Rafael Garcia
21 de junho de 2008
Se o homossexualismo não estimula a reprodução, como ele
pode sobreviver à seleção natural? A resposta para essa charada, um
quebra-cabeça secular da biologia, está ganhando agora uma resposta coerente,
que sobreviveu ao primeiro teste de lógica. Defendida pelo biólogo Andrea
Ciani, a nova teoria indica que o homossexualismo masculino tem um componente
genético herdado por parte de mãe, e os genes por trás dele são os mesmos que,
em mulheres, estimulam a fertilidade.
Ciani, geneticista da Universidade de Pádua (Itália),
apresentou as bases da teoria na terça-feira -cifrada em um estudo cheio de
fórmulas matemáticas- na revista "PLoS One".
Com longa experiência em estudos com macacos, o cientista
tem se dedicado nos últimos anos a um outro tipo de primata: o Homo sapiens. O
que ele aprendeu com seu trabalho? "O homossexualismo não é contra a
natureza."
Em entrevista à Folha, Ciani abre mão da estatística e
traduz o significado de sua teoria.
FOLHA - O que diz seu estudo?
ANDREA CAMPERIO CIANI - Eu publiquei uma pesquisa em 2004 em
que mostrei que homossexualismo em homens está conectado com um aumento na
fertilidade das mães e avós da linhagem materna desse indivíduos. O que fiz
agora nesse estudo para a "PLoS" foi desenvolver isso. Nós já
sabíamos o que estava ocorrendo, mas não entendíamos a dinâmica, não tínhamos o
modelo correto.
FOLHA - Como vocês criaram o modelo correto?
CIANI - Nós procuramos modelos genéticos que já existiam
[para explicar outras características] e seguimos quatro pré-requisitos
empíricos. O primeiro é que o homossexualismo está presente em todas as
populações humanas. O segundo, que não há nenhuma população em que a maioria
das pessoas sejam homossexuais. O terceiro é aquele que tiramos de dados
empíricos: que o homossexualismo tende a seguir em famílias pela linha materna.
Isso significa que se você é homossexual, há uma probabilidade maior de o seu
tio materno sê-lo. O quarto, que achamos em 2004, é que mães e tias da linha
materna de homossexuais costumam ter proles maiores.
Na literatura científica há muitos modelos para difusão
genética de características. Há modelos que testam a difusão com um único
"locus" [gene], outros com mais genes. Quando começamos a testar os
modelos com dois genes, todos falharam, exceto um, que é esse modelo da
"seleção sexualmente antagonística", baseado em dois genes em dois
diferentes cromossomos. Um tem que ser no cromossomo X - que os homens recebem
apenas de suas mães -, e o outro pode ser nos cromossomos não sexuais. Só esse
modelo explicou todos os pré-requisitos que encontramos empiricamente.
Foi uma coisa inesperada. É a primeira vez que um modelo de
seleção sexualmente antagonística funciona para uma característica humana. O
modelo mostra características peculiares, que dão uma vantagem reprodutiva para
um sexo, e dão desvantagem para outro.
O normal é imaginar que um determinado gene dá vantagem para
todas as pessoas que o carregam. Mas genes como esses ligados à
homossexualidade humana dão vantagem quando estão em mulheres, porque as fazem
produzir mais prole, mas ao mesmo tempo criam desvantagem reprodutiva em
homens, com a possibilidade de se tornarem homossexuais.
FOLHA - Isso não pode ser causado por um fator social ou
psicológico?
CIANI - Nós estudamos apenas os componentes genéticos, mas
não estou dizendo que o homossexualismo é determinado pelos genes. Ele é apenas
influenciado. Há outros componentes, biológicos, psicossociais, experiência de
vida...
FOLHA - Mas como ocorre essa influência? Como é a
fisiologia?
CIANI - Eu fiz uma pesquisa sobre isso. É muito difícil,
porque tive que estudar mães e tias. Na Itália não é difícil entrevistar
homossexuais. Você os encontra em bares gays ou discotecas, e eles costumam
estar dispostos a falar. Mas quando você pede para contatar suas mães e
parentes, a coisa fica delicada.
Talvez esses genes dêem a elas uma fertilidade maior, porque
favorecem uma taxa menor de abortos naturais. Ou, de outra forma, poderia lhes
dar uma personalidade mais extrovertida, que facilitasse entrar em relações.
Nós achamos uma evidencia tênue de que essas mães e tias têm menos problemas
com reprodução e parto, em geral. Já em personalidade, não achamos nada. Mas
ficamos surpresos com outra coisa: mães e tias desses homossexuais, durante
suas histórias de vida, se sentiram mais atraídas por homens do que as mães e
tias de heterossexuais. Então, estamos procurando fatores genéticos que, de
alguma maneira, influenciem a androfilia, a atração por homens. Isso significa
que, se você for mulher, você se sente mais atraída por homens e, se você for
homem, se tornará ligeiramente mais atraído por homens e pode acabar se
tornando homossexual.
FOLHA - Mas como isso ocorre na célula? Vocês apontam para
algum gene específico, algum hormônio?
CIANI - Eu estudo genética do comportamento. Então, quando
eu sei algo, sei que existem genes de como esse traço se comporta. Uma vez que
você descobre como o caractere controla o traço, não importa saber exatamente
onde ele está. Algumas pessoas que tentam descobrir isso têm razões com as
quais eu não concordo. Caçadores de genes às vezes querem vender uma patente
envolvendo a localização do gene para fazer negócio. Poderiam, aí, sugerir algo
que possa evitar que seu filho se torne gay ou sua filha lésbica. Não concordo
com isso. Estou interessado na natureza humana, não em "vender" um
filho "melhorado" para quem quer que seja.
FOLHA - Mas seu trabalho pode ajudar os caçadores de genes.
CIANI - Sim, mas agora eles teriam uma restrição maior. Isso
não é uma doença, é um traço que confere vantagem reprodutiva a um dos sexos e
desvantagem a outro. Se alguém interferir aí, pode mudar a orientação de um
filho, mas também pode influenciar de maneira ruim a sua filha. Se há um gene
ali e não é o gene de uma doença, significa que existe uma razão para ele estar
lá.
FOLHA - Gays se sentirão melhor ao saber que a natureza, não
só a criação, influencia suas opções?
CIANI - A comunidade gay sempre fica muito infeliz quando
pessoas falam sobre esse assunto e os jornalistas começam a usar manchetes como
"Descoberto o gene gay". Isso é besteira. Nós, geneticistas
comportamentais, sabemos há muito tempo que o debate de natureza contra criação
é fútil. Todos os genes têm de se expressar em um ambiente. O ambiente
influencia a expressão do gene, assim como o gene influencia o ambiente onde
ele se expressa. Vou dar um exemplo. Todos nós temos genes que favorecem o
roubo, porque se não tivermos o comportamento do roubo, não sobreviveremos em
uma emergência onde ele pode ser necessário. Isso não significa que sejamos
forçados a sermos ladrões.
Há genes influenciando algumas pessoas, tornando mais fácil
para elas optar pela homossexualidade. Ser ou não ser homossexual, porém, é
resultado de história de vida, além de genes. O que queremos saber é por que os
genes que influenciam a homossexualidade existem. Um gene que reduz a taxa de
reprodução das pessoas deveria desaparecer. Esse é o dilema darwiniano da
homossexualidade. A posição da Igreja tem sido por muito tempo a de dizer que o
homossexualismo seria um vício, um pecado contra a natureza. Com o nosso
estudo, podemos dizer claramente que o homossexualismo não vai contra a
natureza. Ele faz parte da natureza, e é demonstrado precisamente pela seleção
sexual darwiniana.
FOLHA - O sr. também está estudando as lésbicas?
CIANI - Sim. Eu comecei a coletar muitos dados sobre
lésbicas dois anos atrás, mas nosso modelo não funciona com lesbianismo. Esse é
um fenômeno diferente, com uma dinâmica diferente e uma origem diferente.
FOLHA - O sr. tem dificuldade para publicar seus estudos?
CIANI - Muitos estudos são rejeitados em algumas revistas
científicas. Uma hora antes de você me telefonar, um jornalista da revista
"Science" me telefonou, porque estava fazendo uma matéria para o
"público geral". Foi estranho, porque eu tinha submetido meu estudo
para a "Science", antes da "PLoS", e eles rejeitaram
dizendo que não era "de interesse geral". Não mandaram nem para os
revisores.
Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2106200801.htm. Acesso em 06 jan
2014.