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terça-feira, 28 de julho de 2015

Fonoaudiologia e transgenitalização: a voz no processo de reelaboração da identidade social do transexual

Lorena Badaró Drumond
Fonoaudióloga Mestranda em Psicologia - UFES 


Resumo: Nos consultórios de fonoaudiologia é crescente a demanda de transexuais, principalmente masculinos, em busca da adequação da voz ao gênero pretendido por eles. Segundo Silveira (2006), transexual é o indivíduo que tem convicção de não pertencer ao seu sexo biológico. Rejeita o próprio corpo e suas características genitais por desenvolver uma identidade de gênero relativa ao sexo oposto ao seu. O tema da homossexualidade será abordado a partir do olhar da fonoaudiologia, mais restrito à questão da saúde, e da psicologia, no sentido da construção social. Através da revisão de literatura, a presente pesquisa se propôs buscar compreender o papel que a voz ocupa na construção da identidade social dos transexuais masculinos e em que se baseiam as demandas apresentadas por esse público não só na clínica fonoaudiológica mas também em relação à estética corporal.


terça-feira, 7 de julho de 2015

Voz do transexual masculino

Sirlei Bergel 
CEFAC - Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica
Porto Alegre-RS - 1999

Resumo: É de fundamental importância que o transexual masculino desenvolva uma conduta social feminina na sociedade. E sendo a voz fundamental na identificação do falante, descreveram-se os parâmetros fonoaudiológicos e os procedimentos cirúrgicos necessários para a aquisição da voz com características femininas. Os fatores fonoaudiológicos fundamentais são: variação na entonação; mudança na ressonância do trato vocal através da retração dos lábios e anteriorização da língua; e elevação da freqüência fundamental. Também é importante que sejam observados os aspectos sócio-culturais como o vocabulário, a gramática, o enunciado e os gestos na produção da voz com características femininas. A cirurgia da aproximação cricotireóidea ou a cirurgia da criação de uma membrana na comissura anterior das pregas vocais podem elevar o pitch; mas, sendo este apenas um dos fatores envolvidos na modificação vocal para a forma feminina e em função dos riscos e dos resultados nem sempre positivos da cirurgia, acredita-se que esta seria indicada nos casos em que, com fonoterapia, o transexual masculino não consiga uma Fo acima de 155Hz, que é considerada como limite inferior para a identificação da voz como feminina.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A fonoaudióloga das travestis

Fernanda Aranda
26/11/2011

Denise encara o espelho, passa as mãos nas bochechas e reflete em voz alta. “Preciso começar a passar mais blush”. Suas pacientes, sempre que chegam ao consultório, estão com maquiagem impecável e têm mostrado a esta fonoaudióloga uma beleza que ela não cansa de admirar (e até copiar alguns truques). “Elas são tão sofridas, já foram tão machucadas pela vida e, ainda assim, estão sempre belas, produzidas.”

Se as pacientes indicam estratégias para disfarçar imperfeições e realçar os pontos fortes do rosto, a especialista as ensina como ter uma voz feminina que combina com todos aqueles traços de mulher.

Denise Mallet, 60 anos, é fonoaudióloga das travestis e transexuais de São Paulo. E, com ajuda dos versos de Manuel Bandeira, recorre à poesia para ajudar a modular o timbre de um grupo da população excluída.

O som, lembra ela, é revelador. E as últimas notícias alardeiam que caso os intolerantes percebam que a voz que sai de suas pacientes é típica de alguém que nasceu homem - mas se sente mais confortável em vestidos e salto alto - o resultado pode ser um espancamento ou até a morte. Um relatório feito pelo Grupo Gay da Bahia – que monitora os crimes de intolerância contra homossexuais no Brasil – evidencia que as travestis são maioria entre as vítimas fatais deste tipo de agressão.

“Sei também que voz é mais do que disfarce. É mecanismo de inserção social. Por isso tanto empenho. Meu e das pacientes”, acrescenta Denise que trabalha em um ambulatório público da capital paulista, o primeiro do Brasil especializado em travestis e transexuais. Nele é oferecido tratamento global para estas pacientes, inclusive na área da saúde vocal maltratada pelo uso de hormônios indiscriminados e também pelos “recursos” para tentar “adocicar” a voz.

“Percebo em todas as pacientes que elas usam alguns truques, como anasalar as palavras e forçar o timbre, carregando em consoantes. Tudo isso prejudica as cordas vocais. Muitas chegam até mim com sequelas importantes, como calos e sobrecarga”, completa Denise que faz o atendimento duas vezes por semana no Centro de Treinamento e Referência em DST e Aids, local onde o Ambulatório das Travestis foi instalado.

Simultaneamente às sessões de fonoaudiologia, as pacientes também recebem os cuidados clínicos por conta das intoxicações severas provocadas pelo uso de silicone industrial. Também chegam vitimadas por automutilações em decorrência da falta de atendimento médico. Algumas são portadoras de doenças dos mais variados tipos (em especial as sexualmente transmissíveis) e outras carecem de apoio psicológico para depressão e outros transtornos psíquicos.

Este cenário todo faz com que a desconfiança e a falta de vínculo com os profissionais de saúde sejam constantes nas primeiras consultas. Além disso, lembra Denise, não há literatura científica para definir quais os exercícios fonoaudiológicos mais indicados para travestis. Nas poesias, ela encontrou uma vacina para estes dois entraves. Mas isso é quase o último capítulo de sua história com a voz, que começa lá na adolescência.

O início, o meio e a aids

Falante pelos cotovelos em casa, mas quase muda na escola, a menina Denise um dia foi questionada pela mãe quais eram as razões para aquele tipo de relacionamento com a voz. “Você não gosta de falar?”, perguntou. “Adoro”, pensou a menina. Como uma pulga, aquela indagação ficou atrás da orelha da garota, na época com 14 anos.

Estudante do colégio Mackenzie, Denise deparou-se novamente com a pergunta da mãe quando precisou escolher qual carreira prestar no vestibular. Resolveu então pesquisar a ciência da voz e logo aproximou-se da fonoaudiologia. Até então, o único familiar que havia escolhido a área da saúde como profissão havia sido o avô Emílio Mallet (nome de rua paulistana), um dos primeiros dentistas brasileiros, que teve o diploma assinado pelo Imperador Pedro II.

Denise ficou encantada pela carreira que desvendava os mecanismos vocais e resolveu trilhar este caminho. Ingressou na PUC de São Paulo e, logo depois, resolveu fazer especialização em saúde pública na USP. O primeiro emprego foi em um posto de saúde em Taboão da Serra, local que ficou por quase 10 anos, tratando dos problemas de fala da população. “Até que no ano 2000 apareceu o desafio profissional mais importante da minha carreira”, lembra.

A aids, doença que colecionava vítimas desde a década de 1980, manifestava-se - no início de 2000 - na cara das pessoas. As técnicas ainda eram ineficientes para amenizar um dos efeitos colaterais dos medicamentos, chamado lipodistrofia, uma distribuição irregular de gordura no corpo. O rosto dos soropositivos ficava muito fino, com os ossos saltados, um indício do HIV no organismo. Com este panorama, a fonoaudióloga Denise Mallet foi aprovada no concurso público e ingressou no CRT/Aids.

“Desenvolvi uma técnica de ginástica facial que conseguia amenizar estes sintomas. É um dos marcos da minha trajetória que tenho mais orgulho”, diz ao emendar que os exercícios trouxeram o que ela exemplifica como “satisfação plena”. 

“Depois de meses praticando os exercícios da face duas horas por dia, as crianças e jovens soropositivos, a maioria que já nasce com a doença, se olham no espelho e dizem, da forma mais espontânea possível, como eu to bonito”, diz emocionada.

As novas pacientes

Entre os inúmeros que receberam as orientações para a ginástica facial, também estavam as travestis que convivem com o diagnóstico do HIV. E, em 2009, o CRT percebendo a complexidade exigida por estas pacientes, atrelada à decisão do Ministério da Saúde de incluir a cirurgia de mudança de sexo para as transexuais como um procedimento feito no Sistema Único de Saúde (SUS), decidiu abrir um ambulatório só para elas. “Fui convidada a atender lá e pensei: outro desafio bom de topar. Abracei a causa na hora.”

Nos primeiros dias de atendimento, ela reforçou a memória auditiva e lembrou como escutava poesia. Quando eram lidos por homens, os versos eram retos, ditos de forma direta, quase que em linha reta. Já proclamados por mulheres, os poemas soavam cheios de modulações, uma sílaba mais forte do que a outra. Pronto. “Falar feminino não é falar fino. É falar com malemolência”, exemplifica. De quebra, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e outros também quebram o gelo dos primeiros contatos entre especialista e paciente. “Trazem um pouco de conforto para quem é tão maltratado, quem carrega histórias cheias de ferida”, diz Denise.

A fono sabe que, no início, as pacientes de maquiagem impecável copiam seu jeito de falar. “Depois, a personalidade de cada uma se destaca e elas encontram mais o tom próprio, em uma modulação personalizada”, diz. Daí, podem falar ao telefone sem medo de serem chamadas de “senhor”. Podem procurar emprego como secretárias, enfermeiras e professoras, se assim desejarem. Um pequeno remédio contra o preconceito tão presentes em suas vidas. “A voz combina com o físico que elas tanto sofreram para ter.”

Disponível em <http://saude.ig.com.br/minhasaude/a-fonoaudiologa-das-travestis/n1597357432633.html>. Acesso em 06 jun 2012.