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segunda-feira, 3 de março de 2014

Tribunal de Portugal barra referendo sobre adoção por gays

Aline Pinheiro
20 de fevereiro de 2014

Se quiser ouvir o que a população pensa sobre a adoção por casais homossexuais, Portugal terá de fazer não um, mas dois referendos. Para o Tribunal Constitucional, o assunto envolve situações diferentes que, se abordadas no mesmo questionário, podem causar confusão nos eleitores. Por esse motivo, a corte derrubou a proposta de referendo já aprovada pelo Parlamento.

A decisão da corte foi tomada num controle prévio de constitucionalidade da resolução sobre o referendo. A manifestação do Tribunal Constitucional foi pedida pelo presidente da República portuguesa, Aníbal Cavaco Silva, antes que ele pudesse colocar em prática a consulta popular. Agora, cabe ao Legislativo desistir da proposta ou reformular as questões e dar andamento ao referendo.

O Tribunal Constitucional encontrou dois pontos controversos na consulta popular. Um deles se refere diretamente às questões feitas aos cidadãos. De acordo com a proposta, os eleitores teriam de responder às seguintes perguntas: “Concorda que o cônjuge ou unido de fato do mesmo sexo possa adotar o filho do seu cônjuge ou unido de fato?" e "Concorda com a adoção por casais, casados ou unidos de fato, do mesmo sexo?”.

Para os juízes, as duas questões tratam de situações bastante diversas e, se apresentadas no mesmo pacote, podem confundir o eleitor. A primeira pergunta se refere ao que é chamado de coadoção, que é quando um companheiro ou cônjuge adota o filho de outro. Projeto de lei nesse sentido foi aprovado no ano passado pela Assembleia Parlamentar de Portugal, mas ainda não saiu do papel por falta de acordo político.

No julgamento, o tribunal considerou que, nos casos de coadoção, está em jogo não apenas o direito de gays adotarem uma criança, mas a substituição de uma situação familiar anterior por uma nova. Já no segundo caso, a discussão parece mais simples. É basicamente se duas pessoas do mesmo sexo que vivem juntas têm o direito de adotar um filho.

O outro ponto da proposta de referendo que a corte considerou inconstitucional trata do universo de eleitores. Pela resolução aprovada, seriam ouvidos apenas os portugueses que moram em Portugal. O Tribunal Constitucional avaliou que essa restrição não é razoável, já que qualquer mudança legislativa nesse sentido pode afetar a família de portugueses que moram no exterior, pois também estão sujeitos à lei portuguesa.

A adoção por casais homossexuais tem ocupado as mesas de debate em Portugal há vários anos, mas a discussão ganhou corpo em 2010, quando foi aprovado o casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo. Na ocasião, não houve acordo sobre a adoção e a lei que permite o casamento gay passou a prever expressamente que a autorização para a união não significa que os homossexuais podem adotar uma criança. Desde então, grupos políticos vêm tentando aprovar novos projetos que legalizem a adoção por casais gays.

A Corte Europeia de Direitos Humanos não tem uma posição clara sobre o direito de os homossexuais adotarem uma criança, mas já julgou, em mais de uma ocasião, que pessoas na mesma situação têm de ter os mesmo direitos. Quer dizer, na teoria, se cônjuges heterossexuais podem adotar um filho, dois homens ou duas mulheres, desde que sejam casados, podem também. A legislação de Portugal ainda não foi discutida pela corte europeia.

A decisão do Tribunal Constitucional de Portugal: http://s.conjur.com.br/dl/portugal-referendo-adocao-gays.pdf


Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-fev-20/tribunal-constitucional-portugal-barra-referendo-adocao-gays. Acesso em 26 fev 2014.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Mudar de corpo e voltar

Inês Raposo
30.11.2012 

Casos como este são uma minoria dentro de uma minoria - em Portugal só encontrámos um. Ainda assim, um diagnóstico errado de transexualidade pode levar homens e mulheres, pela segunda vez, à mesa de operações em busca do corpo que perderam.

Foi por volta dos cinco anos que Walt Heyer começou a sentir “que tinha que mudar, que era uma menina presa num corpo de rapaz.” A Perturbação de Identidade de Género, ou Transexualidade, começa por se manifestar, na maioria dos casos, ainda na infância. “A partir dos três anos surgem os primeiros sinais e, à medida que as crianças se vão apercebendo do seu corpo e do dos outros, intensifica-se a noção de que vivem num corpo errado”, afirma Décio Ferreira, cirurgião plástico português especialista em casos de transexualidade. “Viu aquele filme em que o protagonista acorda no corpo errado? É assim que estas pessoas se sentem. O corpo é normal, o cérebro é normal mas há uma desconformidade entre o sexo psicológico e o biológico”. 

“A minha avó costumava vestir-me com um vestido de chiffon roxo”, conta Walt Heyer ao Life&Style. No dia em que decidiu levar o segredo do vestido para casa dos pais, a notícia não foi bem recebida. Por não saber lidar com um filho que gostava de se vestir de menina, o pai encontrou na violência um modo para o tornar “mais homem e mais forte”. Enquanto isso, Walt era ainda vítima de abuso sexual por parte de um tio. “Tudo isto e a minha confusão sobre o género tornaram quase impossível que eu tivesse uma percepção clara sobre quem eu era enquanto crescia”, explica.

Em muitos casos, um dos principais desafios que os transexuais têm de enfrentar começa em casa devido à falta de compreensão dos familiares. “Existe uma maior aceitação das masculinidades femininas do que das feminilidades masculinas. Os rapazes são mais pressionados para se portarem como homenzinhos; as brincadeiras de meninas não são bem encaradas. Já com as raparigas é diferente, basta pensarmos nas ‘maria-rapaz’,” afirma Sandra Saleiro investigadora no projecto “Transexualidade e transgénero: identidades e expressões de género”, desenvolvido no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL). 

Os anos passaram e com eles o roxo do vestido desbotou. Walt Heyer cresceu para ter um casamento feliz e dois filhos, mas a vontade de mudar de sexo não ficou para trás. Aos 42 anos, entrou no bloco operatório como Walt Heyer, e saiu uma pessoa diferente. Era Laura, Laura Jensen. “No princípio sentia-me óptimo. Estava feliz com o meu corpo e o meu género, apesar de ter sido rejeitado pela minha família e alguns amigos. Houve preconceito, mas entendo que as pessoas precisassem de me rejeitar, do mesmo modo que eu precisava de mudar de sexo. Funciona para os dois lados”.

O bilhete de ida

“Não sinto que tenha sido pressionado para fazer a operação. Foi mais uma questão de acreditar que os médicos e o psicólogo sabiam o que era melhor para mim.” Walt foi diagnosticado para tratamento cirúrgico por Paul Walker, um dos psicoterapeutas mais conceituados nos Estados Unidos da América em casos de Perturbação de Identidade de Género e também co-fundador da organização que escreveu as directivas internacionais para avaliar e aprovar potenciais candidatos à operação, a World Professional Association for Transgender Health (WPATH).

“Se os critérios da WPATH para o diagnóstico forem seguidos com rigor, o risco de fazer um diagnóstico errado é muito reduzido”, afirma Décio Ferreira. O cirurgião explica as diferentes etapas do processo de reatribuição sexual: “É preciso que uma equipa multidisciplinar faça o diagnóstico, depois uma outra equipa de profissionais dará uma segunda opinião. Se se confirmar que é mesmo uma Perturbação de Identidade de Género é que se avança para as fases seguintes”. Antes da cirurgia, os pacientes fazem psicoterapia, experimentam viver durante algum tempo como membro do sexo oposto em todas as interacções sociais e recebem tratamento hormonal, tudo num processo que pode demorar anos a concluir.

Júlia Pereira, do Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade (GRIT), acredita que toda a burocracia da mudança de género e o tempo que os procedimentos implicam “fazem com que os casos de arrependimento sejam muito raros.” A representante do GRIT não tem conhecimento de ninguém que se tenha arrependido de fazer a cirurgia de mudança de sexo e acrescenta que “quando um processo é tão demorado e complexo, só quem tem a certeza é que vai em frente”. Em Portugal, este tipo de procedimentos só foi permitido pela Ordem dos Médicos em 1995, passando depois a fazer parte do Serviço Nacional de Saúde.

“A literatura documenta que os casos de arrependimento são altamente minoritários. Claro que podem acontecer, mas serão sempre raros”, afirma Sandra Saleiro. A investigadora, que entrevistou 25 transexuais portugueses, não encontrou quem tenha mudado de opinião e alerta: “Alguns desses casos mais mediáticos já foram usados para reforçar argumentos daqueles que pretendem dificultar os processos de transição”. 

O regresso à origem

A falta de informação sobre transexualidade reflecte-se na inexistência de dados oficiais que permitam saber ao certo quantos homens e mulheres transexuais existem em Portugal. “Eu diria que cá temos pouco mais de 200 pessoas. Por ano devem aparecer uns 10 ou 12 casos novos”, afirma Décio Ferreira. E arrependimentos? “Só sei de um. E é muito específico. Foi um diagnóstico mal feito por profissionais que não sabiam o que estavam a fazer”, defende o cirurgião plástico. A pessoa de que fala é agora um paciente seu, Décio Ferreira está a ajudá-lo inverter a operação de mudança de sexo, não escondendo que “nunca vai voltar a ser igual” e que o processo reverte-se "dentro dos possíveis.” 

Devido à instabilidade psicológica deste paciente, a sua história chega-nos pelas palavras do médico: “Depois de o diagnosticarem com Perturbação de Identidade de Género, o rapaz, a família e amigos começaram a juntar dinheiro para pagar a operação na Tailândia. Lá confiaram no veredicto que vinha de Portugal e operam-no”. Ao regressar surgiram os primeiros problemas: “ele percebeu que afinal era naquele corpo feminino que não se sentia ele próprio, depois da operação é que tinha ficado no corpo errado”. Décio Ferreira lamenta “a incompetência dos que o diagnosticaram em apenas meia dúzia de semanas” e as consequências desse acto: “Nos dois anos que se seguiram à operação o meu paciente já se tentou suicidar três vezes”. 

O suicídio também passou pela cabeça de Walt Heyer quando se apercebeu de que tinha cometido um erro: “Comecei a estudar psicologia, a aprender mais sobre a mente e o corpo e foi então que me arrependi muito da operação. Percebi que é uma ilusão cosmética, hormonal e cirúrgica e que, por muito bem que eu parecesse, não tinha mudado de género”. Walt voltou a sentir-se um hóspede num corpo alheio e descobriu que tinha Transtorno Dissociativo de Personalidade, condição mental também conhecida como personalidades múltiplas – uma das quais mulher - e que isso pode ter contribuído para a falha no diagnóstico de transexualidade. “Não podia mais viver assim e comecei o caminho de volta para o sexo com que nasci”, explica Walt. 

Hoje Walt Heyer tem 72 anos, escreve livros sobre o tempo que viveu como mulher e defende que “os problemas não se resolvem com uma mudança de sexo”, procedimento que considera “de alto risco”. A sua experiência particular acabou por influenciar o modo como encara a transexualidade e generaliza os tratamentos a ela associados. Porém, para o cirurgião Décio Ferreira existe uma particularidade nos Estados Unidos que os distingue de Portugal: “Lá às vezes colocam os direitos à frente da ciência e esquecem-se que se uma pessoa diz que é o Napoleão isso pode não ser bem assim.” 

Disponível em http://lifestyle.publico.pt/artigos/313679_mudar-de-corpo-e-voltar. Acesso em 07 dez 2012

sábado, 7 de abril de 2012

Transexuais com dificuldade em mudar nome e sexo

TVi24
16- 3- 2012  8: 24

A associação Panteras Rosa acusou o Instituto de Registos e Notariado de dificultar o processo de alteração de nome e sexo nos documentos de identificação, ao pedir à Ordem dos Médicos que esclareça quem pode passar o diagnóstico de transexualidade.

O processo de alteração de nome e sexo das pessoas transexuais nos documentos de identificação passou a poder ser feito em qualquer conservatória de registo civil, com a entrada em vigor da Lei de Identidade de Género, a 15 de março de 2011.

Para tal, tem de ser apresentado um requerimento de alteração de sexo, assim como um relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também designada como transexualidade, elaborado por uma equipa multidisciplinar de sexologia clínica.

De acordo com a lei, o relatório deve ser subscrito por pelo menos um médico e por um psicólogo.

O porta-voz da associação Panteras Rosa ¿ Frente de Combate à Homofobia diz que a lei continua a ter bloqueios e acusa o Instituto de Registos e Notariado (IRN) de dificultar o processo, por «excesso de zelo», informa a agência Lusa.

Segundo Sérgio Vitorino, o IRN entendeu que o relatório assinado pelos dois profissionais (médico e psicólogo) não basta e consultou a Ordem dos Médicos para saber que médicos é que podem ou não fazer este diagnóstico: «O que acontece agora é que as pessoas chegam com o diagnóstico médico ao registo civil, e o registo civil pede um esclarecimento à Ordem dos Médicos a perguntar se aquele médico é competente para dar aquele diagnóstico».


Disponível em <http://www.tvi24.iol.pt/sociedade/transexuais-tvi24/1333503-4071.html>. Acesso em 25 mar 2012.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Saída de médico do SNS deixa 20 transexuais sem operação

RCM Pharma
04/03/2011 - 14:03

Os dois conheceram-se na consulta. Começaram a namorar entre os tratamentos e foram viver juntos entre as operações. Mudaram de sexo e foram para tribunal para mudar de nome: ele para poder aceitá-lo como mulher, ela para poder aceitá-la como marido. "Podiam ter ficado como estavam, sentiam-se bem um com o outro. Mas não se sentiam bem com eles próprios." Este foi o caso que mais marcou João Décio Ferreira, depois de cinco anos como único cirurgião do país habilitado a fazer operações de mudança do sexo, avança o jornal.

Aos 66 anos, o médico abandona o Serviço Nacional de Saúde (SNS) por não aceitar a segunda proposta que lhe fizeram após a reforma, no início do ano, quando mudaram as regras para a contratação de médicos reformados no SNS. A sua saída vai deixar 20 transexuais sem cirurgia.

Os doentes estavam nas fases preparatórias de mudança de sexo, revelou quarta-feira ao jornal i o cirurgião. O Hospital de Santa Maria propôs-lhe o que está na lei: reforma reduzida e um horário de 35 horas semanais com o pagamento de seis euros por hora.

Décio Ferreira considerou a proposta inadmissível, sobretudo quando noutros cargos públicos "existe a acumulação de reformas, e nem se trata de continuar a trabalhar". Mas a saída não é só uma forma de protesto: o médico só tinha dez horas de bloco operatório, de quinze em quinze dias, pelo que as restantes a cumprir por contrato "não faziam sentido".

Na Ordem dos Médicos (OM), que desde 1995 autoriza as cirurgias após o diagnóstico nos serviços de sexologia, há mais nove processos pendentes. Celso Cruzeiro, membro da direcção do Colégio da Especialidade de Cirurgia Plástica, admitiu ao i que a responsabilidade do fim das operações no SNS deve ser partilhada pela OM e pelo Ministério da Saúde, por não terem precavido a reforma do médico com novos especialistas. Neste momento só há um interno a formar-se nesta área, a dois anos de terminar a formação.

Ainda assim, a tutela recusou comentar a saída de João Décio Ferreira. Contactado pelo i, o gabinete de Ana Jorge também não comentou a hipótese avançada pelo especialista: o Hospital de Jesus, em Lisboa, admite estar interessado num protocolo com o Estado, como aliás já existe para os beneficiários de ADSE. No privado poderia operar e continuar a formar o interno. Celso Cruzeiro apela a uma solução rápida, seja o acordo com o privado seja a contratação de um cirurgião estrangeiro.

Portugal atípico

Dos 28 casos operados por Décio Ferreira, mais os 20 que estava a acompanhar, "99% não têm possibilidades para fazer a operação fora do SNS", admite. Para quem pode pagar, as clínicas estrangeiras, por exemplo na Tailândia, acabam por ser uma opção mais rápida.

"Após o parecer da Ordem dos Médicos, depois de um mínimo de dois anos de diagnóstico, é preciso esperar mais quatro ou cinco meses por uma vaga." Portugal é "atípico": há mais mulheres a mudar de sexo - 20 casos dos 28 operados pelo cirurgião, quando em termos globais há três homens para cada mulher. Estima-se que no país haja 200 transexuais, mas menos de 50 fizeram as operações.

Os casos operados por João Décio Ferreira chegavam de todo o país, depois de passarem pelas consultas no Hospital Júlio de Matos, de Santa Maria, Magalhães Lemos, Santo António e Hospitais de Coimbra. "Ainda há muita repressão", afirma o médico, explicando que os primeiros sinais surgem por volta dos três anos, quando as crianças se julgam do sexo oposto.

"A transexualidade é uma malformação: o sexo genital forma-se aos três meses no embrião, enquanto o cérebro feminino ou masculino é só aos cinco." O cirurgião lamenta a falta de respostas, logo agora que avançou o que sempre foi a parte mais morosa do processo. Cavaco Silva promulgou terça-feira o diploma que simplifica a mudança de sexo e de nome, até aqui sujeita a uma longa luta em tribunal.

Disponível em <http://www.rcmpharma.com/actualidade/politica-de-saude/saida-de-medico-do-sns-deixa-20-transexuais-sem-operacao>. Acesso em 29 fev 2012.