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terça-feira, 11 de junho de 2013

Transgenitalização: descubra como funciona o processo biológico e judicial da mudança de sexo

HAGAH
21/09/2012

A cirurgia para mudar fisicamente aqueles que já se consideram do sexo oposto é uma realidade cada vez mais presente na sociedade brasileira. Especialistas trabalham para que o processo, tanto no âmbito da medicina quanto no campo jurídico, torne-se rápido e eficaz. Porém, muitos ainda não sabem a quem recorrer para realizar o desejo de ter um corpo que corresponda à mente.

A Presidente da Comissão Especial de Diversidade Sexual da OAB/RS, Marta Cauduro Oppermann, afirma que, no âmbito judicial, o primeiro passo para se conseguir mudar de gênero judicialmente é entrar, com o auxílio de um advogado, com uma ação de alteração de registro civil, através da Vara de Registro Civil.

Quando a cirurgia de redesignação sexual já foi realizada, a alteração de nome e gênero em documentos oficiais é feita de forma simples. Basta apresentar laudos médicos que comprovem a mudança física. No entanto, Marta lembra que os problemas acontecem quando a pessoa não se submete à chamada cirurgia de transgenitalização. Apesar de já se ter conhecimento de alguns casos de sucesso em nível nacional, o processo é bem mais complicado. "O nome continua a ser alterado facilmente, contudo, o gênero não", relata.

Para o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, a principal alegação, neste caso, é o fato de que a identificação documental do indivíduo não corresponderia às características morfológicas do mesmo. Esta situação é entendida como uma afronta à segurança jurídica da pessoa em questão.

De acordo com Marta, quem sofre mais com o processo são os transexuais masculinos, ou seja, mulheres que desejam parecer-se fisicamente com homens. Como a cirurgia de transgenitalização de feminino para masculino ainda é considerada de caráter experimental, as chances de êxito são reduzidas. "A pessoa tem que se submeter a uma cirurgia que está fadada ao fracasso para conseguir a alteração do sexo em registro", protesta.

E com a possibilidade de alteração de nome, mas não de gênero, ações simples, como abrir uma conta em um banco, tornam-se um empecilho. Este tipo de transtorno faz com que muitos transexuais escondam-se, busquem o anonimato e o isolamento social.

No campo da medicina, o processo é mais longo e doloroso. O médico coordenador do Programa de Transtorno de Identidade de Gênero (PROTIG) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Walter Koff, explica que uma resolução do Conselho Federal de Medicina obriga que o paciente passe por uma equipe multiciplinar e que seja acompanhado por especialistas pelo tempo mínimo de dois anos, antes de se submeter à cirurgia. Entre os profissionais, estão psiquiatras, psicólogos, urologistas, ginecologistas, endocrinologistas, cirurgiões plásticos, mastologistas, fonoaudiologistas, otorrinolaringologistas, uma equipe de enfermagem, assistentes sociais e uma equipe ética e jurídica.

No caso de homens que querem transformar-se em mulheres, apenas uma cirurgia de retirada do pênis e construção de um canal vaginal basta. Já no caso de mulheres que desejam virar homens, a situação é mais complicada. São necessárias cerca de cinco cirurgias para que o procedimento esteja completo.

A primeira intervenção é a de retirada das mamas. Depois, em uma segunda cirurgia, são retirados o útero, as trompas, os ovários e toda a estrutura do canal vaginal. Na terceira operação, é confeccionado o pênis no antebraço, do qual é aproveitada a pele. Depois de alguns meses, é realizada a quarta cirurgia, quando se transporta o pênis construído para o local devido. Por fim, a quinta e última cirurgia é a de colocação de próteses penianas e escrotais.

A cabeleireira Cristyane Oliveira foi uma das pioneiras a buscar pelo procedimento em Porto Alegre. Apesar de o procedimento ser permitido no país desde 1997, ela realizou a cirurgia somente em 2002, depois de dois anos e meio de espera. E os últimos seis meses foram gastos na tentativa de negociação para poder fazer a operação pelo SUS. Mas ela não conseguiu. "Como o procedimento era considerado de caráter experimental e, até hoje, só pode ser realizado em hospitais universitários, a minha cirurgia foi custeada pelo fundo de pesquisas do Estado", lembra.

Cristyane chegou a fazer duas cirurgias, sendo a última apenas um procedimento estético para retoques. Quanto à dor e a sensibilidade, a cabeleireira comenta que isto varia de pessoa para pessoa e que só perdeu o tato em um dos mamilos, depois da colocação da prótese de silicone.


Disponível em http://www.hagah.com.br/especial/rs/qualidade-de-vida-rs/19,0,3893046,Transgenitalizacao-descubra-como-funciona-o-processo-biologico-e-judicial-da-mudanca-de-sexo.html. Acesso em 10 jun 2013.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

União estável entre três pessoas é oficializada em cartório de Tupã, SP

G1
23/08/2012

Um homem e duas mulheres, que já viviam juntos na mesma casa há três anos, oficializaram a união em um cartório de notas de Tupã, SP.  A união dos três foi oficializada por meio de uma escritura pública de União Poliafetiva. A identidade do trio não foi divulgada pelo cartório.

De acordo com a tabelião que fez o registro, Cláudia do Nascimento Domingues, a escritura foi feita há 3 meses, mas, só se tornou pública nesta semana. “A declaração é uma forma de garantir os direitos de família entre eles. Como eles não são casados, mas, vivem juntos, portanto, existe uma união estável, onde são estabelecidas regras para estrutura familiar”, destaca.

O jurista Natanael do Santos Batista Júnior, que orientou o trio na elaboração do documento, explica que a escritura é importante no sentido assegurar os direitos no caso de separação ou morte de uma dos parceiros. "O documento traz regras que correspondem ao direito patrimonial no caso de uma fatalidade, nele eles se reconhecem como uma família, e dentro do previsto no código civil, é estabelecida a forma de divisão do patrimônio no caso de um dos parceiros falecer ou num caso de separação", destaca. O jurista afirma ainda que o documento é o primeiro feito no país.

"O objetivo é assegurar o direito deles como uma família, com esse documento eles podem recorrer a outros direitos, como benefícios no INSS, seria o primeiro passo. A partir dele, o trio pode lutar por outros direitos familiares", afirma.

O presidente da Ordem dos Advogados de Marília, Tayon Berlanga, também ressalta que o documento funciona como uma sociedade patrimonial, pontanto, não compreende todos os direitos familiares. “Ele dá direito ao trio no que diz respeito à divisão de bens em caso de separação e morte. No entanto, não garante os mesmo direitos que uma família tem de, por exemplo, receber pensão por morte ou conseguir um financiamento no banco, para a compra da casa própria por exemplo, ser dependente em planos de saúde e desconto de dependente na declaração do imposto de renda”, completa.

Para o jurista, o mais importante do registro da escritura de União Poliafetiva é a visibilidade de outras estruturas familiares. "É a possibilidade dos parceiros se relacionarem com outras pessoas sem que isso prejudique os envolvidos. A escritura visa dar proteção as relações não monogâmicas, além, de buscar o respeito e aceitação social dessa estrutura familiar", explica. Quanto à questão de filhos, Batista Júnior ressalta que a escritura não compreende direitos de filiação. "Essa uma questão jurídica, se há o interesse do registro de três pessoas na certidão de nascimento, a ação deve ser feita no campo judiciário".

Disponível em <http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2012/08/uniao-estavel-entre-tres-pessoas-e-oficializada-em-cartorio-de-tupa-sp.html>. Acesso em 27 ago 2012.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Batizada como homem, mulher de 28 anos tenta mudar certidão e se casar

Mariane Rossi
07/08/2012

Uma moradora de Praia Grande, no litoral de São Paulo, vive um drama que se arrasta por toda a vida: batizada como homem, ela agora luta para conseguir se casar, aos 28 anos, com o noivo. Quando nasceu, a dona de casa Cristina Dias da Silva foi batizada pelo próprio pai com um nome masculino. Anos depois, tentando ser reconhecida como mulher, acabou tendo a certidão de nascimento cancelada. Por causa disso, Cristina não tem documentos, não trabalha e não pode realizar seu maior sonho, que é casar com o pai de suas duas filhas.

Cristina nasceu em São Vicente, mas foi registrada pelo pai em um cartório na Bahia como Cristhian Nilma Andrade Novaes. Aos 13 dias de vida, ela foi abandonada e deixada com uma mulher que morava em Praia Grande. Ela acabou indo para o litoral paulista porque sua irmã mais velha já morava na região também após ter sido abandonada. A mãe visitava as filhas frequentemente, mas sumiu durante seis anos e voltou a aparecer apenas quando já estava à beira da morte, para autorizar a adoção oficial das meninas.

Quando saiu o documento de adoção, foi preciso fazer uma outra certidão de nascimento das crianças para inserir o nome dos pais adotivos. A irmã de Cristina mudou uma letra no nome, passou de Katia Nima para Katia Nilma, e ganhou um novo sobrenome. Já Cristina, que se chamava Cristhian Nilma, passou a se chamar Cristhina Dias da Silva. “Eu falei pra juíza que queria trocar meu nome. Era muito feio. Eu passei muita vergonha na escola por causa disso”, conta ela.

Quando saiu a nova certidão, o Fórum de Santo Amaro, em São Paulo, mandou um ofício para o cartório da Bahia para que eles cancelassem a antiga e validassem a nova. Mas, segundo Cristina, isso não foi feito e ela continuou com os dois nomes antigos.

Aos 15 anos, a jovem decidiu tirar o RG na Delegacia de Praia Grande. Ela fez o pedido e recebeu um protocolo, mas o documento nunca chegou ao local. Ela foi orientada a voltar no Fórum de Santo Amaro e acabou descobrindo que a antiga certidão não tinha sido cancelada. Depois de mais três meses, um funcionário garantiu que o documento antigo tinha sido invalidado na Bahia.

Enquanto tentava resolver definitivamente a situação, a jovem conheceu Marcelo Soares Louzada, pai de suas duas filhas. Ele seguiu com Cristina na busca pelo reconhecimento da mulher como cidadã. Sabendo da resposta do Fórum, eles foram no Poupatempo, em Santos, tentar retirar um RG para Cristina. Apesar de estarem com a nova certidão em mãos, mais uma vez o documento não foi entregue porque havia um furo no papel. O casal voltou ao Fórum para retirar a 2ª via do documento mas foi informado que só poderiam fazer isso com uma autorização da justiça.

Cristina e Marcelo contrataram uma advogada, que conseguiu com um juíz uma autorização para retirar o documento. O problema, mais uma vez, é que a advogada descobriu que a nova certidão também estava invalidada. "O Fórum cancelou as duas certidões que ela tinha. A certidão que era para ter sido cancelada e a certidão nova que o próprio Fórum autorizou a ter. Com isso ela passou a ser simplesmente uma pessoa que não existe”, explica Louzada.

Empenhada em conseguir o RG, Cristina assinou um documento para que o processo fosse desarquivado novamente. Pouco tempo depois, o Fórum mandou uma carta endereçada a ela, com o nome atual, dizendo que o processo tinha sido desarquivado. Apesar disso, o companheiro diz que não consegue ter acesso a mais nada. “Ninguém sabe informar nada. Ela não sabe nem que nome vai poder ter", reclama Louzada.

Aos 28 anos, Cristina não tem RG e nem carteira de trabalho. Ela também nunca votou e nunca teve uma conta bancária. Em todas as vezes que foi procurar ajuda, o casal conta que as pessoas desconfiavam. “Eu morria de vergonha. A última vez que eu fui no Fórum em São Paulo eles riram da minha cara", diz Cristina. Já Marcelo lembra de um constragimento que eles passaram no Poupatempo. “Parecia que a gente era estelionatário. Eles pegavam a certidão e ficavam um olhando pro outro, cochichando, com os documentos na mão”, conta.

Há 7 anos juntos, o casal teve duas filhas. Na certidão das crianças, o nome de Cristina está escrito corretamente. Eles sonham com o dia que poderão casar oficialmente, mas até agora não conseguiram porque ela não tem os documentos. As irmãs Katia e Cristina planejam um duplo casamento, assim que a jovem conseguir ter uma certidão de nascimento. “É muita burocracia. Eu só quero existir. É um direito meu. Eu quero existir pra casar”, diz.

O G1 entrou em contato com o Tribunal de Justiça de São Paulo para obter informações sobre o andamento do processo do casal. Em nota, o Tribunal esclarece que o pedido de desarquivamento já foi feito e que enviou duas cartas para Cristina avisando que o processo já está à disposição. O Tribunal também explica que apenas a segunda certidão foi cancelada, prevalecendo a legalidade da primeira. Ainda em nota, o Tribunal esclarece que o Ministério Público determinou que o primeiro registro (com nome masculino) permaneceria com validade.


Disponível em <http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2012/08/batizada-como-homem-mulher-de-28-anos-tenta-mudar-certidao-e-se-casar.html>. Acesso e 27 ago 2012.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Situação do transexual está inserida no direito à saúde

Luis Felipe Galeazzi Franco
16 de julho de 2012

Na data de 28/06/2012 foi publicado no site da ConJur artigo intitulado “As decisões extravagantes referentes ao direito à saúde”, abordando o grande problema que os entes federados enfrentam hoje, relativo ao número elevado de demandas judiciais envolvendo casos cujos pedidos extrapolam os limites do direito à saúde. Como bem observado no referido artigo, percebe-se que as decisões judiciais no campo das ações em que se pleiteiam medicamentos e tratamentos médicos em face dos entes públicos muitas vezes ainda são tomadas desconsiderando as políticas públicas de saúde existentes e a realidade técnica (médico-farmacêutica). Por outro lado, discorda-se do exemplo colocado no referido artigo ao citar como exemplo de decisão extravagante as condenações para o custeio das cirurgias de transexualização. Questiona a autora se esse tipo de intervenção cirúrgica “estaria enquadrada como direito à saúde, garantido pela Constituição”.

De fato, em demandas relativas ao direito à saúde presencia-se o aspecto emocional que subjaz à discussão jurídica, consistente na percepção do juiz que um cidadão jurisdicionado possa a vir a falecer “em suas mãos” por falta de um medicamento, razão pela qual comumente se acolhe o pedido da parte autora, deferindo-se medicamentos e tratamentos médicos, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, sem a devida comprovação de sua segurança biológica, eficiência, eficácia, custo-efetividade e, não raro, sem registro na Anvisa e sem ao menos se verificar se existe alternativa terapêutica inserida na própria política pública já existente, trazendo como consequência, conforme frisado no referido artigo, “algumas decisões inadequadas, desnecessárias e desproporcionais aos entes federados, bem como discriminatórias em relação aos demais necessitados do mesmo Sistema Único de Saúde”. Citem-se como exemplo: a) a concessão de oxigenoterapia hiperbárica para tratamento de pé diabético, tecnologia a qual, se incorporada ao SUS, resultaria no impacto de R$ 11 bilhões, conforme dados da Conitec, ou seja, mais de 10% do orçamento do Ministério da Saúde; b) a concessão de órteses e próteses com discriminação de marca específica, o que dá azo a eventual conluio entre prescritores e indústria; c) o medicamento do eculizumabe (Soliris), cujos gastos do Ministério da Saúde com compras decorrentes de decisões judiciais foram de aproximadamente R$ 12 milhões (compreendido o período de 2009 a 2011, atendendo a 14 ações judiciais individuais) e que, segundo o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde — Decit-MS, não possui evidência científica suficiente para a incorporação no âmbito do SUS, além do fato de não possuir registro na Anvisa e tanto a agência sanitária canadense (Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health — CADTH), quanto a agência escocesa (Scottish Medicines Consortium — SMC) não recomendarem a incorporação do eculizumabe em seus sistemas públicos de saúde, ressaltando que o tema é objeto da SL 558 no Supremo Tribunal Federal, pendente de julgamento.

O Judiciário e os demais operadores do Direito não podem fechar os olhos para a existência de um constante desafio em se garantir a universalidade e integralidade do acesso à saúde diante de recursos públicos contingenciados, mesmo porque o campo da saúde, assim como demais setores da economia, tem sofrido inúmeras transformações decorrentes, principalmente, de novos conhecimentos e do desenvolvimento tecnológico. Assim, é prudente que os provedores de serviços de saúde busquem absorver de forma racional os avanços tecnológicos após avaliar cuidadosamente a efetividade das inovações, razão pela qual não pode prevalecer, no âmbito das ações judiciais, a lógica do “pediu-levou”, que mais beneficia os interesses das indústrias farmacêuticas que a saúde da população. Não é demais lembrar que o interesse econômico subjacente às tecnologias de saúde não pode ser desprezado. O mercado da saúde é dominado por multinacionais, dotadas de forte poder econômico e o Estado brasileiro é um mercado consumidor importante[i].

Frise-se que a diretriz do atendimento integral, estabelecida no texto constitucional (artigo 198, II), representa simultaneamente o caminho a ser trilhado e o objetivo a ser perseguido e alcançado à medida do financeiramente possível. Por outro lado não se trata de direito absoluto! Não há um direito à integralidade, no sentido de se abarcar todas as tecnologias em saúde disponíveis no mercado, até porque a tal diretriz, como estabelecida na Constituição, deve ter como prioridade as atividades preventivas. Nesse contexto, relevante salientar a inovação legislativa representada pela Lei 12.401/2011, que altera a Lei 8.080/1990, dispondo sobre a assistência terapêutica e sobre as condições e requisitos para a incorporação de tecnologias em saúde no sistema brasileiro de atenção à saúde. A edição deste diploma legal se deu, entre outros motivos, pela necessidade de se delinear de forma mais precisa o conceito de integralidade da assistência adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e objetiva beneficiar os usuários do SUS e fortalecer a atuação do Ministério da Saúde no que concerne a sua capacidade para orientar as atividades econômicas em prol das necessidades em saúde.

Portanto, tal diploma legal deve ser observado pelo Judiciário, no intuito de se evitar decisões judiciais que desconsideram por completo que, para que se concretize o acesso universal e igualitário à saúde (artigo 196 da Constituição Federal), compreende-se a imposição de que as ações e os serviços de saúde sejam dirigidos à população como um todo, sem discriminação ou privilégios de qualquer ordem. Nesse sentido a reflexão de Luís Roberto Barroso: “O Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar direitos fundamentais que podem ser promovidos com a sua atuação. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser, presumindo demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos.”[ii][1]

Não obstante a constatação das dificuldades existentes ao lidar com questões envolvendo assistência à saúde em processos judiciais, inegável o esforço do Judiciário na busca de maior eficiência na solução de tais demandas, pela instituição do Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e os respectivos Comitês Executivos Estaduais, que têm como objetivo a elaboração de estudos e a proposição de medidas e normas para o aperfeiçoamento de procedimentos e a prevenção de novos conflitos judiciais na área da saúde, sendo indispensável, para isso, a atuação conjunta do Poder Judiciário com o Ministério da Saúde, como órgão de direção nacional do SUS e com as Secretarias de Saúde em cada estado ou município.

No tocante ao questionamento sobre se a intervenção cirúrgica de redesignação sexual estaria enquadrada como direito à saúde, garantido pela Constituição, é de se tecer algumas considerações. Em primeiro lugar, frise-se que a transexualidade é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um transtorno de identidade de gênero, sendo inclusive catalogada no código internacional de doenças, cujo CID é o 10-F64.0, sendo que o único tratamento para melhorar tal condição clínica é a troca de sexo social e genital, além de psicoterapia de apoio. O transexual busca a cirurgia de trangenitalização para adequar sua aparência física ao seu sexo psicológico, ou seja, o procedimento cirúrgico é a etapa mais importante do tratamento de transexualismo, necessitando de um diagnóstico preciso, multidisciplinar, por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social. Ademais, a transexualidade não está associada e é independente da orientação sexual, bem como não se confunde com hermafroditismo.

Por sua vez, a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1.955 de 12 de agosto de 2010[iii]que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo, ao considerar o paciente transexual como portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou, até mesmo, autoextermínio, afirma em seu artigo 3º que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios de: a) desconforto com o sexo anatômico natural; b) desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; c) permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; d) ausência de outros transtornos mentais. Ademais, atualmente a possibilidade de realização da cirurgia de redesignação sexual em nosso país pelo transexual encontra-se ainda mais concreta, com a edição da Portaria 1.707 de 18 de agosto de 2008 do Ministério da Saúde[iv], que instituiu o processo transexualizador no âmbito do SUS[v], além do que a Resolução do CFM de 2010 traz novidade em relação à anterior no sentido de que os tratamentos de transgenitalismo podem ser realizados em qualquer estabelecimento de saúde devidamente habilitado.

Diante disso, percebe-se facilmente que a situação do transexual está inserida no campo do direito à saúde como um direito fundamental, haja vista ser a saúde, conforme o conceito da OMS[vi], um estado de completo bem-estar físico, mental e social, recordando-se ainda que para a realização da cirurgia de transgenitalização há a necessidade de um diagnóstico médico e de indicação terapêutica. A referida cirurgia é, portanto, uma prestação positiva de saúde que objetiva garantir não mais que o mínimo de bem estar ao transexual. Diante das considerações tecidas sobre a tutela jurídica do transexual, cabe apontar pertinente observação de Tereza Rodrigues Vieira, em trabalho sobre o tema: “O transexual não quer muito, quer apenas o mínimo essencial para uma sobrevivência digna, procurando o equilíbrio entre os direitos fundamentais e sociais. O direito à busca do equilíbrio corpo-mente do transexual, ou seja, à adequação do sexo e prenome, está ancorado no direito ao próprio corpo, no direito à saúde e, principalmente, no direito à identidade sexual, a qual integra um poderoso aspecto da identidade pessoal.”[vii][2]

Assim, é possível sustentar a possibilidade autorização de realização da cirurgia de transgenitalização pelo SUS, mesmo que requeridas em ações judiciais, desde que cumpridos os requisitos da Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.955/2010 e da Portaria n. 1.707/2008 do Ministério da Saúde, não só do ponto de vista biomédico, com propósito terapêutico, mas também como forma de concretização dos direitos fundamentais pelo Estado, principalmente dos direitos à saúde, à igualdade, a não discriminação e, primordialmente, como proteção à dignidade da pessoa humana ao livre desenvolvimento da personalidade e à identidade de gênero.
________________________________________
[i] “As farmacêuticas gastam dezenas de bilhões de dólares para seduzir os médicos oferecendo viagens e convenções. E o pior, muitas vezes fazem isso fingindo que os estão educando. O resultado dessa convivência é que os médicos aprenderam um estilo de medicina que se baseia em remédios. E mais: que remédios recém-lançados, normalmente mais caros, são melhores do que os antigos, ainda que não haja qualquer evidência científica que sustente essa idéia. (...) Elas fazem experimentos clínicos, mas não o trabalho essencial, que é realizado pelos cientistas ligados às redes de saúde de vários países e pelas universidades. E isso acontece porque a indústria farmacêutica está mais preocupada com o marketing do que com a pesquisa e desenvolvimento. Em 2004, o conjunto das 9 principais farmacêuticas americanas teve lucros sobre vendas 3 vezes maiores que a média das outras 500 empresas mais rentáveis dos EUA. Elas gastam 15% do orçamento em pesquisa e desenvolvimento – isso é menos do que a metade do que gastam com administração e marketing.(Doutores sabem de nada, Entrevista com médica americana Marcia Angell, acadêmica sênior do Departamento de Medicina Social da Universidade Harvard, autora do livro The Truth About Drug Companies - “A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos - ex-editora de uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo Revista New England Journal of Medicine, publicada na Revista Super Interessante, in http://super.abril.com.br/saude/doutores-sabem-nada-446454.shtml).
[ii]
[ii] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Interesse Público, Belo Horizonte, ano IX, n. 46, p. 31-62. nov. 2007.p. 33.
[iii]
[iii] CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.955 de 12 de agosto de 2010. Publicada no D.O.U., de 3 de setembro de 2010, seção I, p. 109/110. Disponível em
[iv]
[iv] BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.707 de 18 de agosto de 2008. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Disponível em:
[v]
[v] Destaque-se ainda a edição da Portaria SAS/MS nº 457/2008 da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, que aprovou a Regulamentação do Processo Transexualizador no âmbito do SUS. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/prt0457_19_08_2008.html>
[vi]
[vi] Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946. Disponível em:
[vii]
[vii] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008 p. 232.


Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-jul-16/luis-franco-situacao-transexual-campo-direito-saude>. Acesso em 27 ago 2012.