em busca de ganhos com a prostituição.
A sentença de primeira instância havia absolvido a ré sob o
argumento de que as travestis consentiram com a viagem e que a condenação
transformaria o ordenamento jurídico em vigia da moralidade sexual das pessoas.
Na apelação inteiramente aceita pelo TRF3 a procuradora da República Eugênia
Augusta Gonzaga reconheceu que as vitimas não foram enganadas ou forçadas à
viagem, mas apontou a situação de absoluta vulnerabilidade de travestis e
transexuais.
Na peça, o Ministério Público Federal explica que se tratam
de pessoas "cujo psicológico não se identifica com suas características
físicas, o que gera enorme sofrimento psíquico. Quando decidem assumir o seu
sexo e orientações psicológicas passam a enfrentar imensas barreiras sociais, o
que compromete até mesmo a sua sobrevivência." Por tais motivos, "a
situação destes está entre as mais dramáticas entre os diversos grupos
minoritários que são constantemente discriminados. [...] Na maioria das vezes
acabam por se tornar profissionais do sexo por não lhes restar outra
opção" de trabalho, afirmou a procuradora.
Se as vítimas tivessem agido por conta própria não haveria
crime e nem processo pois, de fato, o ordenamento jurídico não pode ser o vigia
da moralidade sexual de ninguém, disse o MPF no recurso. Mas, como argumentou a
procuradora, não eram as travestis que estavam sendo julgadas e, sim, a mulher
que as agenciava para enviar ao exterior. Desse modo, não se pode aceitar como
natural e atípica a conduta da ré de se aproveitar da vulnerabilidade e falta
de opção de certos cidadãos e cidadãs, escreveu o MPF na apelação.
Na ação criminal, o MPF apresentou inúmeras provas
documentais, depoimentos e escutas telefônicas que demonstraram a conduta
ilegal da ré. Ela, inclusive, agenciava cirurgias plásticas para melhorar a
aparência das travestis e a compra das passagens.
M.L.L.B. vinha sendo investigada pela 1ª Delegacia de
Proteção à Pessoa e, no dia 22 de abril de 2008, foi presa no Aeroporto
Internacional de Guarulhos, quando intermediava a viagem de duas travestis para
a Suíça. Julgada pela Justiça Federal, ela foi absolvida em primeira instância
sob o argumento de que houve consentimento das vítimas na viagem.
O desembargador federal Cotrim Guimarães não concordou com a
sentença. O consentimento das vítimas não afasta a ilicitude das ações da ré,
decretou. No acórdão, ele afirma que a atitude da ré colocava em situação de
risco concreto pessoas que, num país estranho, muitas vezes sem conhecer a
língua e as leis locais, submetem-se à prostituição e outras formas de
exploração sexual, correndo o risco de serem detidas e deportadas ou aliciadas
e subjugadas por oportunistas a diferentes formas de escravidão.
Guimarães também chegou à conclusão de que a ré não se
importava com os riscos que as pessoas que 'ajudava' a viajar para o exterior
corriam, embora soubesse que estavam indo para outros países para se
prostituirem. Apesar de não ter se baseado especificamente no fato de as
vítimas serem travestis para reconhecer a sua vulnerabilidade, o desembargador
acolheu os fundamentos da apelação no sentido que a "extrema
fragilidade" delas foi comprovada no caso.
O desembargador federal utilizou dados de um relatório
publicado em 2011 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes para
lembrar que 800 mil pessoas são traficadas através de fronteiras anualmente e
que existem cerca de 27 milhões de pessoas no mundo submetidas a alguma forma
de escravidão moderna, rendendo 32 bilhões de dólares ao ano para traficantes e
exploradores.
Condenada a três anos e quatro meses de reclusão, a ré, que
era primária, teve sua pena convertida em prestação de serviços à comunidade e
pagamento de um salário mínimo mensal a uma entidade social, durante todo o
período de condenação.
Disponível em http://coad.jusbrasil.com.br/noticias/3105057/trafico-internacional-mulher-que-agenciava-travestis-e-condenada.
Acesso em 17 abr 2014.