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terça-feira, 12 de maio de 2015

Avanços científicos trazem novos olhares sobre a paternidade

Chris Bueno e Fernanda Grael 
11/05/2015


Um só embrião, mas com o material genético de três pessoas. Parece ficção científica, mas recentemente o Parlamento Britânico aprovou um novo procedimento de fertilização in vitro que utiliza o material genético de um homem e duas mulheres para formar o embrião. O procedimento, que está sendo estudado e discutido desde 2007, tem o objetivo de eliminar doenças genéticas. 

Mutações em genes das mitocôndrias (organelas presentes no interior das células animais, mais especificamente no citoplasma) causam doenças que afetam os sistemas nervoso e muscular da criança, podendo levar ao desenvolvimento de cegueira, epilepsia, retardo mental, fraqueza muscular e problemas cardíacos, entre outros. Mulheres que têm essa mutação transmitem esses problemas a seus filhos, pois as mitocôndrias são recebidas exclusivamente da mãe – elas já estavam no óvulo que gerou o bebê. 

 O que esse novo procedimento faz é um “transplante de mitocôndrias”, ou seja, ele substitui as mitocôndrias mutantes por mitocôndrias saudáveis de óvulos doados. Para isso, transplanta-se o núcleo do óvulo da mãe para dentro do óvulo de uma doadora saudável, contendo mitocôndrias normais. 

“Pensem numa célula como um ovo: o núcleo é a gema e o citoplasma é a clara. No núcleo ficam 99,998% dos nossos genes, que vêm metade do pai (no espermatozoide) e metade da mãe (no óvulo). Já as mitocôndrias ficam na clara, no citoplasma – e elas contêm os outros 0,002% dos nossos genes. O funcionamento correto desses poucos genes é fundamental para que nossas células produzam energia”, explica a bióloga Lygia da Veiga Pereira Carramaschi, professora titular no Departamento de Genética e Biologia Evolutiva do Instituto de Biologia (IB) da USP. 

Esse óvulo corrigido é fertilizado pelo espermatozoide do pai, e assim dará origem a um bebê sem as mutações nas mitocôndrias. Geneticamente, ele será 99,998% filho biológico de seus pais e 0,002% da mulher doadora de mitocôndrias. Segundo os pesquisadores, o bebê desse óvulo teria os traços genéticos de sua mãe biológica, mas levaria também o DNA mitocondrial da doadora, ficando livre das doenças que poderiam ser herdadas da mãe. “Daí dizermos que essas crianças terão um pai e duas mães – e aqui, muito cuidado: filho biológico, porque do ponto de vista social, pai e mãe são os que criam a criança”, enfatiza Carramaschi. 

Apesar de poder evitar uma série de doenças genéticas, a técnica gerou grandes discussões. “Apesar de ser uma alteração mínima e por um motivo muito nobre, qual será o limite? Além disso, do ponto de vista legal, deveremos modificar as definições de “paternidade” e “maternidade” para que a doadora de mitocôndrias não venha a ter direitos sobre a criança? De qualquer modo, são questões que devem ser consideradas”, alerta Carramaschi. 

Após a aprovação do procedimento pelo Parlamento Britânico, o diretor da ONG Human Genetics Alert, David King, criticou o procedimento, comparando-o à criação de um “Frankenstein”. “Assim como a criação do Frankenstein foi produzida a partir da junção de partes de muitos corpos diferentes, me parece agora que cientistas e seus assistentes bioéticos ultrapassam o limite do grotesco, das normas da natureza e da cultura humana”, avalia. 

Os cientistas também questionam a segurança do procedimento a longo prazo. A dúvida é se a técnica poderia ter alguma consequência na saúde dessa criança quando ela se tornasse adulta, como maior propensão ao desenvolvimento de câncer, por exemplo. No entanto, a técnica já foi utilizada por um curto período nos Estados Unidos, até ser proibida pela Food and Drug Administration (FDA, agência norte-americana que regula alimentos e procedimentos de saúde). E algumas crianças foram geradas com esta técnica: entre elas Alana Saarinen, nascida em 2000, que hoje é uma jovem saudável. 

Espermatozoide feminino, óvulo masculino 

Criar um espermatozoide feminino parece ficção, mas a ciência vem mostrando que é possível. Cientistas da Universidade de Newcastle, no Reino Unido, afirmam ter criado espermatozoides a partir de células-tronco da medula óssea feminina – abrindo caminho para o fim da necessidade do pai na reprodução. 

A pesquisa foi publicada primeiramente na revista científica Reproduction: Gamete Biology, em 2007, e ainda está em andamento. No estudo, os pesquisadores extraíram as células-tronco da medula óssea e separaram uma subpopulação especial de células. Elas foram cultivadas em placas de vidro, recebendo substâncias que favorecem a sua diferenciação. Os pesquisadores identificaram, então, a presença de células-tronco espermatogônicas (fase inicial do desenvolvimento dos espermatozoides). 

No ano passado, os cientistas conseguiram transformar células-tronco da medula óssea em espermatozoides imaturos. E o próximo passo seria submeter os espermatozoides primitivos à meiose, um processo que permitiria a maturação, tornando-o apto para a fertilização. A técnica já foi testada em camundongos. 

A princípio, não haveria barreiras para criar espermatozoides femininos por meio desse procedimento. No entanto, a “mulher-pai” só poderia ter filhas, já que não carrega o cromossomo Y. 

Em entrevista à última edição da revista New Scientist, Karim Nayernia, um dos pesquisadores envolvidos no estudo, disse estar esperando a permissão ética da universidade para dar continuidade ao trabalho. “Em princípio, eu acredito que seja cientificamente possível”, disse. 

Além disso, uma pesquisa no Japão vem apontando para a possibilidade de criar não apenas espermatozoides femininos, mas também óvulos masculinos. A pesquisa, realizada na Universidade do Japão, foi publicada na revista Science em 2012. A partir de camundongos transgênicos (com genes de outra espécie), os pesquisadores obtiveram células-tronco embrionárias e pluripotentes induzidas (iPS, derivadas do organismo adulto). A partir dessas células eles geraram células precursoras dos óvulos, colocaram-nas junto a um agregado de células do ovário de roedores e formaram uma espécie de ovário artificial. 

Esse conjunto de células foi implantado em fêmeas de camundongos para concluir o processo de maturação. Quando ficaram maduros, esses óvulos foram extraídos e colocados em “mães de aluguel”, submetidas à inseminação artificial. Após a junção com espermatozoides, os óvulos deram origem a filhotes saudáveis. 

Em tese, pela regressão a um estágio tão primordial de desenvolvimento, seria possível manipular as células para dar origem a espermatozoides. E, indo mais além, seria possível criar espermatozoides a partir de células femininas ou óvulo a partir de células masculinas Ou seja: casais do mesmo sexo poderiam ter um filho biológico, carregando 50% dos genes de cada genitor. 

Clones 

Se por um lado a ciência pode fertilizar um embrião com o material genético de três pessoas, ou gerar espermatozoides femininos e óvulos masculinos, por outro também pode utilizar apenas o material genético de uma única mulher. Esse é o caso da clonagem – procedimento que, no caso de humanos, é proibido. 

Para que ocorra a clonagem humana reprodutiva é necessário uma célula somática, que pode ser extraída do tecido de qualquer criança ou adulto. O núcleo dessa célula é retirado e inserido em um óvulo, depois implantado em um útero (uma barriga de aluguel). “No caso da clonagem humana prescindiríamos da figura masculina, pois seriam necessários óvulos, células da pessoa a ser clonada e útero”, aponta Carramaschi. 

A clonagem é vista como uma possibilidade para casais inférteis, porém, um documento assinado em 2003 pelas academias de ciências de 63 países, incluindo o Brasil, proíbe a clonagem humana reprodutiva. E, de acordo com o documento, o procedimento é ainda muito arriscado, abrindo diversas discussões sobre a ética do processo. 

Em 2002, a diretora Clonaid, a química francesa Brigitte Boisselier, anunciou que havia nascido o primeiro bebê humano clonado. Segundo ela, os pais da criança contrataram a empresa pois o pai era infértil, e o bebê foi gerado com células da pele da mãe. Porém, após intervenção judicial, os envolvidos saíram de cena e nunca foram feitos testes que atestassem a veracidade desse fato, nem a apresentação do próprio bebê. 

Por enquanto, a clonagem reprodutiva é considerada ineficiente. De acordo com os testes feitos em animais, a maioria dos clones morre logo no início da gestação e os outros têm defeitos ou anormalidades. Sem contar as barreiras éticas para levar adiante as pesquisas. 

Sociedade 

Essa mudança do papel do pai – ou mesmo sua supressão – proporcionada pela ciência ainda está longe de acontecer. E ainda que as barreiras sejam ultrapassadas pela ciência, as questões éticas se manteriam. A maior parte da sociedade vê com receio a manipulação genética em embriões humanos. De acordo com a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), assinada no anos 1990, todas as pesquisas na área devem levar em conta suas implicações éticas e sociais. 

“Imagino que, mais do que a ciência, a sociedade já vem modificando a definição do que é ser pai. Quem é o pai biológico? Fácil, o dono do espermatozoide que deu origem à criança. Mas quem é o pai social? Esse é quem cuida”, afirma Carramaschi.

Disponível em http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=113&id=1367. Acesso em 12 mai. 2015.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Tribunal japonês concede pela 1ª vez adoção a uma mãe transexual

G1
02/04/2014

Um tribunal de Osaka (centro do Japão) aprovou a adoção de um menino de três anos a uma transexual, segundo informações divulgadas pela agência Kyodo. É a primeira vez no país em que se reconhece esse direito a uma pessoa que se submeteu à mudança de sexo.

A nova mãe, de cerca de 30 anos, nasceu com o sexo biológico masculino e se submeteu a uma operação de mudança de sexo recorrendo à lei japonesa que desde 2004 permite a mudança do gênero registrado legalmente e se casar.

"Enquanto eu enfrentei circunstâncias crueis, as encarei de frente sem fugir", disse a mulher. "Espero que outras pessoas sigam os meus passos".

É o primeiro caso no Japão no qual se reconhece uma transexual como "mãe legal" dentro de um programa de adoção, uma decisão que segundo especialistas pode abrir um precedente jurídico.

Nesses casos, os tribunais costumam questionar se as pessoas que mudam de gênero são capazes de "construir uma relação paterno-filial saudável" ao se tornar pais adotivos.

A decisão do tribunal de Osaka "dará uma nova opção" aos transexuais que quiserem ter filhos, segundo disse o professor de ginecologia e obstetrícia da Universidade de Okayama, Mikiya Nakatsuka à Kyodo.

O caso também representa "um passo decisivo no reconhecimento da diversidade de gênero e de família", segundo o analista.

Em outro caso sobre direito à paternidade de transsexuais, em dezembro a Corte Suprema japonês reconheceu a um homem que tinha mudado de sexo como pai legal do filho de sua esposa, nascido de fertilização in vitro com esperma doado por uma terceira pessoa.


Disponível em http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/04/tribunal-japones-concede-pela-1-vez-adocao-uma-mae-transexual.html. Acesso em 03 abr 2014.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Japão reconhece transexual como pai de bebê concebido por inseminação

 Associated France Presse 
12 de Dezembro de 2013

A Suprema Corte do Japão reconheceu, pela primeira vez, a um homem transexual (nascido mulher) a paternidade legal de uma criança concebida por uma mulher mediante inseminação artificial com o esperma de outro homem.

O tribunal japonês anula, assim, os julgamentos anteriores, que haviam rejeitado inscrever o homem como um dos dos dois progenitores da criança.

Segundo a Suprema Corte, o fato de utilizar o esperma de outro homem no processo de gestação não é um impedimento legal para reconhecer a paternidade do transexual.

Esta decisão abre caminho para que outros transexuais sejam reconhecidos como pais, apesar de não terem tido um papel biológico na concepção e no nascimento do filho que criam.

Em sua decisão, os juízes explicaram que levaram em conta uma lei de 2004, que permitia a mudança de sexo e de estado civil sob determinadas condições, como se submeter a uma intervenção cirúrgica, àquelas pessoas com problemas de identidade de gênero.

Em virtude desta lei, um transexual tem não apenas o direito de se casar, mas também de ser reconhecido como pai de uma criança concebida por sua mulher durante seu casamento, consideraram os juízes.


Disponível em http://noticias.terra.com.br/mundo/asia/japao-reconhece-transexual-como-pai-de-bebe-concebido-por-inseminacao,1e10401d0bfd2410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html. Acesso em 31 jan 2014.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Paternidade socioafetiva tem igualdade com biológica

Jones Figueirêdo Alves
18 de dezembro de 2013

O instituto da paternidade socioafetiva, introduzido na doutrina brasileira pelo jurista Luiz Edson Fachin (1992), tem a sua existência ou coexistência reconhecidas no âmbito da realidade familiar e sua moldura jurídica extrai-se do artigo 1.593 do Código Civil (2002), quando a relação de filiação resulta de outra origem que não a da consanguinidade.

Verifica-se, assim, a parentalidade socioafetiva, nutrida pelo espirito, que tem igualdade jurídica com aquela adveniente do vinculo biológico, ambas com os mesmos direitos e deveres inerentes à relação paterno-filial.

É certo que tem sido permitido o reconhecimento voluntário da paternidade biológica perante o Oficial de Registro Civil, a qualquer tempo, mediante averbação do ato declaratório, no assento respectivo do nascimento do filho reconhecido, conforme tem sido objeto de politicas públicas (Lei 8.560/1992, com atualização da Lei 12.004/2009) e incentivado por mecanismos de facilitação (Provimentos do Conselho Nacional de Justiça).

Caso é de estender-se, agora, nas mesmas latitudes, o reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva, tendo em vista a igualdade jurídica entre as espécies de filiação (artigo 226 § 6º, da Constituição Federal), quando, com direitos e qualificações idênticos, o filho afetivo resulta de um liame dos fatos da vida no plano íntimo da convivência com o pai referencial.

Neste sentido, iniciativa normativa inédita no país, vem permitir através do Provimento 09/2013, de 2 de dezembro de 2013, da Corregedoria Geral de Justiça de Pernambuco, que homens registrem filhos não biológicos em cartório, bastando (i) o comparecimento pessoal para a declaração (artigo 2º, § 1º); (ii) a concordância expressa da genitora ou do filho maior (artigo 2º, §§ 3º e 4º); (iii) a qualificação dos dados do requerente, da genitora e do filho (artigo 2º § 3º), e (iv) observadas as normas legais referentes à gratuidade de atos (artigo 8º).

A simplificação do procedimento do reconhecimento elimina a necessidade de provocação jurisdicional (que rende processo judicial de média duração) e se apresenta como medida de elevado alcance social, a saber que muitos filhos, sem paternidade biológica preestabelecida nos seus registros, já convivem de forma afetiva com os pais substitutos, em famílias expandidas ou não, e necessitam, por direito personalíssimo, possuírem um referencial de autoridade parental e cuidadora.

O provimento, de nossa autoria (como Corregedor Geral de Justiça, em exercício) considerou, em suas diretivas principais, os fundamentos axiológicos do princípio da afetividade e da dignidade da pessoa humana, tendo em conta a amplitude do conceito de família ofertado pela Constituição Federal de 1988. Mais ainda, quando em seu artigo 226 resulta estabelecido que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

Adiante, o instrumento normativo indica alguns pressupostos de base, assinalando que:

(i) as normas consubstanciadas nos Provimentos 12, 16 e 26 do Conselho Nacional de Justiça, as quais visam facilitar o reconhecimento voluntário de paternidade biológica devem ser aplicáveis, no que forem compatíveis, ao reconhecimento voluntário da paternidade socioafetiva;

(ii) o disposto no artigo 10, II, do Código Civil em vigor, estabelece que “os atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação devem ser averbados em registro público”, tornando-se o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva, nesse fim, forma desburocratizada a estabelecer a relação paterno-filial fundada na socioafetividade;

(iii) o reconhecimento espontâneo da paternidade socioafetiva não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade biológica (artigo 7º).

Induvidoso que “do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva decorrem todos os direitos e deveres inerentes à autoridade parental” (Enunciado Programático 06/2013, do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM), os filhos socioafetivos tornam-se, pelo Provimento editado, os seus maiores beneficiários, porquanto para além de uma autoestima elevada, ante a existência de um pai civil (socioafetivo), a sua dignidade como pessoa humana se coloca em nível de equipotência com a dos filhos biológicos, pela igualdade jurídico-substancial que congrega todos os filhos; todos amparados, então, por um poder familiar.

Quando o artigo 1.593 do Código Civil permite que a paternidade socioafetiva seja reconhecida junto a pessoas que não tenham o nome do pai biológico na certidão de nascimento, suprindo do berço da origens a lacuna de sua identidade genética na esfera registral, diante dos fatos supervenientes da vida que as colocam vinculadas a um pai de afeição, caso é de se admitir que essa declaração possa ser feita pelo pai, administrativamente (perante o Registro Civil), sem necessária demanda judicial do filho, isto porque o reconhecimento é feito, sempre, em favor do próprio filho.

Bem de ver que o referido normativo codificado, em extensão do parentesco civil, recepciona outros vínculos, para além da adoção, como aqueles decorrentes da reprodução artificial heteróloga (artigo 1.597, V, CC) e da posse de estado de filho; vínculos que nas três hipóteses reproduzem a noção exata da paternidade socioafetiva. Neste sentido, o Enunciado 103 do CJF/STJ.

Mas não é só. Bem é certo pensar, no ponto, que a vida para ter sentido precisa ter as bases mais sólidas para o sentido da vida. Quanto mais se discute a socioafetividade, em seus efeitos jurídicos, o sentido da vida nos ensina que esses efeitos tem sentido visceral com a própria vida!!! A paternidade/maternidade (biológicas ou afetivas) sustenta um forte vínculo de referência, provendo a criança ou adolescente, de fonte essencial de sua própria identidade.

De tal sentir, não serão desafeições de doutrina minoritária, sem qualquer sentido de fato, que poderão reduzir o sentido da vida que a sociedade e, no particular a família, nos ensina.

Realmente. O pernambucano e desembargador Virgilio de Sá Pereira (1871-1934), um dos maiores civilistas de todos os tempos, ensinou, por sua vez, que “a família é um fato natural, criada pela natureza e não pelo homem, motivo pelo qual excede a moldura que o legislador a enquadra, pois ele não cria a família, como o jardineiro não cria a primavera.” (“Direito de Família”, 1923, p. 59).

Em menos palavras: socioafetividade, na esfera familiar, é a vida pulsando em sua realidade inexorável de afeições, a partir do contexto mais nuclear, queiram ou não os menos afetivos.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-dez-18/jones-figueiredo-paternidade-socioafetiva-igualdade-biologica. Acesso em 19 dez 2013.

domingo, 18 de agosto de 2013

Igualdade de gênero começa em casa. Ou quem tem medo da licença paternidade?

Renata Corrêa
13/08/2013

Enquanto escrevo esse texto, ouço o chorinho resmungante da minha filha no quarto ao lado. Ela está com o pai, que a está ninando. Os dias e as noites na nossa casa são assim - enquanto meu companheiro Gabriel dá banho ou comida, eu trabalho ou faço atividades pessoais. Enquanto eu amamento e troco uma fralda, ele joga videogame, lava uma louça ou leva nossa cachorra para passear. Na nossa família o Gabriel não me ajuda com as tarefas de cuidado relacionadas à nossa casa e à nossa filha. Eu e ele dividimos as demandas cotidianas de acordo com nossa disponibilidade de forma equilibrada. A filha é nossa, a casa é nossa.

Porém nem sempre foi assim. Nos primeiros meses, os cuidados com a Liz eram quase que exclusivamente meus durante o dia. Minha família mora no Rio de Janeiro e eu em São Paulo e, apesar da generosidade da minha mãe que passou alguns dias me ensinando a cuidar de um recém-nascido, Gabriel teve apenas cinco dias de licença paternidade. E desde aquela época eu me perguntava: afinal, se a filha é minha e dele, por que aos olhos da lei eu era a única responsável por seu bem estar físico e emocional?

Eu sei que o desejo dele era estar comigo, em casa, aprendendo a cuidar da nossa filha, e aprendendo a conhecê-la, mas cinco dias depois ele voltava bruscamente para uma rotina de trabalho de mais de oito horas por dia, viagens e horas extras. Estávamos os dois sofrendo - eu, sobrecarregada com as novas funções de mãe, e ele, que gostaria de estar participando mais ativamente desse processo. E por quê? Porque a nossa lei trabalhista está longe de ser um exemplo de equidade de gênero. Para corrigir muitas dessas distorções, tramita no congresso o PL 879/11 que estende a licença paternidade para 30 dias. Não é o ideal. Em muitos países desenvolvidos a licença é parental (na Noruega, por exemplo), ou seja, os pais recebem um número de dias de licença e dividem de acordo com as necessidades da família. Mas seria um começo.

Porém o relator da PL, Dep. Júlio Delgado (PSB-MG), deu um parecer contrário ao aumento da licença paternidade, usando justificativas que são um show de machismo, ignorância e ideias essencialistas sobre a questão de gênero. Destaco aqui um trecho:

"Não é possível conceder licença-paternidade similar à licença maternidade, ainda que ocorra qualquer uma das situações previstas nas proposições, pois ela jamais proporcionará os mesmos efeitos à criança, já que por questões fisiológicas a relação entre mãe e filho é totalmente diferenciada da que ocorre em relação ao pai.

Assim, não é uma questão de tratamento diferenciado ou de cunho discriminatório, mas a ausência da mãe jamais pode ser suprida, ainda que pelo pai. Diante da notória diferença existente entre a figura materna e paterna para a criança, as licenças maternidade e paternidade não podem ser tratadas da mesma forma, em igualdade de condições."

Lembrando que, quando o Deputado fala das situações previstas no PL, estão contempladas a licença para o pai em caso de óbito materno, nascimento prematuro e bebês nascidos com deficiências físicas ou mentais. Ou seja, o Deputado não acredita na importância da figura do pai e da divisão de cuidados nem em casos delicados, mas vamos nos ater aos casos de nascimentos normais, sem intercorrências ou qualquer outra consequência além do nascimento do bebê: o que o Deputado Júlio não sabe ou finge não saber é que biologia e fisiologia não são destino nem fatalidade.

As mulheres possuem o direito de dispor do próprio corpo mesmo após parir um filho. E as mulheres que desejam fugir das alarmantes estatísticas de amamentação do Brasil e amamentar no peito como recomenda o Ministério da Saúde (seis meses de exclusividade e permanecer amamentando até dois anos ou mais) - precisam de apoio constante da família e da sociedade para cuidar do bebê - pai incluso. Ser homem não é um selo incapacitante das tarefas de cuidado.

E se o deputado gosta de usar justificativas biológicas para embasar seus argumentos, deveria pesquisar mais - segundo as mais recentes evidências científicas, assim como a mulher, homens passam por diversas mudanças fisiológicas com o nascimento do bebê. A principal delas é a brusca diminuição da testosterona, logo nas primeiras horas após o nascimento, o que nada mais é que uma estratégia evolutiva para que os machos se envolvam nos cuidados com a cria. No texto integral, ele ainda cita que o homem deve voltar logo ao trabalho para manter sua "satisfação pessoal". Esse parágrafo é incomentável - como se apenas os homens pudessem ser provedores da família e como se trabalho não pudesse trazer satisfação pessoal para uma mulher que é mãe.

Ao criar uma falsa dicotomia entre as tarefas que podem ser desempenhadas por homens e mulheres, o relator da PL 879/11 reforça estereótipos de gênero, anula o homem e mina a importância da figura paterna, reforçando a ideia errônea e preconceituosa que tarefas relacionadas ao cuidado de bebês e crianças devem ser apenas da mulher e que a mãe deve arcar sozinha com essa missão, sendo "moldada naturalmente para isso".

Infelizmente esse tipo de parecer não é vantajoso para pais, mães ou filhos. É vantajoso apenas para o machismo, que continua a preterir as mulheres em idade fértil no mercado de trabalho e para desresponsabilização da iniciativa privada de dividir com o estado o ônus financeiro de aumentar e igualar a licença paternidade à licença maternidade ou da criação de uma justa licença parental.

Agora que termino esse texto, minha filha finalmente dorme nos braços de um pai que não tem medo algum de exercer a tarefa, mesmo sem contar com apoio do Estado, mas contando com o apoio de uma família feminista pronta para lutar por mudanças necessárias. Para que a nossa filha possa crescer num mundo onde a igualdade de gênero não seja apenas uma utopia, mas a tediosa realidade de todas as famílias brasileiras.

Texto integral do relatório do Deputado Júlio Delgado: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5731A408152640DEC7ABC07CC475B8C6.node2?codteor=1081873&filename=Parecer-CDEIC-25-04-2013

Disponível em http://www.cartacapital.com.br/blogs/feminismo-pra-que/igualdade-de-genero-comeca-em-casa-ou-quem-tem-medo-da-licenca-paternidade-4863.html. Acesso em 15 ago 2013.