Regis Martins
21/12/2013
Léo Moreira Sá nasceu com o nome de batismo de Lourdes
Helena, na cidade de São Simão, onde, pelo menos, até os 7 anos de idade, teve
uma infância feliz. Caçula de uma família de nove irmãos, foi criado(a) por uma
mãe carinhosa e um pai rigoroso, mas responsável.
“São Simão era e, acredito que seja até hoje, uma cidade
pacata e muito quente, e eu vivia de shorts sem camiseta, correndo pelo mato,
pelas ruas, brincando com os moleques de bola, de pipa, de pega-pega”, conta.
A então menina Lourdes também passava as férias em Ribeirão
Preto, na casa da avó Noêmia, que fazia lindas colchas de crochê, deliciosas
compotas de frutas e um licor de jabuticaba fantástico. “Ribeirão era a cidade
grande que me fascinava. Preparou-me para conhecer a metrópole dos meus sonhos,
São Paulo. Tenho muitas saudades desse tempo”, conta.
Mas, logo em seguida, a pequena Lourdes se deu conta de que
a natureza também prega peças. “Meus problemas começaram quando eu tive que ir
pra escola de uniforme feminino. Aquela criança feliz se transformou em um
infeliz garoto de saias”, lembra.
Traumas
Antes de se mudar de São Simão para São Bernardo do Campo,
Lourdes - ou Lou, como era chamada pela família - sofreria abusos que a
traumatizariam.
Tempos depois, envolvida com movimentos sociais e trabalhistas
no ABC, decidiu estudar ciências sociais na USP. Nesta mesma época conheceu as
amigas da banda Mercenárias, uma das mais originais do underground paulistano.
Ouviu o grupo no lendário bar Napalm, quando o multi-instrumentista Edgard
Scandurra [guitarrista do Ira!] ainda tocava bateria - dali alguns meses o
substituiria nas baquetas.
“Aprendi a tocar bateria ouvindo uma fita cassete de um show
das Mercenárias com o Edgar. Acho que as minhas dificuldades criaram um estilo
esquisito, que, no diálogo com o baixo pesado da Sandra [Coutinho], marcaram o
som da banda de forma única”, lembra.
Estrearam no mercado fonográfico em 1985 com “Cadê as Armas”
e em 1987 lançaram “Trashland”. Longe das rádios comerciais, a banda acabaria
no final da década de 1980.
Foi quando Lou se envolveu na cena clubber paulistana e
também com drogas pesadas. Abriu um café e logo em seguida uma casa noturna,
Circus, que teve um sucesso fulminante, mas faliu. “Eu já estava cheirando toda
a cocaína possível quando conheci a [travesti] Gabi. A partir daí pareciam que
as festas não acabavam nunca mais. Durou de 1995 a 2004”, conta.
‘Tive muito tempo para refletir’
Preso em 2004 por tráfico, Lou sairia da cadeia cinco anos
depois. “Na prisão tive muito tempo pra refletir sobre o caminho que eu havia
tomado. E paradoxalmente foi naquele universo inóspito que eu me senti livre
pra assumir a minha transexualidade”, diz.
Quando saiu, entrou em um programa da prefeitura de São
Paulo que oferecia um salário mínimo pra pessoas LGTBs se qualificarem. Fez uma
oficina de teatro e acabou na companhia Os Satyros. Lá, se tornou técnico de
iluminação.
Em seguida, trabalhou nas peças “Hipóteses para o amor e a
verdade” e “Cabaret Stravaganza”, que venceu prêmio Shell 2012 de melhor
iluminação. Com o dinheiro do prêmio, fez sua primeira mastectomia - cirurgia
que retira as glândulas mamárias e dá a formatação do tórax masculino. Léo assumiria o lugar de Lou definitivamente.
Vida de transexual vira peça teatral
A história do sãosimonense ganhou os palcos de São Paulo com
a peça “Lou &Leo”, dirigida por Nelson Baskerville e com ele no papel
principal.
“A peça nasceu da necessidade de contar minha história, com
o objetivo de trazer para o debate público a questão da transexualidade, como
dissidência de uma cultura que marginaliza todas as expressões que não se
encaixam nas normas de gênero”, afirma o ator/iluminador, que sonha em trazer o
espetáculo para a região onde nasceu. “Seria uma emoção estonteante falar sobre
a minha história onde tudo começou. Infelizmente, não vou a São Simão ou
Ribeirão há mais de 20 anos. A vida em São Paulo é muito intensa”, afirma.
Disponível em
http://www.jornalacidade.com.br/lazerecultura/NOT,2,2,911015,Saosimonense+muda+de+sexo+e+da+exemplo+de+superacao.aspx.
Acesso em 26 fev 2014.