Iran Giusti
11/09/2013
Há pouco mais de um mês, Kathya Hondjaccoff , 26, recebeu
uma promoção no restaurante japonês em que trabalha na cidade de Barretos (SP),
o Naka Naka Sushi Bar. A paulista deixou de ser assistente e tornou-se uma
chefe de cozinha. Para chegar a esse posto, ela teve que percorrer um caminho
árduo, numa trajetória comum a qualquer profissional no meio da gastronomia. A
grande diferença é que Kathya enfrentou um desafio a mais: o fato de ser uma
travesti numa sociedade e num mercado de trabalho ainda muito preconceituosos.
Nós temos que nos valorizar, não importa que as empresas
sejam fechadas. É preciso ser uma boa profissional, batalhar, fazer faculdade
para não ter que ir para rua (Kathya Hondjaccoff)
“O começo não foi nada fácil. Perdi a conta de quantas vezes
fui rejeitada, de quantos ‘nãos’ ouvi. Mas sou persistente, sempre tive foco no
que eu queria para mim”, lembra Kathya, que sempre recusou a ocupação que,
muitas vezes, infelizmente, é a única oferecida às travestis, a prostituição.
Kathya defende que as transgêneros mantenham a autoestima,
mesmo com os percalços que aparecem no caminho. “A vida na rua é muito sofrida,
não tenho nada contra quem se prostitui, mas essa nunca foi uma opção para mim.
Nós temos que nos valorizar, não importa que as empresas sejam fechadas. É
preciso ser uma boa profissional, batalhar, fazer faculdade para não ter que ir
para rua”, argumenta.
O primeiro emprego dela foi como faxineira na Santa Casa de
Misericórdia de Barretos, aos 17 anos, pouco tempo depois de ter assumido sua
identidade feminina. Em três meses, ela foi promovida ao cargo de auxiliar de
cozinha. Foram seis anos no hospital, de onde saiu como gerente do serviço de
higiene e conservação.
A carreira na gastronomia começou como um segundo emprego,
na intenção de juntar dinheiro para fazer uma cirurgia de implante de silicone.
Sócio de um restaurante, um amigo médico a convidou a trabalhar com ele.
“Trabalhava das 7h às 17h na Santa Casa e das 18h às 1h no sushi bar”, descreve
Kathya.
Com o tempo, o segundo emprego ganhou status de principal e
Kathya deixou o hospital para se dedicar ao restaurante, onde acabou se
tornando uma chefe de cozinha. Ela diz que o apoio da família foi fundamental
em sua trajetória. “Eles me deram força para que eu pudesse lutar com toda a
garra”.
Nome de mulher no crachá e no e-mail
Lamentavelmente, a analista de sistemas Luiza Abreu , 34,
não pode contar o mesmo suporte familiar quando decidiu assumir sua identidade
feminina. “Apenas a minha mãe ficou ao meu lado, todos os outros me
abandonaram”, relata.
Após terminar o curso técnico de Análise de Sistemas, quando
estava com 22 anos, Luiza decidiu que já hora de se assumir como mulher. E em
oposição à rejeição da família, ela encontrou apoio dos colegas de trabalho,
numa empresa de tecnologia no Rio de Janeiro.
“Todos reagiram muito bem quando eu passei a trabalhar
usando trajes adequados ao meu gênero. Teve apenas um funcionário que se
recusou a usar meu nome social”, conta Luiza, ressaltando a importância do
apoio das empresas, que precisam adotar a identidade feminina da transgênero em
crachás, cartões e endereços de e-mail.
“Juridicamente, um contrato precisa ter o mesmo nome do
documento. Mas em um crachá, que é usado apenas como identificação, não tem
problema colocar seu nome social. É um gesto simples que faz muita diferença”,
explica Luiza, lembrando que o processo para mudar do nome legalmente costuma
ser demorado e trabalhoso.
Profissão de mulher
Muito antes de se assumir, a travesti Jussara Meirelles ,
34, sonhava em trabalhar com beleza. Quando criança, ela vivia brincando com os
cabelos das amigas, imaginando que era cabeleireira. “Apanhei muito da minha
mãe por causa disso, ela dizia que essa era uma profissão de mulher”, recorda
Jussara, que mesmo assim não desistiu da carreira, nem de adotar a identidade
feminina.
“A primeira pessoa que me empregou foi uma mulher, em um
salão a de bairro aqui em Natal”, conta Jussara, que tinha então 16 anos. “No
início, havia muito preconceito. As mulheres não deixavam que seus maridos
fossem sozinhos cortar os cabelos. Mas, com o tempo, fui conquistando meu
espaço, mostrando que estava ali para trabalhar, que não era vulgar”, completa
a potiguar.
Respeitada e trabalhando hoje num grande centro de beleza em
Natal, Jussara ainda quer mais e planeja um futuro como empresária. “Quero ter
o meu próprio salão, quero dar a mesma oportunidade que eu tive. Todas as
minhas funcionárias serão transexuais”, projeta ela.
Alguns governos municipais e ONGs têm desenvolvido programas
para facilitar o acesso dos travestis e transexuais ao mercado formal de trabalho.
Desenvolvido pela prefeitura do Rio de Janeiro desde 2003, o projeto Damas se
destaca nacionalmente neste sentido.
O Damas promove aulas de direitos civis e cidadania,
oficinas de trabalho e orientação vocacional. Além disso, profissionais da
medicina fornecem orientação sobre questões de saúde, como o uso correto de
hormônios por transgêneros, por exemplo.
Chefe da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual da
prefeitura do Rio de Janeiro, responsável pelo Damas, Carlos Tufvesson aponta
um grande empecilho na inserção das travestis no mercado de trabalho. “O
preconceito é grande na hora da contratação, lutamos diariamente contra essa
realidade. Meu sonho é que as empresas contratem seus funcionários por sua
competência e currículo, não pelo sexo”, revela o coordenador.
Com previsão de início para janeiro de 2014, a próxima turma
do Damas está recebendo pré-inscrições. A Coordenadoria de Assuntos de
Diversidade Sexual da cidade de São Paulo está desenvolvendo um projeto
semelhante, que deve começar a funcionar no ano que vem.
Disponível em
http://igay.ig.com.br/2013-09-11/sou-travesti-venci-o-preconceito-e-me-tornei-uma-chefe-de-cozinha.html.
Acesso em 14 out 2013.