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sábado, 8 de novembro de 2014

Transexualidade: entre os discursos jurídico e médico

Ábiner Augusto Mendes Gonçalves
Revista PADÊ -  v. 1, n. 1 (2006)


Resumo: O estudo das questões da transexualidade se justifica devido a carência de mecanismos legítimos que regulamentem a cirurgia de mudança de sexo, sendo necessário preencher essa lacuna legislativa para se oportunizar direitos negados a esta parcela da população, permitindo um acesso mais fácil à saúde, ao mercado de trabalho e à cidadania plena. É através do discurso jurídico do silenciamento e do discurso clínico (realizado sobre os corpos), que a divisão binária masculino/feminino da sociedade segundo o sexo torna-se evidência e a construção desta divisão biológica, enquanto valor distintivo, não é questionada, já que natural. Desta maneira, o binômio sexo/gênero se traduz de maneira implícita e natural em uma sexualidade cuja capacidade para a reprodução desenha os contornos e as funções sociais de um corpo sexuado e instala, então, a imagem da verdadeira mulher e do verdadeiro homem, lócus e estratégia do poder social sobre mulheres, homossexuais e transexuais.



terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Machismo: pesquisa mostra que brasileiros ainda querem uma 'Amélia'

Danielle Barg
06 de Dezembro de 2013

O machismo no Brasil é um tema que volta e meia está no topo das discussões: quando se pensa que avançamos neste aspecto, logo aparece alguma novidade para provar o contrário. E enquanto muita gente pensa que alguns conceitos ficaram lá no século passado, uma pesquisa vem trazendo dados preocupantes dentro deste cenário.

O instituto Avon apresentou esta semana os resultados do estudo Percepções dos homens sobre a violência doméstica contra a mulher. O tema machismo foi abordado em diversas questões, uma vez que o comportamento representa um tipo de violência.

Ficou comprovado que muitos deles ainda esperam da mulher o papel de Amélia: servil e pouco ousada. Entre os destaques, estão dados como: 85% dos homens consideram inaceitável que a mulher fique bêbada; 69% não querem que a mulher saia com amigos (as) sem o marido e 46% não gostam que mulheres usem roupas justas e decotadas.

Quando o assunto são as tarefas domésticas, 43% acham que quem deve cuidar da casa é a mulher, enquanto que 89% dos entrevistados consideram inaceitável que a mulher não mantenha a casa em ordem. No campo da sexualidade, 47% deles concordam que o homem precisa mais de sexo do que a mulher.

O Terra conversou com alguns homens para confrontar os dados do estudo.

Álcool, roupas e liberdade

Sair com as amigas, para muitas mulheres, é sinônimo de liberdade e de algumas horas de descontração – longe das obrigações envolvendo trabalho, filhos e casa. Embora alguns homens tenham dificuldade em admitir, o ciúme e o instinto de ‘propriedade’ está presente em muitos relacionamentos.

O gestor ambiental Marcos Flavio, 28, discorda. “Dentro de uma razoabilidade moral, não sendo ridículo, nem expondo a intimidade, creio que uma roupa decotada, combinando, seja sim bonito”, analisa.

Já quando o assunto é o álcool, rejeitado por 85% dos homens da pesquisa, as opiniões são divergentes. Diego Rodrigues, 28, executivo, acredita que é aceitável uma mulher ficar bêbada, mas com uma ressalva. “Desde que não seja uma coisa frequente, ou em situações em que não convém.”

O gestor operacional Robson Leandro da Silva discorda. “E daí que a mulher ficou bêbada? Se fosse o contrário (mulheres achando inaceitável homens bêbados) diriam que é frescura”.

Síndrome de Amélia

O estigma da Amélia, 'que era mulher de verdade’, vem sendo rejeitado ao longo dos anos por muitas mulheres, que hoje em dia têm enorme representatividade no mercado de trabalho. Os homens mais abertos à esta mudança de padrão aceitaram a virada, porém, como comprova a pesquisa, existem muitos que ainda preferem se acomodar no papel de marido provedor – que simplesmente é servido e não assume papéis na vida doméstica.

Com relação ao número de 43% que acham que quem deve cuidar da casa é a mulher, Diego acredita o dado pode estar relacionado às habilidades femininas. "Acho que mulher tem mais bom gosto para cuidar da casa no que diz respeito a móveis, louças, organização.”

Para Matheus, o segredo é o equilíbrio. “Os casais atuais dividem as tarefas e compartilham as coisas boas e ruins de cuidar da casa”, afirma, embora também acredite que “as mulheres são muito mais preocupadas com isso que os homens.”

Robson é contra o número da pesquisa. “Essa divisão não deve existir. Se você divide a casa com alguém, deve dividir as tarefas. A menos que um dos dois tenha por hobby, por exemplo, cozinhar. O que não acredito que aconteça com a questão da limpeza. Felizmente, as mulheres trabalham hoje e não devem assumir as funções de doméstica”, observa.

Sexo

Os hormônios masculinos geralmente são os ‘culpados’ pela aparente maior necessidade de sexo deles. E pelo visto eles concordam, já que 47% pensam desta forma, segundo a pesquisa.

C.R.S., 33, contato comercial, que prefere não se identificar, a informação procede. “O homem é mais sexual do que a mulher. Os homens admitem e as mulheres mais convencionais também. Mas não é palavra, é comportamento, pelo menos sob minha visão.”
Violência doméstica

Os números da violência propriamente dita, revelados pelo estudo, também não são animadores. Entre os mais alarmantes, estão o de que 16% já foram violentos com a companheira, atual ou ex; 56% dos homens já cometerem algum tipo de agressão com a companheira, entre eles, xingamentos (53%), empurrões (19%), tapas (8%).

Além disso, 35% disseram desconhecer a lei Maria da Penha, enquanto que 48% deles não apoia a mulher a buscar a Delegacia de Mulher caso o homem a obrigue a fazer sexo sem vontade.

A pesquisa lembra ainda que a cada 4 minutos uma mulher é vítima de agressão no Brasil e até 70% delas sofrem violência ao longo da vida.


Disponível em http://mulher.terra.com.br/comportamento/machismo-pesquisa-mostra-que-brasileiros-ainda-querem-uma-amelia,77bb0eefc99b2410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html. Acesso em 15 dez 2013.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Um em cada cinco brasileiros sofreu punição física regular na infância

Karina Toledo
29/06/2012

Uma pesquisa realizada em 11 capitais brasileiras revelou que mais de 70% dos 4.025 entrevistados apanharam quando crianças. Para 20% deles, a punição física ocorreu de forma regular – uma vez por semana ou mais.

Castigos com vara, cinto, pedaço de pau e outros objetos capazes de provocar danos graves foram mais frequentes do que a palmada, principalmente entre aqueles que disseram apanhar quase todos os dias.

O levantamento foi feito em 2010 e divulgado este mês pelo Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.

O objetivo da pesquisa, segundo Nancy Cardia, vice-coordenadora do NEV, foi examinar como a exposição à violência afeta as atitudes, normas e valores dos cidadãos em relação à violência, aos direitos humanos e às instituições encarregadas de garantir a segurança.

“A pergunta sobre a punição corporal na infância se mostrou absolutamente vital para a pesquisa. Ao cruzar esses resultados com diversas outras questões, podemos notar que as vítimas de violência grave na infância estão mais sujeitas a serem vítimas de violência ao longo de toda a vida”, disse Cardia.

A explicação mais provável para o fenômeno é que as vítimas de punição corporal abusiva na infância têm maior probabilidade de adotar a violência como linguagem ao lidar com situações do cotidiano.

“A criança entende que a violência é uma opção legítima e vai usá-la quando tiver um conflito com colegas da escola, por exemplo. Mas, ao agredir, ele também pode sofrer agressão e se tornar vítima. E isso cresce de forma exponencial ao longo da vida”, disse Cardia.

Os entrevistados que relataram ter apanhado muito quando criança foram os que mais escolheram a opção “bater muito” em seus filhos caso esses apresentassem mau comportamento. Também foram os que mais esperariam que os filhos respondessem com violência caso fossem vítimas de agressão física na escola. Segundo os pesquisadores, os dados sugerem um ciclo perverso de uso de força física que precisa ser combatido.

Os resultados foram comparados com levantamento semelhante de 1999, realizado pelo NEV nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Porto Velho e Goiânia. No levantamento de 2010, a capital Fortaleza também foi incluída.

Embora o percentual dos que afirmam ter sofrido punição física regular tenha diminuído na última década – passando de um em cada quatro entrevistados para um em cada cinco –, ainda é considerado alto.

A pesquisa mostrou também que a percepção da população sobre crescimento da violência diminuiu, passando de 93,4% em 1999 para 72,8% em 2010. No último levantamento, porém, foi maior a quantidade de entrevistados que disse ter presenciado em seus bairros uso de drogas, prisão, assalto e agressão.

De modo geral, houve uma melhora na avaliação das instituições de segurança. O Exército apresentou um aumento expressivo de 55,2% em 1999 para 66,6% em 2010. A aprovação da Polícia Federal saltou de 42% para 60%. O índice de aceitação da Polícia Militar, a mais mal avaliada, passou de 21,2% para 38%.

Penas e prisões

Um achado considerado preocupante pelos pesquisadores foi o crescimento da tolerância ao uso de violência policial contra suspeitos em determinados casos. O número de pessoas que discorda claramente da tortura para obtenção de provas caiu de 71,2% para 52,5%, o que significa que quase a metade dos entrevistados (47%) toleraria a violência nessa situação.

Também caiu o percentual dos que discordam totalmente que a polícia possa “invadir uma casa” (de 78,4% para 63,8%), “atirar em um suspeito” (de 87,9% para 68,6%), “agredir um suspeito” (de 88,7%, para 67,9%) e “atirar em suspeito armado” (de 45,4% para 38%).

Quando questionados sobre qual seria a punição mais adequada para delitos considerados graves – entre eles sequestro, estupro, homicídio praticado por jovem, terrorismo, tráfico de drogas, marido que mata mulher e corrupção por político –, muitos entrevistados defenderam penas que não fazem parte do Código Penal brasileiro, como prisão perpétua, pena de morte e prisão com trabalhos forçados.

A pena de morte foi mais aceita em casos de estupro (39,5%) e a prisão com trabalhos forçados foi mais defendida para políticos corruptos (28,3%).

“Já esperávamos que a população apoiasse penas mais duras por causa da frustração que existe em relação à impunidade. O conjunto das respostas indica que as pessoas consideram as prisões como um depósito”, avaliou Cardia.

Para a maioria dos entrevistados, a prisão é percebida como pouco ou nada eficiente tanto para punir (60,7%) e reabilitar (65,7%) criminosos como para dissuadir (60,9%) e controlar (63%) possíveis infratores. Essa questão foi avaliada apenas na pesquisa de 2010.

Outro aspecto da pesquisa considerado negativo por Cardia foi a baixa valorização de direitos democráticos como liberdade de expressão e de oposição política.

Mais de 42% dos entrevistados concordam totalmente ou em parte que é justificável que o governo censure a imprensa e 40% aceitam que pessoas sejam presas por posições políticas, com a finalidade de manter a ordem social. Para 40,4%, o país tem o direito de retirar a nacionalidade de alguém por questões de segurança nacional.

“Esperávamos que, 30 anos após o fim da ditadura, os valores da democracia tivessem 70% ou 80% de aprovação, mas isso não ocorreu. Além disso há focos muito pouco democráticos que sobrevivem, como o apoio à tortura. Há resquícios do pensamento de que degredo é legítimo e pode ser aplicado no século 21. É chocante”, disse Cardia.


Disponível em http://agencia.fapesp.br/15812. Acesso em 22 jun 2013.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Brasileiros preferem casar com pessoas da mesma cor

Amanda Previdelli
17/10/2012 10:17

O Brasil não é tão miscigenado quanto se pensa. No país, pessoas brancas preferem casar com brancas, negras com negras, asiáticas com asiáticas, pardas com pardas e indígenas também preferem se unir com indígenas. Pelo menos é o que aponta pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O Censo Demográfico de 2010 - "Nupcialidade, fecundidade e migração", divulgado hoje pelo IBGE, mostra que, entre os brancos, por exemplo, 73,7% dos homens em uma união estável se relacionam com mulheres brancas. 21,1% deles são casados com pardas, 4,6% com negras e apenas 0,5% com asiáticas (o percentual de brancos casados com indígenas é muito baixo: só 0,1%).

Não são só os brancos que preferem “casar entre si” – o fenômeno se repete em todas as outras raças. Entre pardos e indígenas, casamentos intrarraciais são bastante comuns. 68,1% das pessoas pardas são casadas com outra da mesma cor, 24,4% são casadas com brancas e apenas 6,8% com negras.

Entre os indígenas, 64,6% têm casamentos intrarraciais.

No caso de negros em relacionamentos estáveis, 50,3% têm como companhia uma pessoa negra, 25,5% se casaram com brancas e 22,9% com pardas. Os homens da “cor amarela”, segundo a pesquisa do IBGE são os que mais se unem com mulheres de outra cor ou raça: 38,8% são casados com mulheres asiáticas, mas 29,2% se casaram com pardas, 22% com brancas e 9,8% com mulheres negras (o percentual que se casou com indígenas é baixo, mas ainda o maior dentre não-indígenas: 0,3%).


branca
negra
amarela
parda
indígena
branco
75,3%
3,6%
0,6%
20,4%
0,1%
negro
26,4%
39,9%
1,4%
32,1%
0,2%
amarelo
24%
6,8%
44,2%
24,7%
0,3%
pardo
26,1%
3,9%
0,9%
69%
0,1%
indígena
16,6%
3,1%
1%
13,9%
65,4%
Disponível em <http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/brasileiros-preferem-casar-dentro-da-propria-etnia?utm_source=newsletter&utm_medium=e-mail&utm_campaign=news-diaria.html>. Acesso em 20 out 2012.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Cresce número de brasileiros gays no exterior que pedem asilo alegando homofobia

Janaina Garcia
04/04/2012

Os pedidos de asilo político feitos por brasileiros gays que vivem no exterior passaram de três, em todo o ano de 2011, para 25 apenas nos três primeiros meses deste ano. A informação é da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais), que afirma ter remetido os casos à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

De acordo com o presidente da entidade, Toni Reis, os pedidos se referem a tentativas de asilo principalmente em países como Estados Unidos e Canadá, e ganharam força após notícias de violência contra homossexuais  em cidades brasileiras como São Paulo –onde diversos casos foram notícia, ano passado, sobretudo com a avenida Paulista de palco das agressões.

Segundo Reis, apesar de remeter à SDH os casos que chegam, a própria associação ainda não assumiu um posicionamento formal sobre esses pedidos. O motivo, diz ele, é a possibilidade de que parte dos autores desses pedidos se valham de casos recentes de violências contra homossexuais no Brasil como escudo a tentativas de asilo político tentados, mas não obtidos.

“Temos cartas de pessoas dizendo que não dá pra viver no Brasil, e sempre com a alegação de homofobia no nosso país. Antigamente endossávamos esses pedidos com um relatório de assassinatos de homossexuais --foram 3.500 ao longo de 20 anos--, além do fundamentalismo religioso de um Bolsonaro da vida”, disse Reis, referindo-se ao deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que provocou a ira dos defensores dos direitos LGBT, ano passado, com declarações polêmicas e consideradas ofensivas.

Para o militante, no entanto, o aumento de pedidos de asilo omite a adoção de políticas públicas específicas ao público LGBT, por exemplo, e a conquista de direitos civis, por meio do poder Judiciário, como a união estável garantida ano passado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

“Sabemos que algumas pessoas usam a questão da homofobia para tentar mesmo o asilo político. E não somos um Irã. Mas também é fato que os homofóbicos estão ‘saindo do armário’, o que torna um absurdo a homofobia ainda não ter sido criminalizada”, defende Reis. “Acho que ainda dá para viver aqui; se piorar, aí a gente vai mesmo ter que sair do país”, completou.

Não criminalização da homofobia

Para a presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Maria Berenice Dias, os pedidos de asilo não são uma novidade -- mas o aumento deles, sim.

A advogada -- uma das pioneiras, no Brasil, em direito homoafetivo -- considera, a exemplo do presidente da ABGLT, que a não criminalização da homofobia é a raiz de iniciativas como essa por parte de brasileiros residentes fora. “A homofobia pais é uma realidade social, e a ausência de uma legislação que a criminalize, por si só, já justifica esses pedidos de asilo”, definiu.

Na opinião da especialista, o avanço das tentativas de asilo não se revela medida extrema, mas, sim, “necessária”. “É medida necessária à medida em que se tem um número muito significativo de violência sem qualquer tipo de repressão. E acho até bom que esses asilos sejam concedidos, pois acabam até expondo o Brasil a um constrangimento --porque o Judiciário avança em termos de reconhecimento de direitos civis, mas na criminalização está difícil de avançar”, constatou a presidente da comissão.

Direitos Humanos

Procurada, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República informou, por meio de nota, que “tem trabalhado para enfrentar a violência homofóbica no Brasil de forma preventiva e repressiva”, seja por meio de campanhas institucionais ou em parcerias com veículos de comunicação, ou por meio de termos de cooperação com as secretarias estaduais de Segurança Pública.

A nota diz ainda que o governo brasileiro “cumpre com as recomendações das Nações Unidas e está realizando o levantamento dos dados de homofobia no Brasil” e ressalta que o cidadão pode denunciar casos pelo telefone 100, 24 horas por dia, anonimamente. Esses dados, continua a SDH, “demonstram que o Brasil desenvolve políticas públicas para que a população LGBT não seja obrigada a sair do país devido a sua orientação sexual”.

Não foram informados, contudo, quais encaminhamentos foram dados a pedidos de asilo que a ONG ABGLT afirma ter repassado à SDH.

Disponível em <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/04/04/cresce-numero-de-brasileiros-gays-no-exterior-que-pedem-asilo-alegando-homofobia.htm>. Acesso em 16 jun 2012.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Brasileiro é falso moralista e duas-caras quando se trata de sexualidade, dizem historiadores

Cléo Francisco
27/04/201207h00

No carnaval, os desfiles das escolas de samba mostram mulheres seminuas a sambar. Emissoras de TV fazem a cobertura dos bailes gays nessa época. Telejornais exibem imagens da folia nos blocos em todo país onde a sensualidade rola solta. Fora do Carnaval, São Paulo celebra a diversidade sexual e vira palco de uma das maiores paradas gay do mundo. Em 2009, a universitária Geisy Arruda teve de sair da faculdade em São Bernardo do Campo (SP) escoltada por policiais e ouvindo xingamentos por usar um vestido considerado justo e curto. A intolerância também frequenta a Avenida Paulista, local cujas câmeras ali instaladas costumam registrar, com frequência, ataques a homossexuais.

"A mesma avenida que abriga uma das maiores paradas gay do mundo é o lugar onde se mata homossexuais. É inadmissível. Somos pessoas de duas caras, falsos moralistas", afirma a historiadora Mary Del Priore, que estuda a sexualidade no Brasil ao longo dos séculos. Mary acaba de lançar o livro "A Carne e o Sangue" (Editora Rocco), que aborda o triângulo amoroso constituído por Dom Pedro I, a Marquesa de Santos e a imperatriz Leopoldina. "D. Pedro dizia que fazia ‘amor de matrimônio’ com Leopoldina e ‘amor de devoção’ com Domitila. Do sangue nobre cuidava a mulher, que lhe dava os filhos e era a matriz. O prazer era com a outra. A imperatriz era muito religiosa e tinha horror ao sexo. A marquesa, ao contrário. E D. Pedro era um inconsequente machista, que teve dezenas de amantes", conta Mary.

Segundo a historiadora, o papel da igreja na formação da nossa sociedade no século 19 ajudou a formar essa dupla moral. "A casa tinha de ser o exemplo da sagrada família de Maria, José e Jesus, voltada para os valores mais altos que preconizava a igreja católica. A igreja consagra o matrimônio como obrigatório. Mais do que isso: o sexo dentro do casamento tinha de ser higiênico e a única preocupação era a reprodução". De acordo com a pesquisadora, a igreja regulamentava inclusive o que deveria acontecer entre quatro paredes.

“Os beijos eram condenados. Os padres confessores perguntavam o que as pessoas faziam no quarto e reprovavam todo tipo de toque no corpo com objetivo de ter prazer. A posição da mulher sobre o homem era contrária à lei divina. E ficar de quatro seria uma forma de animalizar o ato. Esse casamento sem prazer vai incentivar o sexo prazeroso fora de casa", declara a historiadora. E ela inclui outro exemplo da ambiguidade moral do brasileiro: as pornochanchadas da década de 70. "Há vários estudos que mostram que esse foi um momento de revolução sexual. Mas uma característica comum nesse tipo de filme é que o homem que pega todo mundo está sempre atrás de uma virgem. E a prostituta sonha com casamento de véu e grinalda. No Brasil, a mulher sempre teve de ser pura, virgem, não saber de sexo. Isso depunha contra o sexo feminino até pouco tempo", comenta Mary.

Homossexuais são assassinados e mulheres mentem sobre parceiros

O preconceito contra as mulheres que praticam sexo livremente permanece, segundo Mirian Goldenberg, antropóloga e professora na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).  "Estive na Suécia fazendo pesquisas sobre as mulheres. Lá, elas não são julgadas pelo comportamento sexual, se teve 20 parceiros ou um. Aqui as meninas mentem. Elas me dizem que se falarem que tiveram mais de três parceiros não arrumam namorados. E olha que estou falando de jovens que estudam ciências sociais", diz Mirian, que acrescenta: "No Brasil,  ter marido e constituir família é de um valor enorme para a mulher. Numa cultura assim, é difícil ter liberdade sexual. Conheço algumas que têm medo do porteiro do prédio. Homem entra com dez mulheres no apartamento sem nenhum problema. Elas não fazem isso. Esse tipo de preconceito afeta o cotidiano  e já deveria para ter acabado", afirma a antropóloga que estuda a sexualidade na classe média carioca desde 1988 e é autora dos livros "Toda Mulher é Meio Leila Diniz"  e "Por Que Homens e Mulheres Traem?" (Edições BestBolso).

O preconceito pode assumir formas agressivas e terminar em mortes como mostra o Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais do Grupo Gay da Bahia. De acordo com o documento, em 2011, ocorreram 266 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no país. Isso significa um aumento 118% desde 2007, quando foram registrados 122 casos. Esses números foram obtidos através de pesquisas em jornais, internet e notificação de pessoas ligadas às vítimas.

Embora os dados alertem para a violência cometida contra esses grupos, mostram também uma mudança social, de acordo com Sérgio Carrara, professor de antropologia do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e coordenador do Centro Latino Americano Em Sexualidade e Direitos Humanos. "Acho uma modificação importante no cenário a maior visibilidade que os crimes homofóbicos estão tendo na mídia. Começa-se a discutir e reconhecer a existência dessa situação. Vivemos um processo histórico, onde está se exigindo respeito e reconhecimento. Mas isso produz reações e situações de conflito de moralidades distintas", comenta o professor.

Para o psiquiatra e sexólogo Ronaldo Pamplona da Costa, a ignorância está na raiz do problema. "Todo preconceito com relação à sexualidade é baseado na falta de conhecimento sobre o assunto. De uns anos para cá, começou a ser tratado como impróprio mostrar preconceitos sobre sexualidade. As pessoas passaram a posar de conhecedores ou liberais quando nem entendem do assunto. Isso resulta no brasileiro falso liberal", diz o médico, autor de "Os Onze Sexos" (Editora Gente), lançado em 1994 no qual abordou os cinco tipos de sexualidade  para homens e mulheres (heterossexualismo, homossexualismo, bissexualismo, travestismo e transexualismo), acrescidos de um  11º grupo chamado de intersexo, onde estão agrupadas pessoas com defeitos físicos internos ou externos na região genital como hermafroditas, por exemplo. "Na época, sabia-se só sobre o heterossexualismo e colocava-se na mesma sacola do homossexualismo todas as outras sexualidades", diz Ronaldo.

Para dar uma ideia do desconhecimento sobre a sexualidade, o médico cita a própria categoria profissional. "Na faculdade de medicina não tem estudo da sexualidade nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Só  como funcionam os órgãos genitais com vistas à reprodução", diz o psiquiatra. "Ninguém nasce preconceituoso. Ao longo da educação as pessoas vão assimilando isso. Um homossexual pode ser preconceituoso em relação à própria sexualidade em alguma medida porque, no geral, fomos criados para sermos heterossexuais",  fala Ronaldo, relatando que, recentemente, atendeu em seu consultório uma jovem universitária que se assumia homossexual, embora não tivesse tido a prática, e que já havia feito amplas pesquisas sobre o tema. "Depois entrou a mãe dela, sozinha, uma mulher com curso superior, dizendo que não aceitava de forma alguma essa situação e que faria tudo para que a filha deixasse de ser homossexual." 

Preconceito: modo de combater

Para que homens e mulheres possam exercer livremente a sexualidade, sem medo de se tornarem vítimas de ataques de qualquer natureza, serão necessárias muitas mudanças, segundo os especialistas.  "Temos liberdade política, mas não somos cidadãos. Democracias requerem esse sentimento. E não temos isso porque não temos educação", diz Mary Del Priore, que ainda faz críticas às mães. "Elas dão no leitinho para o filho homem a superproteção, a homofobia. É uma mulher que adora ser chamada de gostosa, que se identifica com mulher fruta, para quem mulher inteligente é sapatão. É a mãe a figura que transmite esse preconceito e essa dupla cara", diz a historiadora.

Mirian Goldenberg pensa da mesma forma. "O valor da brasileira sempre foi muito associado ao seu corpo, que tem de ser sexy, seduzir. Uma mulher alemã, por exemplo, é poderosa porque tem cargo de chefia, dinheiro, pode decidir, é algo objetivo. O poder da brasileira sempre foi associado à sexualidade dela para a sedução do outro e não para o próprio prazer. Todo o peso do julgamento tem a ver com a imagem corporal que ela constrói", diz Mirian, que acha mais complicado lutar contra o que chama de preconceito invisível.

"As atitudes mais violentas de intolerância acabam indo parar na TV e geram movimento de repúdio. Mas ao nos submetermos mentir no dia a dia, ter medo do julgamento do porteiro, evitar o decote para não sofrer preconceito, nós só o reforçamos", diz Mirian, que cita uma figura famosa por quebrar tabus nos anos 60. "Como Leila Diniz acabou com o estigma da mulher grávida não poder mostrar a barriga? Foi para a praia de biquíni dizendo que a barriga era linda. E hoje todas as gestantes podem fazer isso. Esse preconceito invisível é mais difícil de acabar", diz Mirian.

Para Sérgio Carrara, é possível construirmos uma nova moral sexual. "Temos um processo de conflitos que envolve movimento LGBT, imprensa, sociedade civil, políticos. São forças que querem traçar uma nova moralidade sexual que não seja baseada na discriminação. Mas há também uma reação a isso, seja na forma de violência física ou simbólica. E as escolas são fundamentais nessa construção que deve ser  baseada em liberdade, igualdade e dignidade, na qual a orientação sexual das pessoas diz respeito apenas a elas. Ao considerar esses princípios, os preconceitos e estereótipos tendem a desaparecer."

Disponível em <http://mulher.uol.com.br/comportamento/noticias/redacao/2012/04/27/brasileiro-e-falso-moralista-e-duas-caras-quando-se-trata-de-sexualidade.htm>. Acesso em 30 abr 2012.