Paulo Lima
Infelizmente, já é redundante dizer que as notícias sobre o
Brasil têm o péssimo costume de se alternar entre as seções policiais e as
colunas sobre escândalos políticos e/ou econômicos. Nas últimas semanas, em
especial, oscilamos entre imagens aterrorizantes da cidadã carioca Claudia
Silva Ferreira sendo tragicamente arrastada pelo asfalto presa pelas roupas à
traseira de um carro da polícia, relatos sobre a onda de lama que vem afogando
cada vez mais a maior empresa do País, manifestações tensas nas ruas e cenários
pessimistas em relação à nossa capacidade de fazer frente aos compromissos
assumidos por conta da Copa do Mundo.
Mas nem tudo está perdido. No último dia 15, o “The New York
Times”, muito provavelmente o mais importante e respeitado jornal do mundo,
trouxe em suas páginas uma reportagem grande em todos os sentidos, que mudou um
pouco o saldo dessa conta.
O artigo trazia um interessante relato sobre como as modelos
transgêneros estão sendo tratadas de forma mais digna pela indústria da moda e
pela sociedade no Brasil, em que pesem as enormes dificuldades que ainda
enfrentam para conduzir suas vidas. Na fotografia ao lado, uma das
protagonistas da matéria mencionada, a jornalista carioca Carol Marra, aparece
posando para seu primeiro ensaio sensual, publicado na “Trip” em setembro de
2012.
Carol, como afirma o autor da reportagem, tem servido como
referência para modelos, atrizes e
profissionais de outras áreas que vão aos poucos vendo sua condição de
transgênero sendo aceita e respeitada, de forma especial nas grandes cidades
brasileiras, como São Paulo e Rio. O “NYT” não se furta a mencionar o enorme
drama que várias dessas pessoas enfrentaram e continuam enfrentando para levar
suas vidas de forma ao menos razoavelmente digna. Mas enaltece o fato de que
cada vez mais empresas e pessoas percebem que se trata de algo que precisa ser
mais bem entendido e acolhido por um país que carece urgentemente de fatos que
nos permitam ainda acreditar que somos minimamente civilizados.
Carol chegou a trabalhar em equipes de produção de
jornalismo na Rede Globo, desfilou para o estilista Ronaldo Fraga e esteve em outras empreitadas
tão interessantes quanto. Mas nos últimos meses suas atividades profissionais
ganharam novo impulso.
Como atriz, fará um papel na festejada série de televisão
“Psi”, do canal HBO, baseada na obra do psicanalista e escritor Contardo
Calligaris, ele mesmo há muitos anos um estudioso do universo dos
indivíduos transgêneros. Num dos
episódios, aliás, Carol protagonizará o primeiro beijo transgênero da tevê
brasileira.
Estará ainda como protagonista representando um personagem
feminino num dos episódios da série “Segredos Médicos”, do canal Multishow.
No ensaio mencionado pelo jornal nova-iorquino, publicado em
2012, Carol dizia coisas como: “Olha, espero que o homem mude um dia... O
preconceito vem da falta de informação. No dia em que o ser humano começar a
ouvir mais o outro, conhecer antes de julgar, vai respeitar. O que eu diria
para os leitores que se sentirem ofendidos de alguma forma por ver uma Trip
Girl transexual? Ninguém precisa gostar de mim, mas respeito é fundamental. Sou
um ser humano como outro qualquer, tenho pai e mãe, e não escolhi ser
transexual. Eu nasci assim. Meu sonho é simples.
É ter um marido, uma família feliz, uma vida comum.” Como
dizem aqueles que realmente se aprofundam nas pesquisas sobre o futuro da
comunicação, independentemente de toda a tecnologia que o mundo possa
desenvolver, o olhar humanizado e capaz de ver o que não é óbvio nem
necessariamente consagrado, e muito especialmente a capacidade de acessar os
sentimentos das pessoas através de histórias bem escolhidas e bem contadas, vai
continuar por muito tempo determinando a diferença entre o que passa e o que
fica. O “NYT” sabe disso faz tempo.
Disponível em
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/356260_TIMES+FOR+CHANGE. Acesso
em 8 abr 2014.