Yannik D´Elboux
14/04/2014
Para uma pequena parcela da população, o sexo é uma prática
completamente sem sentido. As pessoas chamadas assexuais, apesar de não terem
nenhuma anormalidade, não sentem interesse em fazer sexo.
Como o conceito de assexualidade ainda é recente, muitos
nunca ouviram falar desse termo e com frequência julgam a indiferença ao sexo
como problema. "Sou normal, não tenho traumas nem doenças que me impeçam
de fazer sexo, simplesmente não sinto vontade", explica Claudia Mayumi
Kawabata, 33 anos, que trabalha como orçamentista em uma gráfica em São Paulo
(SP).
Assim como outras pessoas na mesma situação, Claudia
percebia que não era igual a maioria, porém não sabia a razão. "Sempre me
achei diferente, pois, além de não sentir atração sexual, também não sinto
atração estética", conta.
Ela só foi descobrir o que significava assexualidade em
2011, o que lhe deu liberdade para se aceitar. Desde 2013, Claudia é uma das
moderadoras da comunidade A2 na internet, grupo que reúne mais de 700 usuários
e busca divulgar a existência da assexualidade, além de promover a troca de
experiências sobre o assunto.
Ainda não se tem ideia da quantidade existente de pessoas
assexuais. "Por ser uma sexualidade praticamente desconhecida, não temos
números confiáveis, nem no Brasil nem no mundo", afirma a pedagoga e
pesquisadora Elisabete Regina Baptista de Oliveira, que está desenvolvendo uma
tese de doutorado sobre assexualidade pela Faculdade de Educação da USP
(Universidade de São Paulo). "A única pista que temos é de que 1% da
população não tem interesse por sexo", acrescenta.
Segundo Elisabete, esse número provém de dois estudos
realizados nas décadas de 1940/1950 e 1990 nos Estados Unidos e na
Grã-Bretanha, porém não representa um bom retrato da realidade, já que muitas
pessoas que poderiam se identificar como assexuais não conhecem esse conceito.
Sem desejo
A ginecologista e sexóloga Sylvia Maria Oliveira Cunha
Cavalcanti, presidente da comissão de Sexologia da Febrasgo (Federação
Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), afirma que a
assexualidade costuma ser bastante rara. "Não é uma coisa muito comum
porque o ser humano é o mais sensualizado de todos os animais. O sexo para nós
não se restringe à reprodução, é uma forma de comunicação, de expressar os
sentimentos".
Para a médica, o desinteresse sexual pode surgir por
diversos motivos, desde aspectos biológicos, como alterações hormonais, até
psicossociais, como uma educação repressora, decepção com o parceiro,
experiências negativas, entre outros. Porém, para alguns não há uma causa.
"Existem pessoas que realmente não se interessam, o sexo é algo
absolutamente sem nenhum valor para elas", diz Sylvia.
A ausência de desejo pode significar um problema, sobretudo
naqueles que antes possuíam ímpeto sexual. Nos assexuais, segundo Elisabete
Oliveira, o desinteresse é uma característica permanente ao longo da vida desde
a puberdade. "Trata-se de perspectiva: a falta de desejo pode ser vista
como um transtorno ou como mais uma cor no arco-íris da diversidade
sexual", analisa a pesquisadora.
Para a ginecologista e sexóloga, o desinteresse nos
assexuais não precisa de tratamento se não estiver causando nenhum incômodo ou
estresse. "Se não é um problema para a pessoa, se ela estiver satisfeita
assim, não há o que fazer, não tem o que ser tratado. Não ter vontade também é
um direito da pessoa", diz Sylvia Maria.
Românticos e arromânticos
Apesar de não sentirem atração sexual, os assexuais podem ou
não ter interesse no relacionamento amoroso. Aqueles que desejam parceria
amorosa costumam ser chamados de românticos e os que não se interessam por esse
envolvimento de arromânticos.
"Não foi a falta de interesse por sexo a minha
principal fonte de questionamentos na adolescência, mas, sim, a minha falta de
interesse amoroso", conta Saulo Albert, 20 anos, estudante de Direito, de
Vitória da Conquista (BA), que se identifica como assexual arromântico.
Saulo, também um dos moderadores da comunidade A2, diz que
nunca teve vontade de namorar ou se relacionar sexualmente. Esse comportamento
geralmente não é bem visto em um mundo no qual o amor e o sexo estão por toda
parte, das músicas às novelas. "Passamos a aceitar que a vida com um
parceiro amoroso é a grande fórmula da felicidade", critica Saulo.
O estudante baiano acredita que, assim como as pessoas, os
caminhos para a felicidade também são diferentes. "Eu me sinto amado e
acolhido pelas pessoas ao meu redor, por isso o amor [romântico] não é um
sentimento que me faz falta. Isso, para mim, é mais do que suficiente",
declara.
Mesmo sem vontade, alguns assexuais acabam tendo relações
sexuais quando namoram para poder satisfazer o parceiro. Foi o caso de Claudia
Mayumi, assexual romântica, que já morou com um namorado por dois anos e tem
uma filha de 13 anos. "Antes de saber que era 'assex', tentei ter uma vida
sexual ativa, mas isso me deixava mal. Depois de cada relação sexual entrava em
conflito comigo mesma, pois tinha de fingir para agradar a outra pessoa",
revela.
Para Claudia, a vida flui melhor quando ela está só.
"Sou feliz sem sexo. Quando estou sozinha, me sinto completa; quando estou
em algum relacionamento, eu me sinto frustrada e vazia", constata.
Não sonhar com o casamento não significa viver de forma
isolada ou preferir a solidão. "Os assexuais dão muita importância aos
seus relacionamentos em família e com os amigos, diferentemente de pessoas não
assexuais que priorizam seus relacionamentos amorosos acima de todas as
coisas", diz a pesquisadora Elisabete Oliveira.
Disponível em
http://mulher.uol.com.br/comportamento/noticias/redacao/2014/04/14/assexuais-vivem-bem-sem-sexo-mas-podem-ter-um-relacionamento.htm.
Acesso em 14 abr 2014.