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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Mulher é presa no Afeganistão por estrangular nora que teve 3ª bebê menina

Bilal Sarwary
Da BBC em Cabul, no Afeganistão
Atualizado em  30 de janeiro, 2012 - 12:24 (Brasília) 14:24 GMT

A jovem Stori, de 22 anos e mãe de três meninas, foi assassinada no sábado no vilarejo de Mahfalay, distrito de Khanabad, que fica na província de Kunduz, no sudeste afegão.

O delegado da polícia local, Sufi Habib, disse que Stori teve os pés amarrados pela sogra, Wali Hazrata, enquanto seu próprio marido a estrangulava.

O corpo da afegã foi encontrado no mesmo dia por um dos vizinhos, que chamou a polícia.

O marido está foragido e não teve o seu nome divulgado. Acredita-se que o homem pertença à milícia Arbaki.

Autoridades locais disseram à BBC que o marido está sob proteção de um grupo armado ilegal, sob amparo de políticos no Afeganistão.

Direitos das mulheres

Ativistas de direitos humanos divulgaram o caso à imprensa afegã. A diretora do escritório de Defesa da Mulher de Kunduz, Nadira Gya, condenou o incidente.

"Foi um crime brutal cometido contra uma mulher inocente", disse. Nadira acusou as milícias de diversos ataques contra mulheres no Afeganistão.

Líderes religiosos e tribais também condenaram o assassinato da jovem. Eles disseram que a morte foi um ato de ignorância e um crime contra o Islã, a humanidade e as mulheres, e pediram punição rigorosa à sogra e ao marido envolvidos no crime. A terceira filha de Stori, que hoje tem dois meses, não se feriu no incidente.

Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120130_sogra_afeganistao_dg.shtml>. Acesso em 06 fev 2012.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Preconceito social faz famílias afegãs criarem meninas como meninos

Tahir Qadiry
Da BBC no Afeganistão
Atualizado em  19 de janeiro, 2012 - 11:15 (Brasília) 13:15 GMT

Três meninas usam roupas brancas e cobrem seus rostos com véus. Mas Mehrnoush, a quarta menina, veste terno e gravata. Na rua, Mehrnoush não é mais uma menina, e sim um rapaz chamado Mehran.

Azita Rafhat não teve filhos homens, e para evitar as provocações que famílias assim sofrem no Afeganistão, ela tomou a decisão radical de mudar a criação de Mehrnoush.

Esse tipo de atitude não é incomum no país. Existe até mesmo um termo – Bacha Posh – para meninas que são vestidas como garotos.

"Mesmo que você tenha uma boa posição no Afeganistão e está bem de vida, as pessoas veem você de forma diferente (se não tiver um filho homem). Elas dizem que a sua vida só é completa se você tem um filho", diz Azita.

Sempre houve preferência por meninos no Afeganistão, por motivos tanto econômicos quanto sociais.

O seu marido, Ezatullah, acredita que ter um filho é um sinal de prestígio e honra.
"As pessoas que nos visitavam sempre diziam: 'Oh, lamentamos que vocês não têm um filho.' Então imaginamos que seria uma boa ideia vestir nossa filha assim, já que ela também queria."

Economia

Muitas meninas vestidas de rapazes andam pelas ruas no Afeganistão. Algumas famílias optam por esse caminho para permitir que elas consigam empregos em lugares públicos, como em mercados, já que mulheres não podem trabalhar na rua.

Em alguns mercados de Cabul, um grupo de meninas, com idade entre cinco e 12 anos, se apresenta como meninos e vende água e chiclete. No entanto, nenhuma quis dar entrevista sobre o assunto.

A tradição não dura por toda a vida. Aos 17 ou 18 anos, as jovens voltam a assumir uma identidade feminina. Mas essa mudança não é nada simples.

Elaha mora em Mazar-e-Sharif, no norte do Afeganistão. Ela viveu como menino por 20 anos, porque sua família não tinha filhos homens. Apenas há dois anos, quando entrou na universidade, é que ela passou a se vestir como mulher.

No entanto, ela ainda não se sente totalmente feminina. Alguns de seus hábitos não são típicos de garotas, e ela diz que não pretende se casar.
"Quando eu era criança, meus pais me vestiam de menino porque eu não tinha um irmão. Até recentemente, vivendo como menino, eu saia para brincar com outros garotos e tinha mais liberdade."

Contra sua própria vontade, ela voltou a viver como mulher, e diz que só aceitou voltar porque se trata de uma tradição social. No entanto, ela se diz revoltada com a forma como as mulheres são tratadas pelos seus maridos no Afeganistão.

"Às vezes, eu tenho vontade de me casar e bater no meu marido, só para compensar a forma como as outras mulheres são tratadas em casa."

História comum

Atiqullah Ansari, diretor da famosa mesquita de Mazar-e Sharif, diz que a tradição é parte de um apelo que se faz a Deus.

As famílias que não têm filhos homens vestem as meninas assim como forma de pedir a Deus por um bebê homem.

Mães que não têm filhos homens visitam o templo de Hazrat-e Ali para fazer o pedido a Deus.
Ansari conta que de acordo com o Islã, as meninas que vivem como garotos precisam cobrir o rosto quando amadurecem.

No Afeganistão, histórias assim têm se tornado cada vez mais comuns. É comum pessoas conhecerem parentes ou vizinhos que já passaram por isso.

Fariba Majid, que dirige o Departamento de Direitos da Mulher da Província de Balkh, diz que ela própria já passou por isso, e quando era criança era chamada pelo nome masculino de Wahid.

"Eu era a terceira filha na minha família, e quando nasci, meus pais decidiram me vestir de menino", afirma.

"Eu podia trabalhar com meu pai em sua loja ou até mesmo ir para Cabul para comprar coisas para a loja."

Ela disse que a experiência a ajudou a ganhar confiança e permitiu que ela chegasse onde está hoje.

Segredo

A própria ex-parlamentar Azita Rafhat, mãe de Mehrnoush, também já passou por isso.
"Deixe-me contar um segredo", ela afirma. "Quando eu era criança, eu vivi como garoto e trabalhava com meu pai. Eu tive a experiência tanto do mundo masculino quanto feminino, e isso me ajudou a seguir uma carreira com ambição."

A tradição existe a séculos no Afeganistão. De acordo com o sociólogo Daud Rawish, de Cabul, isso pode ter começado durante períodos de guerra no passado, quando mulheres eram vestidas de homens para poderem ajudar a combater os inimigos.

Mas nem todos toleram esse tipo de tradição. O diretor da Comissão de Direitos Humanos da Província de Balkh, Qazi Sayed Mohammad Sami, disse que a prática é uma violação de direitos fundamentais.

"Nós não podemos mudar o gênero de alguém só por um tempo. Isso é contra a humanidade", afirma ele.

A tradição teve efeitos devastadores em algumas meninas, que sentem um conflito de identidades e acreditam ter perdido parte fundamental de suas infâncias.

Para outras, a experiência foi positiva, já que elas tiveram liberdades que nunca exerceriam, caso tivessem sido criadas apenas como garotas.

Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/01/120119_afeganistao_meninas_dg.shtml>. Acesso em 19 jan 2012.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Meninos são alvo de abuso sexual em dança tradicional afegã

Rustam Qobil
Da BBC no Afeganistão
Atualizado em  9 de setembro, 2010 - 05:33 (Brasília) 08:33 GMT

Em uma festa de casamento em um vilarejo remoto no norte do país, após a meia-noite, não há sinais dos noivos, nem de mulheres, apenas homens. Alguns deles estão armados, alguns tomam drogas. A atenção de quase todos está sobre um garoto de 15 anos, que dança para o grupo em um vestido longo e brilhante, com sua face coberta por um véu vermelho. Ele usa seios postiços e sinos presos aos calcanhares. Um dos homens oferece a ele algumas notas de dólar americano, que ele pega com os dentes.

Esta é uma tradição antiga, chamada bachabaze, que significa literalmente “brincando com garotos”. O mais perturbador é o que acontece após as festas. Com frequência, os meninos são levados a hotéis e sofrem abusos sexuais. Os homens responsáveis pela prática são comumente ricos e poderosos. Alguns deles mantêm vários bachas (meninos) e os usam como um símbolo de status, como uma demonstração de sua riqueza. Os meninos, alguns deles ainda pré-adolescentes, são normalmente órfãos de famílias muito pobres.

Meu bacha (garoto) mais novo tem 15 anos, e o mais velho tem 18. Não foi fácil encontrá-los.
Zabi (nome fictício), de 40 anos

Fome

A reportagem da BBC passou vários meses tentando encontrar um garoto que se dispusesse a falar sobre sua experiência. Omid (nome fictício) tem 15 anos. Seu pai morreu trabalhando no campo, ao pisar sobre uma mina. Como filho mais velho, ele é responsável por cuidar de sua mãe, que mendiga pelas ruas, e de dois irmãos mais jovens.

“Comecei a dançar em festas de casamento quando eu tinha 10 anos, quando meu pai morreu”, ele conta. “Estávamos passando fome, então não tive escolha. Às vezes temos que dormir de estômago vazio. Quando eu danço em festas, ganho uns US$ 2 ou um pouco de arroz”, diz. Questionado sobre o que acontece quando as pessoas o levam aos hotéis, ele baixa a cabeça e faz uma longa pausa antes de responder. Omid diz que recebe cerca de US$ 2 pela noite, e que às vezes sofre abusos sexuais de vários homens.

Ele diz que não pode recorrer à polícia por ajuda. “Eles são homens poderosos e ricos. A polícia não pode fazer nada contra eles”, diz. A mãe de Omir tem pouco mais de 30 anos, mas seu cabelo é branco e seu rosto enrugado. Ela parece ter pelo menos 50. Ela conta que tem apenas um quilo de arroz e algumas cebolas para o jantar, e que não tem mais óleo para cozinhar. Ela sabe que seu filho dança em festas, mas ela está mais preocupada sobre o que eles vão comer no dia seguinte. O fato de que seu filho está vulnerável aos abusos está longe de sua mente.

Estávamos passando fome, então não tive escolha. Às vezes temos que dormir de estômago vazio. Quando eu danço em festas, ganho uns US$ 2 ou um pouco de arroz
Omid (nome fictício), 15 anos

Governo ausente

Poucas foram as tentativas das autoridades locais de combater a tradição do bachabaze. Muhammad Ibrahim, chefe-adjunto da polícia na província de Jowzjan, nega que a prática continue. “Não tivemos nenhum caso de bachabaze nos últimos quatro ou cinco anos. Isso não existe mais aqui”, garante. “Se encontrarmos algum homem fazendo isso aqui, vamos puni-lo”, afirma. Mas de acordo com Abdulkhabir Uchqun, um deputado do norte do Afeganistão, a tradição não apenas se mantém, como também está em crescimento. “Infelizmente isso está aumentando em quase todas as regiões do Afeganistão. Eu pedi a autoridades locais que atuassem para interromper essa prática, mas eles não fazem nada”, diz. 

“Nossas autoridades estão muito envergonhadas para admitir até mesmo que isso exista”, afirma. O Islã também não tolera a prática, segundo o Grande Mulá do santuário de Ali em Mazar-e Sharif, o lugar mais sagrado do Afeganistão. “O bachabaze não é aceitável no Islã. Realmente, é abuso infantil. Isso está acontecendo porque nosso sistema de Justiça não funciona”, afirma.

“O país tem estado sem lei por muitos anos, e os órgãos responsáveis e as pessoas não conseguem proteger as crianças”, diz. Os garotos dançarinos são recrutados ainda bem jovens por homens que passeiam pelas ruas procurando garotos afeminados entre grupos pobres e vulneráveis. Eles normalmente oferecem dinheiro e comida a eles.

Não tivemos nenhum caso de bachabaze nos últimos quatro ou cinco anos. Isso não existe mais aqui
Muhammad Ibrahim, chefe de polícia

Direitos humanos

A Comissão Independente de Direitos Humanos, em Cabul, é uma das poucas organizações que tentou combater a prática do bachabaze. O diretor da organização, Musa Mahmudi, diz que ela é comum em várias partes do Afeganistão, mas diz que nunca houve estudos para determinar quantas crianças sofrem abusos em todo o país. Ele aponta para a rua em frente ao seu escritório para mostrar como é difícil proteger as crianças no país.

As ruas do Afeganistão estão cheias de crianças que trabalham. Elas engraxam sapatos, mendigam, juntam garrafas plásticas para vender. Elas se dispõem a fazer qualquer trabalho para ganhar algum dinheiro, diz Mahmudi. Todos os afegãos com os quais a reportagem da BBC falou sabiam sobre o bachabaze. Muitos afirmavam que ele só existe em áreas remotas. Mas a reportagem acompanhou uma festa noturna em uma área antiga de Cabul, a menos de 500 metros do palácio de governo. Lá, Zabi (nome fictício), um homem de 40 anos, se disse orgulhoso de ter três garotos dançarinos.

O bachabaze não é aceitável no Islã. Realmente, é abuso infantil.
Grande Mulá de Ali em Mazar-e Sharif

“Meu bacha mais novo tem 15 anos, e o mais velho tem 18. Não foi fácil encontrá-los. Mas se você fizer um esforço, pode encontrá-los”, ele diz. Zabi diz que tem um bom emprego e que dá dinheiro a eles. “Nós temos um círculo de amigos próximos que também têmbachas. Às vezes nos encontramos e colocamos roupas de mulher e sinos para dança nos nossos bachas e eles dançam para nós por duas ou três horas. Isso é tudo”, afirma. Ele diz que nunca dormiu com um dos garotos, mas admite que os abraça e beija.

Mesmo ao ser questionado se isso também não é errado, ele diz: “Algumas pessoas gostam de briga de cachorros, outros de briga de galos. Todos têm seu hobby. O meu é bachabaze”.
Quando a festa termina, às 2h da manhã, um adolescente ainda está dançando e oferecendo drogas aos homens à sua volta.

Zabi não é especialmente rico ou poderoso, mas ainda assim tem três bachas. Há muitas pessoas que apoiam essa tradição em todo o Afeganistão, e muitas delas são influentes.
O governo afegão não é capaz – e muitos dizem que também não tem interesse – de combater o problema.

O governo está enfrentando um movimento de insurgentes, com a permanência de tropas estrangeiras no país. O sistema judicial é fraco e a pobreza é generalizada. Milhares de crianças estão nas ruas tentando ganhar dinheiro. O bachabaze não é prioridade.

Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2010/09/100908_afeganistao_danca_abuso_dg.shtml?mid=55>. Acesso em 27 dez 2011.