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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Abuso sexual na infância

Ricardo Alexandre Pinto Laranjeira
Universidade Federal Fluminense
Centro de Ciência Médica  - Faculdade de Medicina
Internato de Ginecologia – Niterói/2000

Resumo: O abuso sexual na criança requer uma abordagem multidisciplinar. A função do clínico de conseguir uma história e um exame físico exige que ele tenha familiaridade com as técnicas de entrevista, conhecimento sobre os marcos normais do desenvolvimento da criança, sobre a anatomia genital normal e sobre como usar os recursos da comunidade local. Múltiplos obstáculos podem impedir a avaliação médica com suspeita de abuso sexual no atendimento pediátrico primário. A necessidade de acerácea diagnóstica é alta. O conhecimento dos fatores de risco, um entendimento do processo de vitimização e a consciência da variedade de apresentações clínicas do abuso sexual podem ser de grande auxílio. Uma abordagem aberta da possível vítima é o componente mais crítico da avaliação. Uma entrevista médica habilidosa requer tempo, treinamento, paciência e prática. Se ao pediatra faltar algum destes componentes, a entrevista deve ser encaminhada para outros profissionais. O atendimento pediátrico primário deve se preocupar com o bem estar físico e emocional da criança.


sábado, 13 de julho de 2013

Módulos de amor especializados

Mente Cérebro

Os neurocientistas Andreas Bartels e Semir Zeki, da University College de Londres, pediram a milhares de estudantes ingleses que se manifestassem caso se sentissem “verdadeira, enlouquecida e profundamente” apaixonados. Resultado: receberam cerca de 70 respostas, sendo três quartos delas de mulheres. Pediram então aos colaboradores que apresentassem uma breve descrição do relacionamento que viviam, fizeram em seguida entrevistas e, finalmente, selecionaram 11 voluntárias e 6 voluntários de várias culturas e etnias, de 11 nacionalidades diferentes.

Surpreendentemente, nenhum dos participantes acabara de se apaixonar, todos estavam em uma relação mais longa, de dois anos em média – e extremamente satisfatória. Mas a seleção tinha funcionado: ao responderem a um questionário psicológico do amor já aplicado a centenas de apaixonados, os voluntários atingiram “valores de amor” bastante altos. Para maior garantia, foi aplicado um teste psicológico suplementar que, à semelhança de um detector de mentiras, se fundamentava na medição da resistência da pele. Quase todos os voluntários suaram diante da foto do parceiro.

Os apaixonados foram submetidos à tomografia de ressonância magnética funcional, procedimento que torna visível a atividade de várias áreas cerebrais em determinado momento, com alta resolução espacial. “É verdade que o desconfortável tubo do escâner não é exatamente propício à produção de sentimentos amorosos; ainda assim, mostramos ao voluntário uma foto da pessoa amada, pedindo que relaxasse pensando nela e todos relataram, apesar das condições desfavoráveis, sentir claramente o próprio afeto”, diz Andreas Bartels.

Como medida de controle, os voluntários observaram fotos de três colegas do mesmo sexo e idade de seus parceiros, e os neurocientistas compararam a atividade cerebral nas duas situações distintas. Quatro áreas diferentes, bem pequenas, se iluminavam apenas quando os participantes pensavam carinhosamente nos parceiros. Todas elas se localizavam espelhadas nas duas metades do cérebro no sistema límbico, que controla as emoções. Não foram encontradas diferenças significativas de atividade no córtex óptico entre a reação às fotos do parceiro e às de colegas. Ao que parece, o “cérebro visual” apenas transmite a informação objetiva ao “cérebro emotivo”.

A imagem da atividade no sistema límbico, porém, diferenciava-se claramente de modelos antes encontrados em estudos de emoções positivas. No caso das quatro áreas ativadas, trata-se, então, efetivamente de algo como “módulos de amor especializados”. Provavelmente, cada um deles tem uma função específica. Assim, drogas estimulantes como a cocaína, por exemplo, ativam áreas bem mais extensas do cérebro, incluindo os quatro módulos do amor. É possível pensar que o amor seja compreendido não apenas do ponto de vista psicológico, mas também pelo enfoque neurológico.

Além disso, essas zonas neuronais distinguem o amor da pura excitação sexual. O desejo estimula regiões do hipotálamo que em outras experiências ficam inativas. Por outro lado, o amor sensual parece ativar o núcleo caudado e o putâmen, áreas onde estão dois dos módulos do amor. É possível considerar que eles tragam o elemento erótico para o amor romântico.

O terceiro módulo do amor está localizado no córtex cingular anterior, estrutura que nos ajuda a reconhecer os próprios sentimentos e os do parceiro – capacidade certamente essencial para manter um relacionamento amoroso. O quarto módulo, por fim, é uma parte da ínsula situada no interior do diencéfalo que tem diversas funções. Talvez a principal seja identificar “pessoas interessantes”, já que sua atividade aumenta quanto mais atraentes forem os rostos apresentados. Aparentemente, essa estrutura integra a percepção visual ao mundo emocional. Além disso, parece receber informações da região estomacal: talvez o “frio” na barriga faça uma “parada” na ínsula antes de encontrar o caminho até a consciência.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/modulos_de_amor_especializados.html. Acesso em 09 jul 2013.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Percepções sobre a assexualidade por pessoas não assexuais

Elisabete Regina Baptista de Oliveira
7 de junho de 2012

O artigo sobre o qual falaremos hoje é um dos poucos artigos acadêmicos sobre assexualidade escritos em espanhol. De autoria do Professor Luis Álvarez Munárriz, catedrático de Antropologia Social da Universidade de Murcia, na Espanha, o trabalho apresenta reflexões sobre assexualidade, bem como alguns resultados de entrevistas feitas por ele com o objetivo de conhecer um pouco mais sobre o que as pessoas pensam sobre esse tema.

Fiz um recorte dos temas do artigo para focar somente na pesquisa empírica feita pelo professor, bem como seus resultados e conclusões. Nesta pesquisa empírica, Munárriz conversou com diversos entrevistados, na universidade na qual leciona, para conhecer a percepção que estes tinham sobre a assexualidade, ou seja, como veem falta de desejo sexual na perspectiva da orientação sexual. No restante do artigo - que não será abordado nesta postagem - o antropólogo analisa algumas falas de assexuais em postagens na internet, analisado-as a partir de alguns referenciais teóricos da antropologia.

Primeiramente, Munárriz entrevistou, na própria universidade, 12 pessoas que não se consideram assexuais, com o objetivo de saber sua opinião sobre o conceito de assexualidade. Nesses contatos, o pesquisador deparou-se com diferentes visões, entre elas, pessoas incrédulas, que não acreditam que uma pessoa normal não sinta desejo sexual ou que não tenha fantasias sexuais. Uma informante declarou: “Não consigo imaginar uma jovem de 18 anos que seja assexual.”

Outro entrevistado disse: “Isso é contraditório porque todas as pessoas têm desejo sexual, isso é impossível!” Outro declarou: “Se a pessoa não faz sexo, fica ruim da cabeça!” Outro perguntou ao entrevistador, em tom irônico: “E você, é assexual? Tudo bem, ser assexual.” Uma entrevistada mostrou-se indiferente à pergunta e respondeu: “OK, e daí?”, afirmando, em seguida, que ignorava que existisse esse tipo de pessoa, mas que não era surpresa e que não tinha nenhum interesse ou preocupação com esse assunto. Um entrevistado homossexual respondeu: “Todas as condutas deveriam ser consideradas normais, eu acho que é positivo que os assexuais se sintam atraídos por outras pessoas, mas não tenham a necessidade de ter relação sexual.”

Nesta primeira aproximação, Munárriz constatou o enorme desconhecimento e estranhamento sobre a assexualidade que predomina sobre a população entrevistada, mas também uma tentativa de compreensão da assexualidade feita por um entrevistado pertencente a uma minoria sexual. Esse desconhecimento também foi constatado nos três grupos de discussão que ele realizou com estudantes universitários, com o mesmo objetivo, ou seja, saber o que pensam sobre o conceito de assexualidade. Um deles declarou:

A assexualidade é algo absurdo, impossível, já que a sexualidade está no ser humano. Só se a pessoa nasceu com um defeito genético, ou houve algum problema que inibiu seu desejo sexual, caso contrário é totalmente impossível a existência dessa orientação sexual. Eu acho que assexuais não existem.

Essas primeiras entrevistas serviram de base para que o antropólogo elaborasse um questionário simples, que tinha três objetivos: 1) calcular o percentual aproximado de assexuais entre os entrevistados; 2) saber o grau de conhecimento dessas pessoas sobre a assexualidade; e 3) obter uma definição aproximada de pessoa assexual.

Com esses objetivos, o estudioso aplicou o questionário a alunos de diferentes faculdades e campus da Universidade de Murcia. Recebeu 145 questionários respondidos, sendo 79 de mulheres e 66 de homens.

Uma das perguntas feitas pelo pesquisador era sobre a orientação sexual dos respondentes, incluindo as alternativas heterossexual, homossexual, bissexual e assexual. O objetivo dessa pergunta era saber se havia pessoas que se identificavam como assexuais entre os entrevistados. O resultado é que nenhum dos 145 respondentes se identificou como assexual em sentido estrito. Somente um respondente selecionou duas alternativas ao mesmo tempo: heterossexual e assexual. Todos os outros respondentes escolheram uma das outras três alternativas: heterossexual, ou homossexual ou bissexual. Esse resultado pode indicar o total desconhecimento da assexualidade como orientação sexual, ao menos como possibilidade de identificação.

Outra pergunta do questionário dizia respeito ao grau de conhecimento dos respondentes sobre a assexualidade. O resultado comprovou que existe um enorme desconhecimento sobre as pessoas assexuais, podendo isso ter reflexo nos resultados da primeira pergunta. A questão seguinte indagava sobre o grau de interesse dos respondentes pela atividade sexual. Como esperado, considerando que os respondentes eram todos jovens, a maioria revela ter muito interesse pela atividade sexual.

Em uma questão, Munárriz abordou a definição de assexualidade, a partir de duas perspectivas diferentes: a do desejo sexual e da resposta sexual, entendendo o desejo sexual como uma experiência subjetiva dos indivíduos e a resposta sexual como uma resposta biológica do corpo a um estímulo, também conhecida como libido. A esta pergunta, todos os entrevistados afirmaram possuir os dois, desejo e resposta. É altamente significativa a coerência que aparece nas respostas: todos os que têm desejo sexual também afirmam experimentar resposta do corpo a estímulos interpretados como sexuais. O pesquisador não fez nenhuma pergunta em relação à existência ou inexistência de atração sexual – que seria o direcionamento do desejo para outra pessoa - normalmente definida por muitos assexuais como característica de sua orientação sexual. Não está claro se ele compreende desejo e atração como sinônimos. Também não faz indagações sobre existência ou não de orientação afetiva, que também constitui uma parte importante da identidade assexual.

A última pergunta era aberta e indagava a opinião dos respondentes sobre a assexualidade. Um dos entrevistados respondeu da seguinte forma:

Acho que a sexualidade é parte fundamental do ser humano, é algo natural e permite a perpetuação da espécie. A assexualidade pode ter a ver com o medo, talvez o medo do desconhecido, medo dos riscos do sexo.

Em sua pesquisa nas comunidades assexuais na internet, Munárriz revela que não captou esse medo descrito por este respondente nos discursos dos assexuais, muito pelo contrário, os assexuais lhe pareceram bastante confiantes com a identificação como assexual. De qualquer modo, o resultado de sua pesquisa empírica mostra o quanto a assexualidade é desconhecida até mesmo por estudantes universitários, que têm acesso a tecnologias de informação e comunicação, que dirá da população geral que pode não ter esse acesso? E que implicações pode ter esse desconhecimento nas vidas daqueles e daquelas que se identificam como assexuais?

O pesquisador não fornece respostas claras aos objetivos formulados por ele na realização das entrevistas. Munárriz reconhece, no final do texto, as dificuldades em se reconhecer a assexualidade como uma orientação sexual, pois este reconhecimento significaria um grande abalo em tudo o que a ciência e a cultura construíram historicamente sobre sexualidade. Mas seu texto revela uma resistência muito grande por parte do pesquisador em perceber a assexualidade na perspectiva da orientação sexual. Para ele, não existe base suficiente para se aceitar a existência de uma nova identidade sexual e muito menos base para que a assexualidade possa se constituir no motor de uma verdadeira revolução sexual.

Texto comentado
Munárriz, L. A. La identidad “asexual”. Gazeta de Antropologia, no. 26/2, 2010, Articulo 40

Matéria intitulada Trajetória de jovens assexuais é tema de doutorado na USP, que noticia pesquisa, feita pela Agência Universitária de Notícias, da USP:http://www.usp.br/aun/antigo/www/_reeng/materia.php?cod_materia=1205211


Disponível em http://assexualidades.blogspot.com.br/2012/06/percepcoes-sobre-assexualidade-por.html. Acesso em 09 jul 2013.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Múltiplas inteligências

Daniele Fanelli
agosto de 2007

O ser humano tem muitos tipos de inteligência. A hipótese do psicólogo Howard Gardner, formulada em 1982, o tornou conhecido mundialmente. Passados 25 anos, ele sustenta haver, além das reconhecidas habilidades lingüística e lógico-matemática, outras seis formas de inteligência: espacial (mais presente em navegantes e engenheiros); corporal-cinestésica (desenvolvida em atletas ou dançarinos); interpessoal (representada pela capacidade de compreensão dos sentimentos do outro); intrapessoal (expressa pelo autoconhecimento); naturalística (referente à relação da pessoa com a natureza) e musical. Professor da Universidade Harvard, Gardner é considerado um dos “demolidores” do conceito de quociente de inteligência (QI). Suas teorias, entretanto, têm pequena aceitação entre neurobiólogos. Resenha publicada recentemente na revista Educational Psychologist menciona a insuficiência de comprovação empírica. A possibilidade de medir a inteligência pela aplicação de testes simples parece ser um critério para validação das hipóteses.

Artigo publicado em 2004 pela revista Nature Neuroscience relacionava o desenvolvimento de competências a fatores socioeconômicos e a aspectos biológicos como dimensões do cérebro, duração da memória de curto prazo, velocidade de transmissão sináptica e metabolismo neuronal. No mesmo ano foi observada correlação entre o QI de bebês e a velocidade de crescimento do córtex cerebral. Tais descobertas não parecem perturbar o prolífico Gardner, que tem sua teoria aplicada com eficácia em escolas de todo o mundo. Nesta entrevista, ele declara-se mais interessado em estimular virtudes e talentos humanos do que em medi-los.

Mente&Cérebro: O senhor poderia resumir sua teoria da inteligência múltipla?
Howard Gardner: A visão tradicional a respeito da inteligência, que prevalece há centenas de anos, sustenta que em nosso cérebro existe um único computador, de capacidade muito geral. Quando funciona bem, a pessoa é inteligente e capaz de destacar-se em qualquer atividade. Se o desempenho for apenas razoável, o portador consegue resultado satisfatório em diversas circunstâncias. Mas se funcionar mal, o dono desse equipamento é um tolo, incapaz de estabelecer relações coerentes. Discordo disso tudo. Creio que a relação cérebro-mente pode ser descrita como um conjunto de oito ou nove sistemas distintos de elaborações fundamentais. Um deles pode atuar muito bem enquanto outro apresenta rendimento mediano e um terceiro funciona mal. Qualquer observador admitiria que na patologia há fenômenos que sustentam minha hipótese. Existem pessoas dotadas de grande talento artístico ou com habilidade para números e xadrez que, no entanto, são incapazes de compreender os outros e manter relacionamentos. A medicina oficial as considera casos patológicos, mas eu sustento que esses fenômenos são normais.

M&C: Vejamos um exemplo: como o senhor avalia a sua mente?
Gardner: Com base na teoria da inteligência múltipla eu sou, certamente, do tipo lingüístico-musical. Minha lógica é boa, mas jamais fará de mim um matemático. Fisicamente não sou nada especial e sou medíocre na inteligência espacial, mas me viro bem com um mapa. A inteligência interpessoal, diferentemente de outras, pode ser melhorada. Assim, espero continuar aprimorando minha capacidade de compreender outros.

M&C:Uma das principais objeções à sua teoria é a impossibilidade de medir as oito formas de inteligência.
Gardner: Se eu estivesse de fora observando meu trabalho, é provável que dissesse a mesma coisa. Trata-se de uma crítica bem razoável. Mas estou certo de que, se minhas idéias forem um dia levadas a sério, algum pesquisador desenvolverá instrumentos capazes de medir as várias inteligências. Mas para mim isso jamais foi uma prioridade. Não me dediquei ao tema. Robert J. Sternberg [pai da teoria “triárquica”, segundo a qual a inteligência se manifesta em três modalidades distintas: analítica, criativa e prática] tentou fazê-lo no âmbito de sua pesquisa, mas os resultados não me pareceram muito convincentes. Posso deduzir que ou suas teorias são equivocadas, ou medir as diversas inteligências humanas é tarefa mais complicada do que parece.

M&C: Mas a psicometria clássica faz medições. As pontuações que a pessoa obtém nos diversos testes verbais e lógicos estão correlacionadas, o que sugere a existência de uma inteligência “geral”. O QI está vinculado a diversos parâmetros biológicos. O que o senhor pensa sobre isso?
Gardner: Levo a sério essa questão e, se tivesse de reescrever meu livro sobre a inteligência múltipla, trataria mais do tema. Mas há fenômenos que esses estudos não explicam, em particular as razões que nos tornam tão diferentes uns dos outros. Um cientista pode passar a vida tentando acumular provas da existência de uma inteligência geral, mostrando como esta se correlaciona a este ou aquele fator; ou pode tentar explicar por que as pessoas têm habilidades tão diversas, quais as causas dessas diferenças e a que servem.

M&C: Mas as duas coisas não se contradizem. Podemos fazer uma analogia com os músculos do corpo, que se desenvolvem de forma desigual em cada pessoa. Isso não impede que algumas pessoas possuam – graças à combinação de genes, alimentação e exercícios físicos – estrutura muscular bem mais desenvolvida e potente que outras. Nem todos podem se tornar um Schwarzenegger. O que vale para os músculos não poderia valer para os neurônios?
Gardner: Tenho a mente aberta em relação à questão. Caso eu viva mais 30 ou 40 anos e a ciência identifique uma propriedade biológica fundamental – por exemplo, a velocidade de transmissão nervosa ou a plasticidade das conexões entre os neurônios – que explique uma parte maior ou menor das diferenças de inteligência, estarei pronto a rever meu pensamento. Mas isso não esclarece as razões para alguém ser mais capaz em certos setores que em outros. A resposta pode ser simplesmente que a vida humana não é infinita, e, portanto, não podemos ser excelentes em tudo. Penso que a explicação mais plausível esteja na predisposição genética e nas experiências infantis capazes de “estimular” e potencializar um dos computadores mentais de que dispomos. Um gênio poliédrico como Leonardo da Vinci é exceção, e não regra. E devemos explicar ainda a origem das diferenças nos perfis e talentos.

M&C: O senhor usa os termos “inteligência” e “talento” como sinônimos. Mas, para a maioria das pessoas, esses termos se referem a conceitos bem distintos.
Gardner: De fato. Mas, ao privilegiar o termo “inteligências” em vez de “talentos” ou “habilidades”, fiz um movimento retórico importante. Todos reconhecem a existência de diferentes talentos e habilidades humanas, e provavelmente eu não estaria aqui sendo entrevistado se tivesse usado essas palavras em vez de “inteligências”.

M&C: O que o senhor entende por inteligência?
Gardner: O ponto é que a definição de inteligência não é óbvia. Trata-se de algo debatido por estudiosos e leigos. Segundo minha análise, os pesquisadores orientados pela cultura escolástica se concentraram nas habilidades verbais e lógicas, denominando as “inteligência”. É uma questão de retórica e lingüística. Não é “a” resposta correta. As pessoas com bom desempenho em línguas e lógica são, em geral, bons alunos, e nós as classificamos inteligentes. Nada tenho contra isso, desde que se fale em “inteligência escolástica”. Se, porém, sairmos da escola e estudarmos a inteligência de arquitetos, bailarinos ou comerciantes, descobriremos que podem ser excelentes naquilo que fazem, independentemente do desempenho escolar. Se os homens de negócio tivessem inventado o QI, a avaliação mediria, provavelmente, atitude em relação a risco, iniciativa e capacidade de vender. Nenhuma dessas coisas é medida pelos testes clássicos de inteligência.

M&C: Mas isso não ameaça relativizar o conceito de inteligência, esvaziando-o de seu significado intuitivo e científico?
Gardner: A ciência não deve, necessariamente, reforçar o senso comum, muitas vezes equivocado. Minhas pesquisas, além disso, atingem o campo das ciências sociais, diferentes da física ou da biologia, justamente porque devem sempre elucidar os próprios conceitos, propondo definições novas e mais adequadas. O filósofo Bertrand Russell disse certa vez que as idéias de todos os grandes pensadores podem ser resumidas em uma ou duas frases: o que os torna notáveis é a estrutura argumentativa que criaram para sustentar as afirmações e defendê-las das críticas. Se eu transmitir às pessoas apenas o conceito de que, além da escolástica, existem outras formas de inteligência, já será um enorme progresso. Creio que já alcancei algo nesse sentido. Mas Daniel Goleman conseguiu ainda mais, pois seu conceito de “inteligência emocional” tem apelo intuitivo, aludindo às experiências do cotidiano, sobretudo no mundo do trabalho. O gerente de uma empresa pode ter a mente perfeitamente organizada e revelar-se um desastre para motivar funcionários. A diferença entre nossas pesquisas é que estabeleci oito critérios a serem atendidos por uma suposta inteligência.

M&C: Há poucos anos o senhor identificou a existência de uma oitava inteligência, a naturalística. Pensa em acrescentar outras?
Gardner: Escrevi bastante a respeito da possibilidade de uma inteligência moral. Até há pouco tempo era cético quanto a isso, mas mudei de idéia depois de algumas leituras, em particular o livro escrito pelos neurobiólogos Jean-Pierre Changeaux e Antonio Damásio. Avalio a possibilidade de uma inteligência existencial, mas o problema é saber se é diferente de qualquer outra capacidade filosófica. Se não for, poderá ser explicada pelas inteligências lingüística e lógica. As provas nesse sentido ainda não são conclusivas.

M&C:Haveria em nosso DNA genes que a seleção natural favoreceu, proporcionando assim a inteligência naturalística ou a existencial?
Gardner: Certamente. Há genes para a inteligência naturalística e, provavelmente, para todas as formas de inteligência que menciono. Creio, porém, que cada um desses tipos possui subcomponentes. Na inteligência lingüística, por exemplo, não haveria só um gene, mas centenas. Alguns deles podem predispor às línguas estrangeiras, outros, à poesia e assim por diante. Mas se dissesse em meus livros que há 500 inteligências, ninguém me levaria a sério.

M&C: Falemos de seu último livro, Five minds for the future. O senhor descreve com precisão as cinco mentes que devemos desenvolver para viver na futura sociedade: sintética, respeitosa, ética, disciplinada e criativa. Que mentes não deveríamos cultivar?
Gardner: Ninguém me havia feito esta pergunta até agora. No livro falo, sobretudo, do mau uso que se pode fazer de cada tipo de mente. Temo particularmente e penso que não deveríamos cultivar a mente fundamentalista, aquela determinada a não mudar de idéia sobre as coisas. É uma postura muito mais comum do que pensamos. Basta perguntar a alguém se recentemente mudou de idéia a respeito de algo. Provavelmente dirá que sim, mas se pedirmos um exemplo, terá dificuldade em responder. Sem perceber, nos aferramos facilmente a nossas convicções.

M&C: Permita-me uma provocação. O que o senhor diz é sem dúvida correto. Qualquer um concordaria que é bom ser mais disciplinado, respeitoso, razoável e assim por diante. Qual é, assim, a novidade da mensagem de seu livro?
Gardner: É uma pergunta legítima. Objetivamente, há aspectos da natureza humana sobre os quais é difícil hoje dizer algo de original. Esses temas, entretanto, devem ser reapresentados para cada nova geração de forma que lhe pareçam compreensíveis e sensatos. Creio ser importante fazer isso, sobretudo porque hoje se fala da mente quase que apenas do ponto de vista cognitivo. Em vez disso, eu falo de respeito, ética e educação em um sentido mais clássico. Não deveria valer apenas a nota tirada na prova de matemática, mas o tipo de ser humano que nos revelamos. Em segundo lugar, é verdade que o respeito sempre foi considerado qualidade desejável, mas na era da globalização, num mundo em que os povos podem facilmente se destruir, trata-se de algo indispensável.

M&C: Por qual de seus estudos o senhor gostaria de ser lembrado no futuro?
Gardner: Sou conhecido como “o fulano da bizarra idéia sobre inteligência”, mas gostaria que as pessoas recordassem a pesquisa sobre ética profissional que realizo há 15 anos e que se tornou um estudo sobre a confiança. Não sei se no futuro me darão crédito em relação a esse trabalho, mas não importa, pois estou totalmente convencido de que é indispensável. O domínio cultural exercido pelo mercado nos Estados Unidos está arruinando o que há de mais precioso no ser humano. Os americanos acabarão por destruir a si mesmos e provavelmente ao mundo, pois ignoram qualquer aspecto da vida que não seja comercializável. E porque pensam que, se fizerem uma prece todo domingo de manhã, terão indulto para arruinar qualquer habitante do planeta nos outros seis dias e meio. Estudando a ética e o sentimento de confiança, gostaria de chamar atenção para coisas antes importantes que hoje não têm mais valor. De fato, a pergunta que você me fez é equivocada. A correta seria: por que as coisas de que falo, que todos deveriam saber, foram esquecidas?

1. Ser isolável em casos de lesão cerebral;

2. Ser desenvolvida em autistas “eruditos”, prodígios ou indivíduos excepcionais;

3. Basear-se em uma (ou mais) série de operações identificáveis;

4. Atingir níveis diversos de competência identificáveis em todo indivíduo;

5. Ter história evolutiva plausível;

6. Ser apoiada por dados da psicologia experimental;

7. Ser apoiada por provas de psicometria;

8. Ser codificável em um sistema de símbolos.


Bibliografia:
Five minds for the future. Howard Gardner. Harvard Business School Press, 2006.

Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Howard Gardner. Artmed, 2000.

A matemática na educação infantil – A teoria das inteligências múltiplas na prática escolar. Kátia Smole. Artmed, 2000.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/multiplas_inteligencias.html. Acesso em 22 jun 2013.

sábado, 15 de dezembro de 2012

"Não é uma vagina que deixa uma pessoa feliz"

Patrícia Diguê
17.Fev.11 

Ela nasceu Leandro Cerezo, filho do ex-jogador de futebol Toninho Cerezo com sua primeira mulher Rosa Helena. E hoje é uma das modelos mais requisitadas do mundo da moda. Na última São Paulo Fashion Week, desfilou com exclusividade para o estilista Alexandre Herchcovitch. No mês passado, causou polêmica novamente aparecendo na capa da revista britânica “Love” beijando a top Kate Moss. Antes, já havia chocado posando completamente nua para a Vogue Paris (de agosto de 2010), escondendo parcialmente o pênis com a mão.

Transexual assumida e à espera da cirurgia de mudança de sexo, a modelo de 28 anos e 1,80 metro tem receio de falar com a imprensa brasileira devido às fofocas que surgiram no ano passado de que seu pai não a aceitava. Lea T mora na Itália, onde cresceu por conta do trabalho de Cerezo. E começou a carreira de top model quando o estilista da Givenchy Ricardo Tisci, para quem ela trabalhava como assistente pessoal, resolveu colocá-la na passarela. Por causa de Ticci é que passaram a chamá-la de Lea T. Apesar de magoada com as fofocas sobre sua família, Lea falou à Istoé com exclusividade em sua rápida passagem pelo Brasil. E contou um pouco sobre como é ter uma sexualidade fora do convencional em países tão conservadores como o Brasil e a Itália, sobre a necessidade que sente de esclarecer o que é o transexualismo e criticou a forma como o assunto foi colocado no Big Brother Brasil.

ISTOÉ - Por que você demonstrava um pé atrás em voltar ao Brasil?
Lea T - Isso é normal quando você sofre alguma coisa e fica machucada, mas depois cicatriza e passa, sempre cicatriza. Mas eu tinha meus motivos, todo mundo sabe, porque falaram coisas feias do meu pai, mentiras, falaram um monte de mentirada, inventaram umas coisas sobre meu pai, que ele não me aceitava, tudo mentira. Eu não sei quem começou esta coisa.

ISTOÉ - O seu relacionamento com ele é distante?
Lea T - Não temos relacionamento distante, meu pai é separado da minha mãe, temos relacionamento como qualquer filho que foi separado do pai, porque ele não morava em casa com a família. Eu beijo meu pai, sempre vou visitar, vejo duas três vezes ao ano, porque ele mora aqui e eu na Itália, mas a gente se fala pelo telefone sempre.

ISTOÉ - É por causa disso também que você tem receio de dar entrevistas no Brasil?
Lea T - É. Porque foi uma maldade. Pensei: o que vou fazer lá? Para escutar coisas piores ainda? Você fica triste, mas depois conheci a galera da Way (agência de modelos que a representa no País) e minha família falou que as coisas já não eram tão assim, que as pessoas tinham mudado a cabeça, então decidi vir.

ISTOÉ - Como foi o convite para desfilar para o Herchcovitch?
Lea T - Eu tinha falado para a minha agência que não iria aceitar qualquer convite, aí eles me ligaram falando da proposta do Herchcovitch, disseram que era a linha que eu gosto, já conhecia o trabalho dele.

ISTOÉ - Se sentiu muito assediada chegando por aqui?
Lea T - Está sendo tranquilo, todo mundo muito legal, nunca fui tão bem tratada em toda a minha vida.

ISTOÉ - Quais os próximos trabalhos?
Lea T - Volto para a Itália, fico um dia, deixo as malas, vou para Chicago e em seguida Nova York para os desfiles.

ISTOÉ - Você acha que o comportamento das pessoas com relação aos transexuais realmente está mudando no Brasil?
Lea T - Mais ou menos. Isso não muda rapidinho, o povo está me aceitando melhor pelo fato de eu estar fazendo trabalhos grandes, isso meio que cala a boca das pessoas. Mas eu continuo não vendo um transexual trabalhando em um hotel, trabalhando em um banco, em lugar nenhum, então ainda tem preconceito.

ISTOÉ - Os transexuais ainda precisam se esconder então?
Lea T - Claro. Prostitutas, são todas prostitutas, porque não têm oportunidade de trabalho.

ISTOÉ - Você também teve a mesma dificuldade?
Lea T - Eu tive. Na Itália é pior do que aqui. Por causa do Vaticano, o povo é muito preconceituoso, então não conseguia arrumar emprego, e bate aquele desespero.

ISTOÉ - O que você fazia antes de entrar no mundo da moda?
Lea T - Antes eu era um menino, diferente, mas encontrava trabalho. Eu trabalhava de assistente, era só mais um gay, que é mais aceito, apesar de ainda ter muito babado sobre isso. Mas quando virei transexual, aí o negócio mudou.

ISTOÉ - Como assim virou transsexual?
Lea T - Transexual significa uma transição sexual, então você começa uma transexualizacão. Você nasce com uma síndrome de identidade de gênero, até uns seis anos de idade se vê apenas como uma criança, mas quando começa a se identificar com alguma coisa, quando começa a entender, é que começa a se ver nem como homem nem como mulher, mas você ainda não é uma transexual, você vira transexual quando começa a fazer terapia e a ser seguida por médicos para mudar de sexo.

ISTOÉ - Você sempre sentiu a necessidade de mudar de sexo?
Lea T - Sim, mas não posso falar muito sobre isso por causa do contrato com a Oprah (Lea firmou contrato com a apresentadora americana Oprah Winfrey para uma entrevista exclusiva onde falará sobre sua cirurgia).

ISTOÉ - Quando será a cirurgia e por que ela é importante?
Lea T - Ainda não tem uma data exata. É uma questão estética, se você não se sente bem com seu pênis, aí terá uma coisa mais coerente com seu corpo e sua mente.

ISTOÉ - Isso vai te fazer mais feliz?
Lea T - Não, não é uma vagina que deixa uma pessoa feliz. Vai facilitar minha vida a nível de documento e vai me deixar numa questão estética melhor, vou viver melhor esta coisa, por causa da profissão e tudo. Mas não traz felicidade isso, senão todo mundo fazia. E todas as mulheres seriam felizes.

ISTOÉ - O que é mais importante, a cirurgia ou documento?
Lea T - Os dois são muito importantes quando se decide fazer uma coisa destas. Eu acho desaforo, deveria existir o homem, a mulher e o transexual, mas a lei nos ignora, então eles te põem como mulher, mas não é uma mulher, apesar de ter uma cabeça de mulher, mas não é.

ISTOÉ - Como é na hora de ter que mostrar sua documentação com um nome masculino? É constrangedor?
Lea T - É, nossa, na Itália, eles te tratam igual um lixo.

ISTOÉ - E no Brasil?
Lea T - Aqui eles são delicadérrimos nestas horas, nunca tive um problema deste tipo no Brasil, são finérrimos. Lá tem o Vaticano, menina, o bicho pega naquele país. Foram trilhões de situações constrangedoras, falam que você é puta, isso e aqui, é difícil, muito difícil.

ISTOÉ - E como você reage diante de uma situação assim?
Lea T - Eu brigo, eu não sou de ficar calada. Eu luto pelos meus direitos, não estou fazendo nada de errado para ninguém, então caio em cima mesmo.

ISTOÉ - Você se sente como uma espécie de porta voz dos transexuais?
Lea T - Eu sei que sou uma das poucas que conseguiu um trabalho, mas não me sinto como porta voz, acho que ninguém é porta voz de ninguém, entendeu? Cada um tem que seguir a própria personalidade, a própria vida, ter honra da própria vida. Eu consegui um trabalho, diferente de várias, e isso pode ser uma mensagem legal para elas, isso é importante.

ISTOÉ - Mas você, mesmo que não queira, acaba sendo um exemplo não é?
Lea T - Claro, um exemplo de que não existe só aquela mesma estrada, que você pode fazer outras também.

ISTOÉ - Como você viu a presença de uma trans no Big Brother Brasil?
Lea T - É muito delicada isso, eu achei que essa coisa de Big Brother mostrou que o Brasil ainda não está pronto para isso. Eu não sou superior a ninguém, mas eles quiseram por uma transexual só porque está se falando muito em transexual, para levantar a audiência, eu achei que foi uma coisa meio barata. Ela (Ariadna Thalia) é uma menina linda, vitoriosa, lutadora, pelo que eu entendi da história dela, ela teve uma história dura. Mas o problema é que, como já se fala tão pouco em transexuais, se você põe uma em um programa como esse precisava ser algo menos estereotipado. Pelo amor de Deus, ela é foférrima, mas tem que por alguém que possa mudar essa imagem. Não se pode colocar um transexual lá e ficar perguntando “qual é a transsexual?”, tipo “cadê o Wally?. É um nível muito baixo e não ajuda o povão a entender estas coisas. Acho que é diminuir uma luta que poucas transexuais fazem. Acho que sair dizendo “Eu tenho a honra de ser a única transexual do Big Brother” não contribuiu. Eu não tenho a honra de ser a única modelo, eu vou ter a honra de ser a única médica, que curou uma doença, honra de ser como a presidente da Lancôme, que é uma transexual, aí sim.

ISTOÉ - E como fazer as pessoas entenderem?
Lea T - É difícil, porque elas apontam o dedo na minha cara. Aí eu tento explicar para as pessoas que elas estão apontando o dedo para uma pessoa que sofre, que vive como você e que tem muito mais problema do que você. E que uma transexual não é uma pervertida. Por isso que dou entrevistas e falo tanto a respeito. Seria mais interessante se essa trans do Big Brother tivesse falado “eu sofro, passei por isso e aquilo”, em vez de dizer dane-se o mundo.

ISTOÉ - Por que você acha que o mundo da moda te acolheu?
Lea T - O mundo da moda me acolheu porque eu comecei com uma pessoa que é muito influente no mundo da moda (Ricardo Tisci) e eu fiz esse projeto de usar isso para passar uma mensagem, para parar de se esconder. Ser modelo aconteceu por acaso, mas a coisa mais interessante é passar uma mensagem, quando a pessoa me dá um microfone eu grito que sou um transexual. Eu tenho prazer claro de sair em fotos bonitas e ir a desfiles, mas eu acho que isso não tem que ser o fundamental.

ISTOÉ - O que poderia ser feito no Brasil para que os transexuais tivessem mais qualidade de vida?
Lea T - Você não tem apoio financeiro para mudar o seu corpo, porque quando você nasce e se vê em um corpo de homem, precisa de ajuda para se transformar, para não ficar coma aquela coisa ridícula, quer dizer, não ridícula, mas aquela coisa que você não gosta. Não existe uma facilitação para fazer a cirurgia, então deveria haver apoio para isso. Por exemplo, você tem pelo de homem e tem que tirar esses pelos, com laser, e o laser custa R$ 1 mil a sessão. Você quer por peito ou tem um queixo enorme, masculino, são coisas que incomodam a gente em um nível muito forte, porque você olha no espelho e vê traços de homem, o que faz com que você viva mal seu corpo. Quando fica comprovado que pessoa é transexual, precisa ajudá-la a fazer isso, senão por isso que são todas prostitutas, porque você vive o corpo errado, então fica desesperada.

ISTOÉ - O que diria para as pessoas que acham que o sistema de saúde não deveria gastar recursos com este tipo de coisa?
Lea T - Olha, eu vou te dar uma estatística: de cada 10 transexuais, quatro se matam. Tem uma quantidade grande de transexual no mundo, então eu acho que todos têm direito, se tem que dar prioridade para outras coisas, a gente também tem que ter essa prioridade. Tem que ter igualdade. Nós sofremos de uma patologia séria, de identidade de gênero, então não dá para dizer quem tem menos prioridade. É um distúrbio, que precisa de atendimento.

ISTOÉ - Foi para levantar a bandeira pelos direitos dos transexuais que decidiu posar nua?
Lea T - Foi, posei por causa disso. Foi uma foto nua, crua, sem maquiagem, do jeito que você é, feia. Eles quiseram mostrar uma coisa verdadeira, mesmo uma transexual, que não está perfeita, boneca, linda, montada, mas ela existe, ela está na página de uma revista como a Vogue.

ISTOÉ - Foi sua única sessão de fotos nua?
Lea T - Assim que dá para ver o pênis foi a única.

ISTOÉ - Foi difícil?
Lea T - Não. Não gosto do meu corpo, mas não tenho vergonha, eu convivo com ele bem.

ISTOÉ - Tem alguma parte do seu corpo que gosta mais?
Lea T - Tem algumas que eu gosto, outras não.

ISTOÉ - Você se acha bonita?
Lea T - Não. Não acho.

ISTOÉ - Nem nas fotos?
Lea T - Não, não me acho bonita. Eu acho que eu sou um tipo diferente de beleza, um estilo diferente, não sou bonita, com rostinho de boneca.

ISTOÉ - Quem você acha que é bonita?
Lea T - A Raquel Zimmermann (modelo brasileira) acho linda. Eu não sou daqueles que ama as mulheres bonitas, eu gosto das mulheres com imperfeições, amo a Pat Smith (cantora americana), acho ela linda.

ISTOÉ - Você se sente atraída sexualmente por homens ou por mulheres?
Lea T - Eu já experimentei os dois. Eu gosto de dizer que eu gosto da pessoa. Claro que sexualmente eu me sinto mais atraída por homem, hétero. Por isso mesmo que quero fazer a intervenção, para poder ter uma relação mais hétero. Mas isso não significa que depois que eu operar eu me apaixone por uma mulher.

ISTOÉ - Você se sente bem resolvida sexualmente?
Lea T - Não, hoje não. Eu não acho que a relação com alguém que ainda não foi operado seja uma relação hétero, para mim é um relação bissexual.

ISTOÉ - Você está namorando?
Lea T - Não falo a respeito de namoro.

Disponível em http://www.istoe.com.br/reportagens/124781_NAO+E+UMA+VAGINA+QUE+DEIXA+UMA+PESSOA+FELIZ+. Acesso em 14 dez 2012.