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terça-feira, 28 de julho de 2015

Fonoaudiologia e transgenitalização: a voz no processo de reelaboração da identidade social do transexual

Lorena Badaró Drumond
Fonoaudióloga Mestranda em Psicologia - UFES 


Resumo: Nos consultórios de fonoaudiologia é crescente a demanda de transexuais, principalmente masculinos, em busca da adequação da voz ao gênero pretendido por eles. Segundo Silveira (2006), transexual é o indivíduo que tem convicção de não pertencer ao seu sexo biológico. Rejeita o próprio corpo e suas características genitais por desenvolver uma identidade de gênero relativa ao sexo oposto ao seu. O tema da homossexualidade será abordado a partir do olhar da fonoaudiologia, mais restrito à questão da saúde, e da psicologia, no sentido da construção social. Através da revisão de literatura, a presente pesquisa se propôs buscar compreender o papel que a voz ocupa na construção da identidade social dos transexuais masculinos e em que se baseiam as demandas apresentadas por esse público não só na clínica fonoaudiológica mas também em relação à estética corporal.


domingo, 25 de janeiro de 2015

Pensando corpo, gênero e sexualidade em contexto sado-fetichista

Marcelle Jacinto da Silva; Antonio Crístian Saraiva Paiva
Pontourbe - Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP - n. 15 - 2014


Resumo: Este artigo tem como fio condutor parte do meu material etnográfico proveniente de dissertação em andamento, a qual tem como foco narrativas sobre repertórios de experiências com/em práticas sócio-sexuais de sado-fetichismo, mais especificamente práticas de feminização no BDSM, cujos protagonistas relatam em blogs pessoais e entrevistas suas experiências e performances eróticas, reinventando seus próprios corpos e performatizando estereótipos de gênero. Propomos discutir como os atores se engajam no processo de feminização, como pensam e elaboram suas experiências de vestir-se de outro gênero, como vivenciam performances de gênero inseridas no contexto das práticas do sadomasoquismo erótico ou BDSM, e como corpo, sexualidade e gênero podem ser problematizados a partir da observação dessas narrativas.

texto completo

sábado, 11 de outubro de 2014

Índia lança telejornal com âncora transgênero para influenciar atitudes sociais no país (*)

Portal Imprensa
29/09/2014

Um telejornal na Índia é o primeiro a ter em sua equipe uma apresentadora transgênero. Desde a comemoração do Dia da Independência – 15 de agosto, Padmini Prakash comanda um programa de notícias no horário nobre da Lotus TV. Questionada, a emissora diz que pretende influenciar atitudes sociais.

Segundo a BBC Brasil, a atração é transmitida na língua tâmil a partir de cidade de Coimbatore, no Estado de Tamil Nadu. Ao falar sobre o momento na carreira, Prakash lembra da infância difícil e se orgulha de sua posição profissional. "Estou muito feliz. A mensagem está se espalhando por toda a Índia e pela internet”, disse ela, que também a vê como sinal de importantes avanços no país.

Um deles foi uma decisão recente da Suprema Corte indiana, que reconheceu os transgêneros como um terceiro gênero. A determinação judicial pode auxiliar cerca de dois milhões de pessoas que vivem essa situação na região. Sem acesso a condições igualitárias, a maioria vive à margem da sociedade. Foi nesse contexto que Padmini sobreviveu durante longos anos de sua vida.

Afastada do convívio familiar aos 13 anos, foi salva por outras pessoas quando se preparava para cometer um suicídio.  "Depois que saí de casa, viajei por tudo que foi lugar. Me matriculei em uma faculdade em Comércio à distância, mas por causa de problemas financeiros abandonei depois de dois anos", conta. Embora tenha desistido do sonho, a jovem revela que nunca perdeu suas ilusões.

"Aprendi Bharatnatyam (uma forma clássica de dança indiana); participei de concursos de beleza para transgêneros e venci; atuei em uma série de TV". O convite para trabalhar na televisão foi feito por dois executivos da Lotus, Sangeeth Kumar e Saravana Ramakumar. A ideia dos diretores era dar a um individuo transgênero a chance de ser a cara do principal noticiário local da emissora.

Após saberem de mais um caso de abuso com transgêneros, a dupla apresentou a iniciativa ao diretor do canal, GK Selva Kumar. Para eles, esta seria uma forma de tentar influenciar a mudança de atitudes sociais em relação ao tema. O nome de Padmini foi sugerido pela primeira transgênero indiana a comandar um talk show na televisão, Rose. "Recomendei o nome dela para o canal depois que ela me contatou", afirma. "Padmini está fazendo um bom trabalho e tem sido bem recebida”, diz.

Entidades celebram atitude do canal

Entidades e organizações não governamentais de direitos humanos celebraram a escolha de Padmini para o cargo de apresentadora de um telejornal de destaque na Lotus TV. "A escolha carrega uma mensagem sobre essa comunidade negligenciada", disse a ativista Anjali Ajeeth. Segundo ela, a rejeição da sociedade aos transgêneros impede que as pessoas possam demonstrar os seus talentos.

"Pela primeira vez, existe um esforço para dar mais visibilidade aos transgêneros. Há poucos deles atualmente nas profissões mais visíveis”, acrescenta Akkai Padmashali, representante da Sangama. O grupo independente trabalha pela defesa dos direitos de minorias sexuais na cidade de Bangalore.

Para trabalhar no telejornal, Padmini passou por dois meses de treinamento nas técnicas de leitura de notícias para a TV. "As pessoas agora me olham com respeito. Precisamos acabar com esse tabu social”, diz. A audiência aprovou o seu desempenho. "Honestamente, eu não vejo nenhuma diferença entre ela e qualquer outra âncora feminina nos canais de TV", disse a dona de casa Vaijanthi.


Disponível em http://www.portalimprensa.com.br/noticias/internacional/68400/india+lanca+telejornal+com+ancora+transgenero+para+influenciar+atitudes+sociais+no+pais. Acesso em 07 out 2014.
(*) - Essa postagem é a de número 700 no blog.

sábado, 12 de outubro de 2013

Construção de emoções

Anderson Fernandes de Oliveira

Viajante e estudioso de culturas, o sociólogo francês David Le Breton é um apreciador assumido das terras brasileiras. Já esteve no Brasil diversas vezes e ama, em especial, a cidade do Rio de Janeiro, que diz ser possuidora de uma beleza singular. Sobre São Paulo, ele é incisivo em mostrar seu desgosto. A selva de pedra lembra-o muito algumas cidades nos Estados Unidos, como Nova York, por exemplo. Ele prefere a natureza às paisagens urbanas. Por essa razão adora viajar. Segundo ele, ficar na França é muito enfadonho, devido ao clima muito frio e soturno.

Breton é doutor em Antropologia e professor na Universidade de Estrasburgo II. Tornou-se referência no estudo da corporeidade. Dentre suas obras publicadas no Brasil está a Sociologia do corpo (Ed. Vozes), em que o francês argumenta que o fenômeno de existência corporal está "incorporado" no nosso contexto social e cultural, ou seja, a linguagem corporal está inserida no canal pelo qual as relações sociais são elaboradas e vivenciadas. Para o professor, a Antropologia social e a Sociologia possuem inúmeras possibilidades de pesquisas, dentre elas, as investigativas. No âmbito individual e coletivo, elas podem ajudar nos estudos sobre as representações que construímos acerca do corpo e até mesmo na compreensão de certas culturas.

Neste e em muitos de seus trabalhos (ainda sem tradução para o português) Breton se preocupa com as investigações sociais e culturais do corpo como, por exemplo, os simbolismos, as expressões e percepções construídas na dinâmica social.

Suas análises envoltas da Sociologia da corporeidade ganham uma extensão com novos ares na obra As paixões ordinárias - Antropologia das emoções (Ed. Vozes). Em uma visita rápida por São Paulo, David Le Breton cedeu gentilmente uma entrevista à revista Sociologia Ciência & Vida, para falar um pouco sobre seu último livro, suas aventuras ao redor do mundo, Antropologia, cultura e a situação atual da sociedade contemporânea.

Para a construção do livro, você teve como base a Antropologia e a Sociologia. Você estudou algumas outras áreas da ciência e qual a importância dela no estudo antropológico?
Le Breton - A Antropologia é a disciplina dos indisciplinados [risos], daqueles que se recusam a limitar a sua curiosidade. O antropólogo é aquele que sai, que quer conhecer tudo de maneira mais ampla e dando a ele mesmo todos os meios para chegar a isso. Quando trabalho sobre qualquer assunto, seja ele emocional ou não, busco não só Antropologia e Sociologia, mas também a Psicanálise e a Etnologia. Acho que estou em uma herança da Antropologia cultural americana. Sua outra definição é que "nada que me é humano me é estranho". É necessário tudo para se construir o mundo.

"A Antropologia é a disciplina dos indisciplinados, daqueles que se recusam a limitar a sua curiosidade "


Você disse que está mais baseado na Antropologia americana. Existe outra Antropologia? Qual é a diferença?
Le Breton - Não sou estruturalista. A Antropologia que sigo é a social e cultural. Não está na herança de Claude Lévi-Strauss [antropólogo, professor e filósofo francês, considerado o fundador da Antropologia Estruturalista], mas, sobretudo, de George Balandier [etnólogo e sociólogo francês] e de Margareth Mead [antropóloga cultural norte-americana]. Eu me sinto muito mais próximo da Antropologia britânica, americana e anglo-saxônica. Existe também uma tradição na França que perdeu um pouco de importância que é do Marcel Mauss [sociólogo e antropólogo francês, sobrinho de Émile Durkheim, e considerado como o "pai" da etnologia francesa]. Eu me reconheço nesta tradição. Uma Antropologia do mundo contemporâneo que faz que a Sociologia também se imponha no momento da análise [Mauss apontava que as sociedades se formam basicamente pela troca, doação e reciprocidade de culturas].

Por que optou pelo nome As paixões ordinárias, em seu último livro?
Le Breton - O termo paixão é forte. Entendo-o de acordo com Descartes, que escreveu o Tratado das paixões, em que mostra que paixões ordinárias são aquelas com as quais vivemos todos os dias. Que são socialmente construídas e que também levam em conta a nossa individualidade dentro da cultura, da nossa história e nossa educação dentro da família.

"Falar de emoções positivas e negativas já é fazer um julgamento de valor. Jogar com essas emoções faz vender jornal "

Por que você escolheu o caminho das emoções? Qual o interesse?
Le Breton - Desde o meu primeiro livro A antropologia do corpo (Ed. Vozes) resolvi trabalhar com o corpo e as emoções. A ideia é construir uma Antropologia do corpo bem ampla. Trabalhei sobre a história do corpo, anatomia, não só do ponto de vista médico, mas antropológico. Comecei pelo ponto de vista da atitude em relação ao cadáver, por exemplo, as dissecções, de como elas se tornaram possíveis na história, as lutas culturais ao redor do cadáver, dentre outros rituais. Para mim, a história da medicina é também a história com a relação do corpo. Os anatomistas constroem o corpo com o qual a gente chega do hospital e que é curado, ou seja, chegamos com fraturas e eles têm o trabalho de reconstruir-nos. Procuro entender a invenção médica do corpo na modernidade. Construí também a Antropologia do rosto. Por que a importância do rosto existe em algumas sociedades e em outras não? Por que a desfiguração é uma tragédia na nossa sociedade? No livro abordei pela primeira vez a construção da emoção no rosto, as mímicas e o sorriso, para mostrar que o sorriso é uma coisa muito mais complicada. É uma joia e surge de uma espontaneidade diferente entre as culturas. Depois trabalhei na Antropologia da dor. É uma edição completamente renovada. Também trabalhei na construção social das percepções sensoriais, o sabor do mundo e ainda sobre as carnificações e mutilações corporais.

Esse trabalho das emoções é inédito e pioneiro ou você está sendo influenciado por outros pensadores?
Le Breton - Acredito que estou fazendo um estudo bem particular, bem singular que não existe ainda na tradição francesa, embora seja possível encontrá-lo na tradição americana e na britânica. De qualquer maneira, é um estudo que aborda outras perspectivas, algo que não existe, como por exemplo, nas análises realizadas nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, onde alguns etnólogos trabalhavam sobre afetividade, emoções.

Quando você falou sobre a aparência em que a nossa sociedade é muito influenciada e outras não, você se referia à sociedade ocidental?
Le Breton - Sim.

Portanto, a cultura oriental adota outro tipo de abordagem?
Le Breton - Existem nuances. Do mesmo jeito que a França não é os Estados Unidos, o Canadá não é a Finlândia, mas existem pontos culturais em comum. Mesmo em relação ao corpo, existem semelhanças e diferenças. Se você pensar no Japão, no Brasil ou na América Latina, os imaginários sociais são bem diferentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, sobrevive em alguns lugares o imaginário social do puritanismo, que determina ao indivíduo, e a todo o coletivo, a recusa ao corpo. Essas são tendências de acabar e liquidar o corpo, como forma de respeito e veneração a um ser superior. Esse imaginário de recusa do corpo está muito menos presente na Europa, Brasil e América Latina. Existem pontos em comum, assim como existem as diferenças. Piercings e tatuagens, que são muito corriqueiros nos países europeus, até mesmo no Brasil, não são em outros lugares, por exemplo.

Você acredita que sociólogos clássicos, como Émile Durkheim, apesar de não terem uma ligação direta com os estudos das emoções, a adotavam, indiretamente, em suas obras? Se sim, de qual maneira?
Le Breton - Acredito que haja uma ligação próxima aos pensadores George Simon e Max Weber. Simon escreveu sobre as percepções sensoriais e também sobre as percepções do corpo. São textos bem antigos, do início do século XX. Marcel Mauss também escreveu sobre as emoções sensoriais, em que mostra que são ligadas às simbologias sociais. É o que me recordo dos sociólogos mais clássicos e eu sempre os cito em meus estudos.

A condição humana não vive sem a emoção, seja ela positiva ou negativa. Qual a sua opinião sobre o uso que a mídia faz dos sentimentos negativos, dos programas sensacionalistas que usam de tragédia para conseguir ibope?
Le Breton - Falar de emoções positivas e negativas já é fazer um julgamento de valor. Jogar com essas emoções, com a pena e com o medo faz vender jornal, revista, programa de TV, etc. Veja o exemplo da publicidade, que tira vantagem em função do seu poder de sedução sobre nossos sentidos sensoriais, especialmente a visão. Nós estamos em uma emoção "positiva", mas as coisas podem ser viradas ao contrário.

Por que é que esses programas ou páginas sensacionalistas fazem sucesso? Acha que as pessoas sentem atração pelo negativo?
Le Breton - Freud já mostrou que esse mundo das emoções existe dentro de nós. Cada um tem essa parte de sombra no seu inconsciente. Se formos analisar, hoje, todos os livros e filmes tratam dessas emoções e também as usam negativamente. Basta olhar para a história do cinema e da literatura para confirmar o que estou dizendo. Nós somos também grandes personagens de ficção e nos identificamos com eles [os personagens fantasiosos que vemos em filmes e livros] e ao mesmo tempo não somos eles. O trabalho do imaginário é tornar possível todos os homens e todas as mulheres que nós poderíamos ter sido.

"A noção de traição está no ponto de vista de quem a faz e de quem a recebe, e por qual objetivo e motivo "

Ações culturais que lidam com a emoção como casamento e divórcio sofreram grandes transformações na sociedade contemporânea. Há estudos na cultura ocidental, por exemplo, que relatam que genes desencadeiam atos de traição. Como analisar essa afirmação dentro do estudo das emoções? A traição pode ser considerada uma coisa natural ou está mesmo ligada à genética?
Le Breton - Essa tradução genética não faz nenhum sentido porque é preciso primeiramente definir o que é traição. A noção de traição está no ponto de vista de quem a faz e de quem a recebe, e por qual objetivo e motivo. E essa noção de traição parece um pouco ocidental. A gente não a encontra em uma sociedade tradicional, em sociedades ameríndias, indígenas. É uma noção que vem de um tipo de sociedade individualista. Os indivíduos se situam em relação uns aos outros, no sentido de construir seu próprio sentido e não serem herdeiros de uma tradição, construindo seu próprio sentido. Essa noção de traição implica no individualismo, implica a um julgamento de valor, mas ela não é universal. O que implica aí é a noção de combate, de luta. Da mesma forma como os animais lutam entre si, um guerreiro vai lutar contra o outro. Essa noção de traição que conhecemos entre os jovens hoje é uma maneira de naturalizar esse combate, um tipo de relação social neoliberalista. É importante desconstruir essa noção de traição original do ocidente para que possamos entender que, independentemente dos genes que tenhamos, não haverá essa influência direta, uma vez que estamos organizados culturalmente e não geneticamente.

Hoje há um senso comum muito forte, em que os homens são mais razão e as mulheres emoção. No mundo globalizado, essa ideia ainda persiste? Hoje vemos muitas mulheres em cargos de liderança em que a exigência maior é de tomar decisões pela razão. Isso é mesmo válido ou é apenas mais uma crença cultural?
Le Breton - No primeiro momento isso é um julgamento de valor e também tem a ver com a educação que meninos e meninas recebem desde pequenos. Recuso essa ideia porque existe o fato de que há homens mais emocionais e mulheres mais racionais. Isso não quer dizer nada. Para algumas ações, somos emocionais e para outras, racionais. Mas temos de levar em conta que é verdade que a educação que mulheres e homens recebem é diferente. As meninas são educadas pelo lado do amor, do carinho e da emoção; já os homens são educados pelo lado do desafio, sempre no intuito de serem mais fortes que os outros. Para os profissionais que trabalham com jovens [professores, psicanalistas, etc.] é muito perceptível esta tendência. No caso das mulheres, elas interiorizam mais os seus sofrimentos, e, portanto, são elas que têm maior vulnerabilidade a contrair doenças psicossomáticas, bulimia, anorexia e tentativas de suicídio. Agora, na realidade masculina, os homens que sofrem conseguem exteriorizar mais seus sentimentos. Daí que os vemos partindo para a delinquência, violência, desafios [como os rachas em alta velocidade nas ruas], álcool, drogas e até suicídio.

Falando em suicídio, qual é a sua opinião sobre as pessoas que tiram a própria vida em nome do patriotismo ou em nome de uma religião? Será que esse tipo de paixão, de emoção, pode mesmo desencadear ações dessa proporção?
Le Breton - Depende da história de vida de cada um de nós e da cultura. Existem algumas culturas em que a religião é mais forte, como o Islã, por exemplo. Ele decide todos os momentos da vida cotidiana. Mas não é o caso de outras muitas religiões. Há as que dão uma margem de liberdade bem maior, quando comparadas à doutrina islâmica, a começar pelo fato de se ter a liberdade de discutir o texto religioso e não concordar com as interpretações. Uma pessoa que não esteja bem com sua vida pode escolher uma maneira de se integrar com a religião, como uma forma de buscar uma orientação de valor e também de encontrar outras pessoas para servir como a figura de um mestre. Da mesma forma, um jovem pode escolher o patriotismo buscando o exército como valor e sentido para sua vida. Encontrando pessoas fortes que estejam no controle, que lhe transmitam segurança e que sirvam como meta de vida.

Esta busca de personagens fortes para simbolizar um mestre, que menciona, é uma atitude social antiga. Você acredita que a sociedade contemporânea, em geral, esteja carente de mitos?
Le Breton - As sociedades humanas funcionam ao redor dos imaginários que são poderosos, os imaginários religiosos, políticos. Já vivemos em um mundo em que os imaginários foram todos destruídos, o que o Jean François Lyotard chamou de "o fim do grande discurso". Não era possível pensar sobre o comunismo, socialismo e humanismo ou dispersar esses imaginários entre todos. A nossa sociedade sofreu por não encontrar o mundo propício diante de si. Para exemplificar em um contexto bem contemporâneo, a força do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, por exemplo, é reconstruir esses imaginários, contra o neoliberalismo americano, de reintroduzir os valores de amizade, solidariedade, humanismo e igualdade. Estamos em uma época em que o capitalismo está passando por uma fortíssima crise social, econômica e política. Trata-se, então, de uma globalização que destrói a vida e que a torna difícil para milhares de pessoas. Obama representa o surgimento de uma utopia, de uma esperança, de um capitalismo com uma aparência humana.

Antropologia das emoções
David Le Breton fez no livro As paixões ordinárias um estudo sobre a orquestra de emoções subjetivas do sujeito. Ele explica - e exemplifica - como esse processo emocional, as percepções sensoriais, ou a experiência e a expressão das emoções se dão, obviamente, da intimidade mais profunda do indivíduo e, mais que isso, se formam também graças às relações sociais e culturais em que o sujeito está inserido. Anos de estudo são somados às inúmeras referências, como Darwin, Proust, Sartre, Freud, dentre outros, para formar esta pesquisa antropológica que analisa nuances culturais que diferenciam nossas emoções.

Em um dos exemplos práticos que ele insere no livro, o beijo é um dos mais interessantes. Três modalidades do beijo se demarcam socialmente, abrindo-o a formas e significações muito diversas: sinal de afeição, rito de entrada ou de saída de uma troca e forma de congratulação. O autor explica que o beijo dado em solo, por exemplo, exprime a afeição de um indivíduo pelo país natal.

De joelhos sobre o solo, o indivíduo saúda simbolicamente um período de tempo que lhe é caro. O beijo no rosto entre meninos e meninas aqui no Brasil é corriqueiro, sendo normal trocar facilmente dois ou mais beijos nas bochechas. O número difere, com efeito, de uma região pra outra. Na Alsácia, eles são reduzidos, mas no Oeste e Centro da França podem passar de quatro.

Desta forma, o livro resgata a ideia de que as emoções não são espontâneas, mas ritualmente organizadas e que, portanto, o fundo biológico universal se declina social e culturalmente de um lugar a outro do mundo.

Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/23/artigo133356-1.asp. Acesso em 07 out 2013.

domingo, 29 de setembro de 2013

Fantasia e desejo nas redes sociais

Luiz Fernando Dias Duarte
02/11/2012

O vocabulário sobre as emoções na cultura ocidental contém muitas áreas de imprecisão e ambiguidade, o que enseja a impressão comum de não corresponder a representações sociais sistemáticas, recorrentes e obrigatórias. Desejo e fantasia são algumas dessas categorias que deslizam com frequência em nossa linguagem, como se expressassem apenas volúveis devaneios da vida individual de cada um de nós.

Tanto as psicologias quanto as ciências sociais enfrentam o desafio de compreender os modos pelos quais se estruturam essas dimensões da experiência humana – e como emergem e intervêm nas tramas da vida social.

Já nos primeiros tempos das ciências sociais, temas como os do ‘ideal’, da ‘imitação’, da ‘influência’, da ‘autoridade’, do ‘transe’ se impunham nessa área sutil da constituição coletiva da vida dita ‘subjetiva’ dos sujeitos. Dimensões que, sob a forma das ‘paixões’ e da ‘imaginação’, já haviam motivado os filósofos sociais desde o século 17, devido à sua crucialidade nas esferas da família, da religião, da política e da prática econômica.

A capacidade de imaginação e de projeção futura de imagens ideais, desejáveis, é uma dimensão essencial da construção dos sentidos do mundo em qualquer sociedade. Entre nós, essa capacidade é sobrevalorizada como chave da ideologia do progresso e da mudança, sob a forma da ‘criatividade’ e da ‘invenção’. Tanto nossas ciências como nossas artes e nossos meios de comunicação são lugares regulares do cultivo e fomento da imaginação ideal.

Graças ao extraordinário desenvolvimento da criatividade científica, produziram-se recentemente novos recursos públicos de compartilhamento da fantasia e do ideal, concentrados na comunicação digital e na possibilidade de sua circulação em ‘mundos virtuais’.

A esfera da internet, com suas múltiplas possibilidades de invenção e comunicação, abriga hoje formas cada vez mais complexas de troca social

A esfera da internet, com suas múltiplas possibilidades de invenção e comunicação, abriga hoje formas cada vez mais complexas de troca social, a partir de posições máximas de individualidade, intimidade e exclusividade. Cada sujeito social exercita sua vontade e obedece ao seu desejo de forma singular, ao acessar o espaço virtual e encaminhar na tela suas opções de navegação. Esse espaço é, no entanto, apenas uma nova versão dos espaços sociais reais, essenciais para o estabelecimento de uma identidade humana.

Imperiosa condição

Acabo de participar, no 36º Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), de um Grupo de Trabalho sobre ‘sexualidade e gênero’, em que diversas comunicações puseram em cena os mundos virtuais, do ponto de vista das fantasias sexuais ou eróticas para ali transpostas e ali retrabalhadas e vivenciadas.

Do ponto de vista dos organizadores do grupo, trata-se de uma coincidência imprevista; do ponto de vista da experiência social que cabe aos antropólogos interpretar, trata-se de uma imperiosa condição: os desejos e as fantasias eróticas, tão essenciais para a vida humana, encontram no espaço virtual uma arena privilegiada para se desenvolver, já que podem circular em uma esfera de trocas muito ampliada, em um gigantesco mercado de opções, com altas garantias de anonimato e baixas exigências de dispêndio econômico.

Ana Paula Vencato tratou das mulheres que se relacionam com crossdressers masculinos na vida real e que têm suas ambivalentes experiências compartilhadas em redes virtuais; Laura Lowenkron explorou “a construção dos marcadores corporais da menoridade em investigações policiais de pornografia infantil na internet”; Débora Leitão apresentou sua pesquisa sobre “sexualidade e mercado erótico no mundo virtual Second Life”; Carolina Parreiras tratou da produção de pornografia alternativa na internet; e Weslei Lopes da Silva discutiu as “representações e vivências do corpo feminino em interações sexuais pagas no ciberespaço”.

Outros trabalhos não focados na internet, como o de Amaro Braga Júnior sobre a ‘homoafetividade’ em quadrinhos japoneses, permitiram uma comparação frutífera entre diferentes conjugações da fantasia erótica contemporânea no Brasil. 

Virtualidade e realidade

Muito se pode discutir as condições da pesquisa em tais contextos: o acesso às redes e grupos; a ética da relação com os interlocutores; a fluidez e impermanência dos círculos de interação; a dificuldade de proceder a correlações entre as condições ‘reais’ dos sujeitos plugados e as que são encenadas por seus avatares on-line.

Em outro nível de preocupações, o próprio estatuto da ‘virtualidade’ é muito discutível, já que as experiências desencadeadas nesse meio são também ‘reais’ ao seu modo; no registro da relativização a que se dedica a antropologia sobre a concepção de realidade característica de nossa cultura.

Afinal de contas, a leitura de um romance, a realização de uma viagem, a fruição de um concerto musical, a experiência de um ritual religioso ou de absorção de um alucinógeno são todas elas experiências fantásticas de efeitos imediatamente concretos, de máxima implicação para a vida ‘real’ de cada um de nós.

A internet corresponde a uma nova dimensão de reverberação de todos os desejos e de todas as fantasias formuláveis em nosso código cultural

A internet corresponde, assim, a uma nova dimensão de reverberação de todos os desejos e de todas as fantasias formuláveis em nosso código cultural, com potenciais de realização em escala de massa e com algumas propriedades singulares, que os estudos tentam discernir.

Novos horizontes de relação entre o público e o privado são evidentes – e afetam particularmente as experiências eróticas. Também se apresenta aí uma nova fronteira entre a sensibilidade corporal imediata e as mediações intelectuais e cognitivas, o que desafia as convenções tradicionais da satisfação do desejo e da atualização da fantasia.

E a própria fronteira entre a fantasia e a realidade pode se refundir, como na criminalização da posse de imagens de pornografia infantil num computador pessoal, estudada por Laura Lowenkron: um crime de fantasia numa fervilhante galáxia de desejos.

Sugestões de leitura:
Leitão, Débora Krischke. Entre primitivos e malhas poligonais: modos de fazer, saber e aprender no mundo virtual Second Life. Revista Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n.38, jul/dez 2012.
Bell, Mark. Toward a definition of virtual worlds. Journal of Virtual Worlds Research, vol.1, n.1, 2008.
Butler, Judith. The force of fantasy: feminism, mapplethorpe and discursive excess. In: Cornell, D. (org.). Feminism and pornography. Nova Iorque: Oxford University Press, 2000, p. 487-508.
Foucault, Michel. História da sexualidade I: A vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
Miller, Daniel e Slater, Don. Etnografia on e off-line: cybercafés em Trinidad.Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 10, n.21, p.41-65, jan/jun 2004.
Parreiras, Carolina. Altporn, corpos, categorias e cliques: notas etnográficas sobre pornografia online. Cadernos Pagu, n.38, jan/jun 2012.


Disponível em http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/sentidos-do-mundo/fantasia-e-desejo-nas-redes-sociais. Acesso em 24 set 2013.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Entrevista a Pierre Bourdieu: a transgressão gay

Catherine Portevin; Jean Philippe Pisanias
Telerama, n°2535, 12 de Agosto de 1998

Para desqualificar a homossexualidade é denunciada como uma prática contrária à natureza. Você ressaltar que a natureza não tem nada a ver com isso.

Certamente que não. Trata-se em principio de uma construção social e histórica: a divisão estreita entre heterossexuais e homossexuais se cristalizou recentemente, depois de 1945. Antes disso, os heterossexuais poderiam, eventualmente, ter práticas homossexuais. Mas, em nosso sistema simbólico, o contato sexual ativo segue  sendo o único em conformidade com a "natureza" do homem, já que a sexualidade passiva aparece como tipicamente feminino. A oposição ativo/passivo, penetrador/penetrou-a, identifica o contato sexual com uma lógica de dominação (o penetrador é o que domina). Deste modo, o homossexual se feminiza por participar de uma relação sexual só se aplica a uma mulher. Neste sentido, vai contra à natureza. Transgride esse limite que os romanos conheciam muito bem: se bem que a homossexualidade ativa com um escravo era tolerável, enquanto que a relação passiva era, evidentemente, monstruoso. Na realidade, "contra a natureza" significa apenas: contra a hierarquia social. Assim, enquanto o dominador é conduzido como tal, está tudo bem. Mas se você adotar as práticas pelas quais é provável tornar-se dominado, então nada está bem.

Nos casais homossexuais encontramos a mesma lógica. Se pode ser homossexual ativo, mas não passivo. Alguns homens e mulheres gays reproduzem no casal hierarquia masculino /feminino.

Em que condições, então, reconhecer os casais homossexuais como uma alternativa ao modelo dominante?

É muito complicado, porque essa reivindicação é ambígua: ao mesmo tempo o mais subversivo e mais conformista que se possa imaginar. É muito conformista, pois incentiva os homossexuais a entrar na ordem e agir como todo mundo, mas uma parte delas é hostil a esta normalização social. Não há outra padronização reconhecida do Estado. Um homem muito culto, sem o reconhecimento de escola, sempre vai questionar a sua cultura. Da mesma forma, um casal gay em união civil não é socialmente reconhecido, com plenitude, os direitos elementares (proteção social, herança, etc.) que o correspondem.

Como o casamento é essa coisa sagrada que conhecemos investido valores simbólicos extremamente vigorosos, o direito de reclamar, como homossexuais,  o direito à união pública reconhecida oficialmente, legalmente sancionada, dinamita todas as representações simbólicas consolidadas.

Por que você está comprometido com o movimento lésbico-gay?

O ponto de partida foi uma carta que recebi de um homossexual que trabalhava na Air France: "Se meus colegas heterossexuais recebem descontos quando saem de férias com seus companheiros – protestava - por que eu deveria pagar tarifa cheia, quando viajando com o meu parceiro?" Os homossexuais são, de fato, cidadãos de segundo nível. Então, quando alguém “joga” a ameaça do "comunitarismo" para rejeitar suas demandas, mal posso vê-lo mais do que apenas uma verdadeira má-fé, produto de uma relíquia católica, muitas vezes inconsciente e mal tomadas e permite uma forma de discriminação . Não há para mim equívoco algum. É como se os homossexuais fora negado frequentar a escola. É algo da mesma ordem.

A última frase do seu livro masculinos homossexuais dominação abertamente convida para se juntar "a vanguarda dos movimentos políticos científicos subversivos". O que isso significa?

O essencial era dizer: não se mantenham isolados. Dado por razões sociológicas, o homossexuais (pelo menos os seus líderes) têm um capital cultural significativo, podendo desempenhar um papel no trabalho de subversão simbólica essencial para o progresso social. “ Act up”* é prodigiosamente inventivo. Os movimentos sociais poderão se beneficiar deste inventividade, porque ainda que saibam como organizar eventos, e fazer banners e slogans e canções, de modo ritual, são, na verdade pouco criativos... Para ser criativo, você precisa possuir capital cultural . A ideia das petições foi inventada por intelectuais; quando os médicos se manifestam geralmente são imaginativos e; finalmente, porque havia imaginação entre os líderes do movimento dos desempregados na França, gente com forte capital cultural, estes se atreveram a ocupar locais simbólicos, como a Escola Normal Superior.

Há algo mais que a marcha do orgulho gay, o subversivo para os homossexuais iria participar nos movimentos sociais?

Exato. A parada do orgulho gay é subversivo na ordem simbólica pura. Mas isso não é suficiente. Os gays e os desempregados, por exemplo, não se comunicam facilmente uns com os outros. O movimento gay está organizado em torno de demandas que são consideradas privadas, e parece suspeito a uma tradição sindical que é construído contra o particular, o pessoal, o território privado da qual tenta desprender o militante.

1. Um sistema de organização social e política que reconhece a existência de comunidades étnicas, religiosa ou sexual, com direitos específicos, em princípio, o que contradiz a definição de um cidadão abstrato sobre a qual se funda a República Francesa.

2. Act up (Ação para desencadeia o poder, a ação para liberar o poder). Movimento radical de origem nova yorkino, cuja variante francesa também se ocupa dos direitos e demandas das minorias sexuais e, particularmente, as pessoas com HIV positivo. 
*Act up (Action to Unleash Power, acción para desatar el poder). Movimiento radical de origem neoyorkino, cuja variante francesa se ocupa também dos direitos e demandas das minorias sexuais e em particular das pessoas portadoras de HIV.


Disponível em http://www.cafecomsociologia.com/2013/08/entrevista-pierre-bourdieu-transgressao.html. Acesso em 16 set 2013.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Ecce homo

Jorge Forbes

"Não se fazem mais homens como antigamente”, reclama a velha senhora na soleira de sua porta, ao ver chegar o amigo da sua neta, encostando o carro. Arrumado demais, combinado demais, manso demais, indeciso demais, enfim – ela não quer confessar, mas caraminhola baixinho – o moço lhe parece feminino demais.

A velha senhora tem alguma razão em observar que os homens, hoje, não são feitos da mesma maneira da qual ela estava habituada. Intuitivamente, ela nota – mesmo que não aceite – que a identidade humana é maleável, que muda conforme o tempo, abraçando o relevo da paisagem de sua época.

Estamos assistindo a uma mudança de um período no qual o laço social que era vertical, gerando estruturas piramidais – o que provocava o estabelecimento de relações hierárquicas e padronizadas – passa a uma nova situação, na qual as relações humanas são horizontais e múltiplas, em tudo, muito diferentes dos modelos estáveis anteriores. No que toca à identidade masculina, ela passou de uma inflexibilidade poderosa, coerente com a verticalidade disciplinar do mundo de ontem, para uma participação interativa flexível, exigência do tempo presente. Traduzindo em miúdos: um homem era visto, caricaturado e admirado como alguém forte e firme em suas decisões – sem frescuras, sem dúvidas, sem titubeios – inflexível em sua vontade pétrea, como se elogiava barrocamente. Agora, nesses novos tempos, mais importante que dar ordens é convencer e seduzir; melhor que ser sempre igual, é mostrar-se criativo, respondendo diferentemente, conforme o aspecto de cada situação.

Para as novas exigências, a carapaça do típico macho envelheceu, se despregou do seu corpo, caiu, e ele se vê tão perdido quanto cobra trocando de pele, ou siri que ficou nu e tem medo de ser catado. Reage atordoado procurando novas formas de ser e aparecer que lhe devolvam a segurança perdida; hipertrofia os traços machistas em academias fabricantes de abdomens tanquinhos, ao mesmo tempo em que vai perdendo a vergonha de confessar seu interesse no melhor creme, na cirurgia plástica, na mais atraente e chocante combinação de roupa.

Para as novas exigências, a carapaça do típico macho envelheceu, se despregou do seu corpo, caiu, e ele se vê tão perdido quanto cobra trocando de pele 

Pobres homens, a pós-modernidade não lhes é em nada tranquila. Enquanto as mulheres nadam de braçadas, pois o detalhe, a singularidade, o inusitado – características próprias à horizontalidade despadronizada – são a sua praia, os homens sofrem, se angustiam, por se verem sem a bússola do dever bem definido que lhes orientava tão corretamente e, tanto quanto aquela velha senhora, também desconfiam de sua própria sexualidade. Buscam os mais diversos consolos, alguns bem engraçados e paradoxais, como os grupos do Bolinha: confrarias das mais diversas, mais comuns as de vinho e as de comida, que, sob o manto disfarçador do refinamento do gosto, escondem a mais básica vontade de perguntarem uns para os outros como cada qual está se virando diante dessa verdadeira revolução. Isso, quando não contratam treinamentos supostamente disciplinadores e eficientes de tropas de elite, que tentam loucamente instalar em suas empresas, onde gostam de se travestir em generais incontestados, fazendo que os funcionários incomodados “peçam para sair”, tal como aprenderam naquele filme de sucesso.

Pouco a pouco, ficará claro para a maioria que a masculinidade não se baseia em nenhum grupo de iguais – sejam eles confrarias ou exércitos –, mas, tudo ao contrário, na possibilidade de suportar a expectativa da diferença, aquela representada pelo enigma de uma mulher frente a um homem. De nada vai lhe adiantar querer calá-la – ou calá-lo, o enigma – com alguma resposta pronta do gênero de bolsas ou perfumes de marcas supostamente exclusivas – mas em algo tão singelo, quão difícil: sabendo fazê-la rir, sonhar, se surpreender. Ecce Homo.

Disponível em http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/62/artigo209144-1.asp. Acesso em 25 ago 2013.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

No Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm pai no registro

Fernanda Bassette
10 de agosto de 2013

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011, apontam que há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento.

O Estado do Rio lidera o ranking, com 677.676 crianças sem filiação completa, seguido por São Paulo, com 663.375 crianças com pai desconhecido. O Estado com menos problemas é Roraima, com 19.203 crianças que só têm o nome da mãe no registro de nascimento.

"É um número assustador, um indício de irresponsabilidade social. Em São Paulo, quase 700 mil crianças não terem o nome do pai na certidão é um absurdo", diz Álvaro Villaça Azevedo, professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e diretor da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).

Segundo o professor, ter o nome do pai na certidão de nascimento é um direito à personalidade e à identidade de toda criança. "Além disso, é uma questão legal para que essa pessoa possa ter direito a receber herança, por exemplo", afirma.

Para o juiz Ricardo Pereira Júnior, titular da 12.ª Vara de Família de São Paulo, ter tanta criança sem registro paterno é preocupante. "Isso significa que haverá a necessidade de regularizar essa situação mais para a frente. Uma criança sem pai pode sofrer constrangimentos, além de estar em uma situação de maior vulnerabilidade, pois não tem a figura paterna."

Nelson Susumu, presidente da Comissão de Direito de Família da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), também considera o número preocupante, e ressalta que há ações para diminui-lo. "O programa Pai Presente do CNJ foi criado para tentar reduzir esse número."


Disponível em http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,no-brasil-55-milhoes-de-criancas-nao-tem-pai-no-registro,1062741,0.htm. Acesso em 11 ago 2013.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Eu sou o que eu visto

Forebrain
31/07/2012

Os aspectos sociais desempenham importante papel no processo de decisão de compra do consumidor e podem afetar fortemente a escolha de produtos e marcas. As pessoas tendem a se comportar de forma bastante semelhante aos outros membros do grupo social ao qual fazem parte, ou seja, costumam escutar as mesmas músicas que seus amigos, frequentar os mesmos bares e restaurantes e também vestir roupas e calçados semelhantes aos utilizados por seus amigos e familiares.

Uma pesquisa bastante interessante foi capaz de delinear a influência dos aspectos sociais capazes de moldar o comportamento humano. Pesquisadores da Northwestern University realizaram experiências em que diferentes grupos de pessoas tinham que vestir dois jalecos brancos idênticos. Para um grupo foi dito que o jaleco era o mesmo utilizado por médicos e para o segundo grupo foi dito que o jaleco pertencia a artistas, pintores. Os participantes, vestindo os jalecos, foram submetidos a uma série de tarefas cognitivas. Na maior parte dos casos, as pessoas que vestiram as peças que seriam dos médicos, apresentaram melhores resultados em testes de atenção e percepção visual de erros em relação às pessoas que vestiam os jalecos pertencentes a artistas/pintores. Os resultados do estudo sugerem que por ser atribuído aos médicos um comportamento mais cuidadoso, rigoroso e atento, os participantes foram capazes de adotar estas características, o que se refletiu em seu desempenho durante os testes, apenas por acreditarem estar vestindo o jaleco de um médico.

Estes achados nos remetem a uma questão social bastante importante, o “status”. Eles demonstram que quando colocamos uma roupa cara, de marca conhecida e de renome, como um terno ou um vestido de grife, por exemplo, nós estamos não só causando impressões nas pessoas a nossa volta, mas também estamos causando uma impressão em nós mesmos. Ao vestir uma roupa cara, somos capazes de nos sentir melhores, mais inteligentes e mais poderosos, o que irá refletir em nosso comportamento.

Desta forma é importante que as companhias levem em consideração no desenvolvimento do posicionamento de mercado os diferentes aspectos sociais que influenciam a decisão de compra do consumidor, que na maior parte das vezes é construída a partir de respostas inconscientes! As empresas ao desenvolverem suas estratégias de comunicação devem levar em consideração como seu posicionamento poderá atingir necessidades específicas de cada grupo social, construindo a partir daí o desejo de compra de seus produtos e serviços. O entendimento sobre o processo de tomada de decisão implícito do consumidor deve envolver a compreensão dos significados sociais e também culturais que os consumidores atribuem às marcas, produtos e serviços.


Disponível em http://www.forebrain.com.br/eu-sou-o-que-eu-visto/. Acesso em 09 jul 2013.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Dualismos em duelo

Anne Fausto-Sterling
Cadernos Pagu (17/18) 2001/02: pp.9-79.

Resumo: Os modos europeus e norte-americanos de entender como funciona o mundo dependem em grande parte do uso de dualismos – pares de conceitos, objetos ou sistemas de crenças opostos. Este ensaio enquadra especialmente três deles: sexo/gênero, natureza/criação e real/construído. Embora este texto verse sobre gênero, discuto regularmente o modo como as idéias de raça e gênero surgem a partir de supostos subjacentes sobre a natureza física do corpo. Entender como operam raça e gênero – em conjunto e independentemente – nos ajuda a compreender melhor como o social se torna corporificado.



terça-feira, 1 de maio de 2012

Brasileiro é falso moralista e duas-caras quando se trata de sexualidade, dizem historiadores

Cléo Francisco
27/04/201207h00

No carnaval, os desfiles das escolas de samba mostram mulheres seminuas a sambar. Emissoras de TV fazem a cobertura dos bailes gays nessa época. Telejornais exibem imagens da folia nos blocos em todo país onde a sensualidade rola solta. Fora do Carnaval, São Paulo celebra a diversidade sexual e vira palco de uma das maiores paradas gay do mundo. Em 2009, a universitária Geisy Arruda teve de sair da faculdade em São Bernardo do Campo (SP) escoltada por policiais e ouvindo xingamentos por usar um vestido considerado justo e curto. A intolerância também frequenta a Avenida Paulista, local cujas câmeras ali instaladas costumam registrar, com frequência, ataques a homossexuais.

"A mesma avenida que abriga uma das maiores paradas gay do mundo é o lugar onde se mata homossexuais. É inadmissível. Somos pessoas de duas caras, falsos moralistas", afirma a historiadora Mary Del Priore, que estuda a sexualidade no Brasil ao longo dos séculos. Mary acaba de lançar o livro "A Carne e o Sangue" (Editora Rocco), que aborda o triângulo amoroso constituído por Dom Pedro I, a Marquesa de Santos e a imperatriz Leopoldina. "D. Pedro dizia que fazia ‘amor de matrimônio’ com Leopoldina e ‘amor de devoção’ com Domitila. Do sangue nobre cuidava a mulher, que lhe dava os filhos e era a matriz. O prazer era com a outra. A imperatriz era muito religiosa e tinha horror ao sexo. A marquesa, ao contrário. E D. Pedro era um inconsequente machista, que teve dezenas de amantes", conta Mary.

Segundo a historiadora, o papel da igreja na formação da nossa sociedade no século 19 ajudou a formar essa dupla moral. "A casa tinha de ser o exemplo da sagrada família de Maria, José e Jesus, voltada para os valores mais altos que preconizava a igreja católica. A igreja consagra o matrimônio como obrigatório. Mais do que isso: o sexo dentro do casamento tinha de ser higiênico e a única preocupação era a reprodução". De acordo com a pesquisadora, a igreja regulamentava inclusive o que deveria acontecer entre quatro paredes.

“Os beijos eram condenados. Os padres confessores perguntavam o que as pessoas faziam no quarto e reprovavam todo tipo de toque no corpo com objetivo de ter prazer. A posição da mulher sobre o homem era contrária à lei divina. E ficar de quatro seria uma forma de animalizar o ato. Esse casamento sem prazer vai incentivar o sexo prazeroso fora de casa", declara a historiadora. E ela inclui outro exemplo da ambiguidade moral do brasileiro: as pornochanchadas da década de 70. "Há vários estudos que mostram que esse foi um momento de revolução sexual. Mas uma característica comum nesse tipo de filme é que o homem que pega todo mundo está sempre atrás de uma virgem. E a prostituta sonha com casamento de véu e grinalda. No Brasil, a mulher sempre teve de ser pura, virgem, não saber de sexo. Isso depunha contra o sexo feminino até pouco tempo", comenta Mary.

Homossexuais são assassinados e mulheres mentem sobre parceiros

O preconceito contra as mulheres que praticam sexo livremente permanece, segundo Mirian Goldenberg, antropóloga e professora na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).  "Estive na Suécia fazendo pesquisas sobre as mulheres. Lá, elas não são julgadas pelo comportamento sexual, se teve 20 parceiros ou um. Aqui as meninas mentem. Elas me dizem que se falarem que tiveram mais de três parceiros não arrumam namorados. E olha que estou falando de jovens que estudam ciências sociais", diz Mirian, que acrescenta: "No Brasil,  ter marido e constituir família é de um valor enorme para a mulher. Numa cultura assim, é difícil ter liberdade sexual. Conheço algumas que têm medo do porteiro do prédio. Homem entra com dez mulheres no apartamento sem nenhum problema. Elas não fazem isso. Esse tipo de preconceito afeta o cotidiano  e já deveria para ter acabado", afirma a antropóloga que estuda a sexualidade na classe média carioca desde 1988 e é autora dos livros "Toda Mulher é Meio Leila Diniz"  e "Por Que Homens e Mulheres Traem?" (Edições BestBolso).

O preconceito pode assumir formas agressivas e terminar em mortes como mostra o Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais do Grupo Gay da Bahia. De acordo com o documento, em 2011, ocorreram 266 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no país. Isso significa um aumento 118% desde 2007, quando foram registrados 122 casos. Esses números foram obtidos através de pesquisas em jornais, internet e notificação de pessoas ligadas às vítimas.

Embora os dados alertem para a violência cometida contra esses grupos, mostram também uma mudança social, de acordo com Sérgio Carrara, professor de antropologia do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e coordenador do Centro Latino Americano Em Sexualidade e Direitos Humanos. "Acho uma modificação importante no cenário a maior visibilidade que os crimes homofóbicos estão tendo na mídia. Começa-se a discutir e reconhecer a existência dessa situação. Vivemos um processo histórico, onde está se exigindo respeito e reconhecimento. Mas isso produz reações e situações de conflito de moralidades distintas", comenta o professor.

Para o psiquiatra e sexólogo Ronaldo Pamplona da Costa, a ignorância está na raiz do problema. "Todo preconceito com relação à sexualidade é baseado na falta de conhecimento sobre o assunto. De uns anos para cá, começou a ser tratado como impróprio mostrar preconceitos sobre sexualidade. As pessoas passaram a posar de conhecedores ou liberais quando nem entendem do assunto. Isso resulta no brasileiro falso liberal", diz o médico, autor de "Os Onze Sexos" (Editora Gente), lançado em 1994 no qual abordou os cinco tipos de sexualidade  para homens e mulheres (heterossexualismo, homossexualismo, bissexualismo, travestismo e transexualismo), acrescidos de um  11º grupo chamado de intersexo, onde estão agrupadas pessoas com defeitos físicos internos ou externos na região genital como hermafroditas, por exemplo. "Na época, sabia-se só sobre o heterossexualismo e colocava-se na mesma sacola do homossexualismo todas as outras sexualidades", diz Ronaldo.

Para dar uma ideia do desconhecimento sobre a sexualidade, o médico cita a própria categoria profissional. "Na faculdade de medicina não tem estudo da sexualidade nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Só  como funcionam os órgãos genitais com vistas à reprodução", diz o psiquiatra. "Ninguém nasce preconceituoso. Ao longo da educação as pessoas vão assimilando isso. Um homossexual pode ser preconceituoso em relação à própria sexualidade em alguma medida porque, no geral, fomos criados para sermos heterossexuais",  fala Ronaldo, relatando que, recentemente, atendeu em seu consultório uma jovem universitária que se assumia homossexual, embora não tivesse tido a prática, e que já havia feito amplas pesquisas sobre o tema. "Depois entrou a mãe dela, sozinha, uma mulher com curso superior, dizendo que não aceitava de forma alguma essa situação e que faria tudo para que a filha deixasse de ser homossexual." 

Preconceito: modo de combater

Para que homens e mulheres possam exercer livremente a sexualidade, sem medo de se tornarem vítimas de ataques de qualquer natureza, serão necessárias muitas mudanças, segundo os especialistas.  "Temos liberdade política, mas não somos cidadãos. Democracias requerem esse sentimento. E não temos isso porque não temos educação", diz Mary Del Priore, que ainda faz críticas às mães. "Elas dão no leitinho para o filho homem a superproteção, a homofobia. É uma mulher que adora ser chamada de gostosa, que se identifica com mulher fruta, para quem mulher inteligente é sapatão. É a mãe a figura que transmite esse preconceito e essa dupla cara", diz a historiadora.

Mirian Goldenberg pensa da mesma forma. "O valor da brasileira sempre foi muito associado ao seu corpo, que tem de ser sexy, seduzir. Uma mulher alemã, por exemplo, é poderosa porque tem cargo de chefia, dinheiro, pode decidir, é algo objetivo. O poder da brasileira sempre foi associado à sexualidade dela para a sedução do outro e não para o próprio prazer. Todo o peso do julgamento tem a ver com a imagem corporal que ela constrói", diz Mirian, que acha mais complicado lutar contra o que chama de preconceito invisível.

"As atitudes mais violentas de intolerância acabam indo parar na TV e geram movimento de repúdio. Mas ao nos submetermos mentir no dia a dia, ter medo do julgamento do porteiro, evitar o decote para não sofrer preconceito, nós só o reforçamos", diz Mirian, que cita uma figura famosa por quebrar tabus nos anos 60. "Como Leila Diniz acabou com o estigma da mulher grávida não poder mostrar a barriga? Foi para a praia de biquíni dizendo que a barriga era linda. E hoje todas as gestantes podem fazer isso. Esse preconceito invisível é mais difícil de acabar", diz Mirian.

Para Sérgio Carrara, é possível construirmos uma nova moral sexual. "Temos um processo de conflitos que envolve movimento LGBT, imprensa, sociedade civil, políticos. São forças que querem traçar uma nova moralidade sexual que não seja baseada na discriminação. Mas há também uma reação a isso, seja na forma de violência física ou simbólica. E as escolas são fundamentais nessa construção que deve ser  baseada em liberdade, igualdade e dignidade, na qual a orientação sexual das pessoas diz respeito apenas a elas. Ao considerar esses princípios, os preconceitos e estereótipos tendem a desaparecer."

Disponível em <http://mulher.uol.com.br/comportamento/noticias/redacao/2012/04/27/brasileiro-e-falso-moralista-e-duas-caras-quando-se-trata-de-sexualidade.htm>. Acesso em 30 abr 2012.

domingo, 1 de abril de 2012

Sejudh divulga diagnóstico social sobre travestis e transexuais

Agência Pará de Notícias
Atualizado em 14/03/2012 às 18:43

A Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) divulgou na tarde desta quarta-feira (14), o diagnóstico social sobre travestis e transexuais profissionais do sexo que atuam em Belém. A pesquisa de campo foi realizada pelo Grupo de Resistência de Travestis e Transexuais da Amazônia (Gretta), com a Coordenadoria Estadual de Proteção à Livre Orientação Sexual (Clos/Sejudh), e revelou a vulnerabilidade social desse segmento.

Considerados os três grandes pontos de prostituição de travestis e transexuais da capital paraense, a Rodovia BR-316, a Avenida Almirante Barroso e ruas do bairro do Reduto foram visitadas pelos pesquisadores. Cerca de 90 pessoas foram entrevistadas individualmente. “Após uma série de entrevistas, conversas e visitas, realizamos um diagnóstico completo. A estrutura disponibilizada pela Sejudh contribuiu bastante para esta pesquisa, pois conseguimos alcançar um público maior”, explicou Bruna Lorrane, integrante do Gretta.

As condições socioeconômicas, o comportamento sexual e a acessibilidade a serviços de saúde e cidadania, como o registro civil, foram algumas das características avaliadas. Denúncias de violência e maus tratos também foram comunicadas durante a pesquisa.

Com receio de represálias, a maioria dos entrevistados informou que não procura serviços de saúde pública. A automedicação é adotada por 80% deles no tratamento de algumas doenças. O estudo também revelou que, por almejarem um corpo mais feminino, muitos usam hormônios comprados em farmácia e manipulados sem qualquer tipo de orientação médica.

Preconceito - Quanto ao grau de escolaridade, 15% completaram o ensino fundamental, e apenas 10% concluíram o ensino médio. Dentre as justificativas mais comuns está o preconceito nos ambientes escolares. “A fuga escolar e a falta de qualificação contribuem para que essas pessoas acreditem que só a prostituição é uma fonte de renda”, ressaltou Bruna.

Dos entrevistados, 72% têm como única fonte de renda a atuação como profissional do sexo, sendo que 52% destes conseguem de 1 a 3 salários mínimos mensais. Mas 77% afirmaram que, caso houvesse outra fonte de renda, abandonariam a prostituição. Dos entrevistados, 55% estão na faixa etária de 20 a 29 anos.

Com a pesquisa, a Sejudh e o Gretta pretendem que esse grupo seja priorizado nas políticas públicas voltadas ao segmento LGBT. Os organizadores do estudo também pedem a realização de rondas policiais para manter a ordem nos pontos de prostituição.

Outra medida prevista é o atendimento especializado para emissão de documentos básicos. A ação de cidadania proposta pela Sejudh visa beneficiar cerca de 70% dos entrevistados, que informaram não ter os documentos básicos.

Para os idealizadores do estudo, o enfrentamento à exclusão, à violência e ao preconceito também inclui a adequação de um hospital público para a realização da operação de transgenitalização (mudança de sexo) e de tratamentos hormonoterápicos para travestis e transexuais. “A partir da próxima segunda-feira (19), a Clos e o Gretta iniciarão os encaminhamentos para que o público trans seja atendido o mais rápido possível“, disse o coordenador Estadual de Proteção à Livre Orientação Sexual, Samuel Sardinha.

Disponível em <http://www.agenciapara.com.br/noticia.asp?id_ver=95259>. Acesso em 25 mar 2012.

quarta-feira, 21 de março de 2012

“Sem dar escândalo” – a construção social das travestilidades na adolescência

Tiago Duque
33º Encontro Anual da Anpocs
GT 36: Sexualidade, corpo e gênero



Resumo: Atualmente as mudanças na esfera da sexualidade se associam as novas tecnologias corporais e a uma ampliação do debate para além das heterossexualidades. Entre as travestis, as possibilidades de construção do feminino têm trazido novas implicações identitárias e tornado os corpos mais plásticos à construção e desconstrução do que se deseja para si. Essas novidades não se dão de forma desconectada de padrões e práticas já legitimadas por este grupo, o que contribui para a problematização do que é ser travesti nos dias atuais. Assim, este artigo foca na construção e desconstrução dos corpos, das identidades e suas relações com as experiências subjetivas das travestilidades na adolescência na cidade de Campinas (SP).