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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Seminário aborda fragilidade do atendimento de saúde à população trans

Conselho Federal de Psicologia
15/03/2013

O seminário “Identidades Trans e Políticas Públicas de Saúde: Contribuições da Psicologia”, realizado na quinta-feira (14/3), em São Paulo, traçou um panorama importante sobre o nível do atendimento psicológico às travestis, transexuais e transgêneros na rede pública de saúde. A necessidade de mudanças por meio do acolhimento adequado, com orientação e um olhar voltado para a despatologização da transexualidade foi unanimidade entre os representantes das entidades que compuseram a mesa de abertura e a maioria dos participantes.

A transmissão do debate rendeu aproximadamente 700 pontos de acesso de internautas. Cerca de 50 pessoas foram ao auditório do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-06) conferir o evento. A iniciativa foi uma parceria entre o Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-06) e do Espírito Santo (CRP-16), a partir de uma deliberação da última reunião de presidentes de Conselhos Regionais, realizada em dezembro de 2012.

Na abertura, o presidente do CFP, Humberto Verona, ressaltou que a Psicologia tem o desafio de garantir à população trans o respeito à dignidade e o acesso aos serviços públicos de saúde. “Faz parte da nossa obrigação combater todas as formas de discriminação e retrocesso no reconhecimento de todas as sexualidades. Precisamos retirar o estigma de que essa orientação configura uma doença”, observa.

De acordo com a vice-presidente Trans da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Keila Simpson, em relação a identidade trans, o Brasil é semelhante a outros locais da Europa, como Estocolmo e Barcelona. “A realidade deles é a mesma nossa. Não existe inserção trans, parece que é uma população invisível”, destaca. “É um tema que precisa de visibilidade por parte da sociedade, e a Psicologia pode auxiliar nisso”, completa a secretária executiva do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira (Fenapsi), Fernanda Magano.

Durante a cerimônia de abertura, o presidente da Associação Brasileira de Homens Trans (ABHT), Leonardo Tenório, entregou ao presidente do CFP um ofício solicitando uma regulamentação técnica recomendando que o profissional de Psicologia preserve o direito e a autonomia dos transgêneros. “Não é papel do psicólogo (a) opinar sobre mudança de sexo. Os homens trans não vão à psicoterapia, porque a terapia compulsória é absurda nesses casos. Não vamos representar um gênero que não concordamos”, argumenta.

A ausência da representante do Ministério da Saúde, que estava prevista no debate, foi repudiada pelos palestrantes e pelo público presente. O foco das reclamações foi a reformulação da Portaria n.  457/2008, que estabelece diretrizes para o processo transexualizador, elaborada sem a contribuição da Psicologia e dos movimentos sociais envolvidos com o tema.

Atendimento

O debate sobre a forma como a população trans está sendo atendida pelos psicólogos nas unidade de saúde também foi pontuada no debate. Segundo a psicóloga e professora do curso de Psicologia da Fundação Educacional de Penápolis, Sandra Spósito, as concepções médicas que regem o Sistema Único de Saúde não respeitam a diversidade de gênero, apenas como uma situação patológica, ao invés de proporcionar uma ação voltada para saúde mental  dessas pessoas.

Na opinião da a psicóloga doutora Tatiana Lionço, que pesquisa questões relacionadas aos direitos humanos e sexuais, a avaliação psicodiagnóstica atual viola a autonomia do sujeito ao considerá-lo de forma patologizante. “É uma identidade adquirida, onde a pessoa tem autonomia para se identificar como homem ou mulher, sem obedecer a ordem binária”, esclarece. “Para uma avaliação correta, seria preciso avançar na capacitação dos profissionais, especialmente aqueles que atuam nos Centros de Referência”, completa.

A despatologização da identidade trans é um procedimento que consta em documentos internacionais, como o Guia de Boas Práticas para a Atenção Sanitária a Pessoas TRANS, da Espanha. A expectativa, segundo Lionço, é que, em 2015, na revisão da classificação internacional de doenças, a Organização Mundial de Saúde também adote este mesmo conceito em relação ao tema.

Procedimento cirúrgico

Os critérios de entrada e indicação de pessoas para a cirurgia de mudança de sexo são discutidos por equipes multiprofissionais formadas por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. O processo de avaliação psicológica leva, em média, dois anos para ser concluído. É um período difícil, onde muitos chegam sem querer fazer o atendimento e outros desistem no meio do processo. Os motivos vão da abordagem dos profissionais até a demora para a realização do procedimento cirúrgico, cuja fila de espera é enorme na rede pública.

No ambulatório do Hospital das Clínicas de São Paulo, por exemplo, cerca de 600 pessoas aguardam para realizar a avaliação com intuito da redefinição de sexo. “Aproximadamente 70% do público é composto por mulheres trans”, conta a psicóloga Judit Busanello, psicóloga e diretora do ambulatório do Centro de Referencia e Treinamento em DST/AIDS. O centro clínico realiza 12 cirurgias por ano.

Além do tempo de espera, o tratamento dos profissionais é um fator negativo para aqueles vão às unidades de saúde em busca de atendimento. Foi o caso do enfermeiro Edu*, nome social escolhido por ele, que é homem trans. “Foi um choque. Fui destratado e a assistente social marcou uma consulta com uma psiquiatra quatro meses depois da minha visita. Quando fui atendido, a médica me deconsiderou e fazia perguntas grosseiras acerca da minha sexualidade. Parecia um alistamento, e não acolhimento”, indigna-se.

Limites da Psicologia

Conforme a psicóloga Daniela Murta, doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), a atividade psicológica precisa de uma uniformidade na prática. “Não temos que fazer diagnóstico nem avaliação, temos que acolher e orientar. Nosso dever é promover a saúde e a atenção àqueles que procuram auxílio nos centros de referência”, analisa.

Nesse sentido, o psicólogo do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids, Ricardo Barbosa, acredita que entender a questão da transexualidade requer o reconhecimento de um sujeito de grupo. “A autenticidade das pessoas trans não têm lugar na sociedade. Assistimos um acúmulo dessas relações psiquicamente politraumáticas na recontrução de estigmas”, frisa. Se a gente, enquanto psicólogo (a), não reconhece os danos em termos de proposta e prática, acaba por produzir um trabalho que aliena o sujeito, insinuando que o gênero é diagnosticável.

Em relação aos limites e possibilidades da Psicologia em sobre a identidade trans, a psicóloga, psicanalista e doutora em psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Porchat,  ressaltou que, em um primeiro momento, a psicanálise deve ser posta em contato com a realidade trans e ser questionada sobre a construção de gênero em geral.

“O primeiro limite de atuação do psicanalista é a concepção do que significa o outro. É importante essa noção de sujeito para despir os preconceitos, as crenças”, diz Porchat. “Acreditar apenas no masculino e feminino engessa o pensamento para trabalhar com identidades trans. A Psicologia deve construir uma forma de desmontar isso na cabeça das pessoas, o que simboliza um novo e contínuo trabalho”, finaliza a psicóloga.

Nota técnica

O seminário fornecerá subsídios para uma nota técnica que será coordenada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), com a participação dos Conselheiros Regionais de Psicologia,  consultores ah doc e movimento social. O objetivo é construir diretrizes éticas e técnicas à categoria sobre o processo transexualizador e sobre as questões da transexualidade. “É importante que o CFP e os CRPs saibam orientar sobre esse procedimento nas identidades trans no exercício da profissão”, constata o presidente Humberto Verona.

Além do seminário e da nota técnica, outras iniciativas virão, como a  construção  de um série de vídeos sobre a Psicologia e as sexualidades. O objetivo é potencializar a reflexão da profissão com as questões que envolvem as sexualidades na perspectiva dos Direitos Humanos.


Disponível em http://site.cfp.org.br/seminario-aborda-fragilidade-do-atendimento-de-saude-a-populacao-trans/. Acesso em 07 out 2013.