J Francisco Saraiva de Sousa
19 de Março de 2008
A maioria dos indivíduos, sejam homossexuais, heterossexuais
ou bissexuais, identificam-se como macho ou fêmea em concordância com o seu
sexo anatómico. Este facto levou os teóricos da aprendizagem a pensar que a
identidade sexual resulta da experiência de toda a vida de possuir órgãos
sexuais femininos ou masculinos, reforçada pela educação e pela pressão social
dos pais, dos irmãos e/ou irmãs e da sociedade em geral. Contudo, existem
indícios da existência de uma representação do próprio sexo no cérebro, cujo
desenvolvimento é, pelo menos parcialmente, independente das experiências da
vida (Zhou et al., 1995, 1997). A prova disto advém do estudo do transexualismo
e de outras síndromes (Wilson, 1999).
Os transexuais são indivíduos que acreditam que, na realidade,
pertencem ao sexo oposto daquele que é indicado pelos seus órgãos genitais (G.
Ramsey, 1998). Apesar da diversidade de transexualidades (R. Blanchard, 1985),
existe um grupo central de transexuais que se caracteriza por um conjunto de
características coerente. Durante a infância, os membros deste grupo apresentam
um elevado grau de discordância sexual. Na idade adulta, as suas
personalidades, avaliadas por toda uma variedade de testes psicológicos,
apresentam um elevado grau de atipicidade sexual. Um homem transexual que
pertença a este grupo central sente aversão pelo seu próprio pénis e
especialmente pelo seu uso em actividades sexuais. Ele deseja viver e ser
tratado como uma mulher. É sexualmente atraído por homens heterossexuais.
Procura, e frequentemente submete-se, a tratamentos
hormonais e a cirurgia de reconstrução ou mudança de sexo para alterar o seu
corpo, tornando-o tão feminino quanto possível. Não apresenta sinais de
perturbações psicológicas generalizadas. Uma mulher transexual que pertença a
este grupo central apresentará as características reversas, tal como se se
tratasse de uma imagem num espelho.
Para além deste grupo central, que constitui uma fracção
substancial da totalidade das pessoas que requerem cirurgia de mudança de sexo,
existem outros homens e mulheres transexuais que não apresentam todas estas
características. Alguns obtêm prazer sexual do uso dos seus próprios órgãos
sexuais. Alguns são sexualmente atraídos por indivíduos do sexo oposto. Alguns
aparentam mesmo sinais de perturbação psicológica. Outros parecem situar-se
numa posição intermédia entre transexual e homossexual ou travesti. Dadas estas
diferenças entre transexuais, convém distinguir diversos tipos de transexuais.
A investigação biológica de características biológicas
definidoras nos homens e nas mulheres transexuais tem revelado que determinados
marcadores endocrinológicos, como o nível de testosterona nas mulheres
transexuais (transexuais fêmea para macho) e a resposta atípica de hormona
luteinizante ao estrogénio nos homens transexuais (transexuais macho para
fêmea), bem como outros indicadores (Goh, 1999; Giltay et al., 1998; Elbers et
al., 1997; Elbers et al., 1999; Giltay & Gooren, 2000; Kruijver et al.,
2001; D. Slabbekoorn et al., 2000; Elbers et al., 1997), são sexualmente
atípicos e dimórficos. Contudo, a descoberta de um núcleo sexualmente dimórfico
(Zhou et al., 1995, 1997; Kruijver et al., 2000) forneceu a prova da existência
de uma componente genética da transexualidade e o estudo das características
dermatóglifas suporta o conceito da influência dos efeitos organizacionais das
hormonas sexuais (D. Slabbekoorn et al., 2000).
Os transexuais têm fortes sentimentos, geralmente desde a
infância até à idade adulta, de terem nascido com o sexo errado (Docter &
Fleming, 2001; Wolfradt & K. Neumann, 2001). A possível etiologia
psicogénica ou biológica da transexualidade tem sido objecto de debate durante
muitos anos (Money & Gaskin, 1970-71; Gooren, 1990). Richard Green (2000)
estudou uma amostra de 442 transexuais macho para fêmea, subdividida pela
preferência de parceiro sexual (106 homossexuais, 135 heterossexuais e 46
assexuais) e verificou que o grupo dos homossexuais tinha um maior número de
irmãos mais velhos do que os restantes grupos: cada irmão mais velho
incrementava a orientação homossexual em 40%.
Mas o estudo mais importante é o que revela um núcleo
sexualmente dimórfico. Zhou, Hofman, Gooren & Swaab (1995/97) mostraram que
o volume da subdivisão central donúcleo do leito da stria terminalis (BSTc),
uma área do cérebro que é essencial para o comportamento sexual (Kawakami &
Samp; Kimura, 1974; Emery & Sachs, 1976), é maior nos homens do que nas
mulheres. Um BSTc com tamanho feminino foi descoberto nos transexuais
macho-para-fêmea. Além disso, o tamanho do BSTc não era influenciado pelas
hormonas sexuais na idade adulta e era independente da orientação sexual. Este
é o primeiro estudo que revela uma estrutura cerebral feminina nos machos
geneticamente transexuais e que apoia a hipótese de que a identidade de género
se desenvolve como resultado de uma interacção entre o desenvolvimento do
cérebro e as hormonas sexuais (Swaab & Hofman, 1995).
Nos animais experimentais, as mesmas hormonas gonadais que
determinam prenatalmente a morfologia dos órgãos genitais também influenciam a
morfologia e a função do cérebro de um modo sexualmente dimórfico (Swaab et
al., 1995; Money et al., 1984). Diversas diferenças anatómicas em relação ao
sexo e à orientação sexual foram observadas no hipotálamo humano (Swaab &
Hofman, 1995). Zhou et al. (1995) estudaram o hipotálamo de seis transexuais
macho-para-fêmea (T1-T6), com a finalidade de descobrir uma estrutura cerebral
que fosse sexualmente dimórfica, mas não influenciada pela orientação sexual,
dado os transexuais macho-para-fêmea puderem ser «orientados» para cada um dos
sexos no que se refere ao comportamento sexual. As suas observações iniciais
mostravam que o núcleo paraventricular (PVN), o núcleo sexualmente
dimórfico(SDN) e o núcleo supraquiasmático (SCN) não obedeciam a estes
critérios (Swaab & Hofman, 1995).
Dado não se aceitarem modelos animais para as alterações de
identidade, o núcleo do leito da stria terminalis tornou-se um candidato
apropriado para esse estudo pelas seguintes razões: sabemos que o BST desempenha
um papel essencial no comportamento sexual dos roedores (Kawakami et al., 1974;
Emery et al., 1976). Foram descobertos não só receptores de estrogénios e de
androgénios no BST (Sheridan, 1979; Commis & Yarh, 1985), como também o
maior centro de aromatização no desenvolvimento do cérebro da ratazana (Jakab
et al., 1993). Na ratazana, o BST recebe projecções principalmente da amígdala
e providencia um poderoso input para a região preóptica do hipotálamo (Eiden et
al., 1985; De Olmos, 1990). Conexões recíprocas entre o hipotálamo, o BST e a
amígdala também foram documentadas em animais experimentais (Woodhams et al.,
1983; Simerly, 1990; Arluison et al., 1994).
Além disso, as diferenças sexuais no tamanho e no número de
células do BST foram descritas nos roedores, as quais são influenciadas pelos
esteróides gonadais no desenvolvimento (Bleier et al., 1982; Del Abril et al.,
1987; Guillamón et al., 1988).
Também nos humanos uma parte caudal particular do BST
(BNST-dspm) foi descrita como sendo 2.5 vezes maior nos homens do que nas
mulheres (Allen & Gorski, 1990). A parte central do BST (BSTc) é
caracterizada pelas suas células somatostatinas (553-54) e pela inervação do
polipeptido vasoactivo intestinal (VIP) (Walter et al., 1991). Zhou et al.
(1995) mediram o volume do BSTc a partir da sua inervação VIP. Os resultados
foram os seguintes: O volume do BSTc nos machos heterossexuais era 44% maior do
que nas fêmeas heterossexuais. O volume do BSTc dos homens heterossexuais e
homossexuais não diferia de uma maneira estatisticamente significativa. O BSTc
era 62% maior nos homens homossexuais do que nas mulheres heterossexuais.
A Sida não parece influenciar o tamanho do BST: o tamanho do
BST de duas mulheres heterossexuais infectadas com Sida e de três homens
heterossexuais infectados com Sida estavam dentro da média do grupo de
referência correspondente. Os heterossexuais infectados com Sida foram, por
isso, incluídos nos respectivos grupos de referência devido a propósitos
estatísticos. Um pequeno volume do BSTc foi descoberto nos tansexuais
macho-para-fêmea. O seu tamanho era somente 52% do encontrado nos machos de
referência e 64% do BSTc dos machos homossexuais. Embora o volume médio do BSTc
nos transexuais fosse ainda menor do que no grupo das fêmeas, a diferença não
era estatisticamente significativa.
O volume do BST não estava relacionado com a idade em
qualquer um dos grupos de referência estudados, o que parece indicar que o
tamanho menor do BSTc observado nos transexuais não era devido ao facto deles
serem, a este respeito, 10 a 13 anos mais velhos do que os homens
heterossexuais e homossexuais.
O BTS desempenha um papel fundamental no comportamento
sexual masculino e na regulação da libertação de gonadotropina, tal como
demonstrado pelos estudos realizados na ratazana (Kimura, 1974; Emery &
Sachs, 19776; Claro et al., 1995). Não existe evidência directa de que o BST
tenha um papel similar no comportamento sexual humano, mas a demonstração de
Zhou et al. (1995) de um padrão sexualmente dimórfico no tamanho do BSTc
humano, o que está de acordo com a diferença sexual previamente descrita na
parte mais caudal do BST (BNST-dspm) (Allen & Gorski, 1990), indica que
este núcleo pode também estar envolvido nas funções sexual e reprodutiva
humanas. Aliás, Simerly & Swanson (1987) e De Vries (1990) sugeriram que as
diferenças de sexo neuroquímicas no BST da ratazana podem ser devidas aos
efeitos das hormonas sexuais sobre o cérebro durante o desenvolvimento e na
idade adulta.
Contudo, os dados humanos mencionados anteriormente indicam
que o volume do BSTc não é afectado pelos níveis das hormonas sexuais adultas.
O volume do BSTc de uma mulher com 46 anos que tinha sofrido, pelo menos
durante um ano, um tumor do córtex adrenal que produz níveis sanguíneos muito
elevados de androstenediona e de testosterona, estava dentro da média do das
outras mulheres (S1). Além disso, duas mulheres pós-menopausa (com idades acima
de 70 anos) tinham um BSTc de tamanho feminino completamente normal (M1, M2).
Como todos os transexuais tinham sido tratados com estrogénios, o tamanho
reduzido do BSTc poderia ser atribuído à presença de níveis elevados de
estrogénios no sangue. Evidência contra esta suposição deriva do facto de que
ambos os transexuais T2 e T3 mostravam um pequeno BSTc como as fêmeas, apesar
de T2 ter parado de tomar estrogénios cerca de 15 meses antes de morrer, donde
os seus níveis de prolactina serem também elevados, e de T3 ter parado o
tratamento hormonal desde que um sarcoma foi descoberto cerca de três meses
antes de morrer. Também um homem com 31 anos de idade que sofria de um tumor
adrenal feminilizante que induz altos níveis sanguíneos de estrogénios, tinha,
apesar disso, um BSTc verdadeiramente grande (S2).
Estes resultados poderiam ser explicados mediante a alegação
de que o tamanho feminino do BSTc no grupo transexual era devido à falha de
androgénios, dado todos eles terem sido orquidectomizados, excepto o T4. Por
essa razão, Zhou et al. (1995) estudaram dois outros homens que tinham sido
orquidectomizados por causa do cancro na próstata (um e três meses antes da
morte: S4 e S3 respectivamente). Descobriu-se que o tamanho dos seus BSTc
estava ao nível elevado da classificação dos machos normais. Apenas o tamanho
do BSTc de um único transexual que não tinha sido orquidectomizado (T4)
situava-se a meio dos valores dos transexuais. Não só cinco dos transexuais
tinham sido orquidectomizados, como também todos usaram o «antiandrogen
cyproterone acetate» (CPA). O efeito do CPA sobre o BSTc não se manifesta
frequentemente, porque T6 não tinha tomado CPA nos últimos dez anos e T3 não
tinha tomado CPA durante os dois anos antes de morrer e, no entanto,
apresentava um BSTc de tamanho feminino.
Por conseguinte, as observações de Zhou et al. (1995)
sugerem que o tamanho reduzido do BSTc nos transexuais macho-para-fêmea não
pode ser explicado pelas diferenças nos níveis de hormonas sexuais na idade
adulta, mas poderá ser estabelecido durante o desenvolvimento por uma acção
organizadora das hormonas sexuais, de resto um ideia apoiada pelo facto de que
a gonadectomia neonatal de ratazanas machos e a androgenização de ratazanas
fêmeas induzirem mudanças significativas no número de neurónios do BST e
suprimirem o seu dimorfismo sexual (Del Abril et al., 1987; Guillamón et al.,
1988).
Considerado conjuntamente com a informação de animais, o
estudo de Zhou et al. (1995) suporta, portanto, a hipótese de que as alterações
da identidade de género podem desenvolver-se como resultado de uma interacção
alterada entre o desenvolvimento do cérebro e as hormonas sexuais (Swaab &
Hofman, 1995). A acção directa de factores genéticos deverá também ser levada
em consideração a partir de experiências com animais (Pilgrim & Reisert,
1992). Também não foi descoberta nenhuma relação entre o tamanho do BSTc e a orientação
sexual dos transexuais: cada um deles era macho-orientado (T1, T6),
fêmea-orientado (T3, T2, T5) ou ambos (T4).
Além disso, o tamanho do BSTc dos homens heterossexuais e
dos homens homossexuais não diferia, o que reforça o conceito de que o tamanho
reduzido do BSTc é independente da orientação sexual. Também não havia
diferença no tamanho do BSTc entre o subconjunto mais jovem (T2, T5, T6) e o
subconjunto mais velho (T1, T3) dos transexuais, o que indica claramente que o
tamanho reduzido do BSTc está relacionado com a alteração da identidade de
género per si, e não com a idade em que se torna manifesto. De modo
interessante, o reduzido BSTc nos transexuais parece ser uma diferença cerebral
verdadeiramente local.
Lhou et al. (1995) não conseguiram observar mudanças
similares em três outros núcleos do hipotálamo, nomeadamente nos PVN, SDN ou
SCN nos mesmos indivíduos. Isto pode ser devido ao facto destes núcleos não se
desenvolverem todos ao mesmo tempo ou a uma diferença entre estes núcleos e o
BST em relação à presença de receptores das hormonas sexuais ou de aromatase.
Contudo, um outro estudo, levado a cabo por Wilson, Chung,
De Vries & Swaab (2002), mostrou que a diferença sexual no volume do BSTc,
a qual se torna significativa somente na idade adulta, se desenvolve muito mais
tarde do que seria de esperar. A diferenciação sexual do BST da ratazana ocorre
nas primeiras semanas depois do nascimento e requer diferenças perinatais nos
níveis de testosterona (Del Abril et al., 1987; Chung et al., 2000). Nos seres
humanos, os níveis de testosterona durante o desenvolvimento fetal e neonatal
são muito mais elevados nos machos do que nas fêmeas (Abramivich & Rowe,
1973; Winter, 1978). Além disso, alterações dramáticas nos níveis de
testosterona nos adultos não têm efeitos óbvios sobre o volume do BSTc tanto
nos machos como nas fêmeas (Zhou et al., 1995; Kruijver et al., 2000). Por
causa disso, supunha-se que o BST divergia precocemente entre machos e fêmeas
durante o desenvolvimento. Além disso, a diferenciação sexual dos núcleos
sexualmente dimórficos da área preóptica e de outras áreas do hipotálamo
anterior humano ocorre entre os 4 e os 10 anos de idade (Swaab & Hofman,
1988; Swaab et al., 1994).
Assim, a diferenciação tardia do volume do BSTc nos machos e
nas fêmeas poderá ser uma característica geral do BST humano. Este conceito é
apoiado por diversos estudos. O BST-dspm parece tornar-se sexualmente dimórfico
aproximadamente na puberdade, como é indicado pelos períodos de tempo de
desenvolvimento que foram incluídos no estudo de Allen & Gorski (1990). Com
efeito, o BST-dspm parece ser menor nas fêmeas do que nos machos a partir dos
14 anos de idade (Allen & Gorski, 1990). A diferenciação sexual
relativamente tardia também foi observada no hipotálamo do porco. O número de
células do núcleo sexualmente dimórfico contendo vasopressina e oxitocina do
hipotálamo do porco aumenta nas fêmeas pós-adolescentes mas não nos machos (Van
Eerdenburg & Swaab, 1994).
Estudos recentes também mostraram que diversas regiões no
cérebro humano e primata adulto produzem continuamente novos neurónios e mudam
no volume das matérias branca e cinzenta (Eriksson et al., 1998; Gould et al.,
1999; Gur et al., 1999; Sowell et al., 1999). Além disso, mudanças morfológicas
marcadas no cérebro humano, incluindo a diferenciação sexual, podem não estar
limitadas à infância mas estender-se até à idade adulta.
Existem diversas explicações possíveis para a falha de uma
diferença sexual no volume do BST logo após surgirem as diferenças sexuais fetais
e neonatais nos níveis de testosterona. Os efeitos organizacionais da
testosterona sobre a diferenciação sexual podem tornar-se claros mais tarde na
vida. Um exemplo de uma longa demora nos efeitos organizacionais dos esteróides
gonadais é o desenvolvimento do núcleo periventricular anteroventral (AVPv)
sexualmente dimórfico no cérebro da ratazana, o qual é maior nas fêmeas do que
nos machos. Apesar das diferenças sexuais perinatais na testosterona provocarem
esta diferença sexual no tamanho do AVPv, o seu volume torna-se apenas
significativamente diferente aproximadamente na puberdade (Davis et al., 1996).
Alternativamente, é provável que as diferenças sexuais nos níveis de esteróides
gonadais peripubertais ou adultos estabeleçam a diferença sexual no volume do
BSTc na idade adulta. Embora os androgénios e os estrogénios na puberdade
provoquem o desenvolvimento das características sexuais secundárias nas
estruturas periféricas do corpo, não existem dados sobre efeitos similares
sobre as estruturas do cérebro humano.
Contudo, dados provenientes de seis casos relatados em
estudos anteriores sugerem que o volume do BSTc, tal como delineado pela
coloração imunocitoquímica de VIP ou somatostatina, não é afectado por aumentos
ou diminuições acentuados nos níveis de esteróides gonadais na idade adulta.
Assim, um tamanho feminino normal do BSTc foi descoberto numa fêmea controle
com níveis de androgénios aumentados e em duas fêmeas controle pós-menopausa
com baixos níveis de esteróides gonadais. Além disso, um tamanho masculino
normal do BSTc foi descoberto num macho controlo com elevados níveis de
estrogénios provocados por um tumor adrenal feminilizante e em dois machos
controle que foram orquidectomizados como resultado de cancro da próstata. A
possibilidade de que mudanças dependentes dos esteróides gonadais na expressão
de VIP ou do neuropeptido somatostatina estejam na base das mudanças do volume
do BSTc, tal como na área preóptica da codorniz (quail), na amígdala medial do
rato e na amígdala humana (Panzica et al., 1987; Giedd et al., 1996; Cooke et
al., 1999), não é apoiada por esses seis casos que revelam mudanças acentuadas
nos níveis de esteróides gonadais, embora o volume do seu BSTc seja normal para
o seu género (Zhou et al., 1995; Kruijver et al., 2000).
Além das acções directas dos esteróides gonadais sobre o
BSTc, a emergência tardia de diferenças sexuais no volume do BSTc pode
reflectir mudanças sexualmente dependentes relativamente tardias nas áreas do
cérebro que abastecem o BST com a sua inervação VIP-IR, tais como a amígdala
(Eiden et al., 1985), a qual aumenta de tamanho numa proporção maior nos machos
do que nas fêmeas entre os 4 e os 18 anos de idade (Giedd et al., 1996). Embora
as diferenças sexuais nos esteróides gonadais constituam o factor mais provável
para desencadear a diferenciação sexual do BSTc e da áreas que inervam o BSTc,
Chung et al. (2002) não excluem a acção de mecanismos independentes dos
esteróides gonadais sobre a diferenciação sexual do cérebro, tais como uma
expressão local de genes do sexo cromossómico (Reisert & Pilgrim, 1991). Um
gene candidato para um tal efeito é o gene SRY, o qual foi revelado ser
transcrito no hipotálamo humano adulto e no córtex dos machos mas não nos das
fêmeas (Mayer et al., 1998).
Assim, tendo em consideração todos estes estudos, a nossa
perspectiva sobre a relação entre o volume do BSTc e a sua diferenciação sexual
tardia e a transexualidade torna-se mais segura. Com efeito, os transexuais
recebem a sua primeira consulta entre as idades de 20 e 45 anos, as quais
coincidem com o período de divergência sexualmente dependente do volume do BSTc
descoberto nos estudos de Chung et al. (2002) e de Van Kesteren et al. (1996).
No entanto, estudos epidemiológicos mostram que a consciência de problemas de
género está geralmente presente muito precocemente. Com efeito, 67-78 % dos
transexuais na idade adulta relatam terem tido fortes sentimentos de terem
nascido num corpo errado desde a infância (Van Kesteren et al., 1996), o que
apoia o conceito de que os distúrbios nos níveis de esteróides gonadais fetais
ou neonatais estão na base do desenvolvimento da transexualidade. Além disso,
as observações de que o uso de fenobarbital (phenobarbital) ou difantoin
(diphantoin) durante a gravidez, os quais afectam os níveis dos esteróides
gonadais, aumenta a prevalência de transexualidade nos recém-nascidos, suportam
este conceito (Dessens et al., 1999).
Assim, as raparigas que foram expostas a níveis elevados de
androgénios enquanto crianças por causa da hiperplasia adrenal congénita
revelam uma elevada incidência de problemas de género, o que fornece suporte
empírico para o conceito de uma programação de desenvolvimento precoce desta
desordem (Meyer-Bahlburg et al., 1996; Zucker et al., 1996). A falha da
diferenciação sexual acentuada do volume do BSTc no estudo de Chung et al.
(2002) antes do nascimento e na infância não impede certamente os efeitos
precoces dos esteróides gonadais sobre as funções do BSTc. Tal como sugerem as
experiências com animais de laboratório, os níveis de testosterona fetais ou
neonatais nos seres humanos devem primeiramente afectar a densidade sináptica,
a actividade neuronal ou o conteúdo neuroquímico durante o desenvolvimento
precoce do BSTc (Döhler, 1991; Park et al., 1997). As mudanças nestes parâmetros
devem afectar o desenvolvimento da identidade de género, sem implicar
imediatamente mudanças abertas no volume ou no número de neurónios do BSTc.
Alternativamente, é necessário levar em conta que as mudanças no volume do BSTc
nos transexuais macho-para-fêmea podem ser o resultado de uma incapacidade para
desenvolver uma identidade de género tipicamente masculina. As descobertas de
Chung et al. (2002) de uma diferença sexual no volume do BSTc somente visível
na idade adulta sugerem que as mudanças organizacionais sexualmente dependentes
da estrutura do cérebro não se limitam ao desenvolvimento precoce mas
estendem-se até à idade adulta.
A evidência empírica disponível suporta o conceito de que a
região central do BST está associada à identidade de género: o sentimento de
ser macho ou fêmea. Este núcleo sexualmente dimórfico é maior nos machos do que
nas fêmeas, independentemente das suas orientações sexuais. Contudo, o seu
tamanho reduzido nos transexuais macho-para-fêmea, semelhante ao das mulheres, indica
claramente essa associação à identidade de género. Ele pode constituir a base
neural das perturbações de identidade de género. A transexualidade é
precisamente o sentimento de desconforto com o próprio sexo biológico ou com o
papel de género correspondente.
Carol Ringo & Peter Ringo (2002) mostraram que os mass
media podem desempenhar um papel fundamental e positivo no desenvolvimento da
identidade transexual e naidentidade transgender. Machos heterossexuais e
homossexuais partilham assim o mesmo sentimento íntimo de si mesmos como
homens. Designaremos o transexualismo como uma «two-spirit syndrome» ou
síndrome transexual, cujos pacientes devem ser alvo de cuidados médicos e de
acompanhamento psiquiátrico adequado.
Em fase dos resultados expostos, conjecturamos que a própria
existência da transexualidade advoga fortemente a favor do conceito de que a
identidade sexual ou de género não é necessária e exclusivamente determinada
por experiências de vida. A maioria dos transexuais pertencentes ao grupo primário
simplesmente não possui histórias de experiências traumatizantes,
relacionamentos ou doenças que pudessem explicar um tão radical afastamento da
convencionalidade. E os transexuais não são destituídos de capacidades
intelectuais, já que, pelo menos, um grande número deles conseguem persuadir um
cirurgião a remover-lhes o pénis. Dado que já conhecemos um dos marcadores
biológicos da transexualidade, o núcleo sexualmente dimórfico, começamos a
compreender os mecanismos de desenvolvimento subjacentes à identidade sexual.
Neste momento, o tamanho reduzido do BSTc dos transexuais, bem como a ausência
de diferença sexual entre homens heterossexuais e homossexuais, não permite a
sua inclusão numa classificação das homossexualidades.
Apesar de os ter incluído na sua tipologia dos travestismos
masculinos, onde integra erroneamente a homossexualidade efeminada, Robert J.
Stoller (1982) acaba por reconhecer que não existem semelhanças significativas
entre os dois grupos, a não ser o uso ocasional de roupas femininas por parte
de uma minoria de homossexuais efeminados: os transexuais primários e os
homossexuais efeminados. As diferenças entre eles são abismais: o transexual
não é efeminado como o homossexual efeminado mas simplesmente feminino. Por
outro lado, o homossexual efeminado sabe que prefere homens como objectos
sexuais, aprecia virtualmente ter um pénis, não deseja perdê-lo, usa-o sempre
que possível em todos os tipos de situações sexuais e aprecia relações sexuais
com homens que, em troca, demonstrem interesse pelo seu pénis. Ora, cada um
destes indicadores comportamentais, sobretudo o último, constituem um anátema
para os transexuais primários.
Além disso, os homossexuais efeminados, sobretudo os do tipo
maricas, que têm grande propensão para o travestismo, acabam, por diversas
razões, por se prostituir, sendo posteriormente levados a submeter-se à
cirurgia da mudança de sexo. Este grupo constitui aquilo a que chamámos os
transexuais secundários, a maior parte deles oriundos, pelo menos em Portugal e
no Brasil, das classes sociais desfavorecidas, onde a instrução e a educação
são mínimas, e, geralmente, propensos à prostituição, estilo de vida
sexualmente promíscuo e abuso de drogas (Inciardi et al., 1999), além de
problemas de saúde graves (Gooren, 1999). No entanto, não é de excluir a
possibilidade de muitos daqueles indivíduos que classificámos como homossexuais
hiperefeminados sejam realmente transexuais genéticos.
Embora a nossa pesquisa de terreno tenha incidido sobretudo
sobre os homossexuais masculinos e femininos, no seu decorrer confrontamo-nos
com alguns casos de transexualismo. Destes casos apenas dois parecem ser
verdadeiramente transsexuais: um transexual macho-para-fêmea homossexual e
outro transexual fêmea-para-macho homossexual. Os restantes são claramente
casos de pseudo-transexualismo: indivíduos do sexo masculino cuja orientação
sexual era homossexual e que, devido a diversas pressões e a uma história de
vida altamente estigmatizante, se submeteram a diversos tratamentos, nalguns
casos à mudança de sexo, para se converterem em «fêmeas». Os machos
homossexuais que se transformam em transexuais seguem geralmente o seguinte
padrão: embora a maior parte deles tenda a ser do tipo efeminado, quer sejam
efeminados ou masculinizados, eles começam por ser travestis e, a partir desse
momento, são alvo da crítica homossexual.
Segregados da comunidade homossexual dominante, eles
continuam a frequentar os «meios homossexuais», ao mesmo tempo que, como grupo,
se dedicam à prostituição. A dinâmica de grupo, bem como o seu estilo de vida,
leva-os a querer mudar de sexo: além de se vestirem e de se comportarem como
«mulheres», uns fazem tratamentos hormonais e outros, mais arrojados,
submetem-se a cirurgia de mudança de sexo. Compreende-se que um «cérebro feminino
prisioneiro num corpo masculino» queira ter um corpo conforme ao seu cérebro,
mas o mesmo já não pode ser dito dos machos homossexuais que não apresentam
nenhuma disfunção sexual aparente. O seu cérebro até pode ser feminino nalgumas
características sexualmente dimórficas, mas os seus órgãos sexuais funcionam e
são usados como fonte de prazer sexual. A prova está num dos casos: um
indivíduo que, antes do travestismo e do transexualismo, se casou
heterossexualmente e teve um filho! Seja como for, os estudos revelam que os
machos homossexuais, tal como os machos heterossexuais, têm uma identidade de
género adequada ao sexo: a via de desenvolvimento masculino é, também neste
sentido, semelhante entre os homens homossexuais e heterossexuais.
Hoje, dado já conhecermos alguns genes associados ao
transexualismo (Henningsson et al., 2005), o estudo destes indivíduos pode vir
a facilitar a nossa compreensão da orientação sexual, especialmente da
homossexualidade, recorrendo igualmente a outros modelos animais, nomeadamente
o do carneiro (Roselli et al., 2002). A pesquisa genética (Henningsson et al.,
2005) confirmou a existência de 3 polimorfismos associados ao transexualismo: o
gene receptor dos androgénios, o gene da aromatase e, sobretudo, ogene receptor
dos estrogénios (Erbeta). Daqui resulta que esta categoria sexual não pode ser
integrada no âmbito da homossexualidade masculina.
Disponível em
<http://cyberdemocracia.blogspot.com.br/2008/03/crebro-e-genes-dos-transexuais.html>.
Acesso em 17 mar 2013.