Jomar Martins
9 de abril de 2012
Se há prova robusta de que o relacionamento entre duas
mulheres era visto como união estável, nos moldes do artigo 1.723 do Código
Civil, e que ambas concorreram para a formação do patrimônio, não há por que
negar a uma delas o direito sucessório, em caso de morte da companheira. Com
este entendimento, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul deu provimento à apelação de uma mulher em litígio com a mãe da companheira
que morreu. A segunda instância reformou a sentença que não reconheceu a união
estável. A primeira instância entendeu que a relação era apenas de ‘‘parceria
civil’’ — o que não geraria direito aos bens deixados de herança.
Respaldados pelo posicionamento do Supremo Tribunal Federal,
no julgamento da Adin nº 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental nº 132, em 5 de maio de 2011, os desembargadores foram unânimes em
declarar a existência de união estável homoafetiva entre ambas, com os
respectivos desdobramentos legais. Para as regras que tutelam o direito
sucessório entre companheiros, foi aplicado o artigo 1.790, inciso III, do
Código de Processo Civil. A decisão é do dia 22 de março.
O caso é originário da Comarca de Porto Alegre e tramita sob
segredo de justiça. Conforme o acórdão, L.S.C. e R. de. O. viveram juntas entre
julho de 1983 e fevereiro de 2008, quando a segunda morreu. A primeira teve de
ir à Justiça na Justiça para pedir os direitos de sucessão sobre o imóvel em
que habitava conjuntamente com ela. A ação pedia reconhecimento e dissolução de
união estável, cumulada com petição de herança, movida contra o espólio de R.
de O., representada pela mãe.
O juiz de Direito Marco Aurélio Martins Xavier, ao proferir
a sentença, entendeu que relação era de parceria civil. Em consequência,
declarou como propriedade de L.S.C. a fração ideal de 50% do imóvel que lhes
servia de moradia. Para ele, a partilha deve respeitar esta proporção,
inclusive no que toca às duas construções efetivadas sobre o terreno.
Inconformada com a decisão, L.S.C. interpôs Apelação no
Tribunal de Justiça. Afirmou que a legislação não proíbe a união homoafetiva e
que cabe ao julgador, diante da lacuna da lei, fixar os efeitos jurídicos
decorrentes. Alegou que a sentença feriu o artigo 1º, inciso III, da
Constituição Federal, que dispõe sobre o princípio da dignidade humana.
Mencionou também o artigo 226, parágrafo 3º, da Carta Magna, que reconhece a
união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Disse que tal artigo
deve ser aplicado às uniões homoafetivas constituídas com o intuito de família,
pois o Direito tem de acompanhar a evolução da própria sociedade.
Por fim, garantiu ter sido plenamente demonstrado que a
união havida com R. de O. foi pública, contínua, duradoura e com o intuito de
constituir família, somente cessando em razão da morte. A procuradora de
Justiça com assento na 8ª; Câmara Cível, Noara Bernardy Lisboa, opinou pelo
provimento da ação.
O desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, que relatou a
matéria no colegiado, acatou a apelação. Registrou que o Pleno do STF, ao
julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, reconheceu a proteção jurídica
da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Com a decisão, o artigo 1.723 do
Código Civil passou a ser interpretado conforme a mudança constitucional. Logo,
foi excluído do dispositivo legal qualquer significado que impeça o
reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo
sexo como família. Em suma, este reconhecimento deve ser feito segundo as
mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
Segundo o relator, a decisão do STF superou a compreensão da
sentença, de que era juridicamente impossível a união estável entre duas
pessoas do mesmo sexo, tese que ainda vigorava na corte. ‘‘Deste modo, e
considerando que, na espécie, o conjunto probatório constante dos autos é
robusto no sentido da presença dos elementos caracterizadores de um
relacionamento estável, nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil (...), não
há dúvida de que deve ser emprestado à aludida relação tratamento equivalente
ao que a lei confere à união estável havida entre homem e mulher, inclusive no
que se refere aos direitos sucessórios’’, destacou.
Ao finalizar o voto, o relator, citando o parecer da
procuradora de Justiça, disse que a questão sucessória entre companheiros deve
considerar o aplicado no artigo 1.790, inciso III, do Código de Processo Civil.
Os desembargadores Rui Portanova (presidente do colegiado) e
Luiz Felipe Brasil Santos votaram no mesmo sentido do relator.
Acórdão:
http://s.conjur.com.br/dl/acordao-tj-rs-reconhece-uniao-estavel.pdf
Disponível em
http://www.conjur.com.br/2012-abr-09/tj-rs-reconhece-direitos-sucessorios-uniao-estavel-duas-mulheres.
Acesso em 09 jul 2013.