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terça-feira, 14 de outubro de 2014

Pais negam, mas tribunal reconhece união estável homoafetiva de filho

Consultor Jurídico
6 de agosto de 2014

A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão reconheceu a existência de união estável de dois homens — um deles já morto — no período entre o final de 2009 e novembro de 2011. De acordo com o colegiado, a sentença que havia reconhecido a relação não merece ser reformada, pois se baseou em provas robustas e indicou os motivos que formaram o seu convencimento, conforme prevê o artigo 131 do Código de Processo Civil.

O juiz reconheceu a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família. Inconformados, os pais do rapaz morto apelaram ao TJ-MA alegando que seu filho não era homossexual e mantinha união estável com uma mulher. Além disso, afirmaram que ele adquiriu seus bens com esforço próprio e que possuía apenas uma relação de amizade com o apelado.

Já o homem que pediu o reconhecimento da união alegou que os próprios pais do companheiro confirmaram, em audiência, que o filho não mantinha mais qualquer relação com a mulher com a qual teria união estável.

O desembargador Paulo Velten, relator do caso no TJ-MA, chegou a destacar depoimentos de uma psicóloga, que afirmou ter certeza sobre a existência da união homoafetiva, e de um psiquiatra, que, em juízo, relatou que o morto chegou a declarar que tinha um companheiro.

O desembargador mencionou, ainda, que o corretor que vendeu o imóvel em que os dois residiam afirmou ter certeza que ambos formavam um casal homoafetivo e que a relação era pública e conhecida por todos os corretores da imobiliária.

Velten manteve a sentença que reconheceu a união estável homoafetiva, votando de forma desfavorável ao recurso dos apelantes. Os desembargadores Jorge Rachid e Marcelino Everton seguiram o voto do relator.


Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-ago-06/pais-negam-tribunal-reconhece-uniao-homoafetiva-filho. Acesso em 14 out 2014.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Delegado de Goiânia muda de sexo e deve assumir a Delegacia da Mulher

Rafael Mesquita 
Quinta, 23/01/2014

O ex-delegado de Trindade e Senador Canedo, na Região Metropolitana de Goiânia, Thiago de Castro Teixeira foi submetido a uma cirurgia para mudança de sexo e, com autorização da Justiça, mudou nome e registro civil para Laura.

De acordo com a assessoria de imprensa da Polícia Civil, a instituição não irá se pronunciar sobre o caso, já que trata-se de uma questão pessoal da agora delegada Laura e não altera administrativamente a polícia. Ainda de acordo com a direção da instituição, a delegada está de licença e quando retornar será lotada em outra delegacia.

Existe a possibilidade de ela assumir a Delegacia da Mulher de Goiânia, o que ainda não está confirmado pela direção da Polícia Civil. Segundo a advogada especialista em direito homoafetivo e presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-GO, Cíntia Barcelos, com a mudança de sexo, a situação jurídica de Laura não se altera e, por isso, ela poderá continuar com o cargo na Polícia Civil.

Ainda segundo a advogada Cíntia Barcelos, o que deve mudar é o comportamento da sociedade em relação ao assunto. A presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-GO ainda acredita que o caso poderá servir de exemplo para outras pessoas que têm o mesmo desejo, mas muitas vezes preferem não mudar de sexo por convenções sociais.

Disponível em http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/pais/2014/01/23/DELEGADO-DE-GOIANIA-MUDA-DE-SEXO-E-DEVE-ASSUMIR-A-DELEGACIA-DA-MULHER.htm. Acesso em 29 jul 2014.

domingo, 27 de abril de 2014

Mulher é o primeiro “pai” em certidão de nascimento nos EUA

João Ozorio de Melo
10 de abril de 2014

Graças a uma ordem judicial indireta, uma mulher foi registrada como pai na certidão de nascimento de uma criança em Nashville (Tennessee). Conforme o registro, Emilia Maria Jesty, gerada por inseminação artificial, é oficialmente filha de Valeria Tango (a mãe, que gerou a criança) e de Sophy Jesty (o pai). O tribunal não determinou que Sophy fosse registrada como o pai da criança. Mas decidiu que Valeria e Sophy eram legitimamente casadas, apesar de o casamento entre pessoas do mesmo sexo nunca ter sido aprovado em Tennessee.

Elas se casaram em Nova York, estado que reconhece casamentos homoafetivos há tempos. E se mudaram para o Tennessee, onde, com a ajuda do Centro Nacional pelos Direitos das Lésbicas, entraram na Justiça para obter o reconhecimento oficial do casamento e, com isso, ter direito a todos os benefícios federais previstos em lei para casais e filhos.

A juíza Aleta Trauger emitiu uma “decisão preliminar”, determinando o reconhecimento do casamento celebrado fora do estado. A Procuradoria entrou com recurso, que está em andamento. Cerca de 50 casos estão correndo nos tribunais dos 33 estados que ainda proíbem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, de acordo com a agência Reuters.

Enquanto isso, no hospital de Nashville, em 27 de março, o casal exigia que os nomes das duas constassem na certidão de nascimento da filha. Foram muitas horas de discussões entre as mulheres, funcionários do hospital e do departamento de saúde, que se recusava a emitir a certidão. Porém, o departamento acabou cedendo às pressões, em razão da decisão judicial em Tennessee e decisões semelhantes de mais oito estados, também levadas em consideração.

Após concordar, emitiu rapidamente a certidão de nascimento, utilizando o único formulário disponível no sistema — o tradicional, que traz um campo para o nome da mãe e outro para o nome do pai. Como casamentos entre pessoas do mesmo sexo ainda não foram legalizados no estado, não há formulários para emissão de certidão só com os nomes de duas mães ou de dois pais.

Confusão

Dezenas de casais gays em diversos estados, mesmo onde a união entre pessoas do mesmo sexo já é reconhecido legalmente, lutam na Justiça para que seus nomes constem como pais na certidão de recém-nascidos. A situação está confusa em todo o país: cada estado, uma sentença.

A Califórnia já reconhece “pais do mesmo sexo” na certidão de nascimento, se forem legalmente casados; Massachusetts, também, deixando claro que vale para lésbicas e para gays. Iowa concede o benefício apenas às duas mulheres. Maryland, Nova York e Oregon também reconhece o direito de duas mulheres, mas abre uma brecha para homens, cumpridos alguns procedimentos adicionais. A maioria dos estados não reconhece coisa alguma.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-abr-10/mulher-primeiro-pai-certidao-nascimento-registrada-eua. Acesso em 17 abr 2014.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

TJ-PB reconhece união estável entre duas mulheres

Consultor Jurídico
28 de março de 2014

A relação pública, notória e duradoura entre duas mulheres, que mantiveram relação afetiva por mais de 20 anos, foi reconhecida na terça-feira (18/3) pela 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba. Os desembargadores reformaram sentença e confirmaram a união estável entre Iraci Pereira da Silva e Maria Nacy Barbosa, que morreu em junho de 2012. O reconhecimento posterior à morte terá efeito previdenciário, permitindo que Iraci receba pensão por morte da companheira.

Ao ajuizar a ação, ela citou a convivência no mesmo imóvel por mais de duas décadas, com as duas mulheres dividindo despesas, esforços e conta bancária, além da assistência material e afetiva. Antes de morrer, continuou, Maria Nacy teria designado Iraci como sua curadora, permitindo que companheira gerisse seus bens. Os argumentos foram acolhidos pelo relator do caso, desembargador Saulo Henrique de Sá e Benevides, que citou a necessidade de comprovar a convivência contínua, pública e duradoura do relacionamento.

De acordo com ele, no caso em questão ficou clara a comunhão de vida e de interesses, provada por meio de documentos e dos depoimentos de testemunhas. Segundo ele, “é inafastável o reconhecimento da pretensão”, pois a união entre as duas mulheres atendeu aos requisitos necessários. Ele lembrou a decisão do Supremo Tribunal Federal de equiparar as relações homoafetivas às uniões estáveis entre homens e mulheres, permitindo que as primeiras sejam tratadas como um núcleo familiar como qualquer outro. 

A decisão: http://s.conjur.com.br/dl/justica-reconhece-uniao-estavel-pos.pdf


Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-mar-28/tj-paraiba-reconhece-uniao-estavel-homoafetiva-fins-previdenciarios. Acesso em 31 mar 2014.

domingo, 30 de março de 2014

Justiça concede dupla maternidade a casal de mulheres homossexuais em Recife

Leticia Lins
14/03/14

O Juiz da 1ª Vara da Família de Recife, Clicério Bezerra da Silva, concedeu dupla maternidade a um casal de mulheres homossexuais que tem um relacionamento há 10 anos, e que acaba de ter filhos gêmeos. Os bebês, que nasceram no dia 6 de fevereiro desde ano, terão duas mães e quatro avós maternos. A decisão havia sido proferida no final do mês passado, mas só foi divulgada nesta sexta-feira pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Os nomes das mulheres não foram revelados porque o processo correu em segredo de justiça, segundo a assessoria de imprensa do TJ-PE. Os bebês foram gerados por inseminação artificial. A gestação foi no útero de uma das mulheres.

“Em um mundo onde incontáveis pequenos seres humanos são privados de despertar sentimentos nobres, como o amor, o afeto, agraciados são aqueles aos quais é permitida uma convivência saudável, verdadeira, edificante, experimentada no cotidiano da família. Há que se ressignificar a realidade social e traçar novos paradigmas”, justificou o magistrado, no processo.

Segundo o TJ-PE, é o segundo caso de dupla maternidade no estado. Na sentença, o juiz lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece a existência de mais de um tipo de entidade familiar e que estendeu os mesmos direitos e deveres das uniões estáveis aos que mantêm relação homoafetiva.

Clicério Bezerra da Silva foi o mesmo juiz que, em 2012, concedeu aos empresários Mailton Albuquerque e Wilson Albuquerque, então com 35 e 40 anos, respectivamente, a primeira sentença autorizando dupla paternidade no país. Os dois, que vivem em Recife, recorreram à inseminação artificial para formar a família. Contaram com doação de óvulo de anônima – conforme determina a lei – e com a barriga solidária de uma prima, que atuou como voluntária para a gestação de Maria Tereza,a primeira filha do casal. Na certidão de nascimento da menina, hoje com dois anos, só constam os nomes dos pais. A prima que ajudou o casal até hoje permanece no anonimato.

Na sentença, juiz destacou o amor, o respeito mútuo e elogiou a iniciativa dos homens que formam o casal, considerando que eles tiveram atitude muito “macha” ao ousar reivindicar a primeira paternidade dupla no país, em sociedade preconceituosa. Hoje o casal dedica grande parte do tempo a Maria Tereza, dispensa babás nos dias de folga e até montou infra estrutura no local de trabalho para que os dois fiquem mais perto da menina.

- Ela vai ser uma menina muito feliz, porque é fruto do nosso amor - afirmou Mailton, que é pai biológico da menina.

Em 2012, ao anunciar a vitória na justiça, ele disse que o próximo passo do casal seria ter mais um filho, tendo Wilson como pai. Os dois empresários não medem palavras para definir o amor que vivem: afirmam que a maior certeza que teem, é que querem ficar juntos até o fim da vida. E agora os dois se preparam para realizar o segundo sonho: Teo, filho biológico de Wilson, nasce em junho. Os dois filhos do casal têm a mesma mãe biológica, segundo Mailson informou ao GLOBO.

Os dois possuem uma loja que fornece equipamentos médicos e hospitalares. Mailson é enfermeiro, e logo após o nascimento de Tereza, passou em um concurso para atuar na Prefeitura, onde é lotado no Samu. Ele já entrou na burocracia municipal com pedido de licença paternidade com direitos maternos. Ou seja, quer ficar em casa por seis meses, para cuidar do segundo filho do casal. Se concedido o direito, ele será o primeiro servidor público no país a gozar da regalia naquelas condições.


Disponível em http://oglobo.globo.com/pais/justica-concede-dupla-maternidade-casal-de-mulheres-homossexuais-em-recife-11880507. Acesso em 23 mar 2014.

domingo, 21 de julho de 2013

TJ-RS reconhece direito a bens em união homoafetiva

Jomar Martins
9 de abril de 2012

Se há prova robusta de que o relacionamento entre duas mulheres era visto como união estável, nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil, e que ambas concorreram para a formação do patrimônio, não há por que negar a uma delas o direito sucessório, em caso de morte da companheira. Com este entendimento, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento à apelação de uma mulher em litígio com a mãe da companheira que morreu. A segunda instância reformou a sentença que não reconheceu a união estável. A primeira instância entendeu que a relação era apenas de ‘‘parceria civil’’ — o que não geraria direito aos bens deixados de herança.

Respaldados pelo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Adin nº 4.277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, em 5 de maio de 2011, os desembargadores foram unânimes em declarar a existência de união estável homoafetiva entre ambas, com os respectivos desdobramentos legais. Para as regras que tutelam o direito sucessório entre companheiros, foi aplicado o artigo 1.790, inciso III, do Código de Processo Civil. A decisão é do dia 22 de março.

O caso é originário da Comarca de Porto Alegre e tramita sob segredo de justiça. Conforme o acórdão, L.S.C. e R. de. O. viveram juntas entre julho de 1983 e fevereiro de 2008, quando a segunda morreu. A primeira teve de ir à Justiça na Justiça para pedir os direitos de sucessão sobre o imóvel em que habitava conjuntamente com ela. A ação pedia reconhecimento e dissolução de união estável, cumulada com petição de herança, movida contra o espólio de R. de O., representada pela mãe.

O juiz de Direito Marco Aurélio Martins Xavier, ao proferir a sentença, entendeu que relação era de parceria civil. Em consequência, declarou como propriedade de L.S.C. a fração ideal de 50% do imóvel que lhes servia de moradia. Para ele, a partilha deve respeitar esta proporção, inclusive no que toca às duas construções efetivadas sobre o terreno.

Inconformada com a decisão, L.S.C. interpôs Apelação no Tribunal de Justiça. Afirmou que a legislação não proíbe a união homoafetiva e que cabe ao julgador, diante da lacuna da lei, fixar os efeitos jurídicos decorrentes. Alegou que a sentença feriu o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, que dispõe sobre o princípio da dignidade humana. Mencionou também o artigo 226, parágrafo 3º, da Carta Magna, que reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar. Disse que tal artigo deve ser aplicado às uniões homoafetivas constituídas com o intuito de família, pois o Direito tem de acompanhar a evolução da própria sociedade.

Por fim, garantiu ter sido plenamente demonstrado que a união havida com R. de O. foi pública, contínua, duradoura e com o intuito de constituir família, somente cessando em razão da morte. A procuradora de Justiça com assento na 8ª; Câmara Cível, Noara Bernardy Lisboa, opinou pelo provimento da ação.

O desembargador Ricardo Moreira Lins Pastl, que relatou a matéria no colegiado, acatou a apelação. Registrou que o Pleno do STF, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, reconheceu a proteção jurídica da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Com a decisão, o artigo 1.723 do Código Civil passou a ser interpretado conforme a mudança constitucional. Logo, foi excluído do dispositivo legal qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Em suma, este reconhecimento deve ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

Segundo o relator, a decisão do STF superou a compreensão da sentença, de que era juridicamente impossível a união estável entre duas pessoas do mesmo sexo, tese que ainda vigorava na corte. ‘‘Deste modo, e considerando que, na espécie, o conjunto probatório constante dos autos é robusto no sentido da presença dos elementos caracterizadores de um relacionamento estável, nos moldes do artigo 1.723 do Código Civil (...), não há dúvida de que deve ser emprestado à aludida relação tratamento equivalente ao que a lei confere à união estável havida entre homem e mulher, inclusive no que se refere aos direitos sucessórios’’, destacou.

Ao finalizar o voto, o relator, citando o parecer da procuradora de Justiça, disse que a questão sucessória entre companheiros deve considerar o aplicado no artigo 1.790, inciso III, do Código de Processo Civil.

Os desembargadores Rui Portanova (presidente do colegiado) e Luiz Felipe Brasil Santos votaram no mesmo sentido do relator.

Acórdão: http://s.conjur.com.br/dl/acordao-tj-rs-reconhece-uniao-estavel.pdf


Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-abr-09/tj-rs-reconhece-direitos-sucessorios-uniao-estavel-duas-mulheres. Acesso em 09 jul 2013.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Relações homoafetivas: avanços e resistências

Maria Consuêlo Passos
junho de 2011

Há algumas semanas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a lei que regulamenta a união estável entre pessoas do mesmo sexo, tornando-a, do ponto de vista legal, equivalente à de casais heterossexuais. Isto significa a validação no plano jurídico de várias conquistas civis: o direito à herança do companheiro, ou companheira, pensão alimentícia em caso de separação, possibilidade de fazer declaração conjunta do imposto de renda e – um passo fundamental – o direito à adoção de filhos, o que antes era permitido apenas a um dos membros do casal.

A medida modifica o contexto nebuloso e enigmático das relações homoafetivas, conferindo a elas caráter de legitimação jurídica, o que não é pouco quando se trata da vida conjugal e familiar, em grande medida regulada por diretrizes do Estado. Entretanto, é preciso ter cautela em relação a esses ganhos, já que as transformações psicossociais engendradas nestes mesmos parâmetros jurídicos exigem um processo lento e contínuo de superação de resistências e preconceitos. Essa constatação nos leva a antever um longo e difícil tempo de tensões e conflitos até que seja possível o reconhecimento social de qualquer tipo de escolha amorosa e de constituição de família – desde que essa escolha não negue a responsabilidade ética de respeitar o direito do outro, um código fundamental da convivência humana.

Não é possível ignorar, por exemplo, as dificuldades enfrentadas há várias décadas, quando os casais heterossexuais conquistaram o direito de se separar e constituir novas famílias. Nessa época – assim como agora em relação aos direitos recém-conquistados pelos homossexuais – havia não só muitos preconceitos que fragilizavam moralmente aqueles que de forma legítima buscavam saídas para os casamentos infelizes, mas também muitos estigmas -  recaíam sobre os filhos, vistos como problemáticos. Não raro, eram dirigidos a essas crianças e adolescentes presságios de adoecimentos morais e psíquicos. Passados vários anos, estamos hoje muito longe da confirmação de tais vaticínios, embora seja possível reconhecer que a separação dos pais pode resultar em maior ou menor sofrimento para os filhos, dependendo da maneira como os desenlaces conjugais são vividos e resolvidos.

Face à legalização da união estável entre casais homossexuais, uma pergunta não para de reverberar: o que este ganho jurídico pode mudar, do ponto de vista psicossocial, na vida dos casais e famílias até então envoltos em estigmas, violências e proibições morais de exercer seus legítimos direitos de constituir relações amorosas e viver com as pessoas que escolheram para reinventar a vida?

Em meio à vibração dos militantes pelos direitos das minorias e mesmo dos simpatizantes da igualdade dos direitos civis entre cidadãos, observamos certa exacerbação das resistências à aprovação da lei. No Congresso Nacional, poucos dias depois, alguns deputados se insurgiram contra a emenda que criminaliza a homofobia no país, tumultuando o debate e inviabilizando a votação da proposta. Essa reação certamente tem muitos adeptos. Volta e meia vemos grupos que praticam atrocidades contra homossexuais, como as - registradas por câmeras na avenida Paulista, em São Paulo. No país inteiro encontramos verdadeiras cruzadas - homofóbicas que tentam exterminar aquele cujo “crime” é praticar o exercício da sexualidade nem sempre aceita socialmente.

Diante dessas constatações podemos indagar: por que o desejo do outro nos ameaça tanto? Há mais de um século a psicanálise revelou que nossos grandes temores não vêm do outro, daquele que é diferente de nós (embora muitas vezes pareça que sim), mas daquilo que desconhecemos em nós mesmos, e, exatamente por isso, repudiamos aquele que é diferente, depositamos nele algo de “maldito”, algo de que tentamos nos libertar. Se levarmos em conta essa inflexão, precisamos encarar a homofobia como uma impossibilidade de aceitação do que há em nós, como a rejeição de uma parte negada e temida de nós mesmos.

Ao mesmo tempo é possível pensar que os homossexuais ameaçam os heterossexuais também pela forma como buscam ser felizes em suas relações, enfrentando as adversidades e tentando encontrar nelas saídas para os conflitos e rejeições a que são expostos. Isso parece conferir certa autonomia associada à vida dos casais homoafetivos. Sem querer romantizar experiências, a liberdade de seguir um caminho (pelo menos aparentemente) alternativo, expressa por gays e lésbicas, é muitas vezes ameaçadora. E tais temores são de difícil erradicação, pois mostram o que há de enigmático em nós mesmos. Embora várias frentes revelem mudanças importantes na forma de viver o afeto e o erotismo, ainda prevalece o tabu que, em grande parte das sociedades, envolve o exercício da sexualidade.

À medida que surge maior abertura nos contornos sociais, verificamos uma visão mais libertária do novo e, em consequência, -possibilidades mais amplas de conviver com o diferente – tanto em nós quanto no outro. Exemplo disso é o sistema patriarcal que por muitos anos nos impôs a autoridade exclusiva do pai e a verticalização das relações no interior da família. Hoje, perdido o poder hegemônico, vemos as relações afetivas se tornar cada vez mais horizontais, e a autoridade se diversifica revelando diferentes (e ricas) facetas.

É preciso considerar também que transformações de valores culturais e mentalidades se dão lentamente: dependem, sobretudo, dos processos de socialização, em particular os primários, vividos nas relações com nossos pais, responsáveis pelas primeiras transmissões mediadas pelos afetos. Dito de outro modo, os valores chegam até nós no momento em que somos totalmente dependentes afetivamente daqueles que nos apresentam esses princípios e, portanto, estamos nessa fase incapazes de contestá-los. Se, por um lado, essas condições facilitam a internalização de valores, por outro, mais tarde dificultam sua erradicação. Crescemos com aquilo que herdamos ainda na infância e só muito devagar nos libertamos de alguns conceitos que assimilamos – pelo menos inicialmente –, impossibilitados de questionar. Possíveis mudanças dependem da capacidade de flexibilizar-se, e isto, por sua vez, advém da estrutura psíquica de cada um e até mesmo do grau de saúde mental e da habilidade de “reinventar-se” de forma mais livre. Em outras palavras, as transformações processadas na sociedade não são simultaneamente introjetadas. É preciso, antes, amadurecer as novas ideias.

De qualquer modo, é na articulação entre os âmbitos jurídico, cultural e psíquico que surgem grandes metamorfoses na sociedade. Provavelmente veremos isso a partir de agora, quando a legitimação da união estável tornar mais visíveis as relações homoafetivas, facilitando as diferentes formas de concepção dos filhos e o reconhecimento dessas crianças, sem que seja necessário cobri-las com o manto da dissimulação e da vergonha que até então as acolhia. Penso que, enquanto não promovermos um desarmamento moral, capaz de suportar o potencial humano para ser diferente, estaremos sempre vulneráveis à violência e à solidão. Os ganhos, agora conferidos aos homossexuais, só tornam mais evidentes as perguntas que deveríamos nos fazer cotidianamente: que direito temos nós de condenar o desejo do outro, uma vez que esse desejo é, também, parte de nós mesmos? Que direito temos de dizer ao outro como deve conduzir sua vida afetiva?

A maneira de conviver com a homossexualidade modificou-se ao longo dos anos. Comportamentos vistos como absolutamente normais na Antiguidade foram rotulados de degenerados no século 19. E só recentemente essa expressão da sexualidade deixou de ser considerada uma doença mental. Na edição de 1968 do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), obra de referência para psiquiatras, a atração por pessoas do mesmo sexo aparecia no capítulo sobre desvios, classificada como um tipo de aberração.

Foram os próprios gays que, cansados de ser taxados de aberrações, começaram a defender a ideia de que sua orientação não era patológica. Um momento histórico na transformação dessa forma de pensar ocorreu após uma violenta ação policial no Stonewall Inn, bar gay no Greenwich Village, em Nova York, em 28 de junho de 1969. Nos cinco dias seguintes, uma multidão continuou a se reunir no local, protestando contra a discriminação e exigindo direitos iguais para homossexuais. Conhecido como rebelião de Stonewall, o evento é considerado a marca inicial para a maior aceitação cultural da homossexualidade no mundo todo.

Quatro anos mais tarde, a Associação Americana de Psiquiatria (AAP) começou a reavaliar essa questão. Uma comissão liderada pelo médico Robert L. Spitzer, da Universidade de Colúmbia, recomendou que o termo “homossexualidade” fosse retirado da edição seguinte do DSM, mas a sugestão não surtiu efeitos práticos. Pouco depois de os dirigentes da AAP votarem a favor da alteração, 37% dos psiquiatras consultados sobre o tema disseram ser contrários à mudança. Alguns chegaram a acusar a associação de “sacrificar princípios científicos em nome dos direitos civis”.

Nos anos 90, grande parte dos psicólogos ainda argumentava que a homossexualidade era um distúrbio psíquico. Para defender esse ponto de vista, muitos se apoiavam na penúltima edição da Classificação internacional de doenças (CID-9), de 1985, que considerava essa orientação formalmente patológica. Atualmente, porém, os conselhos regionais de psicologia (CRPs) são claros em orientar os profissionais da área para que não tratem a homossexualidade como distúrbio, a manifestação de preconceitos pode deflagrar processos e punições.

O preconceito em relação à homossexualidade muitas vezes é dissimulado e, apesar das transformações culturais, em certos meios persiste a ideia de que essa orientação é uma doença que precisa ser “curada”. Alguns defensores de terapias que se propõem a isso buscam respaldo na teoria de Sigmund Freud (1856-1939), cujas palavras foram tantas vezes descontextualizadas e interpretadas de maneira tendenciosa. As formulações do autor passaram por diferentes momentos e sofreram acréscimos significativos ao longo de sua obra, o que permite variadas interpretações, dependendo do texto que for tomado como referência. Em artigo de 1930 no qual discute o caso de uma moça que se apaixona por uma jovem senhora da sociedade, por exemplo, Freud considera que, quando uma mulher escolhe outra como objeto de amor, revela uma fixação infantil – não necessariamente decepção com o pai. Fixações, entretanto, não são exclusividade dos homossexuais – nem podemos procurar “culpados” por elas. As diferentes preferências – e consequentes escolhas ou negações – revelam singularidades e fatores inconscientes de cada pessoa.


Disponível em http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/relacoes_homoafetivas_avancos_e_resistencias.html. Acesso em 29 jun 2013.

domingo, 30 de junho de 2013

Juiz reconhece e dissolve união homoafetiva

Consultor Jurídico
27 de março de 2012

O juiz Genil Anacleto Rodrigues Filho, da 26ª Vara Cível de Belo Horizonte, reconheceu e dissolveu uma união homoafetiva já desfeita, entre duas mulheres, para poder determinar a partilha de bens entre elas. Mesmo após o fim da união entre as duas mulheres, com base em depoimentos de testemunhas e sob o entendimento de que os homossexuais "possuem direito de receber igual proteção tanto das leis como da ordem político-jurídica instituída e que é inaceitável qualquer forma de discriminação”, o juiz determinou a partilha de um imóvel adquirido durante o período em que as duas estiveram juntas.

Na ação, uma das mulher pretendia ter reconhecida e dissolvida a união, de fato já desfeita, para requerer os bens a que acreditava ter direito. Alegou que estabeleceu uma relação homoafetiva com a outra de julho de 1995 até 2002. Naquele período, afirmou que adquiriu com a companheira um apartamento, onde residiam, e ainda um veículo Ford Pampa. Pretendia receber o automóvel e quase R$ 32 mil, referentes ao imóvel, mais a quantia de sua valorização.

Já a outra mulher negou a existência do relacionamento estável e afirmou que inexistia “a figura jurídica da união estável homoafetiva”. Negou compartilhar os mesmos objetivos da outra mulher, alegando que a relação delas “não era pública, não foi duradoura e não foi estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

Reconheceu que utilizou o nome da outra para aquisição do imóvel “apenas por conveniência”, mas que o bem foi adquirido com recursos próprios, sendo que a entrada do imóvel foi paga com recursos seus oriundos de uma rescisão trabalhista, e o financiamento foi quitado através de débito em conta.

O juiz Genil Anacleto destacou diversas jurisprudências, com destaque para julgamento recente do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu “inexistir impossibilidade” de se reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Citando documentos e os depoimentos de testemunhas colhidos em audiência no fórum de Pará de Minas, o juiz concluiu que as "testemunhas ouvidas foram uníssonas" em afirmar que, de fato, as mulheres tiveram um relacionamento homoafetivo e viveram cerca de cinco anos em união estável.

Comprovada a união estável, o juiz considerou o regime de comunhão parcial de bens para, com base nos comprovantes de depósitos apresentados pela mulher que entrou com a ação, reconhecer-lhe o direito a 8,69% do valor do imóvel, correspondente a prestações do imóvel pagas conjuntamente durante a convivência.

Quanto ao veículo, considerou comprovado que foi adquirido a partir da venda de outro comprado antes da união, não reconhecendo, portanto, o direito de partilha desse bem. Cabe recurso.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2012-mar-27/juiz-reconhece-uniao-homoafetiva-desfeita-divisao-bens. Acesso em 22 jun 2013.

sábado, 27 de outubro de 2012

A conversão da união estável homoafetiva em casamento

José Menah Lourenço
25 de outubro de 2012

Como se sabe, é, atualmente, pacífico o reconhecimento de união estável homoafetiva,ou seja, entre duas pessoas do mesmo sexo, superando a opinião outrora vigente da mesma só ser possível entre homem e mulher — conforme artigo 1723, do Código Civil.

Portanto, não há como se discutir acerca da validade ou da existência de tal união estável ante o julgamento, pelo Pretório Excelso, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 (DF), em conjunto a Arguição de descumprimento de preceito fundamental 132 (RJ), que lhe garantiu pleno reconhecimento jurídico, produzindo eficácia contra todos (erga omnes) e efeitos vinculantes, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública — nos termos do artigo 102, III, parágrafo 3º, da Constituição Federal e das Leis 9.868/1999 e 9.882/1999.

Indispensável, pois, a transcrição da respectiva ementa:
"1. (...). 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA.

O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do artigo 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de promover o bem de todos. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana norma geral negativa, segundo a qual "o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido". Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO FAMÍLIA NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIOCULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA.

O caput do artigo 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão família, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada" (inciso X do artigo 5º). [...] Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE "ENTIDADE FAMILIAR" E "FAMÍLIA".

A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no parágrafo 3º do seu artigo 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o artigo 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do artigo 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia "entidade familiar", não pretendeu diferenciá-la da família. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado entidade familiar como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do parágrafo 2º do artigo 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem "do regime e dos princípios por ela adotados", verbis: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO.

Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição.

6. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA "INTERPRETAÇÃO CONFORME"). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES.

Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do artigo 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de interpretação conforme à Constituição. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.[1]
Assim, tal fato dispensa maiores comentários ou dissertações a respeito, sendo, pois, uma realidade integrada a nosso direito, garantindo aos companheiros de tal união estável que deve ser, obviamente, pública, contínua e duradoura todos os direitos decorrentes, tais como alimentos, sucessão, entre outros.

É possível a conversão da união estável homoafetiva em casamento?

Contudo, outra questão decorrente de tal julgamento — sendo, sem dúvida, uma decorrência natural deste — é a possibilidade — ou não — da conversão da união estável homoafetiva em casamento.

Embora, como dito, tal suposição seja decorrente do mencionado julgamento, a existência de tal possibilidade não é, nem de longe, pacífica.

a) Corrente que não reconhece tal possibilidade
Com efeito, para muitos, a decisão do Supremo Tribunal Federal não mencionou tal hipótese, apenas se limitando a reconhecer ausência de vedação constitucional à união estável homoafetiva, posto que o artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição Federal, seria uma norma inclusiva, visando garantir direitos e deveres à esfera jurídica daqueles que têm um relacionamento público, duradouro e contínuo com outra pessoa do mesmo sexo.
Ademais, o casamento é ato com diversas regras para sua consecução (habilitação, celebração, impedimentos, causas suspensivas, entre outros) garantindo a chancela estatal a tal ato volitivo (exclusivamente entre homem e mulher, para os próceres de tal tese), desde que cumpridos seus inúmeros requisitos legais.

Estribando tal pensamento, além da interpretação gramatical do artigo 1514, do Código Civil, a doutrina tradicional — Lafayette e Bevilacqua, respectivamente — estipula o casamento como união entre homem e mulher:
“O casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre”. “O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente”.[2]

Os paladinos de tal tese observam, também, que, autorizando tal conversão em casamento, estar-se-ia realizando indevida interpretação extensiva, arvorando-se o juiz em legislador.

b) Corrente oposta, assegurando tal possibilidade  
Em sentido contrário, aqueles que defendem tal conversão voltam seus olhos não para o estrito regramento do casamento, previsto no Código Civil, mas para os próprios direitos da personalidade dos casais homoafetivos, em união estável, que buscam a respectiva conversão em casamento — que, com o divórcio, não é necessariamente para sempre, como diziam Lafayette e Bevilacqua.

Com efeito, usam dos mesmos direitos outrora aventados quando do pleito pelo reconhecimento da união estável homoafetiva: dignidade da pessoa humana, liberdade, autodeterminação, igualdade, pluralismo, intimidade, não discriminação, busca da felicidade e segurança jurídica.

Claro que, para os partidários de tal entendimento, este direito à conversão não é ilimitado — como não é nenhum direito...—, devendo ser considerado o impedimento à conversão daquele que era separado de fato ou judicialmente, quando iniciada a união estável, devendo estar divorciado quando realizar tal pleito.

E tal tese também encontra ressonância.

A Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Alagoas dá acatamento pacífico a tal hipótese, através do Provimento 40, de 6 de dezembro de 2011:
Artigo 1º Os Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais do Estado de Alagoas deverão receber os pedidos de habilitação para casamento de pessoas do mesmo sexo, procedendo na forma do parágrafo 1º do artigo 67 da Lei 6.015/73.

Parágrafo único. Mesmo na hipótese de não haver impugnação pelo órgão do Ministério Público ou, ainda, oposição de impedimento por terceiro, na forma prevista no parágrafo 3º do artigo 67 da Lei 6.015/73, os autos deverão ser, imediatamente, encaminhados ao Juiz, que decidirá sobre o pedido de habilitação.

E mesmo na jurisprudência tal tese também faz eco, ainda que tímido, como se vê em julgado do Superior Tribunal de Justiça que, em leading case e por maioria, autorizou pedido de habilitação de casamento para pessoas do mesmo sexo:
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 132/RJ E DA ADI 4.277/DF.

1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam “de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita.

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF 132/RJ e da ADI 4.277/DF, conferiu ao artigo 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.

3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado família, recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento — diferentemente do que ocorria com os diplomas superados — deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade.

4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição — explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF — impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos.

5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família.

6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os “arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto.

7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (parágrafo 7º do artigo 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união.

8. Os artigos 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.

9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário — e não o Legislativo — que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos.

10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitirse desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido".[3]

No mesmo sentido, julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
“REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS - Recurso interposto contra decisão que deferiu registro da conversão de união estável homoafetiva em casamento — Orientação emanada em caráter definitivo pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 4277), seguida pelo Superior Tribunal de Justiça (Resp 1.183.378) - Impossibilidade de a via administrativa alterar a tendência sacramentada na via jurisdicional — Recurso não provido” (Apelação Cível 0000601-12.2011.8.26.0037, relator Desembargador Renato Nalini).
E, culminando tal raciocínio, seguem os mesmos ventos o Enunciado 525, do CJF, divulgado na 5ª Jornada de Direito Civil:
“Artigo 1.726. É possível a conversão de união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento, observados os requisitos exigidos para a respectiva habilitação.”

Conclusão

Respeitados os defensores da não possibilidade de conversão da união estável homoafetiva em casamento, mister observar que a jurisprudência pende para aceitar tal possibilidade, embora tal pensamento encontre muita resistência, o que levará a inúmeras decisões em ambos os sentidos no dia-a-dia forense.

O mais correto, contudo, seria que o legislador fizesse sua parte, com diploma que decidisse tal tema de forma precisa e constitucional, em vez de jogar tal decisão, de enorme controvérsia jurídica, para os magistrados, em detrimento da segurança jurídica dos jurisdicionados.

[1] STF. ADI 4277, Relator: Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341
[2] Cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. “Direito Civil Brasileiro”, Ed. Saraiva, 4ª edição, pp. 22/23
[3] STJ. REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012

Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-out-25/jose-lourencoa-conversao-uniao-estavel-homoafetiva-casamento>. Acesso em 27 out 2012.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Vida com dois pais e duas mães

Eliara Andrade
26/08/12 

Eles somam 60 mil, segundo o Censo 2010 do IBGE. Já oficializadas do ponto de vista legal (ainda falta o casamento), as relações homoafetivas são mais um exemplo dos novos arranjos familiares no Brasil, conforme mostra a série de reportagens “A Nova Família Brasileira”, iniciada ontem no GLOBO. E as mulheres são maioria nesses arranjos, respondem por 53,8% dos lares.

— Há uma subnumeração. As mulheres têm mais facilidade de reportar a condição ao recenseador. Duas mulheres juntas sofrem menos discriminação — afirma Ana Saboia, coordenadora de Indicadores Sociais do IBGE.

Um bom exemplo dessa nova realidade é o casal de empresários Mailton Albuquerque, 35 anos, e Wilson Albuquerque, 40, residentes em Recife. No mês de março, eles apresentaram Maria Tereza, a primeira criança com dupla paternidade do país, nascida de barriga de aluguel. Na sua certidão de nascimento não há nome de mãe, só dos pais, que vivem juntos há 15 anos. Afirmam ter certeza que pretendem permanecer assim até o fim da vida. Por isso, decidiram constituir família.

Os diferentes modelos de lares no Brasil:

Em dez anos, subiu de 132 mil para 400 mil os lares com não parentes
O poder das mulheres nas famílias
Crianças já são chefes de família em 130 mil lares brasileiros
Expectativa de vida maior junta avós e netos
Os meus, os seus e os nossos: lares mosaicos crescem pelo Brasil
A nova organização familiar do Brasil
“Pai, mãe e filhos” já não reinam mais nos lares
‘Bloco do eu sozinho’ já soma quase 7 milhões
Mães e pais que valem por dois em 10 milhões de lares pelo Brasil
‘Renda maior e tecnologias tornam a vida de quem vive só mais fácil’
‘Você ainda está casado com a Regininha?’

A menina, hoje com seis meses, é filha biológica de Mailton, que recorreu a uma clínica de inseminação artificial e contou com o óvulo de uma doadora anônima. Uma prima que nunca quis se identificar cedeu o ventre para a gestação. Ambos já têm embriões congelados, caso queiram aumentar a prole. O próximo projeto é um filho biológico de Wilson, que deve ser gerado a partir de outubro. Uma pessoa da família já se prontificou a abrigar o embrião e no momento se submete à bateria de exames necessários ao procedimento.

— Não queremos dar um intervalo muito grande. Vamos criar os filhos juntos e esperamos que seja um anjo como Maria Tereza — diz Wilson, lembrando que pensaram em adoção, mas desistiram diante da burocracia.

Mailton diz que os dois querem que a criança se espelhe na educação e no afeto dos pais, e por esse motivo têm se dedicado muito à menina, ao ponto de levá-la duas vezes por semana à empresa deles em Recife:
— Queremos que nós e não babás sejam sua referência, e que Maria Tereza tenha intimidade com a gente.

Lésbicas, católicas e felizes

O capacho da porta de entrada da família Matos Lima é um arco-íris, numa alusão à bandeira dos movimentos gays. No amplo apartamento da Zona Oeste de São Paulo, minuciosamente decorado, vivem quatro mulheres: as mães Marcela Matos, de 43 anos, e Daya Lima, de 30, profissionais do ramo de comunicação, e as filhas Nina, de 16 anos, e Lisa, que completará dois. Marcela e Daya estão juntas há 10 anos.

Nina foi adotada por Marcela quando tinha dois anos. Daya entrou na vida de ambas no ano em que a garota completara seis anos. A certidão de nascimento de Nina, assim como a de Lisa, leva o sobrenome das duas mães, graças a um processo judicial.

Quase todos os domingos a família vai junta à missa. A experiência que tiveram ao manter Nina em um colégio católico, porém, não foi boa. As mães contam que, quando a filha tinha cerca de 10 anos, a professora pediu que os alunos escrevessem uma redação relatando como eram as suas famílias.

— Todos leram o texto em voz alta na sala. Mas, quando chegou a vez de a Nina ler, a professora não deixou. Foi neste episódio que decidimos trocar de escola — conta Marcela, que agora está feliz pois sua filha estuda em um colégio sem preconceitos, onde as colegas dela curtem a ideia de ter duas mães.

Sete anos depois de morarem juntas, o instinto materno de Daya aflorou e ela decidiu que queria engravidar. Elas tentaram fazer uma inseminação artificial, mas não deu certo. Em seguida, mudaram o método, arriscaram a fertilização in vitro e tiveram sucesso. Diferente do comum, elas não procuravam homens de cabelos lisos e olhos azuis, mas algum com profissão interessante.

— Havia um que era taxista. Eu achei tão romântico e sensível um cara ser taxista, que é uma profissão que não exige formação complexa, e doar o sêmen. Queria esse — diz Daya, mas sem revelar se esse foi o escolhido.

Preconceito ainda persiste

Um casal de homens, que também teve a rotina acompanhada pelo GLOBO, disse desde o primeiro encontro que não queria ser identificado nem fotografado. Um deles é executivo de uma grande multinacional e mantém sua opção sexual em sigilo. Só se assumem quando viajam ao exterior.

Disponível em <http://oglobo.globo.com/economia/vida-com-dois-pais-duas-maes-5902254>. Acesso em 07 set 2012.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

União estável entre homossexuais

Roberto Dias
29 de maio de 2012

Há um ano, o STF reconhecia, por unanimidade, a união estável homoafetiva como entidade familiar. Foi uma decisão histórica que rejeitou a discriminação de pessoas em razão da orientação sexual.

Um ponto polêmico dizia respeito à previsão constitucional que reconhece, para efeito da proteção do Estado, “a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (artigo 226, parágrafo 3.º). Essa norma impediria a proteção da união de pessoas do mesmo sexo? Como superar a previsão literal? Este era um dos principais desafios do STF.

E a superação se deu com a interpretação sistemática da Constituição, com o entendimento de que ali há um conjunto harmônico de normas, como lembrado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia. Esse conjunto instituiu um Estado que, fundado na dignidade da pessoa, tem como objetivo constituir uma sociedade livre, com a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A união homoafetiva, portanto, tem sua base nos direitos fundamentais. Afinal, nas palavras do ministro Ayres Britto, não existe “subfamília, família de segunda classe ou família mais ou menos”. A heteroafetividade em si não torna os heterossexuais superiores, tampouco os “beneficia com a titularidade exclusiva do direito de constituir uma família”.

O STF concluiu que a Constituição, ao contemplar expressamente a existência da família formada pelo casamento, aquela decorrente da união estável entre homem e mulher e, também, aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes – família monoparental – não excluiu o reconhecimento da entidade familiar estabelecida pela união estável homoafetiva. Pelo fato de existir – nas palavras do ministro Marco Aurélio Mello – uma obrigação constitucional de não discriminação e de respeito à dignidade humana, às diferenças e à orientação sexual, não se pode interpretar literalmente as normas jurídicas que não reconhecem os direitos de grupos minoritários.

Podemos dizer que três importantes argumentos fundamentaram a decisão. Primeiro, o princípio da igualdade impede que as pessoas sejam discriminadas em razão da orientação sexual. A Constituição aceita a diversidade e reconhece o direito do indivíduo de construir, livremente, sua identidade.

Segundo: a Constituição garante o direito à intimidade, ou seja, relacionamentos afetivos mantidos por qualquer pessoa não dizem respeito a mais ninguém. Há direitos e obrigações que decorrem da união estável. Mas não importa se ela é formada pela afetividade heterossexual ou homossexual.

Em terceiro lugar, a Constituição deve ser interpretada como conjunto harmônico de normas: ela não é a somatória daquilo que está literalmente previsto em cada uma das partes isoladas. Assim, o fato de a Constituição não prever, explicitamente, a entidade familiar homoafetiva não significa que ela proibiu a união entre pessoas do mesmo sexo e sua proteção pelo Estado. Ao contrário, os direitos fundamentais previstos na Constituição – como a igualdade e a intimidade – impõem o reconhecimento da união homoafetiva, mesmo sem previsão constitucional explícita.


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Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,uniao-estavel-entre-homossexuais,879206,0.htm>. Acesso em 09 jul 2012.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Cresce número de brasileiros gays no exterior que pedem asilo alegando homofobia

Janaina Garcia
04/04/2012

Os pedidos de asilo político feitos por brasileiros gays que vivem no exterior passaram de três, em todo o ano de 2011, para 25 apenas nos três primeiros meses deste ano. A informação é da ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais), que afirma ter remetido os casos à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

De acordo com o presidente da entidade, Toni Reis, os pedidos se referem a tentativas de asilo principalmente em países como Estados Unidos e Canadá, e ganharam força após notícias de violência contra homossexuais  em cidades brasileiras como São Paulo –onde diversos casos foram notícia, ano passado, sobretudo com a avenida Paulista de palco das agressões.

Segundo Reis, apesar de remeter à SDH os casos que chegam, a própria associação ainda não assumiu um posicionamento formal sobre esses pedidos. O motivo, diz ele, é a possibilidade de que parte dos autores desses pedidos se valham de casos recentes de violências contra homossexuais no Brasil como escudo a tentativas de asilo político tentados, mas não obtidos.

“Temos cartas de pessoas dizendo que não dá pra viver no Brasil, e sempre com a alegação de homofobia no nosso país. Antigamente endossávamos esses pedidos com um relatório de assassinatos de homossexuais --foram 3.500 ao longo de 20 anos--, além do fundamentalismo religioso de um Bolsonaro da vida”, disse Reis, referindo-se ao deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), que provocou a ira dos defensores dos direitos LGBT, ano passado, com declarações polêmicas e consideradas ofensivas.

Para o militante, no entanto, o aumento de pedidos de asilo omite a adoção de políticas públicas específicas ao público LGBT, por exemplo, e a conquista de direitos civis, por meio do poder Judiciário, como a união estável garantida ano passado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

“Sabemos que algumas pessoas usam a questão da homofobia para tentar mesmo o asilo político. E não somos um Irã. Mas também é fato que os homofóbicos estão ‘saindo do armário’, o que torna um absurdo a homofobia ainda não ter sido criminalizada”, defende Reis. “Acho que ainda dá para viver aqui; se piorar, aí a gente vai mesmo ter que sair do país”, completou.

Não criminalização da homofobia

Para a presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Maria Berenice Dias, os pedidos de asilo não são uma novidade -- mas o aumento deles, sim.

A advogada -- uma das pioneiras, no Brasil, em direito homoafetivo -- considera, a exemplo do presidente da ABGLT, que a não criminalização da homofobia é a raiz de iniciativas como essa por parte de brasileiros residentes fora. “A homofobia pais é uma realidade social, e a ausência de uma legislação que a criminalize, por si só, já justifica esses pedidos de asilo”, definiu.

Na opinião da especialista, o avanço das tentativas de asilo não se revela medida extrema, mas, sim, “necessária”. “É medida necessária à medida em que se tem um número muito significativo de violência sem qualquer tipo de repressão. E acho até bom que esses asilos sejam concedidos, pois acabam até expondo o Brasil a um constrangimento --porque o Judiciário avança em termos de reconhecimento de direitos civis, mas na criminalização está difícil de avançar”, constatou a presidente da comissão.

Direitos Humanos

Procurada, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República informou, por meio de nota, que “tem trabalhado para enfrentar a violência homofóbica no Brasil de forma preventiva e repressiva”, seja por meio de campanhas institucionais ou em parcerias com veículos de comunicação, ou por meio de termos de cooperação com as secretarias estaduais de Segurança Pública.

A nota diz ainda que o governo brasileiro “cumpre com as recomendações das Nações Unidas e está realizando o levantamento dos dados de homofobia no Brasil” e ressalta que o cidadão pode denunciar casos pelo telefone 100, 24 horas por dia, anonimamente. Esses dados, continua a SDH, “demonstram que o Brasil desenvolve políticas públicas para que a população LGBT não seja obrigada a sair do país devido a sua orientação sexual”.

Não foram informados, contudo, quais encaminhamentos foram dados a pedidos de asilo que a ONG ABGLT afirma ter repassado à SDH.

Disponível em <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/04/04/cresce-numero-de-brasileiros-gays-no-exterior-que-pedem-asilo-alegando-homofobia.htm>. Acesso em 16 jun 2012.