EFE
06 de Fevereiro de 2014
As mulheres egípcias se uniram contra a mutilação genital
feminina para sensibilizar o país sobre um costume nocivo que continua a ser
praticado pelas costas das autoridades e que muitos justificam como um dever
religioso.
Uma campanha lançada por várias organizações egípcias, em
lembrança à celebração nesta quinta-feira do Dia Internacional da Tolerância
Zero Contra a Mutilação Genital Feminina (também chamada de ablação), pretende
erradicar de uma vez por todas dramas como o vivido pela jovem Wafae
Abdel-Rahman.
"Eu não quero que minhas filhas passem pelo que eu
sofri. Isso, se algum dia tiver filhos, porque tenho medo ter relações sexuais
com o homem com o qual me casei, acho que não conseguirei cumprir meu papel de
esposa com ele", lamentou Wafae em entrevista à agência EFE.
Wafae, hoje uma mulher de 26 anos, teve que passar, pelas
mãos de um parente médico, pela extirpação dos genitais externos quando era uma
adolescente de 14 anos, porque sua mãe os considerou "muito grandes".
Apesar de viver com medo do que sentirá quando se ver
"nua diante de um homem", como ela mesma explicou, relatou com
firmeza todo o processo que foi obrigada a viver.
"Lembro como meu pai dizia para minha mãe que não era
preciso praticar a ablação, que ainda era pequena e não era necessário, mas ela
o mandou ficar quieto, se dirigiu ao médico e ordenou sem remorsos:
'Corte'", contou Wafae, que confessou odiar seu corpo que, diz, ficou
destroçado desde aquele dia.
O Centro Canal para Estudos de Formação e Pesquisa é o
responsável, junto com outras associações civis egípcias, por esta campanha,
que considera inconcebível que o Egito seja um dos países com maior número de
mutilações genitais no mundo.
"Queremos que as mulheres falem e contem suas histórias,
temos dezenas de meninas que contam sua experiência por diferentes cidades do
país porque é preciso deixar claro que não há nenhum texto religioso que
defenda a mutilação genital feminina", advertiu Omnia Arki, porta-voz da
ONG.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o dia 6 de
fevereiro como o Dia Mundial da Tolerância Zero contra a Mutilação Genital
Feminina, por considerar essa prática "nociva e uma violação dos direitos
básicos das meninas e das mulheres".
No Egito já há leis que penalizam a ablação, mas "isso
não será útil até que se consiga sensibilizar as pessoas que vivem arraigadas a
essas crenças", disse Tareq Anis, presidente da Sociedade Pan-Árabe de
Medicina Sexual e professor de sexologia na Universidade do Cairo.
Em junho de 2008, por causa da morte de uma adolescente que
sofreu complicações após ser submetida à mutilação genital, a prática passou a
ser crime previsto no Código Penal egípcio com penas de prisão de três meses a
dois anos de prisão, e multas de até US$ 800.
"Passei três dias com as pernas abertas, sem conseguir
me mexer, e ainda hoje lembro perfeitamente como foi esse momento. Me afetou
sexual, emocional, social e pessoalmente, e principalmente a minha relação com
os outros", lembrou Wafae.
Os dados indicam que a prática começa a diminuir entre
meninas e mulheres da nova geração, mas os especialistas se queixam que o
número continua sendo muito alto e pedem que se sensibilize sobre esta prática
cultural, e não religiosa, advertem.
"Ainda há gente que pensa que isto é algo religioso e
não é assim, é questão de cultura e de tradição. No Egito é praticada por
muçulmanos e cristãos, enquanto na Arábia Saudita, Indonésia ou Malásia,
certamente nem nunca ouviram falar sobre mutilação genital feminina",
explicou Anis.
O sexólogo acrescentou que, até pouco mais de três anos, o
número de mulheres que sofria a ablação chegava aos 98% no Egito, mas hoje,
garante, já se pode falar em 80%.
Os especialistas estão de acordo que a regulação da prática
deve ser acompanhada de educação sobre as graves consequências da mutilação
genital, que reduz o desejo sexual das mulheres e não tem nenhuma utilidade
médica.
Os últimos dados oficiais, de 2008, comprovam que 91,1% das
mulheres com idades entre 15 e 49 anos sofreram a amputação do clitóris, o que
deixa o Egito em quarto lugar entre os 29 países que realizam habitualmente a
prática.
Estes números apavorantes acompanham a denúncia de Wafae,
que ainda tem "medo das relações sexuais quando as tiver. Tenho pesadelos
porque não saberei como me comportar, como ser com meu marido, tenho medo do
fracasso em minha vida amorosa".
Disponível em
http://noticias.terra.com.br/mundo/africa/egipcias-se-unem-contra-rito-da-mutilacao-genital-que-atinge-90-delas,496ec37340204410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html.
Acesso em 10 fev 2014.