Rafael Garcia
31/03/2012
O processo de reformulação do manual mais importante da
psiquiatria está sofrendo cada vez mais influência da indústria farmacêutica,
afirma um novo estudo.
Dentro da força-tarefa responsável pela quinta edição do
livro, o número de pesquisadores que declararam ter conflito de interesses
subiu de 57% para 69%, em relação à quarta edição.
A obra sob crítica é o DSM (Manual de Estatísticas e
Diagnósticos), da APA (Associação Psiquiátrica Americana), que vem sendo
alvejada por criar novos transtornos mentais.
Segundo Lisa Cosgrove, eticista da Universidade Harvard, o
aumento dos laços com o setor privado é uma surpresa, pois a comissão
encarregada de editar o manual impôs novas regras para minimizar o problema.
Na tentativa de evitar que empresas pressionem por
alterações que favoreçam a venda de seus medicamentos, a associação instituiu
que todos os membros da força-tarefa do DSM-5 devem relatar ligações com
laboratórios.
Pesquisadores que atuam como conselheiros em empresas ou que
tenham realizado pesquisas patrocinadas por elas são agora obrigados a revelar
suas ligações.
Sheldon Krimsky, da Univesidade Tufts, que assina o trabalho
com Cosgrove, sugere que a nova política fracassou, pois só "transformou
um problema de 'viés secreto' em um de 'viés aberto'".
Os resultados foram publicados na revista "PLoS
Medicine". O presidente da APA, John Oldham, emitiu um comunicado
questionando o trabalho.
Além de analisar dados sobre os 29 membros da força-tarefa
responsável pelo manual, Cosgrove e Krimsky fizeram um levantamento sobre os
141 pesquisadores que participam dos grupos de trabalho representando sub-áreas
da psiquiatria.
"Três quartos dos grupos de trabalho têm a maioria de
seus membros ligados à indústria", diz o estudo. "Os painéis onde há
mais conflito são aqueles sobre problemas mentais para os quais o tratamento
farmacológico é a intervenção de praxe."
Mudanças nos critérios de diagnóstico de depressão, por
exemplo, podem fazer mais pessoas serem encaixadas no transtorno.
Segundo Cosgrove e Krimsky, o grau de conflito de interesses
pode estar subestimado, pois a APA não exige que psiquiatras revelem
participação nos "bureaus de oradores" de empresas.
Esses profissionais, que fazem apresentações públicas sobre
medicamentos, podem listar essa atividade só como "honorários", sem
especificar do que se trata.
"Quando fizemos uma busca de internet pelos nomes dos
141 integrantes do painel, descobrimos que 15% deles tinham revelado estar em
'bureaus de oradores' ou painéis de conselheiros de farmacêuticas",
escrevem os autores.
Outro lado
O presidente da Associação Psiquiátrica Americana, John
Oldham, nega que os esforços para reduzir a influência da indústria
farmacêutica sobre o manual de diagnóstico DSM tenham redundado em fracasso.
"O artigo de Cosgrove e Krimsky não leva em conta o
nível em que os integrantes da força-tarefa e dos grupos de trabalho do DSM-5
minimizaram ou cortaram suas relações com a indústria", declarou Oldham em
comunicado divulgado pela associação.
"Em 2012, 72% dos 153 integrantes relataram não ter
tido relações com empresas farmacêuticas no ano anterior", afirma ele.
Cosgrove e Krimsky dizem ter consultado versões das fichas
dos psiquiatras que estavam disponíveis no site da força-tarefa de atualização
do manual médico (www.dsm5.org) em 12 de janeiro.
A Associação Psiquiátrica Americana não informa com que
frequência as fichas dos participantes do projeto estão sendo atualizadas. Faltam dados.
Oldham também afirma, porém, que os dados usados no estudo
da dupla na revista "PLoS Medicine" não são suficientes para comparar
as influências da indústria de medicamentos sobre as duas edições do DSM em
questão, a quarta e a quinta. O problema, diz ele, é que as políticas sobre o
tema mudaram muito de lá para cá.
"Na época da publicação do DSM-4, em 1994, nem os
periódicos científicos, nem os simpósios, nem a força-tarefa exigiam que
conflitos de interesse fossem revelados", diz o psiquiatra, sugerindo que
os número antigos podem estar subestimados.
Disponível em
http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1069893-cresce-influencia-da-industria-sobre-manual-de-psiquiatria.shtml.
Acesso em 03 ago 2013.