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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Corrigir registro de transexual é uma irresponsabilidade

Luíz Flávio Borges D'Urso
11abril de 2001

A sensibilidade geral verifica a angústia daqueles seres que se sentem inconformados com sua aparência física sexual, com a qual os brindou a natureza, porquanto são compulsoriamente condenados a suportar uma dicotomia entre seu sexo físico e seu sexo psíquico, inconciliáveis e totalmente antagônicos.

Para essas pessoas, em alguns países do mundo, encontrou-se uma suposta saída para o problema, autorizando-se a cirurgia na qual o indivíduo altera suas genitálias para dar aparência que pertence ao sexo oposto.

Na verdade essa é uma saída paliativa, mas que tem atendido a expectativa existencial daqueles seres, pois embora na verdade jamais possa haver mudança de sexo, a cirurgia aproxima seu aspecto físico externo do seu sexo interior, o que certamente já alivia bastante suas angústias.

Todavia tal transformação não seria suficiente para atender o indivíduo, que tem se denominado transexual, sem as respectivas alterações de seus registros, para efeito de se ver abandonado o sexo antigo, fazendo aquele ser assumir, integralmente e totalmente seu suposto e aparente "novo" sexo.

No Brasil, nossa legislação tem, sistematicamente, proibidos tais expedientes, entendendo ser uma lesão corporal de natureza grave a cirurgia que extirpa o órgão sexual masculino, pela perda permanente de função.

Da mesma forma e com mais razão, já que veda a cirurgia, impede, nossa lei, de se retificar registros públicos da pessoa, mesmo que por sua própria provocação, quando objetivam retificação de sexo, sem que se tenha verificado equívoco, erro ou outro vício.

A realidade obriga a verificação do problema diante da necessidade humana, a atender aqueles que desejam dispor de seu próprio corpo, provocando em si mesmo uma modificação estética, inclusive com perda de função, mas que pode representar uma oportunidade para que aquela criatura possa tentar bem viver, uma vez que diante da transexualidade, torna-se impossível a paz para que possa viver normalmente.

Isto, a nosso ver já revelaria motivo suficiente para que o Estado deixasse de tutelar o que o particular, titular desse bem jurídico, pode dispor como bem entender, portanto, há que se advogar em favor de mudança legislativa que autorize a cirurgia para aparente mudança de sexo, pois entendemos que a legalidade dessas cirurgias possam melhorar a vida de muitas pessoas.

E o que deve procurar o legislador, senão melhorar a vida de seus representados, sem discriminação ou preconceitos, mas numa tentativa sincera de regular algo que está na esfera de decisão e disponibilidade da própria pessoa humana?

Ocorre, todavia, que a pleiteada alteração nos registros pessoais não pode gozar da mesma simpatia, posto que encerra em si mesma problemas muito mais graves que a simples alteração de um registro qualquer.

Na verdade trata-se da determinação jurídica do sexo e esta é a que resulta, primariamente, do registro civil, que é realizado quando do nascimento da criatura. Nossa legislação entende que só há pessoa, quando houver nascimento com vida e a determinação do sexo se dá naquele momento, de forma a adequar os direitos e até futuros deveres da pessoa que nasceu.

Assim, a determinação do sexo, como vimos deve ser feita no momento do nascimento, por meio do registro civil, que é, segundo a melhor definição de registro, um conjunto de atos autênticos, tendentes a ministrar prova segura e certa do estado das pessoas; ele fornece meios probatórios fidedignos, cuja base primordial descansa na publicidade que lhe é imanente, segundo Washington de Barros Monteiro.

A importância do sexo jurídico, sem muito esforço, é flagrante, pois encerra direitos, deveres, inclusive para com terceiros, a partir do nascimento, de forma que o sexo jurídico é definido pela simples observação dos órgãos genitais do nascituro, revelando tal observação, geralmente, fonte segura para definição do sexo.

Nesse diapasão, pode-se admitir que uma pessoa poderá alterar a definição de seu sexo, isto é, retificar o registro que define seu sexo jurídico, desde que, e somente se, houver vício no momento original do registro.

Há casos na literatura jurídica que revelam autorização judicial para retificação de registro, quando equivocados, face a má-formação das genitálias da criança, tendo-se observado equivocadamente seu sexo, ou casos em que o despreparo ou emoção e até má-fé, provocam um registro errôneo.

Dessa forma, como observamos, existe possibilidade de se alterar o registro do sexo de alguém, desde que, tal alteração sirva para retificar um equívoco, atendendo a verdade real, vale dizer, no Brasil, somente se admite a retificação do registro do sexo quando esta retificação destina-se a retratar a realidade.

De pronto, salta a pergunta que incomoda o transexual que pretende ser operado. Poderá ele retificar seu registro de sexo, anulando o registro de seu sexo anterior, por livre escolha, após ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica que tenha extirpado seu órgão sexual masculino, por exemplo?

Parece-nos que não. Falamos que o registro retrata a verdade e deve ser fonte fidedigna de prova da verdade. Ora, como sustentar que alguém operado, visando mudar de sexo, tenha efetivamente adquirido o sexo oposto, no mesmo sentido, como admitir que um homem que teve seu pênis retirado e no local, por obra de uma bem feita cirurgia plástica, esculpido uma aparente vagina, afirmar-se que estamos diante de uma mulher.

A operação de mudança de sexo, realizada pelo transexual pode lhe dar aparência externa de outro sexo, mas jamais o transformará em um ser do outro sexo, pois aquele homem sem pênis, um eunuco, jamais terá ovário, trompas, etc. e sua vagina não terá elasticidade, não será revestida por mucosa e sim por pele e não haverá lubrificação vaginal, portanto, jamais será uma mulher.

Ora, se a retificação só se admite para retratar a verdade, jamais se poderá admitir retificar o registro de um homem que embora operado, com seu pênis extirpado, continua sendo um homem, não se admitindo que sua aparência feminina determine seu sexo jurídico, que sempre será masculino.

Portanto, embora o registro represente para o ser operado, que teve seu sexo aparente transformado, um elo que lhe ata ao seu sexo anterior, causando-lhe constrangimento, não se pode admitir legalizar a inverdade, sob pena de se abalar todo o sistema que aceita a informação constante de registro público como verdadeira e fidedigna, até prova - e prova da verdade, em contrário.

Derradeiramente, outro aspecto que nos parece importante é quanto a certeza dos registros para exame da vida pregressa do sujeito. Caso admitíssemos a possibilidade da retificação do registro público, alterando-o para adequá-lo à aparência nova do ser, sem qualquer referência ao seu antigo estado, não se teria segurança quanto ao exame daquele sujeito, que após ter "mudado seu sexo", teria, caso apresentasse múltiplas condenações, um verdadeiro salvo conduto, até uma reabilitação pela avessas, pois seria como se tivéssemos a extinção da punibilidade pela "morte" daquele agente, que após ter sido operado, ganhasse nova vida, inteiramente limpa, desprezando-se todo seu passado e seus atos pretéritos.

As necessidades e as angústias daqueles que pretendem submeter-se à cirurgia de "mudança de sexo", entendemos legitimar a proposta objetivando trazer tal operação para legalidade, não vislumbrando-se mais o crime de lesão corporal dolosa, com perda de função. Todavia, o avanço é significativo, mas retificar-se o registro de seu sexo, sem qualquer referência ao registro anterior, parece-nos uma grande irresponsabilidade, que juridicamente revela-se insustentável.

Como alternativa paliativa, poder-se-ía admitir a retificação do registro para o sexo aparente, desde que ficasse consignado o sexo, nome e demais informações anteriores que foram retificadas. Ao que parece, tal medida não impediria o constrangimento que se tenta evitar, mas continuaria a garantir nosso sistema, dando segurança a seus registros!

Disponível em <http://www.conjur.com.br/2001-abr-11/autorizacao_justica_juridicamente_insustentavel>. Acesso em 29 jul 2010.