Mostrando postagens com marcador psíquico. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador psíquico. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Para a psicanálise, a inveja surge até nos bebês

Mente Cérebro
abril de 2014

Nem os recém-nascidos estão livres dela. Em certa ocasião, um homem extremamente invejoso de outro que morava na casa ao lado recebeu a visita de uma fada, que lhe ofereceu a chance de realizar um único desejo. “Você pode pedir o que quiser, desde que seu vizinho receba o mesmo e em dobro”, disse ela. O invejoso respondeu, então, que queria que ela lhe arrancasse um olho. Moral da história: o prazer de ver o outro se prejudicar prevaleceu sobre qualquer anseio de benefício pessoal. A fábula foi usada pela psicanalista Melanie Klein (1882-1960) em sua obra Inveja e gratidão (1947), um dos principais trabalhos sobre o tema, para ilustrar o funcionamento psíquico de quem vive intensamente esse sentimento.

“Cheguei à conclusão de que a inveja é um fator muito poderoso no solapamento das raízes do sentimento de amor e gratidão, pois ela afeta a relação mais antiga de todas, a relação com a mãe”, escreveu. De acordo com esse olhar, a inveja é a mais radical das manifestações do impulso destrutivo, pois leva a atacar e destruir o objeto bom, aquele cuja introjeção é a base da saúde psíquica. Esse afeto, nem sempre consciente, dificulta a apropriação de experiências boas e, portanto, a integração psíquica.

Segundo a autora, esse afeto não é fruto da decepção ou frustração, faz parte de nossa vida mental desde que somos bebês e independe das atitudes maternas e do ambiente. Pelo contrário, provém do próprio sujeito, é endógena. Propor que seja um aspecto constitucional significa salientar o fator interno. A proposta de uma inveja primária é uma das mais polêmicas da teoria kleiniana. De acordo com essa tese, ainda bem pequenos invejamos o seio materno, capaz de nos alimentar e confortar. A ideia de que o alimento bom e reconfortante não nos pertence aparece associado ao sentimento de impotência. Já os psicanalistas Donald Winnicott, William R. D. Fairbaim e Michael Ballint postulam que a inveja é sempre secundária, resultante de uma falha do ambiente.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/para_a_psicanalise_a_inveja_surge_ate_nos_bebes.html. Acesso em 07 abr 2014.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Lea T põe o dedo nas feridas do sistema de gêneros

Rita Colaço
28/01/2013

Ontem no Fantástico, revista semanal da Rede Globo, foi apresentada uma entrevista com a top model transexual Lea T, que recentemente se submeteu à cirurgia de transgenitalização.

Em seu depoimento, ela afirmou estar ainda um tanto sensível, em decorrência não apenas da intervenção cirúrgica tomada enquanto um ato médico, mas, sobretudo pelos seus aspectos psíquicos, emocionais.

Mesmo destacando esse aspecto, onde se encontra a perceber e refletir sobre sutilezas de sua nova realidade, Lea T foi capaz de proferir umas verdades incômodas.

Uma das mais contundentes, em minha opinião, foi declarar que não é a presença ou ausência de um desses órgãos que vai trazer a felicidade da pessoa.

Antes do ato transgenitalizador, disse, toda a sua expectativa de felicidade estava alicerçada na realização da cirurgia. Agora, feita a intervenção, se deu conta de que o ser humano é mais, muito mais do que a sua genitália.

No rastro dessa percepção de que existe possibilidade de vida saudável psiquicamente falando que não seja necessariamente a cirurgia, Lea também fez referência ao conteúdo de dominação simbólica existente na necessidade psíquica de se trangenitalizar, ao reconhecer que esse processo, não à toa chamado de “readequação”, visa muito mais à satisfação da sociedade do que à própria pessoa trans.

“Readequado” o ser no âmbito da norma de gênero, nada é transformado e toda a ditadura do binarismo pode continuar incólume, a enjeitar, humilhar, segregar, todas aquelas pessoas que por essa ou aquela razão não se enquadrem nas exíguas fronteiras do “masculino” e do “feminino”, como concebidos em nossa cultura.

Lea não falou em nome das pessoas trans. Falou apenas por si mesma. Pelo que está a pensar e sentir nesse momento ainda delicado de sua cirurgia recente.

E, em nome próprio, falando somente a partir de sua experiência, disse que não recomendava a cirurgia a ninguém, pois era um processo bastante doloroso.

Houve, porém, quem visse na entrevista transmitida pela Rede Globo dois dias antes do Dia da Visibilidade da pessoa Trans, um verdadeiro desserviço, na medida em que a emissora “apenas deu voz a uma única transsexual e fez com que sua verdade passasse a ser, aos olhos da sociedade, a verdade d@s milhares que lutam, todos os dias, contra a patologização, o preconceito e a precariedade”.

Respeito o direito de quantos opinem, mas, em verdade, não consigo ver onde é que a fala, pessoal, íntima e em muitos aspectos explicitamente provisória de Lea T. possa contribuir negativamente para a luta das pessoas transsexuais em prol do reconhecimento sociojurídico, do direito a uma vida digna, fora da ótica da patologia.

Em minha perspectiva de olhar, Lea T. fez exatamente o contrário.

O fato de ser quem é e ter falado no veículo que falou dota a sua fala pessoal de aspecto politico. Mas isso não pode servir de argumento suficiente para continuar a impedir um debate atrasado em mais de trinta anos - pelo menos.

A questão de o veículo de comunicação em tela não aceitar transmitir outros pontos de vista sobre o tema, é aspecto que compete aos movimentos trans e LGBT enfrentar.

Por que o movimento LGBT, o movimento trans, ninguém jamais ousou questionar a ordem simbólica que levou e leva milhares de transexuais pobres à morte pelo uso indevido de silicone industrial? Por que todos se limitaram e se limitam a reivindicar a cirurgia como a grande panacéia para todas e todos?

Quem supõe que “o problema não é usar silicone industrial, mas a transfobia”, não consegue ver que tanto a transfobia quanto o uso do silicone industrial e a cirurgia de transgenitalização, quando tratada como a única “solução”, como meio eficaz à “readequação”, são efeitos, sintomas de nosso sistema de gêneros.

Disponível em http://brasiliaempauta.com.br/artigo/ver/id/1473/nome/Lea_T_poe_o_dedo_nas_feridas_do_sistema_de_generos. Acesso em 28 out 2013.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Brincadeiras perversas

Cleo Fante
janeiro de 2008

A violência e seus impactos são temas freqüentes nos debates nacionais e internacionais, especialmente quando se desdobram em tragédias que envolvem estudantes e instituições escolares. É fato que tais acontecimentos trazem à luz questões até então negligenciadas no passado, como a violência entre os estudantes.

Os trotes universitários, muitas vezes humilhantes e violentos, por exemplo, ainda são pouco discutidos e só ganham visibilidade quando os meios de comunicação veiculam cenas de barbárie. A literatura mostra a existência desse costume em diversos países. No Brasil, datam da criação das instituições acadêmicas. Como herança de Coimbra, os trotes em algumas instituições brasileiras já fizeram – e continuam a fazer – inúmeras vítimas. O primeiro registro de morte – de um aluno da Faculdade de Direito – ocorreu em Recife, em 1831.

Ainda hoje, essas práticas são consideradas por muitos como ritos de passagem – e esperadas com certa ansiedade tanto por calouros quanto por seus parentes. Entretanto, aqueles que se dedicam ao estudo do tema concordam que se trata de um ritual de exclusão e não de integração. Deve ser considerado como um mecanismo de dominação fundamentado por discriminação, intolerância, violência e preconceitos de classe, etnia e gênero. O abuso de poder é sua marca principal.

Em razão de atitudes agressivas e abusos psicológicos, sob a alegação de que se trata de “brincadeiras”, muitos estudantes se convertem em “bodes expiatórios” do grupo, desde a sua entrada no ensino superior até a sua conclusão e, em alguns casos, essa situação se estende na vida profissional. Os que se negam a participar da “interação” são sumariamente coagidos, intimidados, perseguidos ou mesmo isolados do convívio e das atividades dos demais.

Em muitas situações, o trote, que seria um ato pontual, se prolonga numa série de ações repetitivas e deliberadas. Sobre as vítimas dessa perseguição recaem prejuízos, que podem afetar várias áreas de sua vida afetiva, acadêmica, familiar, social e profissional. Sentimentos de insegurança, inferioridade, incompreensão, revolta e desejos de vingança podem resultar em stress intenso, depressão, fobias e culminar em suicídio e assassinatos. Outros não resistem à pressão e abandonam a vida acadêmica, carregando consigo a dor e a frustração de ter pertencido a uma instituição que nada fez para romper com essa cultura.

Por outro lado, existem os que se resignam e aceitam submeter-se às diversas formas de opressão e tortura, ou se tornam cúmplices delas: respaldados na tradição dos trotes, justificarão seus atos de posterior dominação. Há ainda aqueles que apenas presenciam o que acontece aos colegas, mas, mais tarde, também se sentirão aptos a reproduzir a experiência.

Estamos, assim, diante de uma dinâmica repetitiva de abusos, já que aquele que foi vítima tende a ser algoz no futuro – seja no ambiente acadêmico, profissional, social ou na instituição familiar.

No ambiente profissional essas práticas ocorrem tantas vezes que chegam a ser vistas como “normais”. De acordo com a freqüência e a intensidade os atos podem se caracterizar como assédio moral. Há grande probabilidade de que suas conseqüências afetem a saúde mental de trabalhadores, comprometendo a auto-estima, a vida pessoal e o rendimento profissional, resultando em queda da produção, faltas freqüentes ao trabalho, licenciamentos para tratamento médico, abandono do emprego ou pedidos de demissão, alto grau de stress, depressão e, em casos extremos, suicídio.

No contexto familiar, a violência pode ser vista como “prática educativa” ou forma eficaz de controle, validada pela maioria que a presencia ou a vive, incluindo a própria vítima. Tanto no contexto profissional quanto na família há estreita ligação de dependência – afetiva, emocional ou financeira – entre os protagonistas. Isso faz com que as vítimas em geral se calem e carreguem consigo uma série de prejuízos psíquicos.

Pesquisas mostram que grande parte daqueles que sofreram abusos psicológicos na infância utilizará na vida adulta essas práticas na educação de seus filhos, acreditando ser esse o procedimento mais adequado. Outros se tornarão submissos, passivos, indefesos, acreditando ser merecedores dos maus-tratos. Muitos ainda reproduzirão a violência no espaço socializador imediato à família, ou seja, na escola.

Assassinato psíquico

É na análise das relações entre os adultos e na observação das interações de grupos de crianças na escola que se alarga nossa percepção sobre o círculo vicioso de abusos. O que antes se acreditava ocorrer apenas nas relações entre os adultos – descritas como padrões relacionais disfuncionais, abusive relationships – se verifica também entre as crianças com idade igual ou semelhante. Trata-se do bullying escolar: um conjunto de comportamentos marcados por atitudes abusivas, repetitivas e intencionais e pelo desequilíbrio de poder.

Bullying é um termo de difícil tradução na língua portuguesa, assim como a dor e o sofrimento daqueles que são vítimas desse fenômeno antigo, mas apenas recentemente identificado. Pode ser considerado um problema mundial que ocorre em todas as escolas, independentemente de serem públicas ou privadas, de sua localização ou dos turnos de funcionamento. Trata-se de uma forma quase invisível, que sorrateiramente vai diminuindo o outro, como se fosse uma espécie de “assassinato psíquico”. Suas conseqüências afetam todos os envolvidos, porém, os maiores prejudicados são mesmo as vítimas diretas, que suportam silenciosas o seu sofrimento.

Alguns motivos justificam o silêncio: o medo de represálias e de que os ataques se tornem ainda mais persistentes e cruéis; a falta de apoio e compreensão quando se queixam aos adultos; a vergonha de se exporem perante os colegas; o sentimento de incompetência e merecimento dos ataques; o temor das reações dos familiares, que muitas vezes incentivam o revide com violência ou culpabilizam as vítimas.

Apesar de os educadores saberem da existência dessa forma de violência, nenhuma ação efetiva foi adotada até os anos 70, por acreditarem ser “brincadeira própria da idade” ou do processo de amadurecimento do indivíduo. Infelizmente, muitos ainda têm esse olhar, o que colabora significativamente para sua disseminação.

O despertar para a gravidade desse comportamento teve início há cerca de duas décadas, primeiro na Suécia e anos depois na Noruega, onde a questão se tornou tema de estudos científicos. O pesquisador norueguês Dan Olweus, professor da Universidade de Bergen, reconhecido internacionalmente como pioneiro nas investigações sobre o fenômeno, observou os altos índices de suicídio entre os estudantes e constatou a relação com o bullying na escola.

Aos poucos, o tema despertou interesse em outros países, inclusive no Brasil. Nossos estudos sobre a temática são recentes, datam de 2000, motivo pelo qual muitos ainda desconhecem o tema, sua gravidade e abrangência. Apesar dos recentes estudos, pesquisas revelam que 45% dos estudantes brasileiros estão envolvidos diretamente no fenômeno.

Assim como no mundo dos adultos, os autores de bullying planejam meticulosamente seus ataques. Escolhem dentre seus pares uma “presa” que pareça vulnerável – aquela que não oferecerá resistência, não revidará, não denunciará e nem conseguirá fazer com que outros saiam em sua defesa.

Desferem seus golpes de modo a humilhar, constranger, difamar, menosprezar, excluir a vítima e intimidá-la de forma direta ou indireta. Para isso, se utilizam de várias estratégias, como apelidos pejorativos, comentários maldosos, calúnias, gozações, piadas jocosas relacionadas à sexualidade, insinuações, assédios, ameaças, danificação ou furto de pertences, empurrões, chutes, socos, pontapés, invasões e ataques virtuais, entre outras.

Esse tipo de comportamento preocupa pais e educadores de todo o mundo, especialmente por envolver crianças muito novas. O bullying pode ser identificado a partir dos 3 anos, quando a “intencionalidade desses atos já pode ser observada”.

As meninas agem de forma ainda mais velada e cruel. Enquanto os garotos escolhem aleatoriamente seus alvos, elas elegem as próprias amigas e “executam o plano” no horário do lanche ou de lazer. Infernizam a vida da colega e desferem contra ela diversas formas de maus-tratos. Uma das mais freqüentes e dolorosas é a exclusão social: ficam “de mal” ou fingem não reconhecer a vítima. Intimidam, constrangem, exigem que traga algo de casa para a escola de que muitas vezes não dispõem, visando ridicularizá-la ou isolá-la. Fofocam, inventam mentiras, ameaçam e contam seus segredos aos outros.

Riso e aplauso

Independentemente da idade dos envolvidos e do local onde ocorrem os assédios, parece haver entre aqueles que presenciam a situação certo grau de tolerância ou até mesmo de conivência. Em alguns casos, alegam que a vítima “merece” hostilidade por causa do seu comportamento provocativo ou passivo. Alguns chegam mesmo a rir e incentivar o que ocorre ao “bode expiatório” – uma atitude que fortalece a ação dos autores e sua popularidade. Outros temem ser o próximo alvo, preferindo, assim, fazer parte do grupo de agressores, o que garante a sua segurança na escola.

Com a conivência do grupo e a omissão dos adultos, os “valentões” tendem, cada vez mais, a abandonar sentimentos de generosidade, empatia, solidariedade, afetividade, tolerância e compaixão. Falhas na formação do caráter se tornam mais acentuadas e, infelizmente, muitos pais e educadores não percebem – ou fingem não perceber – o que se passa.

Com o tempo, as forças do indivíduo que sofre os abusos são minadas, seus sonhos desaparecem, aos poucos ele vai se fechando e se isolando. Esse talvez seja o pior momento na vida das vítimas: o abandono de si mesmo.

Muitos não superam as humilhações vividas durante os anos de escola e podem tornar-se adultos abusivos, depressivos ou compulsivos. Tendem a apresentar problemas na vida afetiva, por não confiar nos parceiros. Na vida laboral, podem desenvolver dificuldade de se expressar, principalmente em público, evitar assumir postos de liderança e apresentar déficit de concentração e insegurança, principalmente quando precisam resolver conflitos ou de tomar decisões. Ou seja, tornam-se presa fácil do assédio moral. Quanto à educação dos filhos, há grandes probabilidades de que se mostrem superprotetores, projetando sobre eles seus medos, desconfianças e inseguranças.

É importante, porém, lembrar que estamos nos referindo a um comportamento repetitivo, deliberado e destrutivo, diferentemente de um comportamento agressivo pontual, numa situação em que a criança, na disputa de um brinquedo ou de seu espaço, ataca o outro com mordidas e socos ou com xingamentos e ameaças. Não nos referimos aqui às divergências de pontos de vista, de idéias contrárias e preconceituosas que muitas vezes redundam em discussões, desentendimentos, brigas ou conflitos sociais ou às disputas profissionais, em que o colega é visto como empecilho para uma promoção, por exemplo. Também não aludimos a pais que, em sua ignorância, aplicam “corretivos” nos filhos quando estes os desafiam, desobedecem ou desapontam.

Referimos-nos a uma ação violenta gratuita e recorrente, baseada no desequilíbrio de poder. É a intencionalidade de fazer mal e a persistência dos atos que diferencia o bullying de outras formas de violência. É por meio da desestabilidade emocional das vítimas e no apoio do grupo que os autores ganham simpatia e popularidade. A busca por sucesso, fama e poder a qualquer preço, o apelo ao consumismo, à competitividade, ao individualismo, ao autoritarismo, à indiferença e ao desrespeito favorecem a proliferação do bullying. E seu potencial de destruição psíquica não cessa com o fim da escolaridade ou da adolescência: se desdobra em outros contextos, num movimento contínuo e circular.

O que se sabe é que esse movimento não pode mais ser ignorado. É necessário estudá-lo à luz das diversas ciências, para que possamos compreendê-lo melhor. É imprescindível a adoção de medidas emergenciais por parte de autoridades, instituições, empresas, famílias, enfim, da sociedade, uma vez que seus prejuízos afetam a todos os níveis e contextos sociais. Ignorar a situação é abrir espaços para muitos protótipos de tiranos, que estão hoje em pleno desenvolvimento. Afinal, no futuro, não serão estes que ingressarão nas universidades, que desempenharão cargos importantes em grandes empresas, que aplicarão leis e penas, que serão manchete em noticiários - sobre violência, que nos representarão no poder e serão responsáveis pela educação das crianças?

Conceitos-chave

Sentimentos de insegurança, inferioridade, incompreensão, revolta e desejos de vingança causados por essa situação podem resultar em stress intenso, depressão, fobias e culminar em suicídio e assassinatos. Muitos não resistem à pressão e abandonam a vida acadêmica, carregando consigo a dor e a frustração de ter pertencido a uma instituição que nada fez para romper com essa cultura. Outros se resignam e aceitam submeter-se à opressão e tortura, ou se tornam cúmplices delas: respaldados na tradição dos trotes, justificarão seus atos de posterior dominação.

É a intenção de fazer mal e a persistência dos atos que diferencia o bullying de outras formas de violência. Em razão de atitudes agressivas e abusos psicológicos, sob a alegação de que se trata de “brincadeiras”, muitos estudantes se convertem em “bodes expiatórios” do grupo, desde a sua entrada no ensino superior até a sua conclusão e, em alguns casos, essa situação se perpetua na vida adulta.

Humilhação e cabeças raspadas para “domesticar” novatos

Há muito tempo a violência entre estudantes tem sido um traço característico das relações escolares. Entretanto, seu foco era direcionado ora para a violência contra a escola e seus representantes (no caso das rebeliões estudantis), ora para os próprios pares (como nos trotes).

No que se refere às rebeliões, registros mostram sua ocorrência já no século XVII, na França. A de 1883, no Liceu Louis-le-Grand, em conseqüência da expulsão de um aluno, tornou-se célebre. As revoltas de estudantes contra os pedagogos eram constantes e marcadas por atos de violência, inclusive com a utilização de instrumentos como bastões, pedras, espadas e chicotes.

Já a origem dos trotes estudantis é incerta; porém, existem registros de sua ocorrência na Idade Média. Um dos documentos mais antigos desse tipo data de 1342 e refere-se à Universidade de Paris. Nas instituições européias, era comum separar os novatos dos veteranos. Aos novos alunos era negada a possibilidade de assistir às aulas junto com os demais, no interior das salas: eles eram obrigados a se dirigir aos vestíbulos (pátios de acesso ao prédio) – daí o uso do termo vestibulando para identificar aqueles que estão prestes a entrar para a universidade.

Sob a alegação de profilaxia e necessidade de manter a higiene, os novatos tinham a cabeça rapada e, na maioria das vezes, suas roupas eram queimadas. Essa prática, no entanto, logo se converteu numa espécie de culto à humilhação.

Freqüentemente, os trotes assumiam conotações sexuais, transformando-se em humilhantes orgias para aqueles que eram submetidos a elas. Com o tempo, os trotes ganharam ainda mais requintes de crueldade. Foram registrados, sobretudo, nas universidades de Heidelberg (Alemanha), Bolonha (Itália) e Paris (França), situações em que os calouros eram obrigados pelos veteranos a beber urina e a comer excrementos antes de serem declarados “domesticados”.

O julgamento dos monstros fedorentos

No início do século XX, na Alemanha, era comum que calouros fossem obrigados a vestir roupas feitas de falsa pele de animal, com orelhas, chifres e presas. Fantasiado, o jovem era arrastado pelos colegas até cinco ou seis “juízes”, sob olhares atentos de uma grande platéia. Era insultado e tratado como “monstro fedorento” por “assistentes” que em dado momento recebiam ordens para “depená-lo”, cortando-lhe as orelhas com tesouras e os chifres com serras; os dentes eram arrancados com tenazes. O nariz era limado e as nádegas, “polidas”; o novato era sacudido, empurrado e, por fim, açoitado com varas. Durante a tortura, o calouro tinha de se reconhecer culpado de inúmeros “pecados”, sobretudo sexuais. E, como penitência, era obrigado a oferecer um banquete aos veteranos.

Tragédia na escola

Os maus-tratos repetidos podem ao longo do tempo causar graves danos ao psiquismo e interferir negativamente no processo de desenvolvimento cognitivo, emocional, sensorial e socioeducacional. Quando os ataques são crônicos, as vítimas podem se tornar agressoras; em casos extremos, muitas vezes resultam em tragédias escolares, como as de Columbine (1999) e Virginia Tech (2007), nos Estados Unidos, as de Taiúva (2003) e Remanso (2004), no Brasil, e a da Finlândia (2007).

PARA CONHECER MAIS
Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Cléo Fante. Verus, 2005.

Bullying, como combatê-lo? Prevenir e enfrentar a violência entre jovens. A. Costantini. Itália Nova, 2004.

Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar (Cemeobes): www.bullying.pro.br


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/brincadeiras_perversas.html. Acesso em 03 ago 2013.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Dicas impressas 4: Facebook; Presentes; Angústia

ANCHIETA, Isabelle. Facebook, o novo espelho de Narciso As mulheres estão se tornando maioria nas redes interativas; a vaidade e a necessidade de afirmação da identidade podem explicar o interesse feminino por esse recurso tecnológico – afinal, do ponto de vista social e histórico, elas passaram de consumidoras de imagens que lhes eram impostas a “autoras” virtuais. Mente e Cérebro, Ano XVIII, n.º 219, pp. 38-41.

NOBLE, Florence. Oba! Para mim? A tensão que precede o recebimento de uma recompensa libera “hormônios da expectativa” no cérebro, responsáveis por sensações agradáveis. Mente e Cérebro Especial, n.º 29, pp. 80-82.

PALADINO, Erane. A angústia necessária Numa sociedade que cobra sucesso e alegria, o desconforto psíquico – importante para a elaboração de conflitos e para o amadurecimento emocional – é visto como algo a ser evitado a qualquer preço. Mente e Cérebro, ano XVIII, n.º 219, pp. 34-37.