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terça-feira, 4 de agosto de 2015

Transexualização em narrativas de histórias de vida sobre a infância

Alexsander Lima da Silva; Adélia Augusta Souto de Oliveira 
Universidade Federal de Alagoas - UFAL, Maceió -AL

Resumo: Análise psicossocial do processo de transexualização na infância, por meio das narrativas da infância de três transexuais masculinos e três transexuais femininos, sendo dois representantes de cada geração – mais nova, do meio e mais velha. Identifica-se a produção histórica dos significados de gênero e suas vivências sentidas. Utiliza o referencial teórico e metodológico qualitativo da Psicologia Social e dos Estudos de Gênero. Realiza uma análise de conteúdo descritivo–interpretativa das histórias de vida. As infâncias foram marcadas pelos questionamentos sobre si mesmos e da sua diferença em relação às outras crianças e adaptar-se para serem aceitos. Destacam-se as brincadeiras de criança e estratégias de disfarce na aparência para serem meninos e meninas. Essas são formas de atender aos padrões heteronormativos e evidenciam aspectos fossilizados de significação. Por outro lado, a aceitação por parte dos familiares indica importante elemento de ruptura e de possibilidade de viver a diferença.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

“Estatuto da família” criaria cenário insustentável para casais homossexuais

Pedro Henrique Arcain Riccetto; Guilherme Fonseca de Oliveira
19 de outubro de 2014

Com a ascensão de um Congresso aparentemente mais conservador e faltando poucas semanas para o segundo turno das eleições presidenciais, as discussões envolvendo direitos humanos encontram-se ainda mais inflamadas do que o usual. Nesse cenário, assuntos supostamente assentados renascem e acabam interferindo nos rumos da corrida eleitoral, mesmo que indiretamente.

Dentre outras pautas, o casamento igualitário e a conceituação do instituto familiar foram objetos de recente projeto de lei, que em breve deverá ser debatido pela nova conformação do poder Legislativo.

Tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.583/13, de relatoria do deputado Anderson Ferreira, denominado “Estatuto da Família”. Dentre outras inovações, o projeto pretende redefinir o conceito de entidade familiar, ao afirmar em seu artigo 2º que “para os fins desta lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

A disposição legislativa vem na contramão da decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto da ADI 4.277 e da ADPF 132, que reconheceu, naquela oportunidade, a união estável para casais do mesmo sexo.

Embora em interpretação contrária à literalidade das disposições do artigo 226, parágrafo 3º, da Constituição da República, e também do artigo 1.723 do Código Civil, a corte entendeu unanimemente por dirimir essa questão a partir da norma vedadora de discriminação constante dos objetivos da República (artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal) e de uma série de outros direitos fundamentais, obstados de fruição em razão de ausência de regulamentação.

A superveniência da lei, caso aprovada, evidenciaria a dissonância entre Judiciário e Legislativo, e o embate ocasionaria situação de fato insustentável: parte dos casais homossexuais teria sua união estável reconhecida, ao passo que os demais, cuja relação se deu início em momento posterior à vigência da lei, não estariam abarcados no conceito de entidade familiar. Daí se retira três hipóteses distintas: a) casais que já tiveram o reconhecimento de sua união estável, por decisão judicial ou escritura pública; b) casais que vivam, à época, em união estável de fato, mas deixaram de formalizá-la; e c) casais cujo início da união estável se deu em momento posterior à vigência do “Estatuto da Família”.

Quanto aos integrantes do grupo “a”, cremos não haver maiores discussões ou divagações teóricas a serem pontuadas, face ao direito adquirido (CF, artigo 5º, inciso XXXVI).

Relativamente aos integrantes do grupo “b”, por não haver posicionamento definido — doutrinário ou jurisprudencial — não se pode afirmar a viabilidade do reconhecimento da união estável e os direitos dela decorrentes. Por um lado, a vedação do retrocesso parece garantir esse direito àqueles casais que conviviam em união estável de fato anteriormente à vigência da lei. Há quem invoque também o chamado princípio da proteção da confiança. Por outro lado, pode-se defender que a edição desta lei, fruto da manifestação democrática, retiraria a legitimidade da decisão proferida; nesse caso, vedado o reconhecimento.

Quanto aos integrantes do grupo “c”, considerando que processo legislativo não se subordina ao entendimento jurisprudencial, e que aquele se sobrepõe a este, a consequência do novo conceito de entidade familiar obstaria o direito ao reconhecimento da união — pelo menos até pensarmos em nova declaração de inconstitucionalidade, o que, ainda assim, acirraria o debate no que tange à separação dos poderes e o ativismo judicial.

Ainda que amplamente defendida no mérito a decisão no julgamento das referidas ações diretas de inconstitucionalidade, não se duvida que os efeitos do período eleitoral repercutam não só no posicionamento do Legislativo, mas também, caso aprovado o “Estatuto da Família”, no debate acerca dos limites interpretativos do Supremo face à literalidade da Constituição e sua relação com a crise de representatividade dos parlamentares.

Também não deve se esquecer, a par do debate jurídico inicialmente desenvolvido, daqueles indivíduos integrantes dos grupos “b” e “c”, na hipótese de prevalecer o não reconhecimento de sua situação de fato como compatível com o ordenamento. Caso não esteja nosso direito ou os anseios populares suficientemente maduros para encarar as alterações relacionais da sociedade, será que podemos imputar o ônus de um conservadorismo majoritário nas mãos daqueles que vivem em situação negligenciada pelo Estado? Esperamos que o debate não se encerre por aqui.


Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-out-19/estatuto-familia-criaria-cenario-insustentavel-casais-homossexuais. Acesso em 20 out 2014.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Um elogio a Lea T. ou, como reproduzir normas

Alex Mateus Santos de Oliveira
Faculdade de Artes Visuais - FAV/UFG
Anais do VI Seminário Nacional de Pesquisa em Arte e Cultura Visual
Goiânia-GO: UFG, FAV, 2013

Resumo: Este artigo é uma reflexão sobre como identidades sexuais estão condicionadas/educadas para desempenharem papéis complexos, próprios da concepção de sujeito modernista. Toma como referência o depoimento da modelo transexual feminina Lea T. feito a um programa televisivo. A intenção é menos entender a transexualidade, mas, percebê-la como mote para refletir sobre estruturas sociais que relutam em reconhecer as possibilidades identitárias sexuais em um contexto contraditório que ora normaliza, ora pode desestabilizar. Tal desestabilização pode gerar alternativas de reconhecimento de novas identidades através de práticas educativas sob a perspectiva da cultura visual.





quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Uma análise legal e jurisprudencial acerta da alteração do registro civil do transexual no Brasil

Alana Lima de Oliveira; Camilla Guedes Pereira Pitanga Santos
RIDB, Ano 3 (2014), nº 1

Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir o direito à alteração da identificação civil do transexual. Para tanto, apresenta-se, inicialmente, uma sucinta abordagem sobre a definição da transexualidade no Brasil, para em seguida destacar os aspectos das subjetividades trans, seus efeitos legais e jurídicos no que toca à mudança dos designativos de sexo e nome do registro civil e suas repercussões na jurisprudência brasileira.



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

No corpo errado

Rafael Gregorio; Tory Oliveira
Publicado na edição 82, de dezembro de 2013

Desde a infância, David Cristian, 23 anos, sentia-se diferente das demais meninas. O jovem, natural de Florianópolis (Santa Catarina), começou a se vestir como um garoto aos 13 anos e há um ano e meio iniciou tratamento psicológico e hormonal para adequar seu corpo ao gênero masculino, com o qual se identifica. Cristian é um transgênero, como são chamados homens e mulheres que sentem inadequação extrema com o sexo biológico de nascimento. Identificado como transtorno de identidade de gênero pelos médicos, o fenômeno, frequente e erroneamente confundido com a homossexualidade, pode ser um atalho para depressão, discriminação e isolamento, em especial no caso de crianças e adolescentes em idade escolar.

Para Cristian, que hoje vive em Curitiba, a maior parte das lembranças da escola, quando ainda vivia como menina, são de ameaças de colegas e funcionários. “Uma inspetora disse para eu ir embora, porque ninguém gostava de mim lá”, conta ele. Além de lhe acarretar uma depressão, a hostilidade o fez interromper os estudos duas vezes. Formado, Cristian hoje espera a mudança do nome na carteira de identidade para começar uma faculdade.

Violência e preconceito explicam a incorreta associação entre identidade de gênero e vontade pessoal. São também as razões da alta evasão escolar identificada por profissionais da educação. “Muitos não conseguem concluir nem o Ensino Fundamental, e 99% não chegam à universidade”, explica a professora transgênero Marina Reidel, autora de dissertação de mestrado na UFRGS sobre a trajetória de professores travestis e transexuais (que buscam correção cirúrgica para o que veem como distorção anatômica). Sem acesso ao estudo e, consequentemente, ao mercado de trabalho, a maioria cai na prostituição.

Além das agressões físicas e verbais, discriminações cotidianas, como a negativa de uso do nome social (denominação pela qual preferem ser chamados no dia a dia) e a proibição de frequentar o banheiro reservado ao gênero de identificação, são obstáculos adicionais. Para Marina, em vez de disseminar valores de tolerância, a escola é, no mais das vezes, um ambiente aterrorizante para os transgêneros.

Leonardo Tenório, 17 anos, nasceu Letícia. Na adolescência, contudo, em nome de “ser quem eu era”, desistiu de agradar à mãe e abandonou as roupas e a aparência femininas. “Todo mundo repara em mim. Como sou tímido, tento me esconder ao máximo”, diz Tenório, hoje aluno do 3º ano do Ensino Médio em uma escola pública de Ituitaba, Minas Gerais. Ele também diz ser recriminado pela diretora da escola, que, ao pedido para ser chamado pelo nome social, respondeu-lhe que não havia lei que a obrigasse e que ele “queria aparecer”. O aluno mostra-se resignado: “Tento pensar que a escola já está acabando”.

Reminiscências amargas de apelidos e xingamentos também predominam para Brendda Montilla, 17 anos, que diz sentir-se diferente dos demais meninos desde as primeiras séries, em Almirante Tamandaré, no Paraná. “Os casos de tolerância que encontrei foram por boa vontade dos professores, porque nem eles nem os alunos foram preparados (para o tema)”, opina.

A falta de instruções é tida como a fonte principal da disseminação do preconceito. “O problema começa em colocar fundamentalismo religioso antes do saber pedagógico. (As pessoas) precisam compreender que a escola não é seu quintal ou sua igreja”, opina Laysa Carolina Machado, 42 anos, diretora do Colégio Estadual Chico Mendes, em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba – a primeira transexual a ser eleita para cargo semelhante no Brasil ( depoimento nesta página). “Há um déficit muito grande na formação do professor e também um medo de abordar certas questões”, opina a professora Marina.

Episódios como as hostilidades contra transgêneros no último Enem corroboram o cenário de despreparo. “Quando cheguei, a fiscal ficou questionando em voz alta na entrada da sala por que meu documento trazia nome e foto de homem”, relata Ana Luiza Cunha da Silva, 17 anos, aluna do 3º ano do Ensino Médio em uma escola particular em Fortaleza. O RG dela ainda foi conferido outras três vezes por funcionários diferentes até que um superior solucionasse o caso, registrando-o em um formulário de perda de documento, ela diz. Antes, porém, outra fiscal “ficou colocando a foto ao lado do meu rosto e dizendo ironicamente que não podia ser a mesma pessoa”. A estudante foi liberada após 30 minutos e só não perdeu tempo de prova porque chegou uma hora antes do início do exame.

O relato é semelhante ao da paraense Beatriz Marques Trindade Campos, 19 anos, que hoje cursa o 2º período de Direito na Unifemm, em Sete Lagoas (MG). “Entreguei meus documentos e a fiscal não me reconheceu, ficou perguntando se era eu mesma e gritou meu nome de batismo para me expor. Ela realmente não estava preparada”, lamenta.

Apesar dos constrangimentos, Ana Luiza e Beatriz são pontos fora da curva no que diz respeito ao apoio familiar. “Foi um choque, mas procuramos dar todo o apoio em sua vida”, afirma Fábio Luiz Ferreira da Silva, 39 anos, médico veterinário e pai de Ana Luiza (depoimento à pág. 26). A colaboração mais recente foi o pedido de mudança de nome na Justiça, protocolado por ele. O segredo da compreensão, afirma, é simples: “A gente se gosta muito lá em -casa e eu aprecio o debate de ideias. Focamos em tratar a pessoa como você gostaria de ser tratado. Não tem nenhum ensinamento a não ser o amor e o diálogo”. A maioria dos transgêneros, porém, não tem a mesma sorte: “Uma amiga transexual de 18 anos foi há pouco expulsa de casa e teve de trabalhar na prostituição”, relata Ana Luiza.

Inexiste consenso sobre o número de estudantes que questionem o próprio gênero no Brasil, muito menos sobre as taxas de evasão escolar desse público. Também faltam dados sobre o número de transexuais e travestis adultos, em parte porque não há no formulário do Censo do ¬IBGE questão específica sobre a identidade de gênero do declarante. “Estima-se que haja atualmente 2 milhões de trans no Brasil”, afirma a professora Marina.

Professor da PUC-SP e coordenador do Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do Hospital das Clínicas de São Paulo, o psiquiatra Alexandre Saadeh, 52 anos, dá outra estatística sobre o número de pessoas que questionam o sexo anatômico na juventude. “Nos países ocidentais, a média é de um a cada 100 mil homens e de uma para cada 400 mil mulheres.” Composto de, aproximadamente, 15 profissionais de saúde, o núcleo que ele comanda provê, desde 2010, tratamento psicoterápico para adolescentes – são hoje cerca de 30 pacientes, seis dos quais crianças – e, neste ano, começou a praticar terapias hormonais.

Também falta consenso sobre a natureza do fenômeno, no que especialistas e transgêneros alternam compreensões ligadas à psiquiatria, à psicologia ou mesmo a nenhuma delas, em um movimento de “despatologização” da transexualidade.

“Os transexuais têm pouco acesso aos serviços de saúde e, por isso, vivem uma vulnerabilidade e uma situação de exclusão social”, afirma Judit Lia Busanello, 48 anos, psicóloga e diretora-técnica do Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais. Vinculado ao Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, o núcleo oferece fonoaudióloga, endocrinologista, clínico geral, urologista, proctologista, psicólogo, psiquiatra e assistente social para um total de 1.860 pacientes cadastrados desde junho de 2009. Desses, 70% são mulheres transexuais (nascidas no sexo anatômico masculino), cujo tempo de acompanhamento chega, em média, a dois anos e meio. Sem contar a fila de três a seis meses: “hoje trabalhamos acima de nossa capacidade”, diz Judit.

“Até os anos 1980, as teorias em voga eram psicológicas. Hoje se correlaciona o transtorno de gênero ao desenvolvimento cerebral intrauterino”, defende Saadeh. Com base nesse entendimento de “um processo essencialmente biológico”, ele afasta a possibilidade de que crianças sejam transexuais por influência de outras pessoas ou questões sociais. O médico também rechaça a eventualidade de que transgêneros influenciem colegas. “Não acredito de maneira alguma nisso. Se assim fosse, todo mundo se contaminaria com a heterossexualidade, a orientação predominante”, afirma.

No Brasil, a cirurgia para mudança de sexo é feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e após os 21 anos, conforme parecer de 2010 do Conselho Federal de Medicina (CFM). O tratamento hormonal é possível a partir dos 18, mas, em 2013, outro parecer do CFM recomendou o bloqueio da puberdade do gênero de nascimento (não desejado). A favor do retardo, os especialistas apontam fatores como a prevenção a sofrimentos psicológicos comuns nesse público, como depressão, anorexia e tendência a suicídio, além da oferta de mais tempo para aprimorar o diagnóstico e da prevenção a cirurgias mais invasivas no futuro. O parecer não tem força de lei e já enfrenta resistências. Ainda assim, pode direcionar protocolos sobre o tratamento e ampliar a oferta de acompanhamento médico.

O tempo é mesmo um obstáculo para quem questiona o gênero. A maioria sente desconforto desde a primeira infância e assiste impotente ao desenvolvimento, na anatomia, de sinais contraditórios com relação ao próprio sentimento. “A identidade de gênero se manifesta por volta dos 3 ou 4 anos. Deve-se ficar atento e buscar orientação de centros especializados”, diz o psiquiatra Saadeh. Ele condiciona o diagnóstico à convicção “responsável, duradoura e consistente” e defende que a criança use o nome e as roupas que desejar. Também é importante, diz, que os pais orientem professores e assistam os filhos em sua transformação na escola. “Todas as crianças que acompanhamos estão bem adaptadas e vivem 24 horas assim. Se antes eram meninos deprimidos, irritados, agressivos, agora são meninas doces, que interagem com os outros. O ganho é o bem- estar psicológico de não mais sentir que se está fazendo algo errado”, ele diz.

Leonardo Tenório, da Associação Brasileira de Homens Trans, defende a criação de políticas específicas nas Secretarias de Educação. Para ele, a descentralização da educação pública brasileira atrapalha. “Cada escola tem seu próprio Plano Político Pedagógico. Dependemos da sensibilidade de cada gestor”, explica.

A criação de leis para articular a inclusão escolar dos transgêneros e proteger seus direitos nas escolas é um dos sonhos do estudante Leonardo Carvalho. “Este é o meu último ano na escola, mas sei que os muitos trans que virão depois vão sofrer também”, conta. “Penso que seria mais justo o Enem disponibilizar a opção para transgêneros já na ficha de inscrição”, defende Silva, o pai de Ana Luiza. Na visão dele, isso ajudaria a evitar constrangimentos amplificados pelo fato de que as salas do exame são usualmente divididas conforme o nome de candidatos e candidatas.

Para quem vive a causa ou a defende, a prioridade é combater a invisibilidade a que a sociedade submete quem questiona o sexo biológico. A demanda mais recorrente ouvida pela reportagem foi pela inserção da pergunta específica de gênero no Censo. Segundo o IBGE, antes da realização do próximo Censo, em 2020, o instituto vai, como de costume, consultar a sociedade para avaliar a necessidade e a conveniência de “revisão dos tópicos tradicionalmente investigados” e de “novas necessidades de dados, sempre observando as recomendações internacionais”. A diretora paranaense Laysa, que também é atriz e escritora, sintetiza esse sentimento comum: “Espero que em alguns anos possamos nos ver em novelas e em outros papéis que não sejam os da palhaça caricata ou da trans assexuada”.

Sempre soube da minha condição. Na infância era natural. Eu nunca achei errado. Foram os outros que colocaram na minha cabeça que vestir roupas femininas ou brincar de boneca era ruim.

Fui discriminada em todas as instituições em que estudei e tentei sublimar minha essência. No dia 31 de dezembro de 1999, porém, iniciei minha vida trans. Perdi empregos e busquei na estabilidade de um concurso público a chance de viver plenamente minha identidade de gênero.

Iniciei minha carreira como professora de História, Geografia e Teatro. Sou diretora desde 2009, quando fui eleita com meus dois amigos Gisele Dalagnol e Ivan Araújo. Cuidamos de, aproximadamente, 1,6 mil alunos dos Ensinos Médio e Fundamental. Minha relação com eles é ótima, e com os pais também. Sou respeitada e me sinto querida, acolhida e amada.

Há três anos, Ana Luiza nos contou que se sentia uma mulher em um corpo masculino. Já dava sinais, mas pensávamos que podia ser questão de influência, de andar só com meninas.

Conversamos em uma reunião em família. Foi uma semana sem dormir. Mas se para mim e minha esposa foi difícil, me coloco no lugar dela, alguém de 13, 14 anos que ensaia noites a fio como dizer algo tão difícil.

Nossa família é muito católica. Os mais próximos vão sabendo aos poucos. É um processo. O nome, por exemplo. Chamávamos de Luiz Claudio, depois de Lu. E meu filho mais novo me cobrava, mas achei melhor ser natural do que agir com hipocrisia. Liberamos aos poucos roupa,  maquiagem.

A aparência dela mudou muito no último ano. Tem psicóloga, mas é duro achar psiquiatra e endocrinologista que atendam o caso.

Alguns nos criticam por sermos apoiadores. Acham que desprezar ou botar pra fora de casa poderia resolver, como se fosse algo que a pessoa escolhe. Mas ninguém decide passar por isso. A vida é um fenômeno que acontece. Depois que você está instalado, aprende a viver.

Rejeição e intolerância

Uma das poucas aferições já realizadas no Brasil sobre a transfobia (aversão a transexuais e transgêneros) revelou que 24% das pessoas não gostariam de se encontrar com transexuais (10% disseram sentir repulsa/ódio e 14%, antipatia) e 22% não gostariam de dividir espaço com travestis (repulsa/ódio e antipatia foram citados por 9% e 13%, na ordem). Os dados são da pesquisa Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, da Fundação Perseu Abramo. De acordo com o 2º Relatório sobre Violência Homofóbica, em 2012 foram registradas 3.084 denúncias de violações à população LGBT, com 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos – alta de 166% perante a 2011. No período, foram reportadas 27 violações homofóbicas de direitos humanos por dia. Em 2011, 10,6% das vítimas foram travestis, enquanto mulheres trans foram 1,5% e homens trans, 0,6%. Já em 2012, o porcentual de travestis e transexuais agredidos caiu para 1,4% e 0,49%, na ordem. Para a Secretaria de Direitos Humanos, contudo, a queda não denota diminuição da violência, mas crescente “invisibilização” de uma população vulnerável.

Serviço:
  • Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SPRua Santa Cruz, 81, Vila Mariana, São Paulo, SP. Tel (11) 5087-9833
  • Ambulatório de Transtorno de Identidade de Gênero e Orientação Sexual (Amtigos) – Hospital das Clínicas Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, São Paulo, SP. Tel (11) 2661-8045
  • Disque Direitos Humanos Disque 100 http://www.sdh.gov.br/
  • Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais Avenida Afonso Pena, 867, Sala 2.207, Belo Horizonte , MG. Tel. (31) 8817-1170. www.abglt.org.br
  • Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. E-mail: direitoshumanos@sdh.gov.br.Tel(61) 2025-9617


Disponível em http://www.cartanaescola.com.br/single/show/262. Acesso em 07 jan 2014.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Desenvolvimento do questionário de atitudes relativas à transexualidade: estudo exploratório na população portuguesa, uma perspectiva sistemica

Ana Rita Monteiro de Oliveira
Universidade de Lisboa - Faculdade de Psicologia
Mestrado Integrado em Psicologia
Secção de Psicologia Clínica e da Saúde/ Núcleo de Psicologia Clínica Sistémica - 2013

Resumo: Perante a constatação da inexistência de instrumentos para medir atitudes face à transexualidade traduzidos para a língua portuguesa, e a incapacidade dos existentes de dar pistas sobre os processos relacionais na interacção com pessoas transexuais, foi construído o Questionário de Atitudes Relativas à Transexualidade (QART), baseando o mapa conceptual da sua construção na junção e adaptação de três modelos conceptuais de natureza sistémica. O Questionário foi concebido com o objectivo primordial de compreender a origem de atitudes de aceitação e de discriminação da transexualidade, acedendo aos processos de adaptação, percepção e reacções de passagem ao acto perante o confronto com uma situação de transexualidade, contextualizada em diferentes níveis de relação. Efectuou-se um estudo piloto para teste de uma primeira versão do instrumento, com a participação de 39 sujeitos em preenchimento presencial. Após uma análise quantitativa e qualitativa dos resultados, prosseguiu-se para uma versão experimental do questionário, disponibilizada online e divulgada por meio de redes sociais, cujo estudo empírico contou com a participação de 634 sujeitos. Após análise estatística deste instrumento, verificaram-se elevados níveis de consistência interna, tanto ao longo das escalas como dos níveis sistémicos, obtendo-se um alfa de Cronbach de 0.95, no conjunto dos 120 itens. Analisaram-se ainda as respostas dos participantes, verificando-se que os resultados obtidos demonstram uma atitude de elevada aceitação que, dados os enviesamentos amostrais ao nível da idade, escolaridade, profissão e localização geográfica, bem como a elevada representação da população LGBT (lésbica, gay, bissexual e transgénero), não podem ser generalizados à população portuguesa e devem ser analisados e interpretados com a necessária precaução. A partir dos resultados, testaram-se quatro hipóteses: 1) observam-se níveis de discriminação superiores nos homens em comparação com as mulheres; 2) pessoas mais familiarizadas com o tema apresentam maiores níveis de aceitação da transexualidade; 3) o contacto directo com pessoas transexuais favorece uma atitude de aceitação da transexualidade; 4) a transexualidade constitui um factor stressor para o outro. A primeira confirmou-se parcialmente, uma vez que, na amostra estudada, as mulheres apresentaram menores níveis de discriminação da transexualidade comparativamente com os homens, mas apenas nos itens que reflectem comportamentos de passagem ao acto. A segunda hipótese foi também confirmada mostrando que, quanto maior o nível de familiariedade com a temática da transexualidade, maiores os níveis de aceitação. Também a terceira hipótese foi confirmada, mostrando que, na amostra estudada, quanto maior o nível de contacto directo com pessoas transexuais, maiores os níveis de aceitação. A quarta hipótese, apesar de congruente com os resultados obtidos, carece de maior investigação para a sua confirmação. Procedeu-se ainda a uma reflexão sobre as limitações do estudo e do Questionário, assim como sobre as suas potencialidades e sobre hipóteses de investigação futura, no campo da transexualidade.



sábado, 12 de outubro de 2013

Construção de emoções

Anderson Fernandes de Oliveira

Viajante e estudioso de culturas, o sociólogo francês David Le Breton é um apreciador assumido das terras brasileiras. Já esteve no Brasil diversas vezes e ama, em especial, a cidade do Rio de Janeiro, que diz ser possuidora de uma beleza singular. Sobre São Paulo, ele é incisivo em mostrar seu desgosto. A selva de pedra lembra-o muito algumas cidades nos Estados Unidos, como Nova York, por exemplo. Ele prefere a natureza às paisagens urbanas. Por essa razão adora viajar. Segundo ele, ficar na França é muito enfadonho, devido ao clima muito frio e soturno.

Breton é doutor em Antropologia e professor na Universidade de Estrasburgo II. Tornou-se referência no estudo da corporeidade. Dentre suas obras publicadas no Brasil está a Sociologia do corpo (Ed. Vozes), em que o francês argumenta que o fenômeno de existência corporal está "incorporado" no nosso contexto social e cultural, ou seja, a linguagem corporal está inserida no canal pelo qual as relações sociais são elaboradas e vivenciadas. Para o professor, a Antropologia social e a Sociologia possuem inúmeras possibilidades de pesquisas, dentre elas, as investigativas. No âmbito individual e coletivo, elas podem ajudar nos estudos sobre as representações que construímos acerca do corpo e até mesmo na compreensão de certas culturas.

Neste e em muitos de seus trabalhos (ainda sem tradução para o português) Breton se preocupa com as investigações sociais e culturais do corpo como, por exemplo, os simbolismos, as expressões e percepções construídas na dinâmica social.

Suas análises envoltas da Sociologia da corporeidade ganham uma extensão com novos ares na obra As paixões ordinárias - Antropologia das emoções (Ed. Vozes). Em uma visita rápida por São Paulo, David Le Breton cedeu gentilmente uma entrevista à revista Sociologia Ciência & Vida, para falar um pouco sobre seu último livro, suas aventuras ao redor do mundo, Antropologia, cultura e a situação atual da sociedade contemporânea.

Para a construção do livro, você teve como base a Antropologia e a Sociologia. Você estudou algumas outras áreas da ciência e qual a importância dela no estudo antropológico?
Le Breton - A Antropologia é a disciplina dos indisciplinados [risos], daqueles que se recusam a limitar a sua curiosidade. O antropólogo é aquele que sai, que quer conhecer tudo de maneira mais ampla e dando a ele mesmo todos os meios para chegar a isso. Quando trabalho sobre qualquer assunto, seja ele emocional ou não, busco não só Antropologia e Sociologia, mas também a Psicanálise e a Etnologia. Acho que estou em uma herança da Antropologia cultural americana. Sua outra definição é que "nada que me é humano me é estranho". É necessário tudo para se construir o mundo.

"A Antropologia é a disciplina dos indisciplinados, daqueles que se recusam a limitar a sua curiosidade "


Você disse que está mais baseado na Antropologia americana. Existe outra Antropologia? Qual é a diferença?
Le Breton - Não sou estruturalista. A Antropologia que sigo é a social e cultural. Não está na herança de Claude Lévi-Strauss [antropólogo, professor e filósofo francês, considerado o fundador da Antropologia Estruturalista], mas, sobretudo, de George Balandier [etnólogo e sociólogo francês] e de Margareth Mead [antropóloga cultural norte-americana]. Eu me sinto muito mais próximo da Antropologia britânica, americana e anglo-saxônica. Existe também uma tradição na França que perdeu um pouco de importância que é do Marcel Mauss [sociólogo e antropólogo francês, sobrinho de Émile Durkheim, e considerado como o "pai" da etnologia francesa]. Eu me reconheço nesta tradição. Uma Antropologia do mundo contemporâneo que faz que a Sociologia também se imponha no momento da análise [Mauss apontava que as sociedades se formam basicamente pela troca, doação e reciprocidade de culturas].

Por que optou pelo nome As paixões ordinárias, em seu último livro?
Le Breton - O termo paixão é forte. Entendo-o de acordo com Descartes, que escreveu o Tratado das paixões, em que mostra que paixões ordinárias são aquelas com as quais vivemos todos os dias. Que são socialmente construídas e que também levam em conta a nossa individualidade dentro da cultura, da nossa história e nossa educação dentro da família.

"Falar de emoções positivas e negativas já é fazer um julgamento de valor. Jogar com essas emoções faz vender jornal "

Por que você escolheu o caminho das emoções? Qual o interesse?
Le Breton - Desde o meu primeiro livro A antropologia do corpo (Ed. Vozes) resolvi trabalhar com o corpo e as emoções. A ideia é construir uma Antropologia do corpo bem ampla. Trabalhei sobre a história do corpo, anatomia, não só do ponto de vista médico, mas antropológico. Comecei pelo ponto de vista da atitude em relação ao cadáver, por exemplo, as dissecções, de como elas se tornaram possíveis na história, as lutas culturais ao redor do cadáver, dentre outros rituais. Para mim, a história da medicina é também a história com a relação do corpo. Os anatomistas constroem o corpo com o qual a gente chega do hospital e que é curado, ou seja, chegamos com fraturas e eles têm o trabalho de reconstruir-nos. Procuro entender a invenção médica do corpo na modernidade. Construí também a Antropologia do rosto. Por que a importância do rosto existe em algumas sociedades e em outras não? Por que a desfiguração é uma tragédia na nossa sociedade? No livro abordei pela primeira vez a construção da emoção no rosto, as mímicas e o sorriso, para mostrar que o sorriso é uma coisa muito mais complicada. É uma joia e surge de uma espontaneidade diferente entre as culturas. Depois trabalhei na Antropologia da dor. É uma edição completamente renovada. Também trabalhei na construção social das percepções sensoriais, o sabor do mundo e ainda sobre as carnificações e mutilações corporais.

Esse trabalho das emoções é inédito e pioneiro ou você está sendo influenciado por outros pensadores?
Le Breton - Acredito que estou fazendo um estudo bem particular, bem singular que não existe ainda na tradição francesa, embora seja possível encontrá-lo na tradição americana e na britânica. De qualquer maneira, é um estudo que aborda outras perspectivas, algo que não existe, como por exemplo, nas análises realizadas nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha, onde alguns etnólogos trabalhavam sobre afetividade, emoções.

Quando você falou sobre a aparência em que a nossa sociedade é muito influenciada e outras não, você se referia à sociedade ocidental?
Le Breton - Sim.

Portanto, a cultura oriental adota outro tipo de abordagem?
Le Breton - Existem nuances. Do mesmo jeito que a França não é os Estados Unidos, o Canadá não é a Finlândia, mas existem pontos culturais em comum. Mesmo em relação ao corpo, existem semelhanças e diferenças. Se você pensar no Japão, no Brasil ou na América Latina, os imaginários sociais são bem diferentes. Nos Estados Unidos, por exemplo, sobrevive em alguns lugares o imaginário social do puritanismo, que determina ao indivíduo, e a todo o coletivo, a recusa ao corpo. Essas são tendências de acabar e liquidar o corpo, como forma de respeito e veneração a um ser superior. Esse imaginário de recusa do corpo está muito menos presente na Europa, Brasil e América Latina. Existem pontos em comum, assim como existem as diferenças. Piercings e tatuagens, que são muito corriqueiros nos países europeus, até mesmo no Brasil, não são em outros lugares, por exemplo.

Você acredita que sociólogos clássicos, como Émile Durkheim, apesar de não terem uma ligação direta com os estudos das emoções, a adotavam, indiretamente, em suas obras? Se sim, de qual maneira?
Le Breton - Acredito que haja uma ligação próxima aos pensadores George Simon e Max Weber. Simon escreveu sobre as percepções sensoriais e também sobre as percepções do corpo. São textos bem antigos, do início do século XX. Marcel Mauss também escreveu sobre as emoções sensoriais, em que mostra que são ligadas às simbologias sociais. É o que me recordo dos sociólogos mais clássicos e eu sempre os cito em meus estudos.

A condição humana não vive sem a emoção, seja ela positiva ou negativa. Qual a sua opinião sobre o uso que a mídia faz dos sentimentos negativos, dos programas sensacionalistas que usam de tragédia para conseguir ibope?
Le Breton - Falar de emoções positivas e negativas já é fazer um julgamento de valor. Jogar com essas emoções, com a pena e com o medo faz vender jornal, revista, programa de TV, etc. Veja o exemplo da publicidade, que tira vantagem em função do seu poder de sedução sobre nossos sentidos sensoriais, especialmente a visão. Nós estamos em uma emoção "positiva", mas as coisas podem ser viradas ao contrário.

Por que é que esses programas ou páginas sensacionalistas fazem sucesso? Acha que as pessoas sentem atração pelo negativo?
Le Breton - Freud já mostrou que esse mundo das emoções existe dentro de nós. Cada um tem essa parte de sombra no seu inconsciente. Se formos analisar, hoje, todos os livros e filmes tratam dessas emoções e também as usam negativamente. Basta olhar para a história do cinema e da literatura para confirmar o que estou dizendo. Nós somos também grandes personagens de ficção e nos identificamos com eles [os personagens fantasiosos que vemos em filmes e livros] e ao mesmo tempo não somos eles. O trabalho do imaginário é tornar possível todos os homens e todas as mulheres que nós poderíamos ter sido.

"A noção de traição está no ponto de vista de quem a faz e de quem a recebe, e por qual objetivo e motivo "

Ações culturais que lidam com a emoção como casamento e divórcio sofreram grandes transformações na sociedade contemporânea. Há estudos na cultura ocidental, por exemplo, que relatam que genes desencadeiam atos de traição. Como analisar essa afirmação dentro do estudo das emoções? A traição pode ser considerada uma coisa natural ou está mesmo ligada à genética?
Le Breton - Essa tradução genética não faz nenhum sentido porque é preciso primeiramente definir o que é traição. A noção de traição está no ponto de vista de quem a faz e de quem a recebe, e por qual objetivo e motivo. E essa noção de traição parece um pouco ocidental. A gente não a encontra em uma sociedade tradicional, em sociedades ameríndias, indígenas. É uma noção que vem de um tipo de sociedade individualista. Os indivíduos se situam em relação uns aos outros, no sentido de construir seu próprio sentido e não serem herdeiros de uma tradição, construindo seu próprio sentido. Essa noção de traição implica no individualismo, implica a um julgamento de valor, mas ela não é universal. O que implica aí é a noção de combate, de luta. Da mesma forma como os animais lutam entre si, um guerreiro vai lutar contra o outro. Essa noção de traição que conhecemos entre os jovens hoje é uma maneira de naturalizar esse combate, um tipo de relação social neoliberalista. É importante desconstruir essa noção de traição original do ocidente para que possamos entender que, independentemente dos genes que tenhamos, não haverá essa influência direta, uma vez que estamos organizados culturalmente e não geneticamente.

Hoje há um senso comum muito forte, em que os homens são mais razão e as mulheres emoção. No mundo globalizado, essa ideia ainda persiste? Hoje vemos muitas mulheres em cargos de liderança em que a exigência maior é de tomar decisões pela razão. Isso é mesmo válido ou é apenas mais uma crença cultural?
Le Breton - No primeiro momento isso é um julgamento de valor e também tem a ver com a educação que meninos e meninas recebem desde pequenos. Recuso essa ideia porque existe o fato de que há homens mais emocionais e mulheres mais racionais. Isso não quer dizer nada. Para algumas ações, somos emocionais e para outras, racionais. Mas temos de levar em conta que é verdade que a educação que mulheres e homens recebem é diferente. As meninas são educadas pelo lado do amor, do carinho e da emoção; já os homens são educados pelo lado do desafio, sempre no intuito de serem mais fortes que os outros. Para os profissionais que trabalham com jovens [professores, psicanalistas, etc.] é muito perceptível esta tendência. No caso das mulheres, elas interiorizam mais os seus sofrimentos, e, portanto, são elas que têm maior vulnerabilidade a contrair doenças psicossomáticas, bulimia, anorexia e tentativas de suicídio. Agora, na realidade masculina, os homens que sofrem conseguem exteriorizar mais seus sentimentos. Daí que os vemos partindo para a delinquência, violência, desafios [como os rachas em alta velocidade nas ruas], álcool, drogas e até suicídio.

Falando em suicídio, qual é a sua opinião sobre as pessoas que tiram a própria vida em nome do patriotismo ou em nome de uma religião? Será que esse tipo de paixão, de emoção, pode mesmo desencadear ações dessa proporção?
Le Breton - Depende da história de vida de cada um de nós e da cultura. Existem algumas culturas em que a religião é mais forte, como o Islã, por exemplo. Ele decide todos os momentos da vida cotidiana. Mas não é o caso de outras muitas religiões. Há as que dão uma margem de liberdade bem maior, quando comparadas à doutrina islâmica, a começar pelo fato de se ter a liberdade de discutir o texto religioso e não concordar com as interpretações. Uma pessoa que não esteja bem com sua vida pode escolher uma maneira de se integrar com a religião, como uma forma de buscar uma orientação de valor e também de encontrar outras pessoas para servir como a figura de um mestre. Da mesma forma, um jovem pode escolher o patriotismo buscando o exército como valor e sentido para sua vida. Encontrando pessoas fortes que estejam no controle, que lhe transmitam segurança e que sirvam como meta de vida.

Esta busca de personagens fortes para simbolizar um mestre, que menciona, é uma atitude social antiga. Você acredita que a sociedade contemporânea, em geral, esteja carente de mitos?
Le Breton - As sociedades humanas funcionam ao redor dos imaginários que são poderosos, os imaginários religiosos, políticos. Já vivemos em um mundo em que os imaginários foram todos destruídos, o que o Jean François Lyotard chamou de "o fim do grande discurso". Não era possível pensar sobre o comunismo, socialismo e humanismo ou dispersar esses imaginários entre todos. A nossa sociedade sofreu por não encontrar o mundo propício diante de si. Para exemplificar em um contexto bem contemporâneo, a força do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, por exemplo, é reconstruir esses imaginários, contra o neoliberalismo americano, de reintroduzir os valores de amizade, solidariedade, humanismo e igualdade. Estamos em uma época em que o capitalismo está passando por uma fortíssima crise social, econômica e política. Trata-se, então, de uma globalização que destrói a vida e que a torna difícil para milhares de pessoas. Obama representa o surgimento de uma utopia, de uma esperança, de um capitalismo com uma aparência humana.

Antropologia das emoções
David Le Breton fez no livro As paixões ordinárias um estudo sobre a orquestra de emoções subjetivas do sujeito. Ele explica - e exemplifica - como esse processo emocional, as percepções sensoriais, ou a experiência e a expressão das emoções se dão, obviamente, da intimidade mais profunda do indivíduo e, mais que isso, se formam também graças às relações sociais e culturais em que o sujeito está inserido. Anos de estudo são somados às inúmeras referências, como Darwin, Proust, Sartre, Freud, dentre outros, para formar esta pesquisa antropológica que analisa nuances culturais que diferenciam nossas emoções.

Em um dos exemplos práticos que ele insere no livro, o beijo é um dos mais interessantes. Três modalidades do beijo se demarcam socialmente, abrindo-o a formas e significações muito diversas: sinal de afeição, rito de entrada ou de saída de uma troca e forma de congratulação. O autor explica que o beijo dado em solo, por exemplo, exprime a afeição de um indivíduo pelo país natal.

De joelhos sobre o solo, o indivíduo saúda simbolicamente um período de tempo que lhe é caro. O beijo no rosto entre meninos e meninas aqui no Brasil é corriqueiro, sendo normal trocar facilmente dois ou mais beijos nas bochechas. O número difere, com efeito, de uma região pra outra. Na Alsácia, eles são reduzidos, mas no Oeste e Centro da França podem passar de quatro.

Desta forma, o livro resgata a ideia de que as emoções não são espontâneas, mas ritualmente organizadas e que, portanto, o fundo biológico universal se declina social e culturalmente de um lugar a outro do mundo.

Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/23/artigo133356-1.asp. Acesso em 07 out 2013.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Percepções sobre a assexualidade por pessoas não assexuais

Elisabete Regina Baptista de Oliveira
7 de junho de 2012

O artigo sobre o qual falaremos hoje é um dos poucos artigos acadêmicos sobre assexualidade escritos em espanhol. De autoria do Professor Luis Álvarez Munárriz, catedrático de Antropologia Social da Universidade de Murcia, na Espanha, o trabalho apresenta reflexões sobre assexualidade, bem como alguns resultados de entrevistas feitas por ele com o objetivo de conhecer um pouco mais sobre o que as pessoas pensam sobre esse tema.

Fiz um recorte dos temas do artigo para focar somente na pesquisa empírica feita pelo professor, bem como seus resultados e conclusões. Nesta pesquisa empírica, Munárriz conversou com diversos entrevistados, na universidade na qual leciona, para conhecer a percepção que estes tinham sobre a assexualidade, ou seja, como veem falta de desejo sexual na perspectiva da orientação sexual. No restante do artigo - que não será abordado nesta postagem - o antropólogo analisa algumas falas de assexuais em postagens na internet, analisado-as a partir de alguns referenciais teóricos da antropologia.

Primeiramente, Munárriz entrevistou, na própria universidade, 12 pessoas que não se consideram assexuais, com o objetivo de saber sua opinião sobre o conceito de assexualidade. Nesses contatos, o pesquisador deparou-se com diferentes visões, entre elas, pessoas incrédulas, que não acreditam que uma pessoa normal não sinta desejo sexual ou que não tenha fantasias sexuais. Uma informante declarou: “Não consigo imaginar uma jovem de 18 anos que seja assexual.”

Outro entrevistado disse: “Isso é contraditório porque todas as pessoas têm desejo sexual, isso é impossível!” Outro declarou: “Se a pessoa não faz sexo, fica ruim da cabeça!” Outro perguntou ao entrevistador, em tom irônico: “E você, é assexual? Tudo bem, ser assexual.” Uma entrevistada mostrou-se indiferente à pergunta e respondeu: “OK, e daí?”, afirmando, em seguida, que ignorava que existisse esse tipo de pessoa, mas que não era surpresa e que não tinha nenhum interesse ou preocupação com esse assunto. Um entrevistado homossexual respondeu: “Todas as condutas deveriam ser consideradas normais, eu acho que é positivo que os assexuais se sintam atraídos por outras pessoas, mas não tenham a necessidade de ter relação sexual.”

Nesta primeira aproximação, Munárriz constatou o enorme desconhecimento e estranhamento sobre a assexualidade que predomina sobre a população entrevistada, mas também uma tentativa de compreensão da assexualidade feita por um entrevistado pertencente a uma minoria sexual. Esse desconhecimento também foi constatado nos três grupos de discussão que ele realizou com estudantes universitários, com o mesmo objetivo, ou seja, saber o que pensam sobre o conceito de assexualidade. Um deles declarou:

A assexualidade é algo absurdo, impossível, já que a sexualidade está no ser humano. Só se a pessoa nasceu com um defeito genético, ou houve algum problema que inibiu seu desejo sexual, caso contrário é totalmente impossível a existência dessa orientação sexual. Eu acho que assexuais não existem.

Essas primeiras entrevistas serviram de base para que o antropólogo elaborasse um questionário simples, que tinha três objetivos: 1) calcular o percentual aproximado de assexuais entre os entrevistados; 2) saber o grau de conhecimento dessas pessoas sobre a assexualidade; e 3) obter uma definição aproximada de pessoa assexual.

Com esses objetivos, o estudioso aplicou o questionário a alunos de diferentes faculdades e campus da Universidade de Murcia. Recebeu 145 questionários respondidos, sendo 79 de mulheres e 66 de homens.

Uma das perguntas feitas pelo pesquisador era sobre a orientação sexual dos respondentes, incluindo as alternativas heterossexual, homossexual, bissexual e assexual. O objetivo dessa pergunta era saber se havia pessoas que se identificavam como assexuais entre os entrevistados. O resultado é que nenhum dos 145 respondentes se identificou como assexual em sentido estrito. Somente um respondente selecionou duas alternativas ao mesmo tempo: heterossexual e assexual. Todos os outros respondentes escolheram uma das outras três alternativas: heterossexual, ou homossexual ou bissexual. Esse resultado pode indicar o total desconhecimento da assexualidade como orientação sexual, ao menos como possibilidade de identificação.

Outra pergunta do questionário dizia respeito ao grau de conhecimento dos respondentes sobre a assexualidade. O resultado comprovou que existe um enorme desconhecimento sobre as pessoas assexuais, podendo isso ter reflexo nos resultados da primeira pergunta. A questão seguinte indagava sobre o grau de interesse dos respondentes pela atividade sexual. Como esperado, considerando que os respondentes eram todos jovens, a maioria revela ter muito interesse pela atividade sexual.

Em uma questão, Munárriz abordou a definição de assexualidade, a partir de duas perspectivas diferentes: a do desejo sexual e da resposta sexual, entendendo o desejo sexual como uma experiência subjetiva dos indivíduos e a resposta sexual como uma resposta biológica do corpo a um estímulo, também conhecida como libido. A esta pergunta, todos os entrevistados afirmaram possuir os dois, desejo e resposta. É altamente significativa a coerência que aparece nas respostas: todos os que têm desejo sexual também afirmam experimentar resposta do corpo a estímulos interpretados como sexuais. O pesquisador não fez nenhuma pergunta em relação à existência ou inexistência de atração sexual – que seria o direcionamento do desejo para outra pessoa - normalmente definida por muitos assexuais como característica de sua orientação sexual. Não está claro se ele compreende desejo e atração como sinônimos. Também não faz indagações sobre existência ou não de orientação afetiva, que também constitui uma parte importante da identidade assexual.

A última pergunta era aberta e indagava a opinião dos respondentes sobre a assexualidade. Um dos entrevistados respondeu da seguinte forma:

Acho que a sexualidade é parte fundamental do ser humano, é algo natural e permite a perpetuação da espécie. A assexualidade pode ter a ver com o medo, talvez o medo do desconhecido, medo dos riscos do sexo.

Em sua pesquisa nas comunidades assexuais na internet, Munárriz revela que não captou esse medo descrito por este respondente nos discursos dos assexuais, muito pelo contrário, os assexuais lhe pareceram bastante confiantes com a identificação como assexual. De qualquer modo, o resultado de sua pesquisa empírica mostra o quanto a assexualidade é desconhecida até mesmo por estudantes universitários, que têm acesso a tecnologias de informação e comunicação, que dirá da população geral que pode não ter esse acesso? E que implicações pode ter esse desconhecimento nas vidas daqueles e daquelas que se identificam como assexuais?

O pesquisador não fornece respostas claras aos objetivos formulados por ele na realização das entrevistas. Munárriz reconhece, no final do texto, as dificuldades em se reconhecer a assexualidade como uma orientação sexual, pois este reconhecimento significaria um grande abalo em tudo o que a ciência e a cultura construíram historicamente sobre sexualidade. Mas seu texto revela uma resistência muito grande por parte do pesquisador em perceber a assexualidade na perspectiva da orientação sexual. Para ele, não existe base suficiente para se aceitar a existência de uma nova identidade sexual e muito menos base para que a assexualidade possa se constituir no motor de uma verdadeira revolução sexual.

Texto comentado
Munárriz, L. A. La identidad “asexual”. Gazeta de Antropologia, no. 26/2, 2010, Articulo 40

Matéria intitulada Trajetória de jovens assexuais é tema de doutorado na USP, que noticia pesquisa, feita pela Agência Universitária de Notícias, da USP:http://www.usp.br/aun/antigo/www/_reeng/materia.php?cod_materia=1205211


Disponível em http://assexualidades.blogspot.com.br/2012/06/percepcoes-sobre-assexualidade-por.html. Acesso em 09 jul 2013.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Dicas impressas 5: Emoções; Gosto; Prazer

 
OLIVEIRA, Sibele. Emoções que viciam Muitos clamam da sensação de viver hoje da mesma maneira que ontem. Este pode ser um sinal claro de que o estado emocional está enraizado a ponto de condicionar o cérebro que á e melhor forma de manter o equilíbrio. Psiquê. Ano VI, n.º 66, pp. 38-45.

GELITZ, Christiane. Diga-me do que gosta e direi quem você é!Música clássica ou canções dos Beatles? Obras de Picasso ou de Monet? Preferência não se discute, mas ela pode oferecer pistas sobre características psicológicas. Mente e Cérebro, ano XVIII, n.º 220, pp. 40-47.

PORTNER, Martin. Explosões de prazer Durante o orgasmo ocorrem alterações químicas e elétricas no cérebro; diversas áreas são desativadas, tal como disjuntores que de desacoplam devido à sobrecarga. Mente e Cérebro Especial, n.º 29, pp. 20-27.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Bolo é melhor que sexo?: complemento

Elisabete Regina Baptista de Oliveira
segunda-feira, 22 de agosto de 2011 postado às 06:40

Resumo: Recentemente concedi uma entrevista sobre assexualidade ao Jornal Correio Braziliense, a qual foi publicada em 14 de agosto de 2011 (Bolo é melhor que sexo? - sob o lema cake is better than sex, grupos de pessoas que se dizem assexuadas se reúnem em fóruns na internet para discutir a polêmica opção. Alguns até namoram, mas sem ter contato mais íntimo) por Carolina Samorano publicado em 12/08/2011 12:27 e atualizado às 12/08/2011 19:53.


segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Bolo é melhor que sexo?

Carolina Samorano
Publicação: 12/08/2011 12:27 Atualização: 12/08/2011 19:53

Resumo: Sob o lema cake is better than sex, grupos de pessoas que se dizem assexuadas se reúnem em fóruns na internet para discutir a polêmica opção. Alguns até namoram, mas sem ter contato mais íntimo.


sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A assexualidade e o DSM

Elisabete Regina Baptista de Oliveira
Quinta-feira, 26 de maio de 2011


Hoje falaremos um pouquinho sobre um documento nascido nos Estados Unidos, o qual classifica, segundo critérios nem sempre claros, os chamados transtornos mentais. Trata-se do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - mais conhecido como DSM, na sigla em inglês -, publicado desde 1952 pela Associação Americana de Psiquiatria. Este documento constitui a fonte de referência mais influente sobre o que é considerado “normal” ou “anormal” em saúde mental, não somente nos Estados Unidos, mas também em outros países.

Atualmente em sua 4ª. edição (DSM-IV), o Manual é utilizado para diagnóstico e classificação de transtornos mentais por profissionais da área da saúde mental, convênios médicos, clínicas, hospitais, indústrias farmacêuticas e outras instituições do campo da saúde nos Estados Unidos. A Associação Americana de Psiquiatria tem, portanto, o monopólio do diagnóstico e da classificação dos transtornos mentais, o que impulsiona um mercado formidável de tratamentos e medicamentos para milhões de pessoas, movimentando milhões e milhões de dólares por ano.

Apesar das críticas e questionamentos ao Manual levantados por diversas áreas do conhecimento (afinal, que confiabilidade pode ter um diagnóstico de transtorno mental que segue uma classificação pré-existente, sobretudo se tal diagnóstico leva a tratamentos e medicamentos, cuja necessidade dificilmente pode ser comprovada?), o DSM continua sendo a bíblia da psiquiatria americana.

A cada nova edição do documento, novos transtornos são acrescentados ou retirados, novas classificações são propostas e criadas, caminhando-se cada vez mais para a biologização dos distúrbios. Trata-se de um mecanismo de medicalização dos comportamentos sociais, que é um tema que temos repetido aqui no Blog desde o início. A primeira versão, de 1952, listava um total de 106 transtornos mentais; a versão mais recente, de 1994 traz 357 transtornos.

Para se ter uma idéia da importância política do DSM para a sociedade como um todo, basta lembrar que somente em 1973, quando o documento retirou a homossexualidade de sua lista de transtornos mentais, é que abriu-se as portas para as lutas pelos direitos civis de pessoas homossexuais nos Estados Unidos, e também no resto do mundo. Portanto, essas classificações vão muito além do interesse de médicos e pessoas portadoras de transtorno; elas têm um impacto social que não pode ser desconsiderado.

A esta altura, o leitor já deve estar concluindo que o DSM também medicaliza, patologiza e biologiza diferentes condutas sexuais da população, classificando-as como transtornos que necessitam de tratamento. E é justamente nessa perspectiva que encontramos a assexualidade fazendo parte dessa classificação, ainda que a palavra assexualidade não figure no Manual.

A pesquisadora Jane Russo, em trabalho de 2004, observa que, ao tratar dos transtornos relacionados à sexualidade, o Manual traz uma concepção do que significa “sexualidade normal”. A 4ª. versão do Manual define disfunção sexual como “uma perturbação nos processos que caracterizam o ciclo de resposta sexual ou por dor associada com o intercurso sexual.” O ciclo de resposta sexual compreende as fases de desejo, excitação, orgasmo e resolução. Para cada uma dessas fases, são listados transtornos específicos.

O que nos interessa aqui é o chamado Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo, definido pelo Manual como “deficiência ou ausência de fantasias sexuais e desejo de ter atividade sexual.” Jane Russo destaca que, ao referir-se a “deficiência de fantasias” ou “baixo desejo”, o Manual sugere que existe um nível normal de fantasias e desejos, e que estar abaixo desse nível significa ser portador de um distúrbio. Como a assexualidade é caracterizada pela ausência de desejo e/ou atração sexual, isso a coloca automaticamente na lista dos distúrbios sexuais, segundo o DSM. Ou seja, para o Manual, quem não tem interesse pela atividade sexual é necessariamente portador de um transtorno mental.

Ciente disso, o movimento assexual norte-americano, mais precisamente um grupo de trabalho composto por membros da AVEN (Asexual Visibility and Education Network) tem atuado em conjunto com membros da Associação Americana de Psiquiatria para que essa descrição seja alterada, pois para o movimento, a falta de interesse por sexo não deve ser considerada necessariamente um distúrbio, uma vez que muitas pessoas vivem muito bem sem sexo.

Está prevista uma nova edição do DSM a ser publicada em 2013, e é justamente nesta edição que os assexuais norte-americanos esperam poder incidir. A exemplo dos desdobramentos da retirada da homossexualidade da lista de transtornos mentais em 1973, espera-se que a modificação proposta pelo movimento assexual possa constituir o primeiro passo para o reconhecimento da assexualidade como orientação sexual.

Referência Bibliográfica.
RUSSO, Jane Araújo. Do desvio ao transtorno: a medicalização da sexualidade na nosografia psiquiátrica contemporânea. In: PISCITELLI, A.; GREGORI, M. F.; CARRARA, S. Sexualidades e saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.


Disponível em <http://assexualidades.blogspot.com/2011/05/assexualidade-e-o-dsm.html>. Acesso em 09 ago 2011.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Garoto de 8 anos é diagnosticado transexual e fará mudança de sexo

Humberto Oliveira
16/10/2009 - 00:02


Sua família contou sua história como parte de um novo documentário do canal Channel 4. Vanessia, sua mãe, disse que Josie sempre afirmou ser uma menina, embora fosse constantemente corrigida por ela. “Quando ela começou a falar, dizia que era uma menina. Nós costumávamos corrigi-la e dizer: ‘Não, você é um menino’”. Aos cinco anos, ela recusava-se a cortar os cabelos e só usava cores como laranja e rosa.


Quando completou seis anos, Josie, que também tem uma irmã adotiva, foi diagnosticada como transexual e começou a ser tratado como uma menina. Foi então que a família começou a oferecer roupas femininas e enfim observar qual seria sua reação.


Vanessia e seu marido, Joseph, um engenheiro da Força Aérea do Arizona, tomaram a decisão corajosa de contar a história de sua filha para ajudar outros pais de jovens transexuais.


“Ela costumava amarrar meu xale em volta da cintura para fazer saia. Esta era sua brincadeira favorita”, declarou ela aos jornais britânicos Daily Mail e Telegraph.


Segundo seu pai, o conservadorismo dos seus colegas militares não deixava aceitar a condição de sua filha. Entretanto, eles decidiram apostar no bem-estar da criança e resolveram ignorar o preconceito. “Nós percebemos que tínhamos um menino especial. Mas pensamos: ‘Enquanto o nosso filho estiver feliz, tudo bem’”, afirmou Joseph.


Seus pais também comentaram que encontraram na internet grande fonte de informações sobre o assunto. Eles contaram que inicialmente acharam muitos sites falando sobre o assunto, entretanto, destinados para adultos. Logo depois, descobriram que havia outras crianças que, segundo diagnósticos médicos, nasceram com o sexo errado.


No ano passado, Joey teve todos os seus documentos trocados e agora chama-se oficialmente: Josie. Atualmente ela está sendo acompanhada por médicos e psicólogos e deverá ingerir hormônios femininos quando completar 12 anos. Sua mãe também comentou que provavelmente ela deverá ser submetida a uma cirurgia para mudança de sexo, apenas quando for adulta.


Disponível em <http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://colunistas.ig.com.br/obutecodanet/files/2009/10/trans2.jpg&imgrefurl=http://colunistas.ig.com.br/obutecodanet/2009/10/16/garoto-de-8-anos-e-transexual-e-fara-mudanca-de-sexo/&usg=__lUYqdFNpKjh763yCPkZc74TdrQg=&h=614&w=468&sz=76&hl=pt-BR&start=128&um=1&tbnid=kB9QeNDVwUzQ_M:&tbnh=136&tbnw=104&prev=/images%3Fq%3Dtransexual%26ndsp%3D18%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26start%3D126%26um%3D1>. Acesso em 10 jan 2010.