Carta Forense
24/09/2012
O nome é mais que um acessório ou simples denominação. Ele é
de extrema relevância na vida social, por ser parte intrínseca da
personalidade. Tanto que o novo Código Civil trata do assunto em seu Capítulo
II, esclarecendo que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o
prenome e o sobrenome.
Ao proteger o nome, o Código de 2002 nada mais fez do que
concretizar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Essa
tutela é importante para impedir que haja abuso, o que pode acarretar prejuízos
e, ainda, para evitar que sejam colocados nomes que exponham ao ridículo seu
portador.
Porém, mesmo com essa preocupação, muitos não se sentem
confortáveis com o próprio nome ou sobrenome: ou porque lhes causam
constrangimento, ou porque querem apenas que seu direito de usar o nome de seus
ascendentes seja reconhecido. E, nestes casos, as pessoas recorrem à justiça.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem firmando
jurisprudência sobre o tema, com julgados que inovam nessa área do Direito de
Família. Recentemente, no dia 9 de setembro, a Quarta Turma decidiu que é
possível acrescentar o sobrenome do cônjuge ao nome civil durante o período de
convivência do casal. De acordo com o colegiado, a opção dada pela legislação,
de incluir o sobrenome do cônjuge, não pode ser limitada à data do casamento,
podendo perdurar durante o vínculo conjugal (REsp 910.094).
Em outro julgado, no qual o prenome causava constrangimento
a uma mulher, a Terceira Turma autorizou a sua mudança. A mulher alegou que
sofria grande humilhação com o prenome “Maria Raimunda” e, assim, pediu a sua
mudança para “Maria Isabela” (REsp 538.187).
A relatora, ministra Nancy Andrighi, acolheu as razões de
que não se tratava de mero capricho, mas de “necessidade psicológica profunda”,
e, ademais, ela já era conhecida em seu meio social como Maria Isabela, nome
que escolhera para se apresentar, a fim de evitar os constrangimentos que
sofria.
Retificação/alteração
No direito brasileiro, a regra predominante é a da
imutabilidade do nome civil. Entretanto, ela permite mudança em determinados
casos: vontade do titular no primeiro ano seguinte ao da maioridade civil;
decisão judicial que reconheça motivo justificável para a alteração;
substituição do prenome por apelido notório; substituição do prenome de
testemunha de crime; adição ao nome do sobrenome do cônjuge e adoção.
A Terceira Turma do STJ, em decisão inédita, definiu que uma
pessoa pode mudar o seu nome, desde que respeite a sua estirpe familiar,
mantendo os sobrenomes da mãe e do pai. Os ministros do colegiado entenderam
que, mesmo que vigore o princípio geral da imutabilidade do registro civil, a
jurisprudência tem apresentado interpretação mais ampla, permitindo, em casos
excepcionais, o abrandamento da regra (REsp 1.256.074).
No caso, a decisão permitiu que uma menor, representada pelo
pai, alterasse o registro de nascimento. Ela queria retirar de seu nome a
partícula “de” e acrescentar mais um sobrenome da mãe (patronímico materno).
Para o relator da questão, ministro Massami Uyeda, afirmou que há liberdade na
formação dos nomes, porém a alteração deve preservar os apelidos de família,
situação que ocorre no caso.
Homenagem aos pais de criação também já foi motivo de pedido
de retificação dos assentos constantes do registro civil de nascimento de uma
mulher. Em seu recurso, ela alegou que, não obstante ser filha biológica de um
casal, viveu desde os primeiros dias de vida em companhia de outro casal, que considera
como seus pais verdadeiros. Assim, desejando prestar-lhes homenagem, pediu o
acréscimo de sobrenomes após a maioridade. A Terceira Turma autorizou a
alteração, ao entendimento de que a simples incorporação, na forma pretendida
pela mulher, não alterava o nome de família (REsp 605.708).
O mesmo colegiado entendeu, em outro julgamento, que não é
possível alterar ou retificar registro civil em decorrência de adoção da
religião judaica. No caso, a esposa ajuizou ação de registro civil de pessoa
natural alegando que, ao casar, optou por acrescentar o sobrenome do marido ao
seu. Este, por sua vez, converteu-se ao judaísmo após o casamento, religião que
é praticada pelo casal e por seus três filhos (REsp 1.189.158).
O casal sustentou que o sobrenome do marido não identificava
a família perante a comunidade judaica, razão pela qual pediram a supressão do
sobrenome do esposo e sua substituição pelo da mulher. Em seu voto, a relatora,
ministra Nancy Andrighi, destacou que, por mais compreensíveis que sejam os
fundamentos de ordem religiosa, é preciso considerar que o fato de a família
adotar a religião judaica não necessariamente significa que os filhos menores
seguirão tais preceitos durante toda a vida.
A Corte Especial do STJ também já enfrentou a questão. No
caso, um cidadão brasileiro, naturalizado americano, pediu a homologação de
sentença estrangeira que mudou seu sobrenome de Moreira de Souza para Moreira
Braflat. Ele alegou que, nos Estados Unidos, as pessoas são identificadas pelo
sobrenome e que, por ser o sobrenome Souza muito comum, equívocos em relação à
identificação de sua pessoa eram quase diários, causando-lhe os mais diversos
inconvenientes (SEC 3.999).
Para o relator, ministro João Otávio de Noronha, é inviável
a alteração de sobrenome quando se tratar de hipótese não prevista na
legislação brasileira. “O artigo 56 da Lei de Registros Públicos autoriza, em
hipóteses excepcionais, a alteração do nome, mas veda expressamente a exclusão
do sobrenome”, afirmou o ministro.
Vínculo socioafetivo
Se a intenção é atender ao melhor interesse da criança, a
filiação socioafetiva predomina sobre o vínculo biológico. O entendimento foi
aplicado pela Terceira Turma do STJ, que decidiu que o registro civil de uma
menina deveria permanecer com o nome do pai afetivo (REsp 1.259.460).
No caso, o embate entre pai biológico e pai de criação já
durava sete anos. A criança, nascida da relação extraconjugal entre a mãe e o
homem que, mais tarde, entraria com ação judicial pedindo anulação de registro
civil e declaração de paternidade, foi registrada pelo marido da genitora, que
acreditava ser o pai biológico. Nem o exame de DNA, que apontou resultado
diverso, o fez desistir da paternidade.
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a
ilegitimidade do pai biológico para propor a ação. Segundo ela, o Código Civil
atribui ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de
sua mulher e dá ao filho a legitimidade para ajuizar ação de prova de filiação.
Entretanto, a ministra ressaltou que, no futuro, ao atingir a maioridade civil,
a menina poderá pedir a retificação de seu registro, se quiser.
A Quarta Turma do STJ, também levando em consideração a
questão socioafetiva, não permitiu a anulação de registro de nascimento sob a
alegação de falsidade ideológica. O relator, ministro João Otávio de Noronha,
ressaltou que reconhecida espontaneamente a paternidade por aquele que, mesmo
sabendo não ser o pai biológico, admite como seu filho de sua companheira, é
totalmente descabida a pretensão anulatória do registro de nascimento (REsp
709.608).
No caso, diante do falecimento do pai registral e da
habilitação do filho da companheira na qualidade de herdeiro em processo de
inventário, a inventariante e a filha legítima do falecido ingressaram com ação
negativa de paternidade, objetivando anular o registro de nascimento sob a
alegação de falsidade ideológica.
“É possível afirmar que a mera paternidade biológica não tem
a capacidade de se impor, quando ausentes os elementos imateriais que
efetivamente demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição
de pai ou mãe. Mais do que isso, como também nas relações familiares o
meta-princípio da boa-fé objetiva deve ser observado, a coerência
comportamental é padrão para aferir a correção de atos comissivos e omissivos
praticados dentro do contexto familiar”, afirmou o ministro.
Em outro julgamento, a Terceira Turma negou o pedido de
anulação de registro civil, formulado sob a alegação de que o reconhecimento da
paternidade deu-se por erro essencial. No caso, o pai propôs a ação com o
objetivo de desconstituir o vínculo de paternidade com filho, uma vez que o seu
reconhecimento se deu diante da pressão psicológica exercida pela mãe do então
menor. Após o exame de DNA, ficou comprovado não ser ele o pai biológico (REsp
1.078.285).
Na contestação, o filho sustentou que o vínculo afetivo,
baseado no suporte emocional, financeiro e educacional a ele conferido,
estabelecido em data há muito anterior ao próprio registro, deve prevalecer
sobre o vínculo biológico. Refutou, também, a alegação de erro essencial, na
medida em que levou aproximadamente 22 anos para reconhecer a filiação, não
havendo falar em pressão psicológica exercida por sua mãe.
Para o relator do processo, ministro Massami Uyeda, a
ausência de vínculo biológico entre o pai registral e o filho registrado, por
si só, não tem o condão de taxar de nulidade a filiação constante no registro
civil, principalmente se existente, entre aqueles, liame de afetividade.
Mudança de sexo
O transexual que tenha se submetido à cirurgia de mudança de
sexo pode trocar nome e gênero em registro sem que conste anotação no
documento. A decisão, inédita, foi da Terceira Turma, em outubro de 2009. O
colegiado determinou, ainda, que o registro de que a designação do sexo foi
alterada judicialmente conste apenas nos livros cartorários, sem constar essa
informação na certidão (REsp 1.008.398).
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que
a observação sobre alteração na certidão significaria a continuidade da
exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias.
Anteriormente, em 2007, o colegiado analisou caso semelhante e concordou com a
mudança desde que o registro de alteração de sexo constasse da certidão civil
(REsp 678.933).
A ministra destacou que, atualmente, a ciência não considera
apenas o fato biológico como determinante do sexo. Existem outros elementos
identificadores do sexo, como fatores psicológicos, culturais e familiares. Por
isso, “a definição do gênero não pode ser limitada ao sexo aparente”, ponderou.
Conforme a relatora, a tendência mundial é adequar juridicamente a realidade
dessas pessoas.
Não é raro encontrar outras decisões iguais, posteriores a
do STJ, na justiça paulista, por exemplo. Em maio de 2010, a 2ª Vara da Comarca
de Dracena (SP) também foi favorável à alteração de nome e gênero em registro
para transexuais. Para o juiz do caso, estava inserido no conceito de
personalidade o status sexual do indivíduo, que não se resume a suas
características biológicas, mas também a desejos, vontades e representações
psíquicas. Ele também determinou que a alteração não constasse no registro.
Disponível em
http://cartaforense.com.br/conteudo/noticias/o-stj-e-as-possibilidades-de-mudanca-no-registro-civil/9449.
Acesso em 02 out 2013.