Mente Cérebro
fevereiro de 2014
O cérebro adolescente se encaixa de maneira bastante
conveniente no mito de que, nessa fase da vida, as pessoas são intrinsecamente
incompetentes e irresponsáveis. O psicólogo G. Stanley Hall contribuiu para a
disseminação dessa ideia com a publicação de seu livro em dois volumes
Adolescência, em 1904. Hall foi enganado tanto pela crise de seus tempos quanto
por uma teoria popular da biologia que mais tarde se provou equivocada.
Ele testemunhou uma revolução industrial e a imigração
maciça que colocou centenas de milhares de jovens nas ruas de cidades
americanas. O psicólogo acreditava na “recapitulação”, uma teoria da biologia
segundo a qual o desenvolvimento individual (ontogenia) necessariamente imita o
desenvolvimento da espécie (filogenia). Para Hall, a adolescência foi a
reconstituição de uma fase “selvagem”, necessária e inevitável da evolução
humana – embora na década de 30 a teoria da recapitulação passasse a ser
reconsiderada e vista com ressalvas.
É fato que hoje adolescentes exibem alguns sinais de
aflição. É fato que os jovens estão expostos a riscos – de depressão a
comportamentos de risco (no contato com as drogas, tanto proibidas quanto
liberadas, no trânsito e na vida sexual, por exemplo). Mas há algo intrínseco
ao cérebro desses rapazes e garotas que de fato seja um risco para eles mesmos
e para os outros? Podemos pensar que se esse fosse um “fenômeno universal do
desenvolvimento” provavelmente haveria turbulência desse tipo em todo o mundo
nessa fase da vida. E não é bem assim.
Em 1991, a antropóloga Alice Schlegel, da Universidade do
Arizona, e o psicólogo Herbert Barry III, da Universidade de Pittsburgh,
avaliaram pesquisas sobre adolescentes em 186 sociedades pré-industriais. Eles
chegaram a várias conclusões interessantes. Uma delas foi que 60% dessas
culturas não tinham em seus vocabulários a palavra “adolescência”. Outra
constatação: jovens que passavam quase todo o seu tempo como adultos quase não
apresentavam sinais de psicopatologia e comportamentos antissociais.
Ainda mais significativo: uma série de estudos de longo
prazo iniciada na década de 80 pelos antropólogos Beatrice Whiting e John
Whiting, da Universidade Harvard, sugere que problemas com adolescentes
começaram a aparecer em outras culturas logo após a introdução de certas
influências ocidentais, especialmente educação de estilo ocidental, programas
de televisão e filmes. De forma consistente com essas observações, muitos
historiadores notaram que durante a maior parte da história humana a
adolescência foi um tempo relativamente pacífico de transição para a vida
adulta. Os jovens não estavam tentando romper com adultos – a prioridade era
aprender a se tornar adulto.
Disponível em
http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/problematicos__nem_sempre___.html.
Acesso em 29 jul 2014.