Jones Figueirêdo Alves
18 de dezembro de 2013
O instituto da paternidade socioafetiva, introduzido na
doutrina brasileira pelo jurista Luiz Edson Fachin (1992), tem a sua existência
ou coexistência reconhecidas no âmbito da realidade familiar e sua moldura
jurídica extrai-se do artigo 1.593 do Código Civil (2002), quando a relação de
filiação resulta de outra origem que não a da consanguinidade.
Verifica-se, assim, a parentalidade socioafetiva, nutrida
pelo espirito, que tem igualdade jurídica com aquela adveniente do vinculo
biológico, ambas com os mesmos direitos e deveres inerentes à relação
paterno-filial.
É certo que tem sido permitido o reconhecimento voluntário
da paternidade biológica perante o Oficial de Registro Civil, a qualquer tempo,
mediante averbação do ato declaratório, no assento respectivo do nascimento do
filho reconhecido, conforme tem sido objeto de politicas públicas (Lei
8.560/1992, com atualização da Lei 12.004/2009) e incentivado por mecanismos de
facilitação (Provimentos do Conselho Nacional de Justiça).
Caso é de estender-se, agora, nas mesmas latitudes, o
reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva, tendo em vista a
igualdade jurídica entre as espécies de filiação (artigo 226 § 6º, da
Constituição Federal), quando, com direitos e qualificações idênticos, o filho
afetivo resulta de um liame dos fatos da vida no plano íntimo da convivência
com o pai referencial.
Neste sentido, iniciativa normativa inédita no país, vem
permitir através do Provimento 09/2013, de 2 de dezembro de 2013, da
Corregedoria Geral de Justiça de Pernambuco, que homens registrem filhos não
biológicos em cartório, bastando (i) o comparecimento pessoal para a declaração
(artigo 2º, § 1º); (ii) a concordância expressa da genitora ou do filho maior
(artigo 2º, §§ 3º e 4º); (iii) a qualificação dos dados do requerente, da
genitora e do filho (artigo 2º § 3º), e (iv) observadas as normas legais
referentes à gratuidade de atos (artigo 8º).
A simplificação do procedimento do reconhecimento elimina a
necessidade de provocação jurisdicional (que rende processo judicial de média
duração) e se apresenta como medida de elevado alcance social, a saber que
muitos filhos, sem paternidade biológica preestabelecida nos seus registros, já
convivem de forma afetiva com os pais substitutos, em famílias expandidas ou
não, e necessitam, por direito personalíssimo, possuírem um referencial de
autoridade parental e cuidadora.
O provimento, de nossa autoria (como Corregedor Geral de
Justiça, em exercício) considerou, em suas diretivas principais, os fundamentos
axiológicos do princípio da afetividade e da dignidade da pessoa humana, tendo
em conta a amplitude do conceito de família ofertado pela Constituição Federal
de 1988. Mais ainda, quando em seu artigo 226 resulta estabelecido que a
família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
Adiante, o instrumento normativo indica alguns pressupostos
de base, assinalando que:
(i) as normas consubstanciadas nos Provimentos 12, 16 e 26
do Conselho Nacional de Justiça, as quais visam facilitar o reconhecimento
voluntário de paternidade biológica devem ser aplicáveis, no que forem
compatíveis, ao reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva;
(ii) o disposto no artigo 10, II, do Código Civil em vigor,
estabelece que “os atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou
reconhecerem a filiação devem ser averbados em registro público”, tornando-se o
reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, nesse fim, forma
desburocratizada a estabelecer a relação paterno-filial fundada na
socioafetividade;
(iii) o reconhecimento espontâneo da paternidade
socioafetiva não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade biológica
(artigo 7º).
Induvidoso que “do reconhecimento jurídico da filiação
socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade
parental” (Enunciado Programático 06/2013, do Instituto Brasileiro de Direito
de Família - IBDFAM), os filhos socioafetivos tornam-se, pelo Provimento
editado, os seus maiores beneficiários, porquanto para além de uma autoestima
elevada, ante a existência de um pai civil (socioafetivo), a sua dignidade como
pessoa humana se coloca em nível de equipotência com a dos filhos biológicos,
pela igualdade jurídico-substancial que congrega todos os filhos; todos
amparados, então, por um poder familiar.
Quando o artigo 1.593 do Código Civil permite que a
paternidade socioafetiva seja reconhecida junto a pessoas que não tenham o nome
do pai biológico na certidão de nascimento, suprindo do berço da origens a
lacuna de sua identidade genética na esfera registral, diante dos fatos
supervenientes da vida que as colocam vinculadas a um pai de afeição, caso é de
se admitir que essa declaração possa ser feita pelo pai, administrativamente
(perante o Registro Civil), sem necessária demanda judicial do filho, isto
porque o reconhecimento é feito, sempre, em favor do próprio filho.
Bem de ver que o referido normativo codificado, em extensão
do parentesco civil, recepciona outros vínculos, para além da adoção, como
aqueles decorrentes da reprodução artificial heteróloga (artigo 1.597, V, CC) e
da posse de estado de filho; vínculos que nas três hipóteses reproduzem a noção
exata da paternidade socioafetiva. Neste sentido, o Enunciado 103 do CJF/STJ.
Mas não é só. Bem é certo pensar, no ponto, que a vida para
ter sentido precisa ter as bases mais sólidas para o sentido da vida. Quanto
mais se discute a socioafetividade, em seus efeitos jurídicos, o sentido da
vida nos ensina que esses efeitos tem sentido visceral com a própria vida!!! A
paternidade/maternidade (biológicas ou afetivas) sustenta um forte vínculo de
referência, provendo a criança ou adolescente, de fonte essencial de sua
própria identidade.
De tal sentir, não serão desafeições de doutrina minoritária,
sem qualquer sentido de fato, que poderão reduzir o sentido da vida que a
sociedade e, no particular a família, nos ensina.
Realmente. O pernambucano e desembargador Virgilio de Sá
Pereira (1871-1934), um dos maiores civilistas de todos os tempos, ensinou, por
sua vez, que “a família é um fato natural, criada pela natureza e não pelo
homem, motivo pelo qual excede a moldura que o legislador a enquadra, pois ele
não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera.” (“Direito de
Família”, 1923, p. 59).
Em menos palavras: socioafetividade, na esfera familiar, é a
vida pulsando em sua realidade inexorável de afeições, a partir do contexto
mais nuclear, queiram ou não os menos afetivos.
Disponível em
http://www.conjur.com.br/2013-dez-18/jones-figueiredo-paternidade-socioafetiva-igualdade-biologica.
Acesso em 19 dez 2013.