Mostrando postagens com marcador violência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador violência. Mostrar todas as postagens

sábado, 13 de setembro de 2014

Vitima conhece seu agressor na maioria dos casos de homofobia

Folha de S. Paulo
23/07/12

Por dia são feitas 19 denúncias de violência motivadas por homofobia, segundo relatório da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência. É primeira vez que o governo divulga dados oficiais sobre o tema.

O estudo usou dados coletados em 2011 pelo Disque 100, que recebe e verifica relatos de violações dos direitos humanos, somados a registros da ouvidoria do SUS, da Secretaria de Políticas para Mulheres e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação.

Ao todo, foram registradas 6.809 denúncias. Em 62% dos casos o suspeito era conhecido da vítima - familiares e vizinhos respondiam por mais da metade das agressões.

Os registros de violência supostamente cometida por desconhecidos foi de cerca de um terço do total. Em 9% dos casos, o suspeito não teve a identidade informada. Grande parte das agressões ocorreu na casa da vítima (42%). A rua foi palco de 31% dos casos informados.

O estudo ainda traça um perfil dos suspeitos: 40% é homem, heterossexual e tem de 15 a 29 anos.

Isso mostra que os jovens são as maiores vítimas e também os maiores agressores", diz Gustavo Bernardes, coordenador de direitos LGBT da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Ele crê que o número de agressões seja maior porque nem todos denunciam. A denúncia predominante foi de violência psicológica (42,5%), como humilhações e ameaças, seguida de discriminação (22%) e de violência física (16%). A maioria aponta mais de um agressor.

Para a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB, Maria Berenice Dias, a ausência de uma lei que criminalize a homofobia faz a maioria das denúncias ficar impune. "Acaba condenando à invisibilidade todas essas agressões", afirma.



Disponível em http://cidadeverde.com/diversidade/44314/vitima-conhece-seu-agressor-na-maioria-dos-casos-de-homofobia. Acesso em 30 ago 2014.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Comissão da Arquidiocese de SP defende dignidade de gays

William Castanho; Mônica Reolom  
30/04/2014

A Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo publicou nesta quarta-feira, 30, uma nota em "defesa da dignidade, da cidadania e da segurança" dos homossexuais. O texto foi publicado às vésperas da 18.ª Parada do Orgulho de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais de São Paulo, que será realizada neste domingo, 4, na Avenida Paulista.

"Não podemos nos calar diante da realidade vivenciada por esta população, que é alvo do preconceito e vítima da violação sistemática de seus direitos fundamentais, tais como a saúde, a educação, o trabalho, a moradia, a cultura, entre outros", afirma, em nota, a entidade da Igreja Católica. A comissão diz também que LGBTs "enfrentam diariamente insuportável violência verbal e física, culminando em assassinatos, que são verdadeiros crimes de ódio".

A entidade convida "pessoas de boa vontade e, em particular todos os cristãos, a refletirem sobre essa realidade profundamente injusta das pessoas LGBT e a se empenharem ativamente na sua superação, guiados pelo supremo princípio da dignidade humana". Ainda de acordo com a nota, o posicionamento da entidade, "fiel à sua missão de anunciar e defender os valores evangélicos e civilizatórios dos direitos humanos, fundamenta-se na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, aprovada no Concílio Vaticano II: "As alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrais e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo", diz o documento.

Dar voz. O diretor da Comissão Justiça e Paz da arquidiocese, Geraldo Magela Tardelli, afirmou que esta é a primeira vez que a comissão escreve "formalmente" a favor dos homossexuais. "A comissão tem uma missão, segundo D. Paulo Evaristo Ars: 'temos que dar voz aqueles que não tem voz'. Neste momento, o que estamos percebendo é que há um crescimento de violência contra homossexuais, então a gente não pode se omitir em relação a essa violação dos direitos humanos", afirmou o diretor.

Segundo ele, a realização da Parada Gay determinou a divulgação da nota. "Nós achamos que esse era o momento correto de colocar essa nota em circulação. Nós da Igreja estamos engajados na defesa dos direitos humanos e não compactuamos com nenhuma violação, independentemente da cor e da orientação sexual das pessoas", disse Tardelli.


Disponível em http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/comissao-da-arquidiocese-de-sp-defende-dignidade-de-gays. Acesso em 02 mai 2014.

sábado, 26 de abril de 2014

A violência que ousa dizer os seus números: aspectos polêmicos do projeto de lei que criminaliza a homofobia no Brasil à luz da laicidade estatal

Bruno Alves de Sousa
Monografia ao Curso de Direito
Universidade Federal do Ceará
Área de concentração: Direito Homoafetivo
Fortaleza - 2013

Resumo: A violência contra os LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) tem aumentado. Em alguns países do mundo a homossexualidade continua ilegal. A sociedade brasileira tem começado a se preocupar com a homofobia. Recentemente foi proposta uma lei que criminaliza a homofobia, o Projeto de Lei 122/2006. Este trabalho tem o objetivo de analisar os reais impactos desse projeto no combate à discriminação em relação à orientação sexual. Suscita questionamentos sobre uma suposta ofensa aos princípios da liberdade de crença e de expressão em respeito ao princípio da laicidade estatal. Indaga ainda se é possível a solução do problema pela via penal. É uma pesquisa em parte bibliográfica e noutra parte pesquisa de campo. O estudo abordou leituras de outras áreas do conhecimento como a Sociologia e a Psicologia. A investigação ocorreu através de aplicação de questionário a membros de diversos setores sociais. Conclui-se que a matéria ainda causa bastante polêmica. Há visões divergentes dentro do movimento social sobre a estratégia penal de respeito à diversidade sexual, assim como persistem fortes elementos discriminatórios presentes na cultura brasileira.



terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Violência à mulher é problema cultural; especialistas cobram campanha

Thais Sabino
08 de Outubro de 2013

Adriana Tamashiro, 31 anos, foi espancada pelo parceiro a 20 dias do casamento. M. R. P., 26 anos, foi agredida grávida de seis meses pelo marido. T. N. S., 47 anos, passou 20 anos sofrendo agressões verbais e físicas dentro da própria casa. Elas representam pequena parcela das mulheres que sofrem violência praticada pelo companheiro. Recentemente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluiu em um estudo que a Lei Maria da Penha não reduziu a mortalidade do gênero. Um dos motivos, segundo especialistas entrevistados pelo Terra, é a omissão à denúncia de algumas mulheres, mas o principal é que “a lei não tem varinha de condão, é preciso fazer campanha por uma cultura de paz”, afirmou a psicóloga Roseli Goffman.

Para a também conselheira do Conselho Federal de Psicologia, a lei não pode levar a responsabilidade por um problema de comportamento secular do Brasil. “Ela (Lei Maria da Penha) é um avanço e tem que continuar. O que a gente precisa é trabalhar são outras ferramentas para a mudança da mentalidade e imaginário social”, disse.  Em uma sociedade à qual Roseli classifica como “falocêntrica” e enraizada pelo ódio e machismo - “ocupamos o sétimo lugar no feminicídio”, comentou – precisa de uma “campanha nacional pela diminuição da violência contra a mulher”, disse a psicóloga Janaína Leslao.

Para Janaína, que atua na causa há anos, assim como há um trabalho grande de combate à violência no trânsito, é preciso atuar reeducação comportamental de homens e mulheres. “A gente não vê uma campanha de massa, na mesma proporção que a de trânsito, pela mudança da atitude dos homens em relação às mulheres, por uma convivência pacífica e igualdade de direitos”, criticou. A violência doméstica não é um problema de casal, mas, sim, social. “Devemos meter a colher em violência contra a mulher”, acrescentou.

A gente não vê uma campanha de massa, na mesma proporção que a de trânsito, pela mudança da atitude dos homens em relação às mulheres
Janaína Leslao
Psicóloga

A designer Adriana foi espancada no próprio apartamento. “Ele quebrou metade da casa, a vizinha ficou em pânico e ligou para o porteiro, mas ele disse que não podia fazer nada se eu não pedisse ajuda pelo interfone”, contou sobre o ocorrido do dia 18/9. Ela tem apenas alguns flashes de memória do dia em que, depois de uma briga, o ex-noivo a seguiu inconformado com o fim do relacionamento. “Ele me chutava, me dava socos, minha vizinha ouviu ele me jogar na parede e gritar que ia me matar”, relatou.

O casal estava junto há pouco tempo, tudo foi muito intenso, segundo ela: estavam juntos há dois meses e já moravam juntos. Mesmo assim, após um primeiro mês “lindo”, na primeira discussão ela percebeu a agressividade mais intensa do parceiro. Na segunda, vieram as agressões verbais que a motivaram a desistir do casamento. “Talvez tenha sido ingenuidade minha imaginar que ele não seria capaz de me levantar a mão”, disse. Com o apartamento todo ensanguentado, o ex-noivo tentou deixar o prédio, mas foi impedido pelo porteiro. Adriana chamou a polícia, ele foi preso em flagrante, pagou fiança e está em liberdade.

Casos como o da dona de casa M. R. P. são bastante comuns, segundo a delegada Celi Paulino Carlota. M. R. P. namorou por anos na adolescência com o agressor, ficou um tempo separada dele e depois o casal decidiu morar junto, em 2010. “Nos primeiros meses ficou tudo bem, depois, qualquer problema que surgia ele não queria conversar, começava a brigar e a me ofender”, lembrou. Nas situações eles se separavam, mas meses depois voltavam a morar juntos. “Ele me humilhava, falava que eu não prestava para nada, que eu era um lixo e nunca ia ter nada na vida”, relatou M. R. P.

Recentemente, a discussão foi mais além: depois dos xingamentos usuais, ele a jogou no chão, bateu no rosto, puxou o cabelo e apertou o pescoço. Quando a polícia chegou, chamada pelos vizinhos, o agressor já estava indo embora e ela preferiu não denunciar. “Falei que estava tudo bem, porque já vou passar pelo processo de divisão de bens e pensão, se ele perde o emprego como vai ajudar eu e a minha filha?”, justificou. Segundo ela, os policiais questionaram os arranhões no rosto e pescoço dela, mas ela insistiu que não havia ocorrido agressão.

Elas sempre querem dar uma chance, é uma coisa maternal, falam que não querem prejudicar o pai dos filhos, que ele perca o emprego ou vá preso
Celi Paulino Carlota
Delegada titular da 1ª Delegacia da Mulher

A segunda chance

Celi contou que as mulheres vítimas de lesão corporal, ameaças e ofensas chegam à delegacia abaladas em dúvida se devem denunciar ou não. “Elas sempre querem dar uma chance, é uma coisa maternal, falam que não querem prejudicar o pai dos filhos, que ele perca o emprego ou vá preso”, disse a delegada. A orientação da profissional, no entanto, é que a impunidade pode levar à morte da vítima e das pessoas próximas também. Segundo ela, o agressor passa por um período de arrependimento, promete melhoras, mas volta cometer os erros. Ela está recebendo casos em que a violência se estende aos filhos com mais frequência.

A missionária norte-americana T. N. S. conheceu um advogado brasileiro há cerca de 20 anos nos EUA, eles se apaixonaram, se casaram e se mudaram para o Brasil. “Foram mais de 15 anos de violência, ele destruiu a minha alma”, contou. T. N. S. sofria humilhações em público, ouvia que não servia para nada e que mulher era só para sexo. A primeira agressão física veio com quase dois anos de casamento: um soco, uma chave de braço e puxões nos cabelos. Depois da primeira vez, a situação começou a acontecer com mais frequência e, grávida da terceira filha, ele rompeu a bolsa de água de T. N. S. com um soco na barriga dela.

Foram mais de 15 anos de violência, ele destruiu a minha alma
T.N.S (Vítima)

Ao todo, eles se separaram três vezes, mas os pedidos de desculpas do agressor sempre convenciam T. N. S. A última briga fez com que ela ameaçasse denunciá-lo. Como resposta, o agressor disse que tiraria a guarda dos quatro filhos – três meninas e um menino – de T. N. S. Ele conseguiu. Segundo ela, o ex-marido juntou um laudo médico falso que alegava a insanidade mental da mulher e obteve o direito de ficar com os filhos. “A culpa é minha porque eu demorei a tomar uma posição. Se eu tivesse denunciado antes não perderia 20 anos da minha vida e as minhas crianças. Quanto mais tempo você fica na situação, mais coloca as pessoas em perigo”, afirmou T. N. S.

A denúncia

Um das razões para T. N. S. não ir à polícia era o medo de punição. Ela desconhecia a Lei Maria da Penha, de proteção às mulheres contra a violência doméstica. A lei, em vigência desde 2006, prevê medidas protetivas como o impedimento do agressor de se aproximar da vítima, fazer contato telefônico ou pela internet sob o risco de prisão, além de a mulher poder pedir o afastamento do companheiro do lar e alimentos provisórios. “Ela consegue tudo isso já na delegacia”, garantiu Celi. A denúncia também pode ser feita diante de ameaças e agressões verbais, acrescentou.

O primeiro passo após uma agressão física é procurar um pronto-socorro caso existam ferimentos. Depois, a vítima deve ir até à delegacia da mulher e abrir o boletim de ocorrência. Foi o que fez Adriana. Logo após a polícia prender o agressor, ela foi para o hospital e seguiu ao Instituto Médico Legal para fazer exames. Na delegacia, ela estava certa de que não deixaria a violência passar impune, abriu um boletim de ocorrência e agora aguarda ser chamada para depor e fazer o reconhecimento.

Segundo a delegada, as mulheres que buscam ajuda são cada vez mais jovens e, de acordo com Janaína, cerca de 90% são agredidas por uma pessoa íntima com quem se estabeleceu em algum momento uma relação de afeto. Além do apoio policial e jurídico, segundo Janaína, centros de atendimento à mulher ajudam na parte psicológica e recuperação da autoestima. As instituições mantêm sigilo e possuem equipe multidisciplinar, completou.


Disponível em http://mulher.terra.com.br/vida-a-dois/violencia-a-mulher-e-problema-cultural-especialistas-cobram-campanha,93c1414a7cf71410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html. Acesso em 10 fev 2014.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Violências interpessoais e simbólicas na trajetória de uma professora intersexual

Henrique Luiz Caproni Neto
Renata de Almeida Bicalho
Sociais e Humanas, Santa Maria, v. 26, n. 03, set/dez 2013, p. 656 - 699

Resumo: O presente artigo destina-se a analisar a trajetória e as violências vivenciadas por uma mulher intersexual, especialmente no âmbito profissional. Para isso, consultou-se trabalhos dedicados à intersexualidade e à violência nas organizações e foi feita uma entrevista com a professora intersexual por meio da história oral. A análise qualitativa dos dados foi realizada de acordo com as categorias de violência interpessoal e simbólica. De modo geral, destacamos uma trajetória marcada pela violência e enfatizamos a relevância de incluir os intersexuais nas discussões sobre diversidade nas organizações.





quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Trabalho, violência e sexualidade: estudo de lésbicas, travestis e transexuais

Alexandre de Pádua Carrieri
Eloisio Moulin de Souza
Ana Rosa Camillo Aguiar
RAC, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, art. 5, pp. 78-95, Jan./Fev. 2014

Resumo: Este artigo estuda as violências simbólicas e interpessoais, vivenciadas na sociedade e no trabalho, dirigidas a lésbicas, travestis e transexuais. Contudo, para cumprir seu intento, foi preciso analisar as violências vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa em seu contexto social mais amplo, envolvendo aspectos familiares, dentre outros, ampliando-se também a análise para além do trabalho formal. Foram entrevistados sessenta e cinco sujeitos, utilizando-se também a técnica de diário de campo para produção de dados. A análise foi realizada por meio da técnica de Análise Crítica do Discurso (ACD), utilizando-se Fairclough (1992, 1995) como principal referência para análise. Conclui-se que os entrevistados sofrem diversas formas de violência simbólica, fruto das dominações simbólicas que se instauram de forma particular em cada um dos grupos estudados. As violências interpessoais vivenciadas no trabalho têm relações estreitas com as formas de violências simbólicas relacionadas a cada grupo, e ocorrem com maior intensidade contra os travestis, pois estão mais propensos e sujeitos a sofrerem violência interpessoal por meio de agressões físicas, fato que coloca em risco a integridade física e a vida dos travestis.




terça-feira, 14 de janeiro de 2014

No corpo errado

Rafael Gregorio; Tory Oliveira
Publicado na edição 82, de dezembro de 2013

Desde a infância, David Cristian, 23 anos, sentia-se diferente das demais meninas. O jovem, natural de Florianópolis (Santa Catarina), começou a se vestir como um garoto aos 13 anos e há um ano e meio iniciou tratamento psicológico e hormonal para adequar seu corpo ao gênero masculino, com o qual se identifica. Cristian é um transgênero, como são chamados homens e mulheres que sentem inadequação extrema com o sexo biológico de nascimento. Identificado como transtorno de identidade de gênero pelos médicos, o fenômeno, frequente e erroneamente confundido com a homossexualidade, pode ser um atalho para depressão, discriminação e isolamento, em especial no caso de crianças e adolescentes em idade escolar.

Para Cristian, que hoje vive em Curitiba, a maior parte das lembranças da escola, quando ainda vivia como menina, são de ameaças de colegas e funcionários. “Uma inspetora disse para eu ir embora, porque ninguém gostava de mim lá”, conta ele. Além de lhe acarretar uma depressão, a hostilidade o fez interromper os estudos duas vezes. Formado, Cristian hoje espera a mudança do nome na carteira de identidade para começar uma faculdade.

Violência e preconceito explicam a incorreta associação entre identidade de gênero e vontade pessoal. São também as razões da alta evasão escolar identificada por profissionais da educação. “Muitos não conseguem concluir nem o Ensino Fundamental, e 99% não chegam à universidade”, explica a professora transgênero Marina Reidel, autora de dissertação de mestrado na UFRGS sobre a trajetória de professores travestis e transexuais (que buscam correção cirúrgica para o que veem como distorção anatômica). Sem acesso ao estudo e, consequentemente, ao mercado de trabalho, a maioria cai na prostituição.

Além das agressões físicas e verbais, discriminações cotidianas, como a negativa de uso do nome social (denominação pela qual preferem ser chamados no dia a dia) e a proibição de frequentar o banheiro reservado ao gênero de identificação, são obstáculos adicionais. Para Marina, em vez de disseminar valores de tolerância, a escola é, no mais das vezes, um ambiente aterrorizante para os transgêneros.

Leonardo Tenório, 17 anos, nasceu Letícia. Na adolescência, contudo, em nome de “ser quem eu era”, desistiu de agradar à mãe e abandonou as roupas e a aparência femininas. “Todo mundo repara em mim. Como sou tímido, tento me esconder ao máximo”, diz Tenório, hoje aluno do 3º ano do Ensino Médio em uma escola pública de Ituitaba, Minas Gerais. Ele também diz ser recriminado pela diretora da escola, que, ao pedido para ser chamado pelo nome social, respondeu-lhe que não havia lei que a obrigasse e que ele “queria aparecer”. O aluno mostra-se resignado: “Tento pensar que a escola já está acabando”.

Reminiscências amargas de apelidos e xingamentos também predominam para Brendda Montilla, 17 anos, que diz sentir-se diferente dos demais meninos desde as primeiras séries, em Almirante Tamandaré, no Paraná. “Os casos de tolerância que encontrei foram por boa vontade dos professores, porque nem eles nem os alunos foram preparados (para o tema)”, opina.

A falta de instruções é tida como a fonte principal da disseminação do preconceito. “O problema começa em colocar fundamentalismo religioso antes do saber pedagógico. (As pessoas) precisam compreender que a escola não é seu quintal ou sua igreja”, opina Laysa Carolina Machado, 42 anos, diretora do Colégio Estadual Chico Mendes, em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba – a primeira transexual a ser eleita para cargo semelhante no Brasil ( depoimento nesta página). “Há um déficit muito grande na formação do professor e também um medo de abordar certas questões”, opina a professora Marina.

Episódios como as hostilidades contra transgêneros no último Enem corroboram o cenário de despreparo. “Quando cheguei, a fiscal ficou questionando em voz alta na entrada da sala por que meu documento trazia nome e foto de homem”, relata Ana Luiza Cunha da Silva, 17 anos, aluna do 3º ano do Ensino Médio em uma escola particular em Fortaleza. O RG dela ainda foi conferido outras três vezes por funcionários diferentes até que um superior solucionasse o caso, registrando-o em um formulário de perda de documento, ela diz. Antes, porém, outra fiscal “ficou colocando a foto ao lado do meu rosto e dizendo ironicamente que não podia ser a mesma pessoa”. A estudante foi liberada após 30 minutos e só não perdeu tempo de prova porque chegou uma hora antes do início do exame.

O relato é semelhante ao da paraense Beatriz Marques Trindade Campos, 19 anos, que hoje cursa o 2º período de Direito na Unifemm, em Sete Lagoas (MG). “Entreguei meus documentos e a fiscal não me reconheceu, ficou perguntando se era eu mesma e gritou meu nome de batismo para me expor. Ela realmente não estava preparada”, lamenta.

Apesar dos constrangimentos, Ana Luiza e Beatriz são pontos fora da curva no que diz respeito ao apoio familiar. “Foi um choque, mas procuramos dar todo o apoio em sua vida”, afirma Fábio Luiz Ferreira da Silva, 39 anos, médico veterinário e pai de Ana Luiza (depoimento à pág. 26). A colaboração mais recente foi o pedido de mudança de nome na Justiça, protocolado por ele. O segredo da compreensão, afirma, é simples: “A gente se gosta muito lá em -casa e eu aprecio o debate de ideias. Focamos em tratar a pessoa como você gostaria de ser tratado. Não tem nenhum ensinamento a não ser o amor e o diálogo”. A maioria dos transgêneros, porém, não tem a mesma sorte: “Uma amiga transexual de 18 anos foi há pouco expulsa de casa e teve de trabalhar na prostituição”, relata Ana Luiza.

Inexiste consenso sobre o número de estudantes que questionem o próprio gênero no Brasil, muito menos sobre as taxas de evasão escolar desse público. Também faltam dados sobre o número de transexuais e travestis adultos, em parte porque não há no formulário do Censo do ¬IBGE questão específica sobre a identidade de gênero do declarante. “Estima-se que haja atualmente 2 milhões de trans no Brasil”, afirma a professora Marina.

Professor da PUC-SP e coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo, o psiquiatra Alexandre Saadeh, 52 anos, dá outra estatística sobre o número de pessoas que questionam o sexo anatômico na juventude. “Nos países ocidentais, a média é de um a cada 100 mil homens e de uma para cada 400 mil mulheres.” Composto de, aproximadamente, 15 profissionais de saúde, o núcleo que ele comanda provê, desde 2010, tratamento psicoterápico para adolescentes – são hoje cerca de 30 pacientes, seis dos quais crianças – e, neste ano, começou a praticar terapias hormonais.

Também falta consenso sobre a natureza do fenômeno, no que especialistas e transgêneros alternam compreensões ligadas à psiquiatria, à psicologia ou mesmo a nenhuma delas, em um movimento de “despatologização” da transexualidade.

“Os transexuais têm pouco acesso aos serviços de saúde e, por isso, vivem uma vulnerabilidade e uma situação de exclusão social”, afirma Judit Lia Busanello, 48 anos, psicóloga e diretora-técnica do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais. Vinculado ao Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, o núcleo oferece fonoaudióloga, endocrinologista, clínico geral, urologista, proctologista, psicólogo, psiquiatra e assistente social para um total de 1.860 pacientes cadastrados desde junho de 2009. Desses, 70% são mulheres transexuais (nascidas no sexo anatômico masculino), cujo tempo de acompanhamento chega, em média, a dois anos e meio. Sem contar a fila de três a seis meses: “hoje trabalhamos acima de nossa capacidade”, diz Judit.

“Até os anos 1980, as teorias em voga eram psicológicas. Hoje se correlaciona o transtorno de gênero ao desenvolvimento cerebral intrauterino”, defende Saadeh. Com base nesse entendimento de “um processo essencialmente biológico”, ele afasta a possibilidade de que crianças sejam transexuais por influência de outras pessoas ou questões sociais. O médico também rechaça a eventualidade de que transgêneros influenciem colegas. “Não acredito de maneira alguma nisso. Se assim fosse, todo mundo se contaminaria com a heterossexualidade, a orientação predominante”, afirma.

No Brasil, a cirurgia para mudança de sexo é feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e após os 21 anos, conforme parecer de 2010 do Conselho Federal de Medicina (CFM). O tratamento hormonal é possível a partir dos 18, mas, em 2013, outro parecer do CFM recomendou o bloqueio da puberdade do gênero de nascimento (não desejado). A favor do retardo, os especialistas apontam fatores como a prevenção a sofrimentos psicológicos comuns nesse público, como depressão, anorexia e tendência a suicídio, além da oferta de mais tempo para aprimorar o diagnóstico e da prevenção a cirurgias mais invasivas no futuro. O parecer não tem força de lei e já enfrenta resistências. Ainda assim, pode direcionar protocolos sobre o tratamento e ampliar a oferta de acompanhamento médico.

O tempo é mesmo um obstáculo para quem questiona o gênero. A maioria sente desconforto desde a primeira infância e assiste impotente ao desenvolvimento, na anatomia, de sinais contraditórios com relação ao próprio sentimento. “A identidade de gênero se manifesta por volta dos 3 ou 4 anos. Deve-se ficar atento e buscar orientação de centros especializados”, diz o psiquiatra Saadeh. Ele condiciona o diagnóstico à convicção “responsável, duradoura e consistente” e defende que a criança use o nome e as roupas que desejar. Também é importante, diz, que os pais orientem professores e assistam os filhos em sua transformação na escola. “Todas as crianças que acompanhamos estão bem adaptadas e vivem 24 horas assim. Se antes eram meninos deprimidos, irritados, agressivos, agora são meninas doces, que interagem com os outros. O ganho é o bem- estar psicológico de não mais sentir que se está fazendo algo errado”, ele diz.

Leonardo Tenório, da Associação Brasileira de Homens Trans, defende a criação de políticas específicas nas Secretarias de Educação. Para ele, a descentralização da educação pública brasileira atrapalha. “Cada escola tem seu próprio Plano Político Pedagógico. Dependemos da sensibilidade de cada gestor”, explica.

A criação de leis para articular a inclusão escolar dos transgêneros e proteger seus direitos nas escolas é um dos sonhos do estudante Leonardo Carvalho. “Este é o meu último ano na escola, mas sei que os muitos trans que virão depois vão sofrer também”, conta. “Penso que seria mais justo o Enem disponibilizar a opção para transgêneros já na ficha de inscrição”, defende Silva, o pai de Ana Luiza. Na visão dele, isso ajudaria a evitar constrangimentos amplificados pelo fato de que as salas do exame são usualmente divididas conforme o nome de candidatos e candidatas.

Para quem vive a causa ou a defende, a prioridade é combater a invisibilidade a que a sociedade submete quem questiona o sexo biológico. A demanda mais recorrente ouvida pela reportagem foi pela inserção da pergunta específica de gênero no Censo. Segundo o IBGE, antes da realização do próximo Censo, em 2020, o instituto vai, como de costume, consultar a sociedade para avaliar a necessidade e a conveniência de “revisão dos tópicos tradicionalmente investigados” e de “novas necessidades de dados, sempre observando as recomendações internacionais”. A diretora paranaense Laysa, que também é atriz e escritora, sintetiza esse sentimento comum: “Espero que em alguns anos possamos nos ver em novelas e em outros papéis que não sejam os da palhaça caricata ou da trans assexuada”.

Sempre soube da minha condição. Na infância era natural. Eu nunca achei errado. Foram os outros que colocaram na minha cabeça que vestir roupas femininas ou brincar de boneca era ruim.

Fui discriminada em todas as instituições em que estudei e tentei sublimar minha essência. No dia 31 de dezembro de 1999, porém, iniciei minha vida trans. Perdi empregos e busquei na estabilidade de um concurso público a chance de viver plenamente minha identidade de gênero.

Iniciei minha carreira como professora de História, Geografia e Teatro. Sou diretora desde 2009, quando fui eleita com meus dois amigos Gisele Dalagnol e Ivan Araújo. Cuidamos de, aproximadamente, 1,6 mil alunos dos Ensinos Médio e Fundamental. Minha relação com eles é ótima, e com os pais também. Sou respeitada e me sinto querida, acolhida e amada.

Há três anos, Ana Luiza nos contou que se sentia uma mulher em um corpo masculino. Já dava sinais, mas pensávamos que podia ser questão de influência, de andar só com meninas.

Conversamos em uma reunião em família. Foi uma semana sem dormir. Mas se para mim e minha esposa foi difícil, me coloco no lugar dela, alguém de 13, 14 anos que ensaia noites a fio como dizer algo tão difícil.

Nossa família é muito católica. Os mais próximos vão sabendo aos poucos. É um processo. O nome, por exemplo. Chamávamos de Luiz Claudio, depois de Lu. E meu filho mais novo me cobrava, mas achei melhor ser natural do que agir com hipocrisia. Liberamos aos poucos roupa,  maquiagem.

A aparência dela mudou muito no último ano. Tem psicóloga, mas é duro achar psiquiatra e endocrinologista que atendam o caso.

Alguns nos criticam por sermos apoiadores. Acham que desprezar ou botar pra fora de casa poderia resolver, como se fosse algo que a pessoa escolhe. Mas ninguém decide passar por isso. A vida é um fenômeno que acontece. Depois que você está instalado, aprende a viver.

Rejeição e intolerância

Uma das poucas aferições já realizadas no Brasil sobre a transfobia (aversão a transexuais e transgêneros) revelou que 24% das pessoas não gostariam de se encontrar com transexuais (10% disseram sentir repulsa/ódio e 14%, antipatia) e 22% não gostariam de dividir espaço com travestis (repulsa/ódio e antipatia foram citados por 9% e 13%, na ordem). Os dados são da pesquisa Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, da Fundação Perseu Abramo. De acordo com o 2º Relatório sobre Violência Homofóbica, em 2012 foram registradas 3.084 denúncias de violações à população LGBT, com 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos – alta de 166% perante a 2011. No período, foram reportadas 27 violações homofóbicas de direitos humanos por dia. Em 2011, 10,6% das vítimas foram travestis, enquanto mulheres trans foram 1,5% e homens trans, 0,6%. Já em 2012, o porcentual de travestis e transexuais agredidos caiu para 1,4% e 0,49%, na ordem. Para a Secretaria de Direitos Humanos, contudo, a queda não denota diminuição da violência, mas crescente “invisibilização” de uma população vulnerável.

Serviço:
  • Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SPRua Santa Cruz, 81, Vila Mariana, São Paulo, SP. Tel (11) 5087-9833
  • Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) – Hospital das Clínicas Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, São Paulo, SP. Tel (11) 2661-8045
  • Disque Direitos Humanos Disque 100 http://www.sdh.gov.br/
  • Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais Avenida Afonso Pena, 867, Sala 2.207, Belo Horizonte , MG. Tel. (31) 8817-1170. www.abglt.org.br
  • Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. E-mail: direitoshumanos@sdh.gov.br.Tel(61) 2025-9617


Disponível em http://www.cartanaescola.com.br/single/show/262. Acesso em 07 jan 2014.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Machismo: pesquisa mostra que brasileiros ainda querem uma 'Amélia'

Danielle Barg
06 de Dezembro de 2013

O machismo no Brasil é um tema que volta e meia está no topo das discussões: quando se pensa que avançamos neste aspecto, logo aparece alguma novidade para provar o contrário. E enquanto muita gente pensa que alguns conceitos ficaram lá no século passado, uma pesquisa vem trazendo dados preocupantes dentro deste cenário.

O instituto Avon apresentou esta semana os resultados do estudo Percepções dos homens sobre a violência doméstica contra a mulher. O tema machismo foi abordado em diversas questões, uma vez que o comportamento representa um tipo de violência.

Ficou comprovado que muitos deles ainda esperam da mulher o papel de Amélia: servil e pouco ousada. Entre os destaques, estão dados como: 85% dos homens consideram inaceitável que a mulher fique bêbada; 69% não querem que a mulher saia com amigos (as) sem o marido e 46% não gostam que mulheres usem roupas justas e decotadas.

Quando o assunto são as tarefas domésticas, 43% acham que quem deve cuidar da casa é a mulher, enquanto que 89% dos entrevistados consideram inaceitável que a mulher não mantenha a casa em ordem. No campo da sexualidade, 47% deles concordam que o homem precisa mais de sexo do que a mulher.

O Terra conversou com alguns homens para confrontar os dados do estudo.

Álcool, roupas e liberdade

Sair com as amigas, para muitas mulheres, é sinônimo de liberdade e de algumas horas de descontração – longe das obrigações envolvendo trabalho, filhos e casa. Embora alguns homens tenham dificuldade em admitir, o ciúme e o instinto de ‘propriedade’ está presente em muitos relacionamentos.

O gestor ambiental Marcos Flavio, 28, discorda. “Dentro de uma razoabilidade moral, não sendo ridículo, nem expondo a intimidade, creio que uma roupa decotada, combinando, seja sim bonito”, analisa.

Já quando o assunto é o álcool, rejeitado por 85% dos homens da pesquisa, as opiniões são divergentes. Diego Rodrigues, 28, executivo, acredita que é aceitável uma mulher ficar bêbada, mas com uma ressalva. “Desde que não seja uma coisa frequente, ou em situações em que não convém.”

O gestor operacional Robson Leandro da Silva discorda. “E daí que a mulher ficou bêbada? Se fosse o contrário (mulheres achando inaceitável homens bêbados) diriam que é frescura”.

Síndrome de Amélia

O estigma da Amélia, 'que era mulher de verdade’, vem sendo rejeitado ao longo dos anos por muitas mulheres, que hoje em dia têm enorme representatividade no mercado de trabalho. Os homens mais abertos à esta mudança de padrão aceitaram a virada, porém, como comprova a pesquisa, existem muitos que ainda preferem se acomodar no papel de marido provedor – que simplesmente é servido e não assume papéis na vida doméstica.

Com relação ao número de 43% que acham que quem deve cuidar da casa é a mulher, Diego acredita o dado pode estar relacionado às habilidades femininas. "Acho que mulher tem mais bom gosto para cuidar da casa no que diz respeito a móveis, louças, organização.”

Para Matheus, o segredo é o equilíbrio. “Os casais atuais dividem as tarefas e compartilham as coisas boas e ruins de cuidar da casa”, afirma, embora também acredite que “as mulheres são muito mais preocupadas com isso que os homens.”

Robson é contra o número da pesquisa. “Essa divisão não deve existir. Se você divide a casa com alguém, deve dividir as tarefas. A menos que um dos dois tenha por hobby, por exemplo, cozinhar. O que não acredito que aconteça com a questão da limpeza. Felizmente, as mulheres trabalham hoje e não devem assumir as funções de doméstica”, observa.

Sexo

Os hormônios masculinos geralmente são os ‘culpados’ pela aparente maior necessidade de sexo deles. E pelo visto eles concordam, já que 47% pensam desta forma, segundo a pesquisa.

C.R.S., 33, contato comercial, que prefere não se identificar, a informação procede. “O homem é mais sexual do que a mulher. Os homens admitem e as mulheres mais convencionais também. Mas não é palavra, é comportamento, pelo menos sob minha visão.”
Violência doméstica

Os números da violência propriamente dita, revelados pelo estudo, também não são animadores. Entre os mais alarmantes, estão o de que 16% já foram violentos com a companheira, atual ou ex; 56% dos homens já cometerem algum tipo de agressão com a companheira, entre eles, xingamentos (53%), empurrões (19%), tapas (8%).

Além disso, 35% disseram desconhecer a lei Maria da Penha, enquanto que 48% deles não apoia a mulher a buscar a Delegacia de Mulher caso o homem a obrigue a fazer sexo sem vontade.

A pesquisa lembra ainda que a cada 4 minutos uma mulher é vítima de agressão no Brasil e até 70% delas sofrem violência ao longo da vida.


Disponível em http://mulher.terra.com.br/comportamento/machismo-pesquisa-mostra-que-brasileiros-ainda-querem-uma-amelia,77bb0eefc99b2410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html. Acesso em 15 dez 2013.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Adolescente transexual do DF teme preconceito e sonha com mudança de sexo

Daniela Novais
02/11/2013

Ele tem 16 anos de idade. Desde os cinco tinha consciência de que não estava satisfeito com seu gênero biológico. Aos nove, incomodado com a aparência, ele já se vestia com roupas masculinas. Na escola, Francisco afirma que seus amigos não sabem sobre o fato de ele ser transexual e que tem medo de que eles se afastem caso fiquem sabendo que ele é um menino em corpo de menina.

O caso em questão é de um estudante do Distrito Federal, que sonha ter documentos com o nome masculino com o qual se identifica. Outro sonho de Francisco (nome fictício) é fazer a cirurgia de mudança de sexo. Na escola, ele já consegue ser tratado de acordo com sua identidade sexual. Nas lista de chamada, os professores o abordam pelo nome masculino.

Atualmente, o corpo é como o de um adolescente de sua idade, devido à ação de hormônios, que deram a ele esta característica. Sobre o passado com aparência de menina, ele diz que prefere esquecer. “Nunca me vi como menina. Nem gosto de me lembrar dessa época. Não me conformo com a maneira como nasci”, desabafa.

Família - A pedido da família, o adolescente já se consultou com um psicólogo, que diagnosticou a transexualidade. Apesar do desejo de mudar de sexo, por meio de cirurgia, ele ainda não começou os tratamentos que antecedem o procedimento, que envolvem acompanhamento psicológico e hormonal. Em casa, ele conta com o apoio da mãe e da irmã mais velha.

O jovem conta que já teve duas namoradas e elas não chegaram a saber sobre sua transexualidade. Ele também não fez questão de contar sobre seu passado e a imagem que o desagrada. “Eu sei que um dia alguém vai descobrir e tenho muito medo de acharem que eu menti. Tenho medo que meus amigos se afastem de mim por isso”.

Homofobia - Foi na escola que Francisco conta ter vivido um dos maiores dramas envolvendo sua sexualidade. Ele conta que, em 2010, se envolveu com uma colega de escola. A fofoca chegou ao pai da garota, que se irritou ao saber que ele era transexual. Segundo Francisco, o pai da menina o atropelou e a confusão fez com que ele fosse expulso da escola. Francisco relata que o diretor do colégio em que estudava cometeu homofobia, pois sempre se mostrou avesso a sua sexualidade, o que teria culminado com a sua expulsão.

Após o episódio, ele teve de mudar de escola. No novo colégio, passou a esconder dos colegas o fato de ser transexual. A mudança de turma, para ele, foi como ter “começado a vida do zero”.  “Para eles, eu sou como um garoto qualquer”, conta.

O adolescente relata que vive um drama devido ao preconceito por sua orientação sexual. A perseguição devido à sua sexualidade aconteceu na escola, onde ele conta que foi agredido por várias vezes. Nas redes sociais, ele também já foi alvo de bullying e preconceito, por meio de xingamentos. “Criaram vários perfis para me xingar. Sofri muito bullying”, relata.

Denúncias - Uma pesquisa revela que o Distrito Federal é a unidade da federação que, proporcionalmente, mais registrou denúncias de violência homofóbica no Brasil. O 2º Relatório Sobre Violência Homofóbica 2012 foi elaborado e divulgado pela coordenação de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros (LGBT), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

O levantamento apontou que no ano passado foram realizadas 239 denúncias sobre 411 casos de violência homofóbica, o que representa 9,3 registros para cada cem habitantes do DF. No total, houve aumento de 431% em relação a 2011, quando foram registradas 45 denúncias.

O relatório se baseou em denúncias encaminhadas por meio do Disque 100, da SDH, do Ligue 180, da Secretaria de Políticas para Mulheres, e da Ouvidoria do SUS (Sistema Único de Saúde), do Ministério da Saúde.

O relatório aponta que só no DF foram denunciados 24 casos de violência física, cinco de violência sexual e três homicídios. No entanto, própria secretaria reconhece que as notificações não correspondem à totalidade dos casos de violência homofóbica, já que muitos deles não são denunciados. Os números não representam, por exemplo, os casos de homofobia contra pessoas que não assumem a sexualidade ou das que são assassinadas e as famílias não assumem que os mortos eram LGBT. 

De acordo com o relatório da SDH/PR, no DF foram registrados 195 casos de violência psicológica. Também foram notificados 182 casos de discriminação e três de violência institucional.

Disponível em http://camaraempauta.com.br/portal/artigo/ver/id/5409/nome/Adolescente_transexual_do_DF_teme_preconceito_e_sonha_com_mudanca_de_sexo. Acesso em 13 nov 2013.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Transexualidade e preconceito: as implicações do psicólogo

Mário de Oliveira Neto
Maressa de Freitas Vieira
2a. Jornada Científica e Tecnológica da FATEC de Botucatu.
21 a 25 de Outubro de 2013, Botucatu – São Paulo, Brasil

Resumo: A aceitação na família, na escola, a inserção no mercado de trabalho, os direitos garantidos por leis, o acolhimento, a igualdade, a dignidade e, acima de tudo, a liberdade (no seu mais amplo significado) são direitos garantidos de grande parte da sociedade, exceto a transexuais. Isto porque a sociedade atual, muitas vezes, exclui significativamente os transexuais, dificultando e impedindo o acesso do reconhecimento da identidade e dos direitos civis básicos desses indivíduos. Diariamente transexuais são alvos de preconceitos, exclusão, ameaças, agressões e violências das mais variadas formas, culminando não muito raro em homicídio. A esse conjunto de atitudes a pessoa transexual, denomina-se transfobia. (JESUS, 2011). Transexuais e travestis, a partir das avaliações sociais e biológicas, são vistos como fracassos ambulantes, incapacitados para desenvolverem seu potencial natural em função de seu comportamento socialmente inadequado. Assim, o individuo está exposto a violências, ridicularização, estigma e marginalização, fortalecendo assim o gênero binário, ou seja, masculino e feminino (GUIMARÃES et al, 2013).

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Aprovado PL que obriga agressor a indenizar o INSS

Consultor Jurídico 
6 de outubro de 2013

A Comissão de Seguridade Social e Família aprovou nessa quarta-feira (2/10) o Projeto de Lei 4.381/12, do deputado Amauri Teixeira (PT-BA), que obriga o agressor a indenizar a Previdência Social por todos os benefícios pagos à mulher agredida, como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, quando concedidos em decorrência de atos de violência doméstica e familiar. O projeto acrescenta artigo à Lei Maria da Penha (11.340/06).

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) já vem entrando na Justiça com ações regressivas contra os agressores, para que eles venham a restituir aos cofres públicos os gastos decorrentes de violência doméstica. O objetivo da proposta é fazer com que o dever do agressor de indenizar a Previdência Social seja um efeito automático da sentença condenatória por agressão, independentemente de propositura de ação regressiva.

A relatora, deputada Sueli Vidigal (PDT-ES), lembra que apesar dos avanços no ordenamento jurídico brasileiro, com a aprovação da Lei Maria da Penha, há ainda muito por se fazer para que o combate à violência doméstica seja realmente eficaz.

“O ressarcimento de valores pagos em benefícios originados por atos de violência doméstica, além reparar o gasto financeiro arcado pelo Estado, tem duplo objetivo: aplicar um castigo ao infrator e dissuadir os demais indivíduos de praticarem qualquer tipo de violência doméstica”, argumentou a relatora.

O projeto (PL 4.381/2012), que tramita em caráter conclusivo, será analisado agora pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-out-06/comissao-aprova-projeto-obriga-agressor-mulher-indenizar-inss. Acesso em 07 out 2013.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Erotismo politicamente correto

Marcio Ferrari
Edição 211 - Setembro de 2013

Com o aumento da longevidade, a velhice está se tornando a fase mais longa da vida. Contada geralmente a partir dos 60 anos de idade – mas não raro a partir dos 50 –, às vezes corresponde a quase metade da existência de uma pessoa. Atualmente já se pode falar não de uma única velhice, mas de várias, dependendo da faixa etária e das condições sociais e individuais do idoso. Por ser o prolongamento da expectativa de vida um fenômeno recente e veloz, as políticas públicas, as concepções médicas e as de senso comum sobre a velhice se sucedem, se entrelaçam e muitas vezes se confundem.

As variações e contradições dos discursos gerontológicos das últimas décadas são o tema do estudo Velhice, violência e sexualidade, da professora Guita Grin Debert, do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O trabalho se insere num conjunto de estudos que a pesquisadora vem desenvolvendo ao longo de sua carreira acadêmica, cujas conclusões mais recentes se encontram no campo da sexualidade – ou, mais precisamente, no processo de “erotização da velhice” verificado nas últimas décadas.

O estudo foi feito com base na análise de documentos e pronunciamentos oficiais, de textos publicados na imprensa e da literatura de autoajuda, além de dados etnográficos obtidos em espaços de socialização de pessoas idosas. O que se percebe, segundo Guita, é uma mudança marcante da década de 1970 para cá. Evoluiu-se de uma concepção em que a velhice é caracterizada como uma fase de “decadência física e perda de papéis sociais”, na qual a vivência sexual praticamente se extingue, para outra em que uma sexualidade ativa e gratificante é pré-requisito para uma vida saudável e feliz.

É quando surge o conceito de “terceira idade” e passa a predominar a ideia de que o sexo “é quase uma obrigação” para os idosos. Trata-se do que a pesquisadora chama, tomando de empréstimo uma expressão criada pela socióloga Maria Filomena Gregori, de “erotismo politicamente correto”. Não por acaso, na discussão sobre a terceira idade, os médicos vão perdendo terreno para os psicólogos.

“A velhice se tornou a idade do lazer e da realização pessoal”, diz Guita. Essa concepção, que não se restringe ao Brasil, acaba influindo diretamente nas definições do que é ser velho e nos parâmetros da “gestão do envelhecimento”. “Não deixa de ser também um novo mercado, porque, entre todos os grupos sociais, o dos velhos é o que tem mais disponibilidade de consumo”, diz a antropóloga.

A derrubada do mito da velhice assexuada se deu em campos múltiplos. Estudos de várias áreas comprovaram que a sexualidade não se esgota com o passar dos anos. É indiscutível o declínio da frequência das relações sexuais, mas emerge, por outro lado, a percepção de que a qualidade dessas relações pode aumentar. Os encontros podem tornar-se mais livres e afetuosos. Percebe-se que os papéis tradicionais de gênero, nesse sentido, tendem a se inverter: as mulheres passam a ser menos recatadas e os homens, mais afetuosos. Nas sensações também haveria mudanças: o prazer estaria espalhado pelo corpo, ocorrendo um processo de “desgenitalização”.

A sexóloga e psiquiatra Carmita Abdo, do Projeto de Sexualidade (Pro-Sex) do Hospital das Clínicas da Universidade São Paulo, coordenou em 2008 o Mosaico Brasil, um amplo estudo sobre a sexualidade dos brasileiros. Os resultados mostraram que a atividade sexual é mantida na velhice, mas não sem percalços. “A chegada da menopausa na mulher, com o fim da produção de hormônios, causa um grande impacto físico e psicológico, em especial num país que cultua tanto a beleza e a jovialidade”, diz Carmita. Entre os homens, a fertilidade se mantém, mas, a partir da quinta década de vida, aumenta a incidência de problemas de saúde que comprometem a potência sexual.

O desejo, no entanto, permanece. “O repertório sexual muda com a idade. Torna-se menos arrojado, até pelas limitações da mobilidade física”, diz a sexóloga. “O ato é mais rápido do que antes, mas as carícias se prolongam. O prazer é tanto maior quanto for a cumplicidade do casal.” Relações não maritais também vêm aumentando, tanto entre homens quanto entre mulheres, muitas vezes com parceiros mais jovens.

Portanto, um “sexo sem pressa” seria o marco dessa fase da vida. O surgimento dos medicamentos contra a disfunção erétil, contudo, prenuncia um reajuste de discurso que ainda está em andamento. “O triunfo da ênfase nos ganhos da velhice, ainda que possam ter eclipsado a necessidade de atenção às perdas físicas, contribuiu positivamente para quebrar preconceitos e trouxe uma aceitação da diversidade relacionada à idade”, diz Guita. E a ideia de que uma vida sexual ativa faz bem à saúde tem fundamento, segundo Carmita, ainda que de modo indireto, pela satisfação que traz.

Num aparente paradoxo, a nova configuração das concepções de velhice permitiu até mesmo uma libertação, entre as mulheres, das “obrigações” da vida sexual regular e característica das relações maritais. Muitas idosas viúvas, solteiras e separadas, ou cujos maridos sofrem de doenças incapacitantes, frequentam bailes da terceira idade, objeto de estudos separados das antropólogas Mirian Goldenberg, do Departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Andrea Moraes Alves, da Escola de Serviço Social da mesma instituição. Ambas detectaram uma continuidade dos investimentos na sexualidade do corpo – a vaidade e os cuidados estéticos se mantêm, embora sem o vínculo com o exercício da sedução –, mas agora acompanhada de liberdade: a liberdade de não transar.

É o que Mirian define como uma substituição do “eu preciso” (ser mãe, esposa, amante) pelo “eu quero” (diversão, prazer, amizade com outras mulheres). O parceiro da dança, geralmente mais jovem, não é necessariamente um parceiro sexual. Essa abstinência, para muitos analistas – incluindo Guita Debert, Carmita Abdo e a própria Andrea Moraes Alves –, ainda revela a carga de uma moralidade conservadora e “atrelada ao estereótipo da mulher que deve obedecer”, nas palavras da antropóloga da Escola de Serviço Social da UFRJ. Seja como for, Mirian ressalta que as entusiastas desses bailes resistem “às imagens de um corpo envelhecido”. Um dado revelador, nesse sentido, é apontado por ela entre os dados de sua pesquisa: o único grupo social que discorda da conhecida ideia de que os homens envelhecem melhor é o das mulheres acima de 60 anos.

As pesquisas conduzidas por Mirian, que deram origem ao livro recém-lançado A bela velhice (editora Record), mostram que, ao chegar à terceira idade, as mulheres se sentem propensas a se distanciar de uma vida familiar que mais cobra do que proporciona, enquanto os homens, depois de anos dedicados a obrigações profissionais, procuram na família um acolhimento que se reveste de novidade e gratidão. Profissionalmente, também há um contraste entre os gêneros. “Enquanto os homens idosos se realizam com novos estudos e novos trabalhos que trazem prazer, mais do que remuneração, as mulheres buscam fazer exclusivamente coisas de que gostam, geralmente no campo da socialização e da reciprocidade”, diz Mirian. Guita percebe fenômeno semelhante: as mulheres procuram a amizade de outras mulheres, os homens se engajam em atividades conjuntas com outros homens, como associações de aposentados.

A aposentadoria, como reivindicação-símbolo do estrato social dos idosos, é, segundo Guita, o marco do discurso gerontológico dos anos 1970, “em seu empenho em sensibilizar o poder público e a sociedade para a importância de estudos e de ações voltadas para um envelhecimento populacional bem-sucedido”. A antropóloga observa, no entanto, que a ênfase numa visão negativa da velhice já não encontrava, nas pesquisas, concordância da parte dos próprios idosos. Hoje mais ainda: como atestam depoimentos colhidos por Mirian Goldenberg, muitas pessoas dizem viver na velhice a melhor fase de suas vidas. Os depoimentos de idosos que participam de universidades e demais grupos de convivência para a terceira idade revelam um otimismo que não se coaduna com a ideia de uma fase da vida marcada pela falta.

Tais associações, inclusive aquelas criadas por órgãos públicos como a Secretaria dos Direitos Humanos do governo federal, seguidamente se rebelam contra discursos oficiais que atribuem aos sistemas de bem-estar dos idosos a responsabilidade por gastos públicos excessivos. “Combater os preconceitos em relação à velhice era mostrar que seus participantes mantinham a lucidez e sabiam criticar os governos, os políticos e as interpretações errôneas que a mídia fazia de todos os diferentes aspectos da vida social brasileira”, escreveu Guita no artigo “Fronteiras de gênero e a sexualidade na velhice”. “Muitos deles eram críticos dos programas para a ‘terceira idade’, que alguns chamavam de ‘playground de velhos’, por desviarem aposentados e pensionistas de seus reais interesses.”

O descompasso entre as percepções da velhice presentes nos discursos hegemônicos, de um lado, e na experiência dos próprios idosos, de outro, vigora igualmente no campo da sexualidade. A visão “oficial” aborda o erotismo na terceira idade de um ponto de vista da manutenção da juventude. “Não consta nenhuma intenção de promover, do ponto de vista estético, os corpos envelhecidos”, diz Guita. O novo mito da velhice feliz e erotizada também cobra seus dividendos. A antropóloga Andrea detecta, nas mulheres idosas, diferentes “estratégias” no modo como elas lidam com o próprio corpo. Uma delas é “negociar” constantemente os limites do rejuvenescimento. De um lado, investem em cirurgias plásticas, maquiagem e roupas para prolongar a aparência jovem. De outro, se mantêm alertas (e tensas) para não correr o risco de parecerem “velhas ridículas e vulgares”. E raras são as mulheres que, ainda nos primeiros anos da velhice, enfrentam o tabu dos cabelos brancos, sem tintura, “tão marcante no Brasil”.

Projeto
Sexualidade, gênero e violência nas políticas da velhice (2011/10537-6); Modalidade:Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord.: Guita Grin Debert/Unicamp;Investimento: R$ 36.208,15 (FAPESP).


Disponível em http://revistapesquisa.fapesp.br/2013/09/12/erotismo-politicamente-correto/. Acesso em 19 set 2013.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Homofobia e homofobia interiorizada: produções subjetivas de controle heteronormativo?

Márcio Alessandro Neman do Nascimento
Athenea Digital - núm. 17: 227-239 (marzo 2010)

Resumo: O artigo problematizará, teoricamente, algumas questões emblemáticas que circunscrevem as homossexualidades na história, partindo de um posicionamento teórico-metodológico marcado pelos estudos culturais e de gênero realizados por autores pós-estruturalistas. Na atualidade, há muitos avanços e conquistas, no âmbito sócio-político, relacionadas à diversidade sexual. Entretanto, essa mesma visibilidade tem produzido disparadores para práticas sociais violentas demonstradas em crimes e discursos de ódio, intolerância e interdições veladas contra homossexuais. Assim, pretende-se apresentar a construção social da homofobia e, subseqüentemente, da homofobia interiorizada, uma vez que seus pilares formadores se sustentam por processos de subjetivação heteronormativa pulverizados em contextos sociais cotidianos.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Brincadeiras perversas

Cleo Fante
janeiro de 2008

A violência e seus impactos são temas freqüentes nos debates nacionais e internacionais, especialmente quando se desdobram em tragédias que envolvem estudantes e instituições escolares. É fato que tais acontecimentos trazem à luz questões até então negligenciadas no passado, como a violência entre os estudantes.

Os trotes universitários, muitas vezes humilhantes e violentos, por exemplo, ainda são pouco discutidos e só ganham visibilidade quando os meios de comunicação veiculam cenas de barbárie. A literatura mostra a existência desse costume em diversos países. No Brasil, datam da criação das instituições acadêmicas. Como herança de Coimbra, os trotes em algumas instituições brasileiras já fizeram – e continuam a fazer – inúmeras vítimas. O primeiro registro de morte – de um aluno da Faculdade de Direito – ocorreu em Recife, em 1831.

Ainda hoje, essas práticas são consideradas por muitos como ritos de passagem – e esperadas com certa ansiedade tanto por calouros quanto por seus parentes. Entretanto, aqueles que se dedicam ao estudo do tema concordam que se trata de um ritual de exclusão e não de integração. Deve ser considerado como um mecanismo de dominação fundamentado por discriminação, intolerância, violência e preconceitos de classe, etnia e gênero. O abuso de poder é sua marca principal.

Em razão de atitudes agressivas e abusos psicológicos, sob a alegação de que se trata de “brincadeiras”, muitos estudantes se convertem em “bodes expiatórios” do grupo, desde a sua entrada no ensino superior até a sua conclusão e, em alguns casos, essa situação se estende na vida profissional. Os que se negam a participar da “interação” são sumariamente coagidos, intimidados, perseguidos ou mesmo isolados do convívio e das atividades dos demais.

Em muitas situações, o trote, que seria um ato pontual, se prolonga numa série de ações repetitivas e deliberadas. Sobre as vítimas dessa perseguição recaem prejuízos, que podem afetar várias áreas de sua vida afetiva, acadêmica, familiar, social e profissional. Sentimentos de insegurança, inferioridade, incompreensão, revolta e desejos de vingança podem resultar em stress intenso, depressão, fobias e culminar em suicídio e assassinatos. Outros não resistem à pressão e abandonam a vida acadêmica, carregando consigo a dor e a frustração de ter pertencido a uma instituição que nada fez para romper com essa cultura.

Por outro lado, existem os que se resignam e aceitam submeter-se às diversas formas de opressão e tortura, ou se tornam cúmplices delas: respaldados na tradição dos trotes, justificarão seus atos de posterior dominação. Há ainda aqueles que apenas presenciam o que acontece aos colegas, mas, mais tarde, também se sentirão aptos a reproduzir a experiência.

Estamos, assim, diante de uma dinâmica repetitiva de abusos, já que aquele que foi vítima tende a ser algoz no futuro – seja no ambiente acadêmico, profissional, social ou na instituição familiar.

No ambiente profissional essas práticas ocorrem tantas vezes que chegam a ser vistas como “normais”. De acordo com a freqüência e a intensidade os atos podem se caracterizar como assédio moral. Há grande probabilidade de que suas conseqüências afetem a saúde mental de trabalhadores, comprometendo a auto-estima, a vida pessoal e o rendimento profissional, resultando em queda da produção, faltas freqüentes ao trabalho, licenciamentos para tratamento médico, abandono do emprego ou pedidos de demissão, alto grau de stress, depressão e, em casos extremos, suicídio.

No contexto familiar, a violência pode ser vista como “prática educativa” ou forma eficaz de controle, validada pela maioria que a presencia ou a vive, incluindo a própria vítima. Tanto no contexto profissional quanto na família há estreita ligação de dependência – afetiva, emocional ou financeira – entre os protagonistas. Isso faz com que as vítimas em geral se calem e carreguem consigo uma série de prejuízos psíquicos.

Pesquisas mostram que grande parte daqueles que sofreram abusos psicológicos na infância utilizará na vida adulta essas práticas na educação de seus filhos, acreditando ser esse o procedimento mais adequado. Outros se tornarão submissos, passivos, indefesos, acreditando ser merecedores dos maus-tratos. Muitos ainda reproduzirão a violência no espaço socializador imediato à família, ou seja, na escola.

Assassinato psíquico

É na análise das relações entre os adultos e na observação das interações de grupos de crianças na escola que se alarga nossa percepção sobre o círculo vicioso de abusos. O que antes se acreditava ocorrer apenas nas relações entre os adultos – descritas como padrões relacionais disfuncionais, abusive relationships – se verifica também entre as crianças com idade igual ou semelhante. Trata-se do bullying escolar: um conjunto de comportamentos marcados por atitudes abusivas, repetitivas e intencionais e pelo desequilíbrio de poder.

Bullying é um termo de difícil tradução na língua portuguesa, assim como a dor e o sofrimento daqueles que são vítimas desse fenômeno antigo, mas apenas recentemente identificado. Pode ser considerado um problema mundial que ocorre em todas as escolas, independentemente de serem públicas ou privadas, de sua localização ou dos turnos de funcionamento. Trata-se de uma forma quase invisível, que sorrateiramente vai diminuindo o outro, como se fosse uma espécie de “assassinato psíquico”. Suas conseqüências afetam todos os envolvidos, porém, os maiores prejudicados são mesmo as vítimas diretas, que suportam silenciosas o seu sofrimento.

Alguns motivos justificam o silêncio: o medo de represálias e de que os ataques se tornem ainda mais persistentes e cruéis; a falta de apoio e compreensão quando se queixam aos adultos; a vergonha de se exporem perante os colegas; o sentimento de incompetência e merecimento dos ataques; o temor das reações dos familiares, que muitas vezes incentivam o revide com violência ou culpabilizam as vítimas.

Apesar de os educadores saberem da existência dessa forma de violência, nenhuma ação efetiva foi adotada até os anos 70, por acreditarem ser “brincadeira própria da idade” ou do processo de amadurecimento do indivíduo. Infelizmente, muitos ainda têm esse olhar, o que colabora significativamente para sua disseminação.

O despertar para a gravidade desse comportamento teve início há cerca de duas décadas, primeiro na Suécia e anos depois na Noruega, onde a questão se tornou tema de estudos científicos. O pesquisador norueguês Dan Olweus, professor da Universidade de Bergen, reconhecido internacionalmente como pioneiro nas investigações sobre o fenômeno, observou os altos índices de suicídio entre os estudantes e constatou a relação com o bullying na escola.

Aos poucos, o tema despertou interesse em outros países, inclusive no Brasil. Nossos estudos sobre a temática são recentes, datam de 2000, motivo pelo qual muitos ainda desconhecem o tema, sua gravidade e abrangência. Apesar dos recentes estudos, pesquisas revelam que 45% dos estudantes brasileiros estão envolvidos diretamente no fenômeno.

Assim como no mundo dos adultos, os autores de bullying planejam meticulosamente seus ataques. Escolhem dentre seus pares uma “presa” que pareça vulnerável – aquela que não oferecerá resistência, não revidará, não denunciará e nem conseguirá fazer com que outros saiam em sua defesa.

Desferem seus golpes de modo a humilhar, constranger, difamar, menosprezar, excluir a vítima e intimidá-la de forma direta ou indireta. Para isso, se utilizam de várias estratégias, como apelidos pejorativos, comentários maldosos, calúnias, gozações, piadas jocosas relacionadas à sexualidade, insinuações, assédios, ameaças, danificação ou furto de pertences, empurrões, chutes, socos, pontapés, invasões e ataques virtuais, entre outras.

Esse tipo de comportamento preocupa pais e educadores de todo o mundo, especialmente por envolver crianças muito novas. O bullying pode ser identificado a partir dos 3 anos, quando a “intencionalidade desses atos já pode ser observada”.

As meninas agem de forma ainda mais velada e cruel. Enquanto os garotos escolhem aleatoriamente seus alvos, elas elegem as próprias amigas e “executam o plano” no horário do lanche ou de lazer. Infernizam a vida da colega e desferem contra ela diversas formas de maus-tratos. Uma das mais freqüentes e dolorosas é a exclusão social: ficam “de mal” ou fingem não reconhecer a vítima. Intimidam, constrangem, exigem que traga algo de casa para a escola de que muitas vezes não dispõem, visando ridicularizá-la ou isolá-la. Fofocam, inventam mentiras, ameaçam e contam seus segredos aos outros.

Riso e aplauso

Independentemente da idade dos envolvidos e do local onde ocorrem os assédios, parece haver entre aqueles que presenciam a situação certo grau de tolerância ou até mesmo de conivência. Em alguns casos, alegam que a vítima “merece” hostilidade por causa do seu comportamento provocativo ou passivo. Alguns chegam mesmo a rir e incentivar o que ocorre ao “bode expiatório” – uma atitude que fortalece a ação dos autores e sua popularidade. Outros temem ser o próximo alvo, preferindo, assim, fazer parte do grupo de agressores, o que garante a sua segurança na escola.

Com a conivência do grupo e a omissão dos adultos, os “valentões” tendem, cada vez mais, a abandonar sentimentos de generosidade, empatia, solidariedade, afetividade, tolerância e compaixão. Falhas na formação do caráter se tornam mais acentuadas e, infelizmente, muitos pais e educadores não percebem – ou fingem não perceber – o que se passa.

Com o tempo, as forças do indivíduo que sofre os abusos são minadas, seus sonhos desaparecem, aos poucos ele vai se fechando e se isolando. Esse talvez seja o pior momento na vida das vítimas: o abandono de si mesmo.

Muitos não superam as humilhações vividas durante os anos de escola e podem tornar-se adultos abusivos, depressivos ou compulsivos. Tendem a apresentar problemas na vida afetiva, por não confiar nos parceiros. Na vida laboral, podem desenvolver dificuldade de se expressar, principalmente em público, evitar assumir postos de liderança e apresentar déficit de concentração e insegurança, principalmente quando precisam resolver conflitos ou de tomar decisões. Ou seja, tornam-se presa fácil do assédio moral. Quanto à educação dos filhos, há grandes probabilidades de que se mostrem superprotetores, projetando sobre eles seus medos, desconfianças e inseguranças.

É importante, porém, lembrar que estamos nos referindo a um comportamento repetitivo, deliberado e destrutivo, diferentemente de um comportamento agressivo pontual, numa situação em que a criança, na disputa de um brinquedo ou de seu espaço, ataca o outro com mordidas e socos ou com xingamentos e ameaças. Não nos referimos aqui às divergências de pontos de vista, de idéias contrárias e preconceituosas que muitas vezes redundam em discussões, desentendimentos, brigas ou conflitos sociais ou às disputas profissionais, em que o colega é visto como empecilho para uma promoção, por exemplo. Também não aludimos a pais que, em sua ignorância, aplicam “corretivos” nos filhos quando estes os desafiam, desobedecem ou desapontam.

Referimos-nos a uma ação violenta gratuita e recorrente, baseada no desequilíbrio de poder. É a intencionalidade de fazer mal e a persistência dos atos que diferencia o bullying de outras formas de violência. É por meio da desestabilidade emocional das vítimas e no apoio do grupo que os autores ganham simpatia e popularidade. A busca por sucesso, fama e poder a qualquer preço, o apelo ao consumismo, à competitividade, ao individualismo, ao autoritarismo, à indiferença e ao desrespeito favorecem a proliferação do bullying. E seu potencial de destruição psíquica não cessa com o fim da escolaridade ou da adolescência: se desdobra em outros contextos, num movimento contínuo e circular.

O que se sabe é que esse movimento não pode mais ser ignorado. É necessário estudá-lo à luz das diversas ciências, para que possamos compreendê-lo melhor. É imprescindível a adoção de medidas emergenciais por parte de autoridades, instituições, empresas, famílias, enfim, da sociedade, uma vez que seus prejuízos afetam a todos os níveis e contextos sociais. Ignorar a situação é abrir espaços para muitos protótipos de tiranos, que estão hoje em pleno desenvolvimento. Afinal, no futuro, não serão estes que ingressarão nas universidades, que desempenharão cargos importantes em grandes empresas, que aplicarão leis e penas, que serão manchete em noticiários - sobre violência, que nos representarão no poder e serão responsáveis pela educação das crianças?

Conceitos-chave

Sentimentos de insegurança, inferioridade, incompreensão, revolta e desejos de vingança causados por essa situação podem resultar em stress intenso, depressão, fobias e culminar em suicídio e assassinatos. Muitos não resistem à pressão e abandonam a vida acadêmica, carregando consigo a dor e a frustração de ter pertencido a uma instituição que nada fez para romper com essa cultura. Outros se resignam e aceitam submeter-se à opressão e tortura, ou se tornam cúmplices delas: respaldados na tradição dos trotes, justificarão seus atos de posterior dominação.

É a intenção de fazer mal e a persistência dos atos que diferencia o bullying de outras formas de violência. Em razão de atitudes agressivas e abusos psicológicos, sob a alegação de que se trata de “brincadeiras”, muitos estudantes se convertem em “bodes expiatórios” do grupo, desde a sua entrada no ensino superior até a sua conclusão e, em alguns casos, essa situação se perpetua na vida adulta.

Humilhação e cabeças raspadas para “domesticar” novatos

Há muito tempo a violência entre estudantes tem sido um traço característico das relações escolares. Entretanto, seu foco era direcionado ora para a violência contra a escola e seus representantes (no caso das rebeliões estudantis), ora para os próprios pares (como nos trotes).

No que se refere às rebeliões, registros mostram sua ocorrência já no século XVII, na França. A de 1883, no Liceu Louis-le-Grand, em conseqüência da expulsão de um aluno, tornou-se célebre. As revoltas de estudantes contra os pedagogos eram constantes e marcadas por atos de violência, inclusive com a utilização de instrumentos como bastões, pedras, espadas e chicotes.

Já a origem dos trotes estudantis é incerta; porém, existem registros de sua ocorrência na Idade Média. Um dos documentos mais antigos desse tipo data de 1342 e refere-se à Universidade de Paris. Nas instituições européias, era comum separar os novatos dos veteranos. Aos novos alunos era negada a possibilidade de assistir às aulas junto com os demais, no interior das salas: eles eram obrigados a se dirigir aos vestíbulos (pátios de acesso ao prédio) – daí o uso do termo vestibulando para identificar aqueles que estão prestes a entrar para a universidade.

Sob a alegação de profilaxia e necessidade de manter a higiene, os novatos tinham a cabeça rapada e, na maioria das vezes, suas roupas eram queimadas. Essa prática, no entanto, logo se converteu numa espécie de culto à humilhação.

Freqüentemente, os trotes assumiam conotações sexuais, transformando-se em humilhantes orgias para aqueles que eram submetidos a elas. Com o tempo, os trotes ganharam ainda mais requintes de crueldade. Foram registrados, sobretudo, nas universidades de Heidelberg (Alemanha), Bolonha (Itália) e Paris (França), situações em que os calouros eram obrigados pelos veteranos a beber urina e a comer excrementos antes de serem declarados “domesticados”.

O julgamento dos monstros fedorentos

No início do século XX, na Alemanha, era comum que calouros fossem obrigados a vestir roupas feitas de falsa pele de animal, com orelhas, chifres e presas. Fantasiado, o jovem era arrastado pelos colegas até cinco ou seis “juízes”, sob olhares atentos de uma grande platéia. Era insultado e tratado como “monstro fedorento” por “assistentes” que em dado momento recebiam ordens para “depená-lo”, cortando-lhe as orelhas com tesouras e os chifres com serras; os dentes eram arrancados com tenazes. O nariz era limado e as nádegas, “polidas”; o novato era sacudido, empurrado e, por fim, açoitado com varas. Durante a tortura, o calouro tinha de se reconhecer culpado de inúmeros “pecados”, sobretudo sexuais. E, como penitência, era obrigado a oferecer um banquete aos veteranos.

Tragédia na escola

Os maus-tratos repetidos podem ao longo do tempo causar graves danos ao psiquismo e interferir negativamente no processo de desenvolvimento cognitivo, emocional, sensorial e socioeducacional. Quando os ataques são crônicos, as vítimas podem se tornar agressoras; em casos extremos, muitas vezes resultam em tragédias escolares, como as de Columbine (1999) e Virginia Tech (2007), nos Estados Unidos, as de Taiúva (2003) e Remanso (2004), no Brasil, e a da Finlândia (2007).

PARA CONHECER MAIS
Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Cléo Fante. Verus, 2005.

Bullying, como combatê-lo? Prevenir e enfrentar a violência entre jovens. A. Costantini. Itália Nova, 2004.

Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes): www.bullying.pro.br


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/brincadeiras_perversas.html. Acesso em 03 ago 2013.