Marília Moschkovich
11/11/2013
Recebi recentemente algumas críticas, ao aproximar a cultura
de estupro das ideias um tanto filóginas - a princípio - de autores conhecidos
do atual jornalismo brasileiro. A filoginia pode parecer contrária ao machismo,
uma vez que coloca as mulheres como objeto de admiração e amor. Se pensarmos um
tiquinho, porém, é possível sacar de que maneira a filoginia pode ser
absolutamente machista, e como o pensamento do machismo filógino compartilha as
ideias mais básicas do que chamamos de "cultura do estupro".
Vamos pensar por etapas, compreendendo essas definições
todas. Vejam, o machismo é uma maneira de pensar que coloca os homens como
detentores do poder sobre as mulheres. Até aí, imagino que não seja lá muito
difícil entender, certo? Pois então; a filoginia seria um grande amor
generalizado pelas mulheres. Vocês já devem ter lido textos, de Xico
Sá, e de André Forastieri, que exaltam qualidades das mulheres, nos
elogiam e nos colocam numa posição quase de "seres sagrados" – como são
as vacas, para os hindus.O cavalheirismo, por exemplo – o homem pagar a conta
da mulher num restaurante, quando saem como casal, ou abrir a porta do carro
para que ela entre, ou afastar e aproximar cadeiras à mesa, etc – é uma confusa
mistura dessas duas coisas. Tanto que a atitude é sempre extremamente polêmica,
quando as feministas entram na conversa. É desse aparente conflito entre
machismo e filoginia que surge a polêmica: amor e admiração não seriam bons?
Será que as feministas são mesmo umas mal-amadas?
É justamente esse suposto conflito que precisamos
desconstruir. A filoginia é em geral machista, mesmo que o machismo não seja
sempre filógino. Eu diria que este é apenas um dos tipos de machismo que
podemos identificar numa sociedade como a nossa: o machismo filógino.
Os textos linkados no segundo parágrafo são excelentes
exemplos. Os machistas filóginos têm a plena convicção de que estão fazendo um
bem, ao definirem publicamente o que é certo, errado, bom e ruim para as
mulheres, e o que nós devemos ou não fazer. Usam seu privilégio de homens, numa
sociedade estruturalmente machista, com intenções a princípio boas. Por
exemplo, validar padrões estéticos diferentes dos mais aceitos (como nos textos
citados). Mas reforçam o machismo, porque entendem que realmente teriam o poder
de fazer essa validação. Nós mulheres, então, dependeríamos de sua aceitação
para nos aceitarmos.
Além da heteronormatividade escancarada nesse tipo de
pensamento, também é possível notar que – diferentemente do que qualquer feminismo
possa jamais propor – o machismo filógino está baseado em conferir aos homens
poder sobre as mulheres. Quando um homem qualquer defende que "as
mulheres" façam, ou deixem de fazer, qualquer coisa, simplesmente porque
acha que é melhor, esse homem está necessariamente sendo machista.
Isso não significa que não haja espaço para homens na luta
feminista. Significa apenas que eles precisam se compreender nesta luta como
coadjuvantes. Escutam, apoiam e adotam atitudes que possam conferir mais poder
às mulheres com quem convivem e menos a eles mesmos. É só com uma vasta
diminuição nas "chances de homens exercerem poder sobre mulheres"
(como diria Foucault, para quem o poder não é um bem que se pode possuir) que
ultrapassaremos, de vez, o machismo.
Por isso, caríssimos colunistas supracitados, nós feministas
dizemos com clareza: guardem para si mesmos suas opiniões sobre as barrigas,
bundas, magreza ou dobras de quaisquer mulheres. Vocês não estão em posição de
nos dizer como nós devemos ou podemos ser, ou deixar de ser. Nem vocês, nem
ninguém. A não ser que desejemos explicitamente ser machistas. Eu (por
enquanto) duvido que vocês queiram.
Disponível em
http://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/o-machismo-sutil-de-quem-nos-cultua-4591.html.
Acesso em 08 dez 2013.