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domingo, 19 de janeiro de 2014

'Sempre me senti mulher', diz transexual que quer mudar certidão

Rayssa Natani
29/11/2013

Quem vê a acreana Anahí Rodrigues segura e bem resolvida aos 19 anos não imagina os obstáculos enfrentados por ela para se sentir feliz e satisfeita com a imagem no espelho. Não se trata dos dramas vividos por muitas mulheres em busca de uma boa aparência, ou de pequenos detalhes no visual que causam insatisfação, trata-se de não se reconhecer no próprio corpo e decidir encarar a transexualidade.

“Ninguém quer ser trans. Vida de trans não é fácil. E a transformação é um risco. Você não sabe se vai ficar bonita, se vai dar certo, nem se vai ser aceita”, diz. A decisão de assumir a identidade feminina, tomada há pouco mais de um ano, significou para ela aprender a lidar com o preconceito e envolve um processo longo de mudanças físicas e acompanhamento psicológico.

“Não é o que você tem entre as pernas que conta"
Anahí Rodrigues

Em busca de uma nova vida como mulher, ela mudou-se em 2012 para São Paulo, onde trabalha como modelo. Na bagagem, levou poucos pertences. “A intenção era recomeçar como Anahi, onde ninguém me conhecesse como homem e, ao mesmo tempo, buscar oportunidades em um lugar onde viver como trans é mais comum e aceitável pela sociedade”, afirma.

Há dois meses, ela entrou em uma briga judicial para alterar o nome e o sexo na certidão, mas sabe que a luta será longa. Entre os vários documentos necessários para juntar ao processo, ela conseguiu o laudo de transexualidade, expedido por um psicólogo. Sem querer comentar sobre uma possível cirurgia de mudança de sexo, Anahí, que também não gosta de falar do passado, ou do nome que ainda consta na certidão, diz que o órgão sexual é o que menos importa.

“Não é o que você tem entre as pernas que conta. Para obter o laudo de trans, o que importou foi a minha rotina. E eu levo uma vida de mulher e sempre me senti uma. Tem trans que não tem uma aparência feminina, mas a cabeça é de mulher e a sociedade não entende isso. Chama de traveco, faz piada, mas não sabe como a pessoa sofre”, comenta.

Infância conturbada

E o sofrimento, segundo Anahi, começa muito cedo.  “Desde os 4 anos eu já sabia que queria ser mulher. Eu me olhava no espelho e via um órgão ali que não combinava com a minha mente. Eu ficava bem confusa”, conta. Já nesta idade, ela dava os primeiros sinais à mãe de que era diferente. “Eu dizia para minha mãe que queria brincar de boneca e usar as roupas e maquiagens dela. Ela brigava comigo. Quando ela saía, eu pegava e usava escondida”, lembra.

Aos 8 anos, ela conta que tomou anticoncepcional na esperança de se transformar em uma menina. “Ouvi falar sobre hormônio feminino na escola a primeira vez. Pensei ‘se isso é hormônio feminino e eu tenho o masculino no meu corpo, então se eu tomar, vai mudar alguma coisa’", relembra.

As lembranças da crise de identidade na infância são muito nítidas. Sentimentos que a jovem reprimiu por muitos anos para não contrariar a mãe, com quem morava. “Meu pai foi embora quando eu era muito novinha e não participou disso. Mas, com medo da reação da minha mãe, me negava a ser o que era. Tentei até namorar uma menina, aos 12 anos, mas nunca senti atração por mulheres”, confessa.

Aceitação

Aos 13, Anahí criou coragem de conversar com a mãe, Tiana Rodrigues, primeiramente sobre a sexualidade. "A reação foi boa, diferente da maioria dos pais. Ela disse que já sabia. Que toda mãe conhece seu filho. Por mais discreta que ela seja", conta.

Tiana confirma. "Eu já sabia, com certeza, desde criança. Toda mãe sabe. Só tem mãe que não quer aceitar", pontua. Ela relembra, com bom humor, situações inusitadas da infância da filha. "Comprava um carrinho, ela chorava e quebrava. Dava uma Barbie 'ai, que felicidade'. Cortava o cabelo curtinho, ela queria arrancar a própria cabeça", brinca.

Mas, a príncipio, Tiana confessa que não foi fácil encarar a realidade. "Eu não queria que ela se vestisse de mulher. Eu acho que até para arrumar um trabalho fica difícil. Eu pensei no que ela poderia sofrer. Preconceito, constrangimentos, pensei no que as pessoas iriam dizer. Mas tem que aceitar. Fazer o que?", admite.

Processo de mudança

Depois de conversar com a mãe, Anahí se sentiu mais segura. No mesmo ano, foi à primeira parada gay em Rio Branco vestida de mulher. "Me achei meio caricata na primeira vez. Mas depois disso, não parei mais. Fui me vestindo assim em um lugar e outro, no carnaval, participava de concurso de beleza e sempre ganhei o primeiro lugar em todos", conta.

Aos 17 anos começou a tomar hormônio feminino regularmente. Ainda este ano, colocou prótese de silicone e fez plástica no nariz, acreditando que deixaria o rosto mais delicado. O resultado disso é uma imagem de mulher perfeitamente condizente com a cabeça de Anahí. "Meu jeito sempre foi de menina, e mesmo antes de qualquer transformação, muitas pessoas já se confundiam", diz.

Anahí confessa que na balada os homens nunca desconfiam que ela seja trans. "E eu também não conto. Mas já tive experiência de ficar e depois o cara saber e querer me agredir. Como também já aconteceu de ficar, ele descobrir, me agredir, depois voltar atrás e querer ficar comigo me aceitando como sou. Foi o caso do meu último relacionamento", admite.

Preconceito

O processo de transição e aceitação própria foi a fase mais difícil para a jovem. Segundo ela, o preconceito ainda existe. "Eu acho que quando eu estava na fase de transição eu sentia mais o preconceito. Passei por alguns constrangimentos, mas aprendi a lidar com eles. Hoje em dia eu já levo uma vida de mulher", afirma.

Ainda assim, ela conclui que tudo valeu a pena. "Cada pessoa tem que buscar sua felicidade independente do que os outros vão pensar. Antes eu não me sentia feliz do jeito que eu queria. Depois que eu assumi minha identidade feminina, posso dizer que sou uma pessoa realizada porque é tudo que eu sempre quis desde criança", finaliza.


Disponível em http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2013/11/sempre-me-senti-mulher-diz-transexual-que-quer-mudar-certidao.html. Acesso em 16 jan 2014.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Brasil: transexual sofre mais preconceito que gays

Portal Terra
13 de outubro de 2007 • 15h13 • atualizado às 15h13

Para a professora universitária e assistente social Esalba Silveira, o transexual brasileiro sofre mais preconceito que os homossexuais. Entretanto, ela avalia que, apesar de ser um país latino-americano, o Brasil ainda é mais tolerante que seus vizinhos.

Integrante do Programa de Transtorno de Identidade e Gênero (Protig), do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, Silveira foi uma das palestrantes da mesa redonda que abordou a questão da transexualidade durante o 25º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, realizado na capital gaúcha.

Em entrevista ao Terra, a assistente social atribuiu o maior preconceito contra a transexualidade ao fato da sociedade não fazer grande distinção entre os transexuais e os travestis.

Silveira explicou que o travesti está mais ligado a uma mudança externa, principalmente na forma de se vestir. Já os transexuais vivem um conflito interno, entre o sexo biológico com que nasceram e o gênero ao qual sentem pertencer.

Quanto ao fato do Brasil parecer menos preconceituoso que seus vizinhos, Silveira acredita que a influência das religiões de origem africana contribuiram para isso. "As religiões africanas são mais flexíveis. (Nelas) a homossexualidade não é tão vista como pecado."

Acompanhamento antes da cirurgia 

Ela explicou como o programa, do qual participa, trabalha para ajudar a construir a identidade dos transexuais. Segundo ela, é feito um acompanhamento psicológico e assistencial das pessoas e seus familiares.

Apenas após dois anos de acompanhamento, e comprovado o transtorno de gênero, o indivíduo está apto a candidatar-se para a cirurgia de mudança de sexo, que é financiada por um convênio entre o governo do Estado e o Sistema Único de Saúde (SUS), do governo federal.

Mesmo assim, antes disso, os transexuais conseguem realizar avanços como a mudança da cédula de identidade. Segundo ela, isso ajuda as pessoas que sofrem do transtorno de gênero a incluirem-se socialmente de forma mais ampla, já que facilita sua entrada no mercado de trabalho com um nome condizente com sua aparência física.

Surgimento na infância

Silveira lembra que não existem muitos dados concretos sobre a origem da transexualidade, mas conta que esse transtorno normalmente manifesta-se ainda na infância. "A criança se interessa mais por brinquedos e roupas de crianças do outro sexo."

A professora alerta que o mero interesse não é fator alarmante. "Se um menino jogo bola, depois brinca de boneca, e em seguida vai andar de bicileta, não há nada de errado. O problema começa a surgir quando trocar a bola e a bicicleta pela boneca torna-se uma rotina."

Nesses casos, Silveira afirma que a persistência dos pais para fazer essa criança abandonar esses hábitos não ajudam em nada. "Apenas trazem prejuízo para essa criança" ao aumentar seu conflito.

Presença no mundo

O Brasil não tem levantamentos apurados do número de transexuais no País. Mas Silveira conta que, mundialmente, entre os homens, o transtorno de gênero ocorre entre 1 para 37 mil e 1 para 100 mil.

Já entre as mulheres essa taxa cai bastante, e tem incidência entre 1 para 103 mil e 1 para 400 mil. A professora destaca ainda que esses números ocorrem em todos os grupos sociais.

Para ela, a falta de um estudo sobre a quantidade de transexuais brasileiros não chega a prejudicar. "Mas toda informação que venha a agregar é bem vinda."


Disponível em <http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI1986239-EI298,00-Brasil+transexual+sofre+mais+preconceito+que+gays.html>. Acesso em 10 dez 2009.