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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

O ânus é um órgão sexual?

Leandro Colling
novembro 7, 2012

O texto de hoje provavelmente vai gerar muita polêmica. As reações ao que postamos aqui só mostram o quanto os temas em questão são cercados por tabus e discursos de verdade que tentam, a todo custo, obrigar todas as pessoas a usar os seus corpos apenas dentro de uma mesma forma.

Vou direto à resposta da pergunta do título: sim, o ânus pode ser considerado um órgão sexual. Na verdade, qualquer outra parte do seu corpo pode ser considerada como um órgão sexual, se assim você desejar e o sentir. Primeiro vou falar do ânus especificamente e depois ampliarei o debate para pensar o corpo como um todo, ok?

Sobre o ânus ou, para usar a palavra mais usada pelas pessoas, o cu: alguns profissionais da saúde e da sexologia até concordam que o ânus pode ser considerado uma área erógena, que pode gerar prazer ao ser tocado. Alguns recorrem inclusive a Freud, que disse que um dos nossos primeiros prazeres na vida se dá através da chamada “fase anal”. Pois eu quero ir além disso, sem me filiar aos freudianos. Quero defender que o cu pode ser considerado um órgão sexual, tal como o pênis e a vagina o são.

Profissionais da saúde considerados bem progressistas dizem não ter nada contra a prática sexual anal, mas enfatizam que o ânus não teria sido criado para esta finalidade e que, por isso, não pode ser qualificado como um órgão sexual, mas como um órgão do aparelho digestivo do corpo humano.

Por mais simpática e progressista que essa leitura pode ser ela esconde uma norma sobre a sexualidade, ou melhor, um conjunto de normas criadas pelo discurso médico em consonância com outras instituições sociais que historicamente desejam controlar e regulamentar a sexualidade das pessoas. Por que? A vagina e a boca também parte do aparelho digestivo e nem por isso são desqualificadas como órgãos sexuais, no sentido de que podem ser utilizados na prática sexual sem problema algum.

Os profissionais da saúde, em sua maioria, dizem que o ânus é um local cheio de impurezas, em suma, é um local sujo e isso pode disseminar a proliferação de muitas doenças. No entanto, as pessoas que praticam sexo anal (gays ou não) já faz muito tempo que descobriram uma forma de deixar o ânus bem limpo, através do que os gays chamam de chuca (ou enema), uma espécie de lavagem que consiste na introdução de água no canal do ânus para ser despejada logo em seguida. A vagina, o pênis e boca, caso não sejam bem limpos, também serão órgãos bem sujos e proliferadores de doenças. Então, por que considerar que apenas um órgão é sujo? O que opera por traz desse discurso?

Certamente, trata-se de uma leitura que é influenciada pela norma hegemônica que estamos sempre problematizando em nossos textos aqui no blog. Michel Foucault estudou muito bem isso e devemos muitas dessas reflexões a ele. Em suma, essa norma tenta determinar tudo sobre a nossa sexualidade. Obriga que todos sejamos heterossexuais e de que façamos sexo apenas de uma determinada maneira e também especifica muito detalhadamente quais partes dos nossos corpos são erógenas e que podem ser considerados como órgãos sexuais.

Outros poderão alegar que o sexo anal deve ser combatido porque essa prática seria anti-natural, uma vez que não gera a reprodução da espécie humana. Mais um argumento que não fica em pé porque, se concordarmos com ele, toda e qualquer prática sexual só poderia ser feita se tivesse como objetivo a reprodução.

Mas, como eu disse no início, não quero tratar apenas do ânus. Uso o cu apenas como um exemplo bem provocativo e polêmico para ilustrar como nossos corpos sofrem as influências de saberes que regulam, historicamente, os nossos corpos, nossas sexualidades e nossos gêneros. Eu poderia falar de outras partes do corpo que são usadas, por algumas pessoas, como legítimos órgãos sexuais. Entre elas, certamente, estão as mãos. Para muitas lésbicas, por exemplo, as mãos são verdadeiros órgãos sexuais, elas podem se transformar em instrumentos fundamentais.

Para os praticantes de fist-fucking ocorre o mesmo. Para quem não sabe, os praticantes de fist-fucking introduzem as mãos e até os punhos no ânus de seus parceiros sexuais. O pênis e até mesmo a ereção, em geral, não possuem importância alguma nessas relações sexuais. Como nos alertam alguns pesquisadores, talvez essa seja única prática sexual que foi inventada no século 20. Vejam como nossa criatividade em relação às práticas sexuais ficou bloqueada a ponto de que em 100 anos apenas uma nova forma de praticar sexo foi criada. Enquanto isso, quase sempre fazemos sexo mais ou menos da mesma forma, muitas vezes seguindo um roteiro que obedece inclusive os padrões de uma indústria do entretenimento, notadamente a indústria pornô hegemônica, tema que desenvolverei em outro texto.

Para finalizar, quero defender, seguindo Deleuze e Guattari, que pelo menos desde o livro O anti-épido, de 1972, nos permitem entender o nosso corpo inteiro como um corpo sexual. Ou seja, nós não transamos apenas com pênis, vaginas ou ânus, mas transamos com nossos corpos e gêneros. E mais: transamos sempre em um contexto, com algum cenário, transamos, em suma, em um ambiente.

Aliás, às vezes pensamos em detalhes sobre qual será o ambiente da nossa transa. Se isso é verdade, por que ainda vamos considerar como sexuais apenas determinados centímetros de nossos corpos? Não estou sugerindo que todas as pessoas devam usar o ânus como órgão sexual, da mesma forma como muitas pessoas não consideram os seus pênis ou vaginas como aparelhos fundamentais para a prática sexual e obtenção de prazer. Apenas estou evidenciando mais uma questão relativa à diversidade sexual que existe por aí, queiram algumas pessoas e/ou instituições ou não.

Devo boa parte das reflexões realizadas acima a Javier Sáez e Sejo Carrascosa, autores do livro Por el culo – políticas anales, da editora Egales, lançado ano passado na Espanha e ainda sem tradução em Língua Portuguesa.

Nessa obra, eles discutem esses e vários outros temas. Termino com apenas um pequeno trecho da introdução do livro, onde eles dizem que a proposta do texto é “ver o que o cu põe em jogo. Ver por que o sexo anal provoca tanto desprezo, tanto medo, tanta fascinação, tanta hipocrisia, tanto desejo, tanto ódio. E, sobretudo, revelar que essa vigilância de nossos traseiros não é uniforme: depende se o cu penetrado é branco ou negro, se é de uma mulher ou de um homem ou de um/a trans, se nesse ato se é ativo ou passivo, se é um cu penetrado por um vibrador, um pênis ou um punho, se o sujeito penetrado se sente orgulhoso ou envergonhado, se é penetrado com camisinha ou não, se é um cu rico ou pobre, se é católico ou muçulmano. É nessas variáveis onde veremos desdobrar-se a polícia do cu, e também é aí onde se articula a política do cu; é nessa rede onde o poder se exerce, e onde se constroem o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo”. (Sáez e Carrascosa, 2011, p. 13).

Disponível em <http://www.ibahia.com/a/blogs/sexualidade/2012/11/07/o-anus-e-um-orgao-sexual/>. Acesso em 13 nov 2012.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Gênero para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra

Donna Haraway
Cadernos Pagu (22) 2004

Resumo: A autora conta suas desventuras teóricas após aceitar escrever um verbete sobre “gênero” para um dicionário marxista reputado. Em suas próprias palavras: “Além disso, mesmo se Marx e Engels – ou até Gayle Rubin – não se aventuraram pela sexologia, medicina ou biologia em suas discussões sobre sexo/gênero, ou sobre a questão da mulher, eu sabia que teria de fazê-lo. Ao mesmo tempo, estava claro que outras grandes correntes dos escritos feministas modernos sobre sexo, sexualidade e gênero se entrelaçavam constantemente mesmo com as mais modestas interpretações de minha encomenda. A maioria delas, talvez especialmente as correntes psicanalítica e literária do feminismo francês e inglês, não aparece em meu verbete sobre Geschlecht. De modo geral, o verbete abaixo focaliza os escritos das feministas norte-americanas. Este não é um escândalo trivial.”

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Inversões do papel de gênero: "drag queens", travestismo e transexualismo

Fernando Luiz Cardoso
Psicologia: Reflexão e Crítica, 2005, 18 (3), pp. 421-430

Resumo: Este artigo discute algumas categorias comumente usadas no campo da sexologia, mas pouco claras em termos de definição. A sexologia, enquanto uma ciência ainda muito recente, vem-se construindo com a contribuição de pesquisadores oriundos de muitas áreas do conhecimento que trabalham com diferentes percepções e categoriais epistemológicas. Tal multidisciplinaridade, por um lado, traz uma rica contribuição para este campo do conhecimento, mas, por outro lado, traz também muita confusão e pouco diálogo entre os seus pares. Ao discutir-se tais categorias, tentou-se situá-las e compará-las, empregando as evidências oriundas de pesquisas empíricas e explicativas na literatura vigente que as sustentem enquanto categorias transdisciplinares úteis de análise. Pesquisas de caráter apenas interpretativo foram deixadas de lado por não contribuírem nessa tentativa teórica interdisciplinar. Esta revisão crítica da literatura, produzida a partir do inglês, traz algumas contribuições sobre uma delas, o transexualismo, bem como sobre algumas das mais recentes formas de abordá-lo em termos acadêmicos e clínicos.