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sábado, 24 de novembro de 2012

Seduções íntimas

Paola Emilia Cicerone

Há peças de roupa feminina que servem para cobrir, proteger ou esquentar – e existem aquelas que escolhemos para instigar o prazer daqueles que desejamos atrair. Qualquer que seja a motivação da escolha, aquilo que vestimos – ainda que junto à pele, longe do olhar da maioria das pessoas – faz revelações sobre nossos medos e fantasias. Embora hoje as rendas e os lacinhos já não estejam tão escondidos, até há poucos anos sutiãs, calcinhas, combinações, anáguas e corpetes, sempre em cores discretas, eram encontrados apenas em lojas de armarinhos ou nas prateleiras dispostas disfarçadamente nas grandes lojas. Atualmente a roupa íntima é um fenômeno de moda presente em campanhas publicitárias famosas; tornou-se um aspecto da cultura. Quem não se lembra, por exemplo, do comercial dos anos 80 cujo tema era o “primeiro sutiã”, ou do advento do modelo wonderbra, que inaugurou as curvas falsas? 

“Essas peças estão em uma posição ‘intermediária’ entre a pele e o tecido das roupas comuns; é essa carga simbólica que faz com que um corselete cause um impacto visual muito diferente daquele provocado por um maiô inteiro, que também cobre – ou deixa de cobrir – exatamente a mesma extensão do corpo de uma mulher”, afirma o semiólogo Ugo Volli, pesquisador da Universidade de Turim. Até o século 18, porém, eram os homens que usavam meias e ligas para deixar as pernas e até os genitais à mostra. As calcinhas também são uma invenção moderna. “No passado, acreditava-se que a mulher deveria ser ‘aberta embaixo’, uma ideia que ainda permanece disfarçadamente presente no imaginário erótico e é expressa por meio de imagens como a de Sharon Stone no filme Instinto selvagem, de 1992”, ressalta Volli. Segundo o estudioso de sistemas de signos e símbolos, essa crença, que estimula a fantasia de descobrir algo “secreto”, pode explicar por que os homens preferem, por exemplo, as meias femininas que vão até a altura das coxas, em vez dos modelos inteiriços. 

“O fascínio da roupa íntima está na brincadeira do vejo/não vejo que atrai a atenção para as zonas erógenas, o que faz com que estar vestido seja, em geral, mais erótico que ver o corpo completamente nu”, afirma o psicólogo e terapeuta de casais Giuseppe Rescaldina.

O pesquisador dinamarquês Per Ostergaard lembra que, em certas situações, usar determinada roupa é uma espécie de ritual, um momento de passagem: há peças que, na intimidade, despertam o imaginário erótico e permitem ao casal encarnar o que ele chama de “personagens de si mesmos”. Em geral a renda branca, por exemplo, evoca a ideia de pureza; já a cor preta costuma ser associada à ideia de mistério e sofisticação. Para grande parte das pessoas o vermelho vivo lembra tanto sensualidade quanto transgressão, enquanto estampas que imitam pele de animais podem remeter ao erotismo e à sensualidade. Embora não haja consenso, fatores culturais também entram em jogo, e persiste um imaginário erótico constantemente incrementado pela mídia. O fato é que a roupa íntima “fala de nós” e nos permite viver diferentes papéis. Talvez por isso a renda transparente, o corselete e as meias 7/8 continuem sendo tão atraentes por tantas décadas. Embora a tecnologia proponha cortes e tecidos confortáveis outrora inimagináveis, as imagens que realmente seduzem são as da roupa íntima que parece ser usada justamente para ser tirada.

LIMPO E CONFORTÁVEL

Já para os homens, a visão é um dos sentidos fundamentais para alimentar a excitação, enquanto mulheres costumam se voltar para o conjunto. Não é à toa que a maioria delas conseguem manter vários focos de atenção simultaneamente. “Trata-se de uma herança da época na qual o macho deveria escolher uma parceira com a qual propagar os próprios genes, por isso se voltava para detalhes, enquanto a fêmea precisava de um companheiro para criar a prole, e fazer essa avaliação exigia observar o conjunto com um olhar mais abrangente”, observa o sexólogo Fabrizio Quattrini, presidente do Instituto Italiano de Sexologia Científica, em Roma. É por isso que peças transparentes em cores que se destacam do tom da pele, cobrindo (e ao mesmo tempo evidenciando) as zonas erógenas excitam tanto os homens. Ou pelo menos grande parte deles. 

A cor da pele, em geral, é menos apreciada porque lembra demais a própria carne – e a suavidade, remetendo à realidade concreta, causando uma dicotomia entre carinho e paixão. “Simplificando, podemos afirmar que homens apreciam elementos que ‘forçam’ e ressaltam a imagem, que em nossa imaginação poderiam ser usados por um travesti ou uma prostituta. O vermelho forte, o sutiã que realça os seios ou a bota de salto fino superalto têm algo de tentador e ao mesmo tempo de proibido”, comenta a sexóloga Chiara Simonelli. “É uma espécie de fantasia que, para algumas pessoas, ajuda a acordar os sentidos, dá asas à imaginação e permite experimentações que, se estivessem vestidas de forma ‘comum’, dificilmente fariam”, diz. Neste contexto, a preparação até que a roupa seja exibida ao olhar alheio – a escolha da cor, dos detalhes, da maquiagem, a admiração da própria imagem antes, no espelho, e o momento da surpresa para o parceiro – compõe um ritual de apropriação de aspectos nem sempre óbvios da personalidade. A sexóloga ressalta que a característica arcaica da sensibilidade masculina é despertada por estereótipos, o que faz com que elementos eróticos pareçam especialmente interessantes. Essa produção pode, em determinados casos, apresentar-se para o homem como a sedutora imagem da mulher que se oferece a ele como um presente e, assim, o reafirma em seu papel dominante – na prática, um lugar cada vez menos efetivo. 

Já o olhar feminino costuma valorizar o conjunto, o que torna as mulheres mais benevolentes. Elas demonstram preferência por roupas íntimas masculinas que combinem conforto, elegância e higiene. Antigamente, um homem que dedicasse muita atenção à própria roupa de baixo seria classificado como pouco viril. Hoje, embora esse interesse exagerado continue a ser uma característica do universo homossexual masculino, a afirmação da própria imagem já comporta a descoberta do cuidado com o corpo e – algo antes impensável – maior preocupação com a roupa de baixo.

MELHOR SEM ROUPA?

Para muitas mulheres, o uso da lingerie pode ajudar a enfatizar ou resgatar a feminilidade: em muitos casos, admirar-se ao espelho com um conjunto bonito de calcinha e sutiã é um recurso para fazer as pazes com o próprio corpo – e aceitar que não é necessário ser perfeita para ser bonita, sensual e desejada. Segundo Ostergaard, porém, a roupa íntima sedutora traz contradições. Ao mesmo tempo que reforça a autoestima, pode exaltar inseguranças. Serve para realçar a feminilidade e tem o “poder mágico” de enfatizar a feminilidade, particularmente apreciada em uma época na qual as diferenças de gênero têm sido suplantadas. E existe quem se refira à lingerie como um estímulo a experimentações em relação à própria sexualidade. Essas peças, no entanto, têm sido um instrumento de controle do corpo feminino, aproximando-o do estereótipo imposto pela mídia: para se sentir bem com determinadas produções é indispensável aderir aos padrões estéticos oficiais. É como se as mulheres tivessem interiorizado certa imagem sem se dar conta de que ela não tem nada de natural, de que é apenas o resultado de recursos para aumentar o volume das formas ou sustentá-las. Isto também acontece porque aumentou a oferta de peças que antes pareciam reservadas a strippers ou garotas de programa. 

Parece, contudo, que a maioria não aprecia os excessos e prefere se mostrar sensual, em vez de declaradamente sexy. “Não seria exagero dizer que cada vez mais mulheres reconhecem o cérebro como o instrumento de sedução por excelência”, ressalta o sociólogo Francesco Morace, da empresa Future Concept Lab, especializada em pesquisas de opinião e comportamento. De qualquer forma, independentemente da classe socioeconômica, quase todas as mulheres têm alguma roupa íntima “especial”, embora o significado do termo seja subjetivo. Algumas valorizam seda e laços, enquanto outras preferem um conjunto clássico de calcinha e sutiã ou guardam com cuidado aquele que “deu sorte” em determinada ocasião. As peças adquirem valor simbólico, tanto que muitas vezes são guardadas de uma maneira diferente e não são emprestadas nem mesmo para as amigas mais íntimas com as quais se poderia tranquilamente dividir um biquíni, por exemplo. 

E não se pode esquecer que existe uma roupa íntima certa para cada ocasião. “Elas são escolhidas como um instrumento de comunicação com base em quem imaginamos encontrar”, observa Volli. Existe aquela para mostrar ao médico, às colegas da academia de ginástica e para o parceiro em uma noite especial. Não raro, as mulheres reservam a melhor calcinha para a noite em que sabem que irão para a cama com alguém. E há até aquelas que evitam um encontro íntimo quando não estão usando uma peça que não lhes pareça suficientemente adequada.

Parece não haver dúvida de que a roupa íntima serve para seduzir, “esquentar” o relacionamento ou, em alguns casos, simplesmente garantir mais segurança quando chega o momento de tirar a roupa. “De fato a escolha da lingerie pode ajudar a trazer de volta o componente lúdico de uma relação, o que é certamente positivo, mas é preciso que haja certa cumplicidade entre o casal para que ambos se divirtam”, afirma Volli. 

E obviamente há o risco de que a mulher que apostou numa roupa íntima sexy tenha alguma desilusão. Isto acontece quando, por exemplo, o conjunto comprado com tanto cuidado não recebe nenhum comentário, já que alguns homens (ainda) consideram os elogios como um sinal de fraqueza. E quando se recebe a lingerie de presente? “O gesto expressa desejo de intimidade e pode abrir possibilidades de diálogo”, acredita Rescaldina, embora muitas vezes os artigos escolhidos pelos parceiros sigam mais o próprio imaginário que as formas de quem deve usá-los. 

Na opinião do psicólogo, um look ousado, composto de meias aderentes, cinta-liga e sapatos de salto alto, exibido por quem sempre usou roupas folgadas tanto encanta quanto assusta o parceiro, principalmente se a relação passa por uma crise. A atitude feminina provocativa, principalmente quando surge de forma repentina, pode amedrontar homens mais inseguros, que tendem a ver a ousadia ou a sensualidade explícita de forma desvinculada do afeto que consideram “condizente” com uma relação estável. Apesar das transformações sociais e culturais, em alguns segmentos da sociedade o preconceito ainda ronda o imaginário coletivo marcado pelo machismo. E mesmo que inconscientemente, muitas vezes prevalece o conceito arcaico de que a fêmea é uma presa a ser dominada. Por isso, a maneira como uma mulher se veste (ou se despe) para se colocar no lugar de objeto de desejo do parceiro pode fazer com que ela seja vista como uma ameaça, um perigo, já que terá aquele que a quer sob seu domínio. Nesses casos, em vez de obter o resultado esperado, uma produção mais ousada pode surtir resultado oposto. E no lugar da atração, surgir o medo e, consequentemente, a rejeição. E poucas frases são menos bem-vindas do que a pergunta: “Mas o que você está vestindo?!”. 

Embora grande parte dos homens tenha ideias bastante precisas sobre seus gostos em relação ao vestuário feminino – , e não poderia ser de outra forma, tendo em vista a frequência com que certas imagens são alardeadas pela publicidade e oferecidas pela mídia – muitos realmente não se interessam por essas peças. Pensam que, quando se chega ao ponto de ver a lingerie, o jogo de sedução já está em andamento, e são sinceros quando afirmam que preferem a parceira simplesmente “sem roupa alguma”. 

A orientação dos especialistas para evitar decepções? Sondar a opinião do parceiro antes de fazer uma surpresa. De preferência, escolher peças que deixem quem usa à vontade – permitindo-se brincar com o imprevisível e com a sensualidade, porque talvez o mais importante não seja a roupa em si, mas o modo como ela é usada e toda a fantasia que evoca. Afinal, com atmosfera certa, até o agasalho macio e confortável pode mexer com a imaginação.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/seducoes_intimas.html>. Acesso em 15 nov 2012.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Por que os homens procuram travestis?

Ivan Martins
20/05/2008

Mendes tem 37 anos, cabeça raspada e brinco na orelha direita. Pelos modos e pela aparência, o rapaz branco de família evangélica não se distingue de outros milhões de jovens paulistanos, exceto por uma particularidade importante: ele namora um travesti, Flávia. Os dois se conheceram há cinco anos no centro de São Paulo e, de lá para cá, constituem um casal. Na semana passada, sentado ao lado de Flávia na sala de um apartamento na Rua General Osório, Mendes explicava, em voz pausada, as bases da relação. “Nosso relacionamento é hétero”, afirma. Isso quer dizer que, no sexo, ele é a parte viril do casal, enquanto Flávia cumpre o papel de mulher. “Mas entre nós não existe só sexo. A gente tem amor e cuida um do outro.” Com cabelos negros e corpo esguio, Flávia ganha a vida se prostituindo nas ruas. Ele trabalha nas ruas como vendedor.

As palavras de Mendes revelam, sem explicar, um dos grandes mistérios da sexualidade moderna: a sedução exercida pelos travestis. Desde meados dos anos 70, quando despontaram nas esquinas das metrópoles brasileiras com saias minúsculas e seios exuberantes, essas criaturas híbridas conquistaram um espaço enorme no imaginário sexual do país. Todos os dias, milhares de homens se esgueiram por avenidas sombrias para comprar o prazer oferecido por seus corpos alterados. O risco envolvido nesse tipo de operação ficou claro há duas semanas, quando Ronaldo Nazário, o jogador de futebol mais famoso do mundo, transformou-se no protagonista de um escândalo que tinha como coadjuvantes três travestis do Rio de Janeiro. Ele foi com o grupo ao hotel Papillon e, durante a madrugada, desentendeu-se com um deles, Andréia Albertini. Acabaram todos na delegacia, de onde a história ganhou o mundo. A avalanche moral que desabou sobre Ronaldo a partir daí foi incapaz de responder à questão mais simples colocada pelo episódio: por que homens adultos e mesmo famosos arriscam segurança e reputação e vão atrás de travestis?

O antropólogo americano Don Kulick passou um ano vivendo com travestis em Salvador, sabe muito de seu cotidiano e mesmo de suas preferências íntimas. Mas não se arrisca a explicar quem são seus clientes. “Essa é uma grande incógnita. Embora acompanhasse os travestis todas as noites, não consegui distinguir um cliente típico”, diz. O livro de Kulick, professor da Universidade Nova York, sairá em português no fim deste mês, pela editora Fiocruz, com o títuloTravestis: Prostituição, Sexo, Gênero e Cultura no Brasil. Kulick conseguiu uma descrição razoavelmente rigorosa do que os fregueses exigem dos travestis. Durante um mês, pediu a cinco deles que registrassem o tipo de serviço prestado nas ruas. O resultado de 138 programas: em 52% dos casos os clientes queriam sodomizar, em 19% exigiam sexo oral, 18% queriam fazer aquilo que se costuma chamar de “troca-troca”, 9% pagaram para ser sodomizados e 2% para ser masturbados. “Não é insignificante que 27% dos homens nessa amostragem quisessem ser penetrados por travestis”, escreve s Kulick. “Mas esses homens não são maioria, como os travestis geralmente afirmam.”

‘‘Não é irrelevante que 27% dos homens da amostragem quisessem ser penetrados pelos travestis’’ 
DON KULICK, antropólogo americano

A confiar apenas no que dizem os travestis, o porcentual de seus clientes que se portam como homossexual passivo é alto. “Nove em cada dez homens querem ser penetrados”, diz Flávia, a namorada de Mendes. “Se o travesti não for bem-dotado e ativo, não ganha a vida na rua.” Exagero? Talvez. Assim como as prostitutas, os travestis têm uma relação antagônica com aqueles que pagam para usar seu corpo. Muitos não suportam exercer o papel viril que se exige deles na prostituição e o fazem com grande sofrimento, porque não encontram outra forma de ganhar a vida. Vingam-se dessa situação degradante com a mesma arma que a sociedade usa para humilhá-los: questionam a hombridade do freguês e o ridicularizam.

O psiquiatra Sérgio Almeida trabalha com travestis em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, e sua experiência corrobora em alguma medida a versão de Flávia. Cabe a Almeida a tarefa difícil de distinguir entre os travestis – definidos como homens que gostam de agir e sentir como mulher – e os transexuais, que se sentem mulheres aprisionadas em corpo masculino. Para estes, recomenda-se a cirurgia de troca de sexo. Para os travestis, ela equivale a uma mutilação e pode levar ao suicídio. Almeida gasta dois anos com cada paciente até decidir em que categoria ele se encaixa. “Desde 1997, fizemos 95 cirurgias e não tivemos nenhum problema”, afirma. O pós-operatório mostrou ao psiquiatra que ex-travestis são freqüentemente abandonados por seus parceiros quando perdem a anatomia masculina. E que os operados que insistem em continuar na prostituição perdem também a carteira de clientes. Algo de crucial desapareceu na cirurgia. “Não é verdade que os homens procuram travestis porque estes se parecem mulheres”, diz ele. “Eles querem o algo mais que as mulheres não têm.”

Os próprios envolvidos têm opiniões diferentes. Um leitor anônimo de epoca.com.br enviou depoimento no qual afirma, basicamente, que os travestis são a melhor opção sexoeconômica. Diz ele: “Já saí com vários travestis. O que me atraiu foi justamente o desejo físico pelos bumbuns e seios avantajados. Ficar com uma travesti para mim é conseguir a baixo preço uma mulher de porte e formas que eu jamais conseguiria pagar ou namorar”. Márcia, travesti paulista cuja foto abre esta reportagem, repele qualquer tentativa de analisar os homens com quem sai voluntariamente. “Para mim, homens que saem com travestis são heterossexuais de cabeça aberta, que topam qualquer coisa”, afirma. Advogado, casado, pai de uma moça, diz que tem impulsos de vestir-se e agir como mulher desde criança, mas que isso nunca o impediu de ter relações normais com mulheres: “Quando saio com um homem, ele não importa. O que me interessa é reforçar minha identidade de mulher”.

O mistério em torno dos homens que procuram travestis é proporcional à ignorância que cerca os próprios travestis. Como grupo populacional, eles são escarçamente estudados: não se tem a menor idéia de quantos sejam, no mundo ou no Brasil. Os líderes das organizações de travestis estimam que haja 5 mil ou 6 mil deles no Rio de Janeiro e uma quantidade muito maior – fala-se em 30 mil – em São Paulo. Nenhuma ciência ampara essas estimativas. Sabe-se que há travestis de Porto Alegre a Manaus, inclusive em cidades pequenas. Tem-se a impressão, entre os que lidam com o assunto, que o Brasil é o líder mundial nessa categoria – e o principal exportador para os países europeus, sobretudo Itália e Espanha. “O Brasil tem a maior população mundial de travestis e o maior número de travestis per capita”, afirma Kulick. Trata-se de uma opinião bem informada, mas é apenas opinião. Líderes de organizações de travestis como Keila Simpson, presidente da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais, querem que o censo inclua perguntas que permitam quantificar os diferentes grupos sexuais do país. “Como se pode dirigir políticas públicas a uma população de tamanho ignorado?”, diz.

A palavra-chave quando se trata de explicar a atração exercida pelos travestis parece ser ambigüidade. Eles são percebidos simultaneamente como homem e mulher, uma incongruência que mexe com as profundezas da psique humana. “O travesti mobiliza o desejo como mobiliza a repulsa”, afirma a psicanalista carioca Regina Navarro Lins. Outra psicanalista, Maria Rita Kehl, vê duas razões no fascínio pelos travestis. A primeira é que, por ser uma mulher com pênis, ele captura os restos das fantasias sexuais infantis. A outra está no fato de os travestis encarnarem a feminilidade de uma forma absoluta, que nenhuma mulher contemporânea aceitaria. “Só um travesti saberia ser tão feminino quanto quer a fantasia de alguns homens”, diz Maria Rita. “Se alguém sabe o que é ‘ser mulher de verdade’ (uma ficção masculina), é justamente o travesti.” Os próprios travestis são taxativos ao afirmar que seus fregueses procuram neles a diferença: a mulher com falo, a fantasia, o risco. “Transgressão é essencial. O proibido atrai”, afirma Marjorie, travesti com 20 anos de experiência nas ruas, que hoje trabalha na Secretaria de Assistência Social da Prefeitura do Rio de Janeiro. “As coisas que se dizem sobre os homens que saem com travestis são lendas machistas.”

Paira sobre essa discussão uma palavra que os psicanalistas detestam: patologia. Sim, as pessoas têm o direito inalienável de manter relações sexuais com quem quiserem, desde que haja consentimento mútuo. Posto isso, cabe a pergunta: está bem de cabeça um homem casado (como parece ser a maior parte dos clientes dos travestis) que abre a porta de seu carro na porta do Jockey Club, em São Paulo, e paga R$ 40 por uma hora de sexo com um homem que parece ser mulher? Os especialistas não têm uma resposta unânime a isso.

“Só um travesti saberia ser tão feminino quanto quer a fantasia de alguns homens”, diz uma psicanalista

Liberais dizem que, bolas, desejo é desejo, e não se pode explicar ou reprimir. Há que aceitar. “Entendo que os homens que só se realizam sexualmente com travestis possam estar mal resolvidos em sua orientação sexual”, diz Maria Rita Kehl. “Mas considerar que todos os que gostam de travestis são homossexuais acovardados é uma redução preconceituosa.” Na outra ponta, fala-se em sofrimento e confusão por trás dessa forma específica de prazer. “Para alguns homens é patológico”, afirma o psicanalista Oswaldo Rodrigues, do Instituto Paulista de Sexualidade. “Muitos fazem isso num impulso de autodestruição.”

Há os incapazes de lidar com seu próprio desejo por outros homens. Há os que buscam cumprir seu “papel social” no corpo feminilizado dos travestis. Há de tudo, e nem tudo é a festa do desejo que a modernidade implicitamente recomenda. Onde está o limite? Na dor. De acordo com o psiquiatra Ronaldo Pamplona da Costa, com mais de 30 anos de experiência terapêutica, muitos homens que saem com travestis o procuram em estado de sofrimento. Eis o que diz a respeito a psiquiatra Carmita Helena Abdo, que coordena o Projeto de Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo: “Se as pessoas fazem sexo responsável, não estão sofrendo e não me procuram, não quero normatizar a vida de ninguém”.

Disponível em <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI4421-15228,00-POR+QUE+HOMENS+PROCURAM+TRAVESTIS.html>. Acesso em 23 set 2012.

sábado, 3 de março de 2012

Dicas impressas 6: Ciúme; Moral; Paradoxo

DIEGUEZ, Sebastian. Otelo e a doença da suspeitaHá mais de 400 anos o personagem – marcado pelo ego frágil, controle emocional falho e visão distorcida da realidade – causa fascínio, a ponto de ter motivado a criação de um conceito psiquiátrico: o ciúme patológico. Mente e Cérebro, ano XVIII, n.º 221, pp. 64-69.

FADEL, Maria Maura. Até onde podemos ir? Há situações em que a busca por reconhecimento e valorização sufoca valores morais a ponto de homens e mulheres comuns se tornarem capazes de infligir grande sofrimento a alguém apenas porque o identificam como diferente ou desejam agradar a figuras de autoridade. Mente e Cérebro, Ano XVIII, n.º 219, pp. 20-23.

PASSOS, Maria Consuêlo. Reinvenção da vida A sociedade contemporânea nos impõe um paradoxo: somos seduzidos por um mundo sem fronteiras e, ao mesmo tempo, limitados pela impossibilidade de seguir ao encontro do outro sem tantas defesas – talvez a alternativa para superar essas ameaças seja investir no afeto. Mente e Cérebro Especial, n.º 29, pp. 38-41.

domingo, 13 de novembro de 2011

Dicas impressas 1: Sedução; Masturbação; Juventude

CICERONE, Paola Emilia. Seduções íntimasMeias de seda, sutiãs que realçam as formas dos seios, cintas-liga e calcinhas sensuais fazem mais que despertar a fantasia sexual: revelam preferências, desejos e medos de quem os usa ou os admira. Mente e Cérebro, ano XVIII, n.º 219, pp. 42-49.

ROMUALDO, Cristina. Prazeres solitários Cercada de preconceitos, muitas vezes interpretada como ato pecaminoso ou capaz de fazer mal à saúde, atualmente a masturbação é considerada importante para o conhecimento do próprio corpo e para o desenvolvimento da sexualidade. Mente e Cérebro Especial, n.º 29, pp. 28-31.

FADEL, Maria Maura. Traiçoeiros encantos da juventude A transição entre a infância e a idade adulta é marcada, pelo menos em tese, pela beleza, pela saúde e pelas possibilidades de experimentação, o que chega a despertar inveja nos mais velhos; mas trata-se também de um período de fragilidade psíquica, no qual a intolerância e a falta de limites podem trazer conseqüências trágicas. Mente e Cérebro, ano XVIII, n.º 220, pp. 52-55.