João Varella
edição 824 - 26.JUL.13
O esquadrão antibombas foi chamado com urgência ao
estacionamento do Walmart da cidade de Aurora, no Estado americano do Colorado,
em maio deste ano. Um homem com cerca de 30 anos, portando uma mochila, deixou
gotejar um líquido suspeito e foi abordado por policiais. A área foi isolada, o
supermercado fechado e a tensão tomou conta da região. Quando técnicos
especializados finalmente abriram a mochila, se depararam com vibradores e géis
lubrificantes, entre outros acessórios sexuais comprados no próprio Walmart. O
alarme falso se explica pelo fato de o gigante do varejo americano, que faturou
US$ 443 bilhões no ano passado, apostar no aumento das vendas nesse segmento.
Os testes começaram em 2008, em uma loja da zona rural do
Estado de Iowa. Desde então, gradativamente, os produtos vêm sendo espalhados
pelas mais de quatro mil lojas da rede no país. O Walmart está de olho no
mercado de apetrechos eróticos, estimado em US$ 15 bilhões ao ano, que vão de
máscaras e lingeries a algemas e chicotes. São os chamados sex toys, que
constituem uma parte substancial do mercado do sexo no mundo. A indústria de
filmes pornográficos fatura cerca de US$ 10 bilhões. A venda de pílulas
anticoncepcionais chega a US$ 16 bilhões. E os comprimidos para combater a
disfunção erétil, liderados por marcas como o pioneiro Viagra, Levitra e
Cialis, respondem por US$ 5 bilhões.
No total, a indústria do prazer movimenta uma montanha de
dinheiro estimada em US$ 46 bilhões por ano e que deve ao menos duplicar em
2020. A tradicional varejista de Bentonville, no Arkansas, não está sozinha
nessa aventura. Como ela, grandes empresas estão aproveitando essa nova
revolução sexual. São companhias como a varejista virtual Amazon, a loja de
grife Armani e a varejista de cosméticos Eudora, do grupo Boticário. Elas estão
se beneficiando da reinvenção da indústria do sexo. É fácil ver sinais de que o
tema, antes considerado tabu, agora se tornou corriqueiro nas mais diversas
rodas sociais, de todos os gêneros e bolsos.
O filme de Pernas para o Ar 2, da Globo Filmes, que retrata
uma executiva protagonizada pela atriz Ingrid Guimarães se aventurando no mundo
dos acessórios sexuais, levou quatro milhões de pessoas aos cinemas brasileiros
neste ano e arrecadou R$ 44 milhões. É o filme nacional mais assistido em 2013.
Por seu turno, a literatura erótica ajudou a consolidar a ideia de que entre
quatro paredes tudo é válido para apimentar e tornar mais prazerosa a relação.
A trilogia 50 tons de cinza, da escritora britânica E. L. James, apelidada de
“Pornô para Mamães”, já vendeu 70 milhões de cópias no mundo. Estima-se que
tenha gerado vendas de US$ 440 milhões para a americana Random House, que edita
a obra em inglês, alemão e espanhol, o equivalente a um terço de sua receita em
2012.
No Brasil, editado pela Intrínseca, do economista Jorge
Oakim, ultrapassou a casa dos quatro milhões de exemplares. Essa mudança
comportamental abriu caminho para que grandes empresas investissem na área. É
claro que antes de entrarem nesse mercado apoiaram suas decisões em muitas
pesquisas com os consumidores. O conservador Walmart é um exemplo disso. Antes
de colocar acessórios sexuais em suas prateleiras de higiene feminina, a rede,
fundada por Sam Walton, teve de ser convencida pela centenária empresa Church
& Dwight, maior fabricante de camisinhas dos Estados Unidos e de vibradores
populares. Ela encomendou, em 2008, um estudo à Universidade de Indiana sobre o
uso de vibradores pela população americana.
Mais da metade (52%) das mulheres respondeu já ter usado e
80% delas afirmaram que o fizeram em uma relação sexual com o parceiro. Foi o
suficiente para convencer a gigante do varejo a investir no negócio. A aposta
no filão do erotismo feita pela Eudora, marca do grupo paranaense Boticário,
criada em 2011, também foi precedida por pesquisas com quatro mil consumidoras,
que embasaram o lançamento de uma linha de produtos eróticos batizada de Entre
4 Paredes.“Constatamos um potencial enorme de consumidoras dispostas a comprar
acessórios sem ter de passar por uma luz vermelha ou aqueles ambientes
carregados dos sex shops”, diz Rodrigo Navarrette, gerente de perfumaria e
cuidados com a pele da Eudora.
A empresa de Curitiba descobriu que a sensualidade feminina
se divide em quatro momentos: casual (dia a dia), descolada (quando quer marcar
presença), poderosa (relacionada com glamour) e, no ápice dessa escala, entre
quatro paredes. Navarrette se diz animado com o segmento, que trouxe agradáveis
surpresas nas últimas semanas. “Lançamos um massageador íntimo recentemente e
vendemos em dois dias o que esperávamos vender em 20.” Além do massageador, a
linha é composta de géis íntimos, velas corporais, perfumes e jogos de cartas
eróticos, vendidos aos clientes pelas mesmas consultoras que vendem os
cosméticos da Eudora.
Siga o líder - O impulso do Walmart fez com que varejistas
americanas concorrentes, como Walgreens, Target, Kroger e Safeway, também
passassem a abrir espaço em suas prateleiras aos vibradores e correlatos. A
CVS, segunda maior cadeia de farmácias dos EUA, aumentou em cinco vezes o
espaço para a venda de acessórios sexuais. Todos eles fizeram estreias
discretas e raramente discutem o tema abertamente. Um porta-voz do Walgreens, a
maior cadeia de farmácias do país, disse à revista Newsweek que a empresa “se
adapta às tendências e mudanças do interesse dos consumidores” e prefere oferecer
“produtos discretos”.
Na Europa, o maior símbolo de que o sexo não é mais um tabu
no mundo dos negócios é a megastore da grife italiana Giorgio Armani, em Milão.
Sem perder a elegância, a Armani optou por vender nessa loja produtos da
empresa OhMiBod, conhecida por ter criado um vibrador de design minimalista,
dotado de uma tecnologia que sincroniza a intensidade do aparelho de acordo com
a música que está tocando no celular. Os aparelhos custam entre US$ 80 e US$
130. “Sinto que estamos em meio à revolução sexual 2.0”, disse Suki Dunham,
fundador da OhMiBod, à rede de tevê americana NBC. Na internet não foi
diferente.
A Amazon estreou no segmento com 37 mil itens em 2005. Sem
alarde, sem investimento de marketing e sem preconceito, o portfólio foi se
ampliando e hoje oferece mais de 60 mil produtos. A maior varejista online do
mundo tem de tudo: vibradores de diversos formatos e tamanhos, bonecas
infláveis, itens fetichistas como correntes, entre muitos outros. Os
consumidores recebem suas encomendas em uma caixa da Amazon como qualquer
outra, driblando assim qualquer tipo de constrangimento. Mas não foi sempre
assim. Há não mais que uma década, os sex shops, como são conhecidos os templos
do erotismo, eram ambientes lúbricos e soturnos.
Estavam localizados, geralmente, próximos a ruas populares,
embora fossem pouco visíveis, quase escondidos do grande público. “Agora os
comerciantes estão transformando suas sex shops em butiques sensuais, que
oferecem um ambiente mais agradável aos clientes”, diz Paula Aguiar, presidente
da Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico (Abeme). Segundo a
entidade, o mercado brasileiro de acessórios eróticos deve faturar R$ 1,5
bilhão neste ano em mais de dez mil pontos de venda. Um exemplo dessa tendência
são as duas lojas da Siricutico, em São Paulo. Criada pelas sócias Débora Freitas
e Priscila Luisi, o estabelecimento simula o ambiente de um quarto feminino
para ressaltar o clima intimista.
“Somos uma loja de bairro, nossos vendedores chamam os
fregueses pelo primeiro nome”, afirma Débora, que é arquiteta. A aposta no
público feminino faz sentido. Segundo a Abeme, 76% do público das butiques
sensuais são mulheres. Elas predominam nas vendas porta a porta (88%), nos sex
shops tradicionais (65%) e até mesmo nos canais virtuais (60%). Quem também vai
aprofundar o investimento em canais de varejo nesse mesmo estilo é a Hot
Flowers, maior fabricante de produtos eróticos do Brasil, com faturamento anual
de R$ 25 milhões, que hoje conta com 12 lojas. Todas usam a marca Hot Flowers,
embora sejam de seus parceiros comerciais.
O modelo adotado por Edvaldo Bertipaglia, fundador e
presidente da empresa, é similar ao do sistema de franquia. Mas ele não cobra
taxas nem os obriga a adotar um visual padronizado nas lojas. Seu próximo
movimento é incentivar a abertura de mais 20 pontos de vendas até o fim deste
ano. “A tendência é essa, vamos seguir o exemplo da Apple”, diz Bertipaglia,
referindo-se à bem-sucedida estratégia da companhia fundada por Steve Jobs de
criar lojas próprias. Dentro dessa mudança geral de comportamento, um papel
importante é desempenhado pelas redes sociais. Aplicativos como Badoo e Grindr
transformam os celulares em verdadeiros radares do sexo, com os quais é
possível detectar por meio do GPS onde há pessoas dispostas a uma relação sem
compromisso.
Se não bastasse isso, aplicativos do Facebook também estão
ajudando pessoas interessadas em sexo casual. Um dos mais usados no Brasil é o
Pegava Fácil, da start-up pernambucana 30Ideias. Com ele, o usuário marca os
amigos nos quais gostaria de “pegar” de maneira sigilosa. Se o sentimento é
mútuo, o programa aponta isso, o que facilita bastante a aproximação dos
envolvidos. Josemando Sobral, um dos criadores, disse ter se inspirado no
aplicativo americano Bang With Friends, mas percebeu que com esse nome o
programa não teria êxito por aqui. “O Bang tem uma conotação sexual muito
direta, o que não é o estilo do brasileiro”, diz Sobral. Ele conseguiu
arrebanhar 40 mil usuários no seu aplicativo.
Camisinha, o acessório - Os fabricantes de preservativos
também tiveram de se reposicionar nessa nova fase da indústria do sexo.
Especialistas são unânimes em apontar que o medo de contrair uma doença
sexualmente transmissível (DST), que atingiu a geração anterior, já não afeta
os jovens de hoje. Agora, as empresas que disputam esse mercado, cujo
faturamento anual no País é de R$ 246 milhões, o vendem como um acessório
sexual. “Segurança ainda é o princípio básico, mas adicionamos recursos que
aumentam o prazer, como texturas e efeitos quentes”, diz Denise Santos, gerente
de marketing no Brasil da multinacional americana DKT, dona da marca Prudence.
O grupo australiano Ansell, dono da marca Blowtex, aposta em um preservativo
chamado Skin, que de tão fino e sensível dá a sensação de não se usar nada, e
no Turbo, que esquenta a genitália feminina.
“A percepção do público mudou e quem não inovar não vai
ficar nesse mercado”, afirma Bruno Koudela, gerente de marketing da empresa no
Brasil. A líder de mercado Hypermarcas, dona da marca pioneira dos
preservativos no Brasil, Jontex, criada em 1936, e das linhas de camisinha
Lovetex e Olla, também investe na estratégia de agregar valor às camisinhas.
Ultrapassado o puritanismo que durante muito tempo associava o sexo ao pecado e
cerceava as manifestações públicas de erotismo, a revolução sexual adquire
novas feições nos dias de hoje. O que era proibido passou a ser permitido e
visto com naturalidade. O direito ao prazer em todas as suas manifestações se
transformou numa realidade, abrindo uma avenida de oportunidade de negócios.
Empresas visionárias já se aperceberam disso e estão ganhando dinheiro com essa
nova era. E isso é só o começo.
A reinvenção da pornografia
A redescoberta do mercado de sexo trouxe mudanças para a
indústria de filmes pornográficos. A profusão de conteúdo adulto disponível
gratuitamente na internet gerou um baque no setor de entretenimento adulto. Em
2006, as performances de atores e atrizes filmados em DVD geravam receita
estimada de US$ 90 bilhões. Seis anos depois, geravam a bagatela de US$ 10
bilhões. Esse cenário foi sentido pela icônica produtora de filmes pornôs
Brasileirinhas, cuja principal renda até o começo da década era a venda de DVDs
em bancas e para videolocadoras. Em cinco anos, o faturamento da empresa caiu
pela metade. O diretor da Brasileirinhas, Clayton Nunes, resolveu seguir a
máxima “se não pode vencer o inimigo, junte-se a ele”.
Hoje, os sites da empresa contam com cinco milhões de
visitas mensais e oferecem serviço de assinatura. O principal deles é o reality
show “A Casa das Brasileirinhas”. Atrizes pornôs são confinadas em uma casa
cheia de câmeras e devem realizar provas sexuais. No começo, o programa era
conduzido por Alexandre Frota. No mês passado, ele foi substituído pelo ator
pornô Kid Bengala. “Entrego o que o público do Big Brother quer realmente ver”,
diz Nunes. Atualmente, a “Casa das Brasileirinhas” tem seis mil assinantes. Os
clientes são sorteados para participar da casa e fazer sexo com as
participantes. “Tivemos que nos reinventar”, afirma Nunes. Ele fala não só por
si, mas por toda a indústria de filmes eróticos.
Disponível em
http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/124824_OS+NOVOS+LUCROS+DO+SEXO. Acesso
em 07 out 2013.