Yannik D´Elboux
20/05/201407h02
Os bissexuais costumam sofrer preconceito duplo. Para os
heterossexuais, é difícil compreender a existência do desejo por ambos os
sexos. Já os gays, apesar de carregarem a letra B em seu movimento LGBT
(lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis), custam a acreditar que
os bissexuais realmente existam.
A polêmica, tanto entre héteros quanto homossexuais, recai
sempre sobre a bissexualidade masculina, pois com as mulheres a cobrança por uma
definição é menor. Afinal, a bissexualidade feminina continua sendo um dos
maiores fetiches dos homens, o que acarreta maior aceitação.
Para quem duvida dessa orientação sexual, declarar-se
"bi" é apenas uma forma de não assumir completamente a homossexualidade.
Entretanto, para a ciência, a bissexualidade não é uma desculpa de gay que teme
se assumir. Um estudo de 2011 da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos,
mostrou que homens bissexuais apresentam padrões de excitação similares quando
estimulados por conteúdo erótico masculino e feminino.
A pesquisa foi a segunda realizada com o mesmo objetivo pelo
professor Michael Bailey, do Departamento de Psicologia. Em 2005, ele não
conseguiu comprovar a existência da atração por ambos os sexos do ponto de
vista genital e cerebral, o que motivou o controverso artigo do jornal The New
York Times de título "Hétero, gay ou mentiroso".
Em entrevista ao UOL, Bailey explicou que na segunda
tentativa empregou outro método de recrutamento dos participantes. Dessa vez,
ao invés de uma seleção aleatória, o pesquisador usou um site em que casais
procuravam por parceiros sexuais masculinos, para interagir tanto com o homem
quanto com a mulher, para aumentar as chances de encontrar indivíduos
genuinamente bissexuais.
"No segundo estudo, os homens de fato tenderam a
apresentar um padrão bissexual de excitação. Portanto, neste sentido, nós
mostramos que a bissexualidade masculina existe", afirmou o professor da
Universidade Northwestern.
Dentro do armário
Apesar de existirem para a ciência, os bissexuais ainda
parecem bastante invisíveis para a sociedade e até dentro do movimento gay.
"Dificilmente encontramos pessoas que se autodenominam bissexuais e se
organizam para fazer esse debate em conjunto", afirma Juliana Souza,
bissexual assumida e secretária da região Sul da ABGLT (Associação Brasileira
de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais).
Segundo Juliana, as pessoas com essa orientação sexual
acabam unindo-se aos gays e às lésbicas para não perderem representatividade e
fugir das críticas. "Dentro do movimento LGBT tem o preconceito velado.
Ainda há aquela rusga de que a pessoa bissexual não tem definição", diz.
O estudante universitário Rodrigo Salgado, também bissexual
assumido e integrante da diretoria do grupo Dignidade, que luta pelos direitos
da população LGBT no Paraná, sabe bem o que é isso. "Boa parte da
população LGBT pensa que que o bissexual não existe, que é um gay que não saiu
do armário", conta.
Essa ideia equivocada tem justificativa. Alguns gays, às
vezes até homens em casamentos convencionais, passam por um estágio em que se
definem como bissexuais antes de assumir a homossexualidade. "Quando
aceitam que são gays, eles ficam céticos e acreditam que qualquer homem que se
diz bissexual é exatamente como eles eram", explica o professor Michael
Bailey, da Universidade Northwestern. Porém, nesses casos, a bissexualidade
nunca existiu de fato.
Não é indecisão
"O bissexual é a pessoa que sente atração, tem desejos
e estabelece práticas sexuais com ambos os sexos", define o psicólogo Ítor
Finotelli Júnior, psicoterapeuta sexual e secretário geral da Sbrash (Sociedade
Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana). Essa característica não tem nada
a ver com indefinição. "Por vezes, o bissexual é considerado como um
indeciso ou promíscuo. Esses adjetivos revelam o preconceito que essas pessoas
sofrem", afirma o psicólogo.
A incompreensão pode vir até do parceiro ou companheiro.
"Aparecem inseguranças do tipo: será que ele está satisfeito? será que dou
conta?", exemplifica Ítor Finotelli. Por essa razão, Juliana Souza
acredita que, muitas vezes, os bissexuais preferem evitar esse rótulo e lidar
apenas com o presente, diminuindo também a necessidade de explicações para os
outros. "Se está em uma relação hétero a pessoa se autodenomina hétero, se
está em uma relação com o mesmo gênero se denomina gay", diz a secretária
da ABGLT.
Entretanto, independentemente da relação que vive no
momento, o bissexual mantém seu interesse pelos dois sexos. Isso acontece tanto
com Juliana, que também é bissexual e atualmente vive com uma mulher, quanto
com Rodrigo Salgado, noivo de outro homem. "Isso não muda o fato de eu
sentir atração por ambos os sexos", diz ele, que já namorou mulheres.
População bissexual
Não existem dados precisos sobre a quantidade de bissexuais
entre a população brasileira. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) ainda não incluiu a pergunta sobre orientação sexual nos censos
regulares. Em 2009, um levantamento do Datafolha apontou a prevalência de 3% de
bissexuais.
Como o preconceito contra as mulheres costuma ser menor,
existe a impressão de que a bissexualidade é mais comum na população feminina.
Segundo o secretário geral da Sbrash, de fato observa-se uma maior quantidade
de mulheres afirmando-se bissexuais em comparação com os homens. "Mas isso
não significa tendência ou maior predisposição das mulheres a serem
bissexuais", esclarece.
Entre os homens, não são raros aqueles que escondem a
verdadeira orientação sexual, passando-se por heterossexuais ou até
homossexuais para escapar da discriminação. Para Rodrigo Salgado, enquanto as
pessoas não criarem coragem para se expor, a falsa imagem de que os
"bi" não existem irá se perpetuar, mesmo com as descobertas
científicas a respeito da bissexualidade. "Os bissexuais precisam fazer
uma segunda saída do armário", afirma.
Disponível em
http://mulher.uol.com.br/comportamento/noticias/redacao/2014/05/20/bissexual-nao-e-gay-enrustido-atracao-pelos-dois-sexos-existe.htm.
Acesso em 15 dez 2014.