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quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Confusões e estereótipos: O ocultamento de diferenças na ênfase de semelhanças entre transgêneros

Anna Paula Vencato
Cadernos AEL, v.10, n.18/19, 2003

Resumo: Este trabalho discute as diferenças entre algumas possibilidades de manifestações do fenômeno transgênero, tratando especificamente de travestis, transexuais e drag queens. É importante salientar que mesmo que existam traços comuns entre as diversas formas de experiência transgênero, os discursos desses sujeitos acerca de suas trajetórias enfatizam que há aspectos diferenciadores e principalmente hierárquicos dentro e fora do universo GLS usados para as/os definir, os quais nos mostram o quanto é necessário que se coloque em debate, para além de suas semelhanças, suas especificidades. Nesse sentido, este trabalho visa mostrar como as auto definições utilizadas por esses sujeitos podem não refletir as definições externas que lhes são atribuídas, sem pretender criar alguma espécie de taxionomia. As discussões aqui postas estão embasadas em minha pesquisa etnográfica acerca das corporalidades e performances de drag queens em territórios gays da Ilha de Santa Catarina e estarão perpassadas também pela discussão do conceito de transgênero. 





domingo, 25 de janeiro de 2015

Pensando corpo, gênero e sexualidade em contexto sado-fetichista

Marcelle Jacinto da Silva; Antonio Crístian Saraiva Paiva
Pontourbe - Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP - n. 15 - 2014


Resumo: Este artigo tem como fio condutor parte do meu material etnográfico proveniente de dissertação em andamento, a qual tem como foco narrativas sobre repertórios de experiências com/em práticas sócio-sexuais de sado-fetichismo, mais especificamente práticas de feminização no BDSM, cujos protagonistas relatam em blogs pessoais e entrevistas suas experiências e performances eróticas, reinventando seus próprios corpos e performatizando estereótipos de gênero. Propomos discutir como os atores se engajam no processo de feminização, como pensam e elaboram suas experiências de vestir-se de outro gênero, como vivenciam performances de gênero inseridas no contexto das práticas do sadomasoquismo erótico ou BDSM, e como corpo, sexualidade e gênero podem ser problematizados a partir da observação dessas narrativas.

texto completo

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Casal de noivos britânicos vai mudar de sexo antes da primeira transa

Extra
20/08/13

Um casal de britânicos optou esperar um ano para ter a primeira noite de amor. A decisão aconteceu porque ambos querem mudar de sexo para, em seguida, terem relações sexuais. Jamie Eagle, de 20 anos, e Louis Davies, de 25 anos (que se chamava Samantha), já moram juntos e contam com a ajuda um do outro para enfretar todo o processo de troca de sexo e o preconceito.

Segundo informações do jornal Daily Mail, o casal, que vive na pequena cidade de Bridgend, no sul do País de Gales, conta que sempre foi vítima de “comentários maldosos”. Por isso, também se tornou mais preparado para enfrentar o preconceito.

Nesta terça-feira, ao participarem de um programa da televisão inglesa, os jovem destacaram a importância de o caso deles vir a público.

“Eu sinto que estou fazendo a minha parte para ajudar a mudar a história”, afirmou Jamie, lembrando que através de redes sociais, o casal é parabenizado por ajudar outras pessoas em situação semelhante. “Muitas pessoas me disseram que eu as inspirei e muitas vieram me pedir conselhos, incluindo os pais de crianças pequenas”, contou Jamie.

O casal, que está passando por um tratamento de um ano para mudança de sexo, vai enfrentar a cirurgia apenas em dezembro. Eles, que se conheceram há um ano e moram juntos desde março, contam por que decidiram esperar a operação para transarem.

“É difícil ter intimidade porque ainda não estamos confortáveis com os nossos corpos”, disse Louis. Ele afirma ainda que este é um problema que ambos enfrentam desde a puberdade: “Eu odeio o meu passado. Espero que com a cirurgia isso mude. É por isso que precisamos da cirurgia, para que possamos seguir em frente”, disse.

O casal se conheceu na escola, durante o Ensino Médio. Após um passeio com um grupo de jovens, Jamie tomou coragem para pedir o telefone de Louis. Desde então, eles não se separaram mais.

“Esperamos que falar sobre nosso caso ajude a erradicar estereótipos. Para colocar de forma simples: eu sou um menino e Jamie é uma menina. Estaremos sempre um com o outro”, disse Louis.


Disponível em http://extra.globo.com/noticias/mundo/casal-de-noivos-britanicos-vai-mudar-de-sexo-antes-da-primeira-transa-9630761.html. Acesso em 20 jan 2014.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Relações de gêneros e liderança nas organizações: rumo a um estilo andrógino de gestão

Jean Carlo Silva dos Santos
Elaine Di Diego Antunes
Gestão Contemporânea, Porto Alegre, ano 10, n. 14, p. 35-60, jul./dez. 2013

Resumo: Trata-se de um ensaio teórico, realizado com base em pesquisa bibliográfica, com o objetivo analisar e descrever como os estereótipos, as diferenças e as desigualdades de gênero constroem barreiras para a ascensão de mulheres a cargos de liderança nas organizações. O ensaio discute também as implicações da gestão andrógina (KARK, 2004) como alternativa de igualdade de oportunidades para homens e mulheres ascenderem como líderes. Por meio da teoria da identidade do papel sexual,são demonstrados os estereótipos socialmente construídos sobre o papel masculino e feminino, os quais estabelecem barreiras para a ascensão da mulher a cargos de prestígio e poder nas organizações, mesmo com a inserção maciça de mulheres no mercado de trabalho. Conclui-se que o estilo andrógino de gestão constitui uma alternativa para o estabelecimento de relações de igualdade de condições e de oportunidades entre homens e mulheres, ao mesmo tempo em que transpõe a polarização existente entre os gêneros e promove sua integração. Enfim, o estilo andrógino de gestão pode ser considerado uma atitude de mudança cultural e comportamental no que diz respeito ao papel social do gênero. O avanço nas pesquisas sobre a liderança andrógina suscita novos caminhos e possibilidades de análise sobre como os indivíduos andróginos percebem e exercem sua liderança e proporciona novas perspectivas para o entendimento dos constructos sociais do papel de gênero e das barreiras que impedem a ascensão profissional das mulheres.





domingo, 5 de janeiro de 2014

Como os homens veem as mulheres no trabalho (e vice-versa)

Talita Abrantes
25/11/2013

Vinte. Este é o número de vezes que um homem tem mais chance de chegar a um cargo de presidente de uma grande empresa quando comparado com uma mulher, segundo estudo da Bain divulgado durante o Fórum Mulheres em Destaque. E a diferença de estilos de gestão é uma das principais explicações para isso.

O estudo feito com pouco mais de 500 profissionais brasileiros prova que homens e mulheres se veem de maneiras diferentes no trabalho. “A mulher tende a construir relacionamentos, mobilizar o time, ajudar nos processos relacionais quando há mudanças”, afirma Luciana Batista, consultora da Bain & Co.

O problema? “Os líderes tendem a promover pessoas com estilos de gestão semelhantes aos seus”, diz a especialista. Como os homens são maioria nos cargos de liderança, a consequência não poderia ser mais óbvia.

Na hora de avaliar as próprias características, tanto mulheres quanto homens acabam caindo em alguns estereótipos.

Por exemplo, segundo os dois grupos, elas são menos eficazes do que eles na hora de controlar emoções e trabalhar com pessoas do mesmo sexo. Os homens, por sua vez, são menos eficazes ao conciliar trabalho e família e construir relacionamentos do que as mulheres, segundo o levantamento.

O desempenho feminino e masculino, segundo as mulheres

PerfilMulheres mais efetivas que os homensHomens mais efetivos que mulheres
Controla as emoções no trabalho6%65%
Gerencia situações de alta pressão15%31%
Trabalha com colegas do mesmo sexo14%32%
Toma decisões difíceis baseadas na lógica e em bom julgamento11%28%
Toma boas decisões comerciais7%19%
Forma times de alta performance21%10%
Fala/contribui de forma eficaz em reuniões de liderança17%13%
Comunica ideais ou argumentos complexos23%14%
Trabalha bem em equipes25%15%
Constrói relacionamentos com os colegas30%18%
Propõe e gerencia processos de mudança transformacional35%8%
Mantém o comprometimento com o trabalho enquanto gerencia as necessidades de suas famílias58%12%

O desempenho feminino e masculino, segundo os homens

PerfilMulheres mais efetivas que os homensHomens mais efetivos que mulheres
Controla as emoções no trabalho4%62%
Gerencia situações de alta pressão3%46%
Trabalha com colegas do mesmo sexo10%40%
Toma decisões difíceis baseadas na lógica e em bom julgamento6%30%
Toma boas decisões comerciais5%13%
Forma times de alta performance9%19%
Fala/contribui de forma eficaz em reuniões de liderança11%14%
Comunica ideais ou argumentos complexos11%16%
Trabalha bem em equipes15%16%
Constrói relacionamentos com os colegas21%21%
Propõe e gerencia processos de mudança transformacional16%12%
Mantém o comprometimento com o trabalho enquanto gerencia as necessidades de suas famílias30%28%

Estilo de liderança

Quando indagados sobre o desempenho das mulheres e homens em 10 estilos de liderança, os profissionais do sexo masculino afirmam que eles são melhores que elas exatamente nas características que são mais valorizadas pelos chefes – novamente, que são na sua maioria homens.

O que é mais valorizado nos cargos de liderança, segundo homens e mulheres

O que as empresas valorizamSegundo mulheres*Segundo homens*
Solucionar problemas53%54%
Encorajar o trabalho em equipe47%43%
Influenciar a equipe33%34%
Inspirar30%30%
Delegar28%28%
Fazer networking26%22%
Apoiar20%27%
Reconhecer24%22%
Fazer coaching/mentoring16%14%
Consultar as pessoas14%15% 
* percentual de entrevistados que atribuíram importância 9 ou 10 em um ranking de 10

O desempenho de homens e mulheres em cada item, na visão dos homens

O que as empresas valorizamDesempenho das mulheres* Desempenho dos homens*
Solucionar problemas19%25%
Encorajar o trabalho em equipe27%24%
Influenciar a equipe22%30%
Inspirar19%22%
Delegar15%22%
Fazer networking24%27%
Apoiar26%20%
Reconhecer26%17%
Fazer coaching/mentoring22%13%
Consultar as pessoas29%17%
* percentual de entrevistados que atribuíram importância 9 ou 10 em um ranking de 10

Repare que nos cinco estilos de liderança mais valorizados pelos chefes (solucionar problemas, encorajar o trabalho em equipe, influenciar a equipe, inspirar e delegar), as mulheres superam os homens em apenas um item – embora se sobressaiam em outras características.

Para elas, a consequência da cultura que valoriza o estilo masculino é clara: apenas 19% das mulheres acreditam que têm as mesmas chances de promoção que homens tão qualificados quanto elas. Entre as que estão em cargos juniores, o percentual é de 27%.

O cenário se repete nos processos de seleção e indicação. Ao todo, 60% das mulheres em cargos juniores acreditam que há igualdade entre os gêneros durante os processos de seleção. Entre as executivas, o percentual cai para 31%.


Disponível em http://exame.abril.com.br/carreira/noticias/como-os-homens-veem-as-mulheres-no-trabalho-e-vice-versa?page=1. Acesso em 29 dez 2013.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Heterossexual ou gay? Formato do rosto pode revelar opção sexual

Portal Terra
09 de Novembro de 2013

Um estudo sugere que os diferentes formatos de rosto podem revelar as preferências sexuais dos homens. Pesquisadores da Academia de Ciências da República Checa e do Centro de Estudos Teóricos da Universidade Charles, em Praga, decidiram estudar as características faciais de homens gays e heterossexuais para saber se elas estão relacionadas à orientação sexual. As informações são do Huffington Post.

Foram realizados dois estudos: um analisou se os gays têm visivelmente diferentes características visuais que os heterossexuais, e o outro analisou se a orientação sexual pode ser determinada apenas com base neste recurso.

No primeiro estudo, pesquisadores reuniram 40 homens que se interessavam por pessoas do mesmo sexo e 40 homens que se relacionavam com mulheres. Todos checos e brancos. Depois de tirarem 80 fotos com mais de 11 mil coordenadas, foi possível notar um padrão. "Os homens gays mostraram rostos relativamente mais largos e curtos, narizes menores e mais curtos e mandíbulas mais arredondada, apontou o estudo.

O segundo estudo reuniu 33 gays e 33 heterossexuais com 20 anos. Quarenta estudantes do sexo feminino e 40 masculinos foram solicitados a classificar a orientação sexual dos 66 participantes em uma escala de um a sete, sendo que um representava o extremo para heterossexual e sete para homossexual. Além disso, eles classificaram os traços mais masculinos e femininos de cada participante.

As formas de rosto de homens gays foram classificadas como mais masculinas do que os heterossexuais. Além disso, os avaliadores não foram capazes de determinar a orientação sexual com as imagens. “Isso mostra que o julgamento da orientação sexual com base em características estereotipadas leva ao equívoco frequente”, escreveram os autores.

"É necessário apontar para possíveis mal-entendidos dos nossos resultados", disse Jarka Valentova, uma das responsáveis pelo estudo. "O fato de termos encontrado algumas diferenças morfológicas significativas entre homens homossexuais e heterossexuais não significa que qualquer um dos grupos é facilmente reconhecível na rua (e nosso estudo 2, na verdade, mostra que não é assim tão fácil de adivinhar a orientação sexual de alguém sem conhecê-lo)”, completou.

Ela também acrescentou que o tamanho da amostra utilizada foi pequena e, para que o estudo tivesse mais validade, seria necessário aplicá-lo em homens de diferentes etnias.


Disponível em http://vidaeestilo.terra.com.br/homem/heterossexual-ou-gay-formato-do-rosto-pode-revelar-opcao-sexual,6bd6d3df14d32410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html. Acesso em 23 nov 2013

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Como os pais transmitem preconceitos aos filhos sem saber

Stephanie D’Ornelas
6.10.2012

Desde pequenos somos cercados de estereótipos e generalizações: meninas usam rosa, meninos azul; garotos têm cabelo curto, meninas longo; eles brincam de carrinho, elas de boneca, e por aí vai. Normalmente, essas falas vêm de dentro de casa, dos nossos próprios pais. Um novo estudo mostra que essas generalizações, que são extremamente comuns, fazem com que os pais transmitam preconceitos aos filhos sem saber.

Pesquisadores da Universidade de Nova York e da Universidade de Princeton (ambas nos EUA) descobriram que uma simples generalização pode fazer com que as crianças desenvolvam várias outras ideias genéricas sobre um determinado grupo de pessoas.

Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que crenças e preconceitos podem surgir em idade pré-escolar, mas os motivos disso sempre foram pouco claros. A formação que as crianças têm em casa pode ser uma das explicações.

No estudo, pesquisadores descobriram que a linguagem genérica desempenha um papel poderoso na formação das crianças, fazendo com que essas desenvolvam crenças sobre categorias sociais de maneira diferente do que as crianças que não têm essa experiência de linguagem em casa. A linguagem genérica pode criar tendências ao desenvolvimento de estereótipos e preconceitos.


Disponível em http://hypescience.com/como-os-pais-transmitem-preconceitos-aos-filhos-sem-saber/. Acesso em 03 nov 2013.

domingo, 18 de agosto de 2013

Igualdade de gênero começa em casa. Ou quem tem medo da licença paternidade?

Renata Corrêa
13/08/2013

Enquanto escrevo esse texto, ouço o chorinho resmungante da minha filha no quarto ao lado. Ela está com o pai, que a está ninando. Os dias e as noites na nossa casa são assim - enquanto meu companheiro Gabriel dá banho ou comida, eu trabalho ou faço atividades pessoais. Enquanto eu amamento e troco uma fralda, ele joga videogame, lava uma louça ou leva nossa cachorra para passear. Na nossa família o Gabriel não me ajuda com as tarefas de cuidado relacionadas à nossa casa e à nossa filha. Eu e ele dividimos as demandas cotidianas de acordo com nossa disponibilidade de forma equilibrada. A filha é nossa, a casa é nossa.

Porém nem sempre foi assim. Nos primeiros meses, os cuidados com a Liz eram quase que exclusivamente meus durante o dia. Minha família mora no Rio de Janeiro e eu em São Paulo e, apesar da generosidade da minha mãe que passou alguns dias me ensinando a cuidar de um recém-nascido, Gabriel teve apenas cinco dias de licença paternidade. E desde aquela época eu me perguntava: afinal, se a filha é minha e dele, por que aos olhos da lei eu era a única responsável por seu bem estar físico e emocional?

Eu sei que o desejo dele era estar comigo, em casa, aprendendo a cuidar da nossa filha, e aprendendo a conhecê-la, mas cinco dias depois ele voltava bruscamente para uma rotina de trabalho de mais de oito horas por dia, viagens e horas extras. Estávamos os dois sofrendo - eu, sobrecarregada com as novas funções de mãe, e ele, que gostaria de estar participando mais ativamente desse processo. E por quê? Porque a nossa lei trabalhista está longe de ser um exemplo de equidade de gênero. Para corrigir muitas dessas distorções, tramita no congresso o PL 879/11 que estende a licença paternidade para 30 dias. Não é o ideal. Em muitos países desenvolvidos a licença é parental (na Noruega, por exemplo), ou seja, os pais recebem um número de dias de licença e dividem de acordo com as necessidades da família. Mas seria um começo.

Porém o relator da PL, Dep. Júlio Delgado (PSB-MG), deu um parecer contrário ao aumento da licença paternidade, usando justificativas que são um show de machismo, ignorância e ideias essencialistas sobre a questão de gênero. Destaco aqui um trecho:

"Não é possível conceder licença-paternidade similar à licença maternidade, ainda que ocorra qualquer uma das situações previstas nas proposições, pois ela jamais proporcionará os mesmos efeitos à criança, já que por questões fisiológicas a relação entre mãe e filho é totalmente diferenciada da que ocorre em relação ao pai.

Assim, não é uma questão de tratamento diferenciado ou de cunho discriminatório, mas a ausência da mãe jamais pode ser suprida, ainda que pelo pai. Diante da notória diferença existente entre a figura materna e paterna para a criança, as licenças maternidade e paternidade não podem ser tratadas da mesma forma, em igualdade de condições."

Lembrando que, quando o Deputado fala das situações previstas no PL, estão contempladas a licença para o pai em caso de óbito materno, nascimento prematuro e bebês nascidos com deficiências físicas ou mentais. Ou seja, o Deputado não acredita na importância da figura do pai e da divisão de cuidados nem em casos delicados, mas vamos nos ater aos casos de nascimentos normais, sem intercorrências ou qualquer outra consequência além do nascimento do bebê: o que o Deputado Júlio não sabe ou finge não saber é que biologia e fisiologia não são destino nem fatalidade.

As mulheres possuem o direito de dispor do próprio corpo mesmo após parir um filho. E as mulheres que desejam fugir das alarmantes estatísticas de amamentação do Brasil e amamentar no peito como recomenda o Ministério da Saúde (seis meses de exclusividade e permanecer amamentando até dois anos ou mais) - precisam de apoio constante da família e da sociedade para cuidar do bebê - pai incluso. Ser homem não é um selo incapacitante das tarefas de cuidado.

E se o deputado gosta de usar justificativas biológicas para embasar seus argumentos, deveria pesquisar mais - segundo as mais recentes evidências científicas, assim como a mulher, homens passam por diversas mudanças fisiológicas com o nascimento do bebê. A principal delas é a brusca diminuição da testosterona, logo nas primeiras horas após o nascimento, o que nada mais é que uma estratégia evolutiva para que os machos se envolvam nos cuidados com a cria. No texto integral, ele ainda cita que o homem deve voltar logo ao trabalho para manter sua "satisfação pessoal". Esse parágrafo é incomentável - como se apenas os homens pudessem ser provedores da família e como se trabalho não pudesse trazer satisfação pessoal para uma mulher que é mãe.

Ao criar uma falsa dicotomia entre as tarefas que podem ser desempenhadas por homens e mulheres, o relator da PL 879/11 reforça estereótipos de gênero, anula o homem e mina a importância da figura paterna, reforçando a ideia errônea e preconceituosa que tarefas relacionadas ao cuidado de bebês e crianças devem ser apenas da mulher e que a mãe deve arcar sozinha com essa missão, sendo "moldada naturalmente para isso".

Infelizmente esse tipo de parecer não é vantajoso para pais, mães ou filhos. É vantajoso apenas para o machismo, que continua a preterir as mulheres em idade fértil no mercado de trabalho e para desresponsabilização da iniciativa privada de dividir com o estado o ônus financeiro de aumentar e igualar a licença paternidade à licença maternidade ou da criação de uma justa licença parental.

Agora que termino esse texto, minha filha finalmente dorme nos braços de um pai que não tem medo algum de exercer a tarefa, mesmo sem contar com apoio do Estado, mas contando com o apoio de uma família feminista pronta para lutar por mudanças necessárias. Para que a nossa filha possa crescer num mundo onde a igualdade de gênero não seja apenas uma utopia, mas a tediosa realidade de todas as famílias brasileiras.

Texto integral do relatório do Deputado Júlio Delgado: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=5731A408152640DEC7ABC07CC475B8C6.node2?codteor=1081873&filename=Parecer-CDEIC-25-04-2013

Disponível em http://www.cartacapital.com.br/blogs/feminismo-pra-que/igualdade-de-genero-comeca-em-casa-ou-quem-tem-medo-da-licenca-paternidade-4863.html. Acesso em 15 ago 2013.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Comercial que convida a diferenciar mulheres de transexuais causa polêmica na Grã-Bretanha

BBC BRASIL
16 de maio, 2012

O anúncio da casa Paddy Power, veiculado pela TV e pela internet, foi criado especialmente para ser exibido em fevereiro, antes do dia reservado às mulheres no Festival de Cheltenham, que sedia uma das mais célebres séries de corridas de cavalos da Grã Bretanha.

Ele provocou o envio de mais de 400 queixas à Advertising Standards Authority (ASA), entidade independente que regula o segmento de publicidade na Grã Bretanha, que decidiu que a peça publicitária não deve ser mostrado novamente na sua forma atual.

O anúncio dizia: "...vamos fazer o dia das mulheres (no festival) ainda mais emocionante com o envio de algumas belas senhoras transexuais para (ajudar a) diferenciar garanhões de éguas".

O comercial mostrava uma série de rápidas imagens de pessoas no evento, enquanto uma voz representava alguém tentando identificar o gênero do retratado.

Ao acolher as queixas, a ASA disse: "Nós consideramos que o anúncio banaliza uma questão altamente complexa e representa um número comum de estereótipos negativos sobre transexuais. Consideramos que, ao sugerir que as mulheres transexuais seriam parecidas com homens travestidos, e que o gênero poderia ser associado a um jogo, o anúncio reforçou de forma irresponsável os estereótipos negativos.

A entidade também condenou a maneira que os termos "garanhões" e "éguas" foram usados no anúncio.

'Especialmente frustrante'

A direção da Paddy Power informou que não tinha a intenção de causar dano ou ofensa e que a empresa ficou desapontada com a decisão da ASA.

Um porta-voz disse: "Essa decisão é especialmente frustrante dado que o comercial tinha sido pré-aprovado pela Clearcast (uma organização não governamental que avalia previamente a publicidade na televisão britânica), que então considerou que o humor neste anúncio, embora não para todos os gostos, ficou aquém de causar ofensa. Além disso, pedimos à Sociedade Beaumont, um dos principais grupos transgênero do país, para comentar o roteiro."

"Também escalamos exclusivamente membros da comunidade trans nos vários papéis transexuais do comercial."

"Finalmente, é importante ressaltar que o comercial tem quase 600 mil visualizações na internet, com o dobro de 'gosta' do que de 'não gosta' nas avaliações de quem assistiu".


Disponível em http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120516_paddy_rp.shtml. Aceso em 22 jul 2013.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Pensamentos perigosos

Arnd Florack; Martin Scarabis

Há um teste simples, concebido pelos psicólogos sociais Andreas Klink e Ulrich Wagner. Na calçada, uma jovem pergunta qual o caminho até a rodoviária. A maioria dos passantes lhe dá a informação; somente uns poucos mal-educados ou apressados seguem adiante, ignorando-a. Um pouco mais tarde, ela retorna ao local para fazer a mesma pergunta. Com uma diferença: a jovem agora veste roupas orientais e um véu lhe recobre a cabeça. Os professores querem verificar se ela será tratada de forma diferente. 

Infelizmente, o resultado dessa pesquisa de campo dos professores das universidades Jena e Marburg, na Alemanha, comprova com todas as letras: o número de pessoas que agora ignoram a suposta estrangeira mais que duplica. Em outros experimentos, os dois psicólogos solicitaram a pessoas com nomes estrangeiros que respondessem a anúncios imobiliários e de emprego, e observaram nos concidadãos o mesmo comportamento de repulsa. A causa, evidente, é uma só: preconceito.

A psicologia atual caracteriza o preconceito como a presença, profundamente arraigada na memória, de associações negativas vinculadas a pessoas de culturas estrangeiras. Estudos realizados em muitos países evidenciam que todo ser humano nutre semelhantes reservas e age em consonância com elas. Nesse contexto, a violência praticada contra estrangeiros, que não exclui sequer assassinatos, é apenas a ponta do iceberg. Como mostra o teste de Klink e Wagner, o comportamento discriminatório se manifesta sobretudo em situações cotidianas. Os estereótipos, entretanto, não dificultam a vida apenas dos grupos estigmatizados. 

Com razão, os psicólogos sociais americanos Robert A. Baron e Donn Byrne observam que pessoas com atitudes preconceituosas vivem em ambiente social carregado de conflitos e medos desnecessários. Sentem constante temor, por exemplo, de ser atacadas ou molestadas por estrangeiros supostamente hostis. Ou seja, essa postura redunda em considerável queda da qualidade de vida - argumento suficiente para atuar no combate a hábitos socialmente nocivos do cérebro. Mas como fazer isso? Começando a debater o tema? Reeducando os portadores de preconceitos, ou seja, todos nós? Infelizmente, não é tão fácil assim. Se abordado de forma equivocada, o combate aos estereótipos pode, na melhor das hipóteses, ser inócuo. Na pior, levar a uma rejeição ainda maior. Quem deseja de fato acabar com os preconceitos deve compreender que papel eles desempenham em nosso pensamento.

John Dovidio e colegas da Universidade Colgate, nos Estados Unidos, estudam a interação de grupos sociais. Em um de seus experimentos constataram que os preconceitos atuam no plano inconsciente. A associação entre grupos de pessoas e características negativas é estabelecida numa esfera sobre a qual não temos controle.

Como descobrimos juntamente com Herbert Bless, esse fenômeno não se restringe à questão de brancos e negros nos Estados Unidos. Em experiências semelhantes, estudantes alemães também revelaram associações negativas vinculadas a grupos estrangeiros - nesse caso, voltando sua desconfiança contra turcos e poloneses.

Todos os estudos relevantes indicam que o poder dos preconceitos se assenta primordialmente no modo como nossa memória funciona. Tão logo deparamos com um representante de um grupo étnico estranho, a memória põe de imediato à nossa disposição valorações e convicções estereotípicas. A elas podemos recorrer com reduzido esforço cognitivo, e sua influência se faz sentir em nosso juízo e comportamento. Não obstante, processos inconscientes não servem como explicação ou, menos ainda, como desculpa para o comportamento hostil em relação a estrangeiros. Afinal, para que uma postura automatizada se transforme em opinião expressa ou até mesmo em ação direcionada, é necessário que os preconceitos passem pelo crivo da consciência. É o que se verifica com freqüência quando questionamos universitários sobre sua opinião em relação ao tema. Em geral, eles manifestam postura neutra ou positiva no tocante a grupos estrangeiros. A razão é evidente: eles têm controle consciente sobre uma eventual opinião negativa.

Na maioria das vezes, podemos decidir a que informação dar peso maior, se às associações evocadas de forma automática ou aos fatos reais - como, por exemplo, quando um estrangeiro nos devolve a carteira que tínhamos perdido. Mas há uma limitação: se somos pressionados pelo tempo curto, estamos cansados ou por alguma outra razão nosso julgamento não resulta de reflexão, em geral os preconceitos se impõem. Ao que tudo indica, a categorização automática atua como uma espécie de mecanismo poupador de energia com o auxílio do qual nosso cérebro processa informações com maior eficiência.

É o que demonstra um experimento de Galen von Bodenhausen, da Universidade Noroeste, de Chicago. O psicólogo, que investiga as bases cognitivas dos estereótipos, pediu a estudantes que avaliassem casos fictícios de colegas que teriam supostamente cometido um ato ilícito, isto é, colado na prova final, traficado drogas ou agredido alguém fisicamente. Os participantes deveriam indicar a probabilidade de cada colega ter cometido um desses atos. As infrações em questão foram escolhidas com base no estereótipo vinculado a certos grupos étnicos. A venda de drogas associava-se à imagem do negro americano; a trapaça no exame, ao tipo esportivo, de baixo desempenho acadêmico; e a agressividade, aos latinos.

Singular nesse experimento foi o fato de que os estudantes foram chamados a participar em horários específicos: às 9 da manhã, às 3 da tarde e às 8 da noite. Paralelamente, Von Bodenhausen depreendeu, por meio de um questionário, o ritmo diário de cada participante, identificando tanto os madrugadores quanto os de péssimo humor matinal. O resultado foi claro. Estudantes com dificuldade para acordar deixaram-se levar por seus preconceitos sobretudo de manhã. Nesse horário, mostraram o maior grau de certeza de que os inculpados haviam de fato cometido o ato ilícito. Mais tarde, ao longo do dia, revelaram juízo mais claro, baseando-se predominantemente nos fatos descritos. O oposto se verificou em relação aos madrugadores, que, em especial no período da noite, tatearam rumo à armadilha das próprias idéias preconcebidas.

A isso se soma o fato irônico de que, com o tempo, o preconceito reprimido pressiona cada vez mais por expressão. Você já tentou conter uma observação desagradável em relação a seu parceiro ou parceira? E não aconteceu de, no fim, o comentário escapar assim mesmo, talvez no momento menos apropriado? Esses acidentes cognitivos acontecem em breves momentos de desmotivação ou quando estamos menos alertas. A esse respeito, Neil Macrae, do Dartmouth College, em Hanover, Estados Unidos, conduziu uma pesquisa juntamente com Alan Milne, da Universidade de Aberdeen, e com Von Bodenhausen. 

Macrae e colegas investigaram a influência exercida por estereótipos sobre o pensamento e, em particular, de que maneira inibimos pensamentos impróprios. Em seu experimento, os participantes foram convocados a julgar uma pessoa. A fim de motivá-los a reprimir seus preconceitos, os voluntários foram acomodados diante de uma câmera de vídeo e podiam contemplar a própria imagem numa tela de televisão. De fato, esse truque induziu ao menos alguns deles a encobrir seus preconceitos, até o momento em que a câmera foi desligada. Então, sob a alegação de que um defeito técnico havia ocorrido, a experiência foi repetida. Justamente pessoas que antes haviam conseguido controlar seus preconceitos passaram a dar vazão entusiasmada a estereótipos. O contragolpe da repetição as pegou desprevenidas.

Mas de onde vem essa nossa estranha predileção por padrões de pensamento inexatos e, amiúde, até mesmo danosos? Uma das vantagens, nós já vimos aqui: os estereótipos nos poupam do esforço da reflexão, por simplificar o processamento da informação. Em certas situações, servem também de escudo para a preservação da auto-estima, como já demonstraram Steven Fein, do Williams College, em Massachusetts, e Steven Spencer, da Universidade de Waterloo, no Canadá. E estudos sociopsicológicos do passado já revelaram indícios de que pessoas com postura positiva em relação a si mesmas externam menos preconceitos a grupos estrangeiros.

Convém, no entanto, evitar conclusões precipitadas. Os meios de comunicação têm por prática demasiado freqüente partir do pressuposto de que frustrações pessoais conduziriam à discriminação de minorias: "Quanto maior o desemprego, tanto maior a hostilidade aos estrangeiros". Essa tese, no entanto, é refutada por estudos conduzidos por Jennifer Crocker, da Universidade de Michigan, bastante dedicada ao estudo de estigmas sociais. Segundo a psicóloga, a elevação da auto-estima pela via do preconceito funciona, paradoxalmente, apenas para as pessoas que já possuem auto-imagem positiva. As que se têm em baixa conta pouco lançam mão desse recurso. Para elas, desemprego ou insucesso costumam redundar em depressões ou auto-agressões.

Por outro lado, é inconteste o fato de que a integração a um grupo pode fortalecer a auto-estima. Como deixam claro numerosos estudos, nós nos definimos acima de tudo com base nessas unidades sociais, destacadas positivamente de outras. Isso por vezes leva o indivíduo a dar preferência a pessoas de seu próprio meio e a desvalorizar as demais. O significado fundamental desse mecanismo revela-se até na linguagem verbal. Palavras que caracterizam o próprio grupo ("nós", por exemplo) revestem-se comprovadamente de carga positiva maior que aquelas vinculadas a outro grupo (como "vocês"). No passado, pensava-se que apenas o conflito por bens materiais desencadeasse esse antagonismo entre grupos - ou seja, a tão propalada pilhagem da previdência social ou a disputa por postos de trabalho, percebida como intensa. Pesquisas comprovam que isso de fato ocorre, uma vez que estrangeiros sempre levam a pior nessa situação. 

Mas o que se revelou com o tempo foi que tamanha pressão externa não é sequer necessária. Participantes de um estudo divididos por psicólogos em grupos aleatórios revelaram imediata preferência pelos componentes do próprio grupo, embora de início não compartilhassem nenhuma experiência comum. O mero estabelecimento de um grupo basta para lançar as bases do preconceito.

Desde que começaram a estudar a interação entre grupos, os psicólogos sociais repetem a mesma pergunta: o que leva seres humanos a praticar crueldades incompreensíveis contra semelhantes - como a opressão brutal imposta às minorias, as "faxinas étnicas", as torturas e os estupros sistemáticos? Isso está de alguma forma relacionado aos preconceitos e à auto-estima dos perpetradores? Os pesquisadores americanos Sheldon Solomon, Jeff Greenberg e Tom Pyszczynski propõem uma explicação com sua Terror Management Theory (teoria do gereciamento do terror). O cerne dessa teoria é o medo que os humanos têm da própria morte - aquilo que é chamado de terror. A fim de se proteger disso, o homem esboça, no âmbito de sua cultura, um sistema de regras de comportamento e de escalas de valores. Viver em conformidade com essas regras lhe dá segurança e o faz sentir-se valoroso. Além disso, muitas culturas prometem aos obedientes uma existência após a morte.

Assim, se estranhos põem em questão a veracidade desse sistema de valores, como propõem os três pesquisadores, isso mexerá com o medo arcaico da própria finitude. Para estabilizar seu mundo, o homem, agora inseguro, reagirá com preconceitos e comportamento discriminatório.

Ainda que soe algo mística à primeira vista, essa teoria tem sido confirmada por numerosas pesquisas. Um ramo delas concentrou-se em examinar de que forma a auto-estima reduz o medo. Num experimento realizado pelo grupo de Greenberg, os participantes foram convocados a assistir a um filme sobre autópsias. Testes psicológicos revelaram que o filme lhes despertou medo. Havia, porém, uma possibilidade de neutralizar tal efeito, com o fortalecimento prévio da auto-estima, usando feedback positivo direcionado para cada personalidade.

Outro ramo da pesquisa voltou-se para as conseqüências do medo existencial. Quando nos sentimos inseguros, vemos com outros olhos pessoas em posições políticas ou religiosas diferentes da nossa? A resposta é sim. Ao se chamar a atenção de cristãos, por exemplo, para sua mortalidade, sua reação foi desvalorizar os judeus em relação aos demais cristãos - algo que, sem o componente da insegurança, não haviam feito. Os pesquisadores também chegaram a interrogar voluntários na calçada em frente a uma funerária e a provocar medo em torcedores holandeses às vésperas de um jogo contra a seleção alemã, para, depois, solicitar seu palpite quanto ao resultado.

Mas o que dizer do estupro, da tortura e do assassinato? Crimes dessa natureza, afirmam Solomon, Greenberg e Pyszczynski com toda a clareza, não se explicam apenas pela teoria do gerenciamento do terror. A maioria das culturas demanda que estranhos sejam tratados de forma humana e justa, razão pela qual criminosos de guerra desrespeitam, na verdade, seus próprios valores. Nesse caso fica evidente a ação de outro mecanismo: a chamada exclusão moral. A pessoa percebe os membros do grupo estrangeiro como seres desprovidos de humanidade, aos quais já não se aplica o preceito do tratamento humanitário. Tal mentalidade se reflete em concepções como a do ser "subumano" ou da "pureza étnica".

Se examinados à luz de critérios objetivos, os preconceitos logo se reduzem àquilo que de fato são: conclusões atabalhoadas e simplificadoras. Ainda assim, somos ao menos capazes de refreá-los mediante o controle e a análise crítica de nossos posicionamentos. Sabemos, porém, que isso com freqüência resulta numa luta árdua, que não exclui a possibilidade de reveses ou contragolpes.

O melhor é acabar com padrões de pensamento como esse de uma vez por todas, mas isso é mais fácil falar que fazer. Psicólogos sociais, entretanto, identificaram uma série de mecanismos responsáveis pelo preconceito:
  • para justificar nosso preconceito, recorremos a uma amostra distorcida;
  • contemplamos o grupo a que pertencemos como diferenciado; os demais, como massa homogênea;
  • o que contraria o estereótipo é visto como exceção;
  • buscamos informações que corroborem nosso juízo e desconsideramos aquelas que o questionam;
  • uma mesma ação é interpretada de maneiras diferentes, dependendo de quem a pratica;
  • portadores e vítimas de preconceitos comportam-se de modo a confirmar os estereótipos.

Examinemos esses pontos um a um. Em primeiro lugar, o fato de que os seres humanos são péssimos estatísticos. Um exemplo simples. Num pequeno país, vivem dois grupos de pessoas. Um deles, de mil habitantes, compõe a maioria da população, ao passo que o outro é constituído de apenas cem pessoas. Supondo que cem membros da maioria e dez da minoria sejam condenados por delitos, você decerto dirá que a criminalidade é idêntica nos dois grupos afinal, o número de criminosos perfaz 10% em ambos os casos. No dia-a-dia, porém, não dispomos de cifras tão elucidativas. Em vez disso, percebemos esses acontecimentos isoladamente, seja pelo jornal, seja pelo que ouvimos dizer - e aí falha nossa lógica: como demonstram inúmeros estudos, mesmo em casos bastante simples, geralmente não somos capazes de, a partir de dados isolados, inferir a freqüência real e atribuímos à minoria uma taxa de criminalidade maior. Caso ela de fato infrinja a lei com maior assiduidade, esse dado costuma ser superestimado. 

Psicólogos sociais denominam essa distorção perceptiva de correlação ilusória. Tanto as minorias como os delitos atraem sobremaneira nossa atenção. Armazenamos melhor na memória fatos assim, o que significa evocá-los com maior facilidade - terreno ideal para que o preconceito viceje.

Esse efeito é ainda reforçado por nossa tendência acentuada a, em se tratando de outros grupos, tirar conclusões gerais baseadas em observações isoladas. A crença é de que "nós somos diferentes um do outro, mas eles são todos iguais". É possível que isso se deva ao fato de conhecermos melhor o grupo a que pertencemos e suas diferenças, enquanto o grupo estranho nos parece um bloco monolítico. Paradoxal é que não generalizemos num único caso: quando a experiência que temos vai de encontro a nossos preconceitos. Vivências positivas são logo interpretadas como exceções - o negro que integra nosso círculo de amizades é "negro de alma branca", a mulher que estacionou o carro muito bem teve "sorte" e o professor dedicado é "excêntrico". Esse mecanismo funciona tanto melhor quanto mais os outros nos surpreendem. E, por fim, essa dialética da exceção acaba por preservar todos nossos preconceitos. O ser humano precisa de tanto tempo para rever sua opinião preconcebida porque almeja sobretudo confirmá-la. Ele busca informações que corroborem sua opinião e suprime as experiências que a refutam - ou então as avalia de modo a preservar o estereótipo.

Preconceitos têm a tendência traiçoeira de se confirmar. Isso pode ocorrer sob a forma da "profecia que se cumpre a si mesma", quando nossa postura influencia imperceptivelmente o próprio comportamento - e o daquele com quem interagimos. Além disso, os estigmatizados contribuem também para o juízo negativo que fazemos deles, e justamente porque temem ser reduzidos a um estereótipo. Essa relação foi demonstrada por um grande número de experimentos conduzidos por Claude Steele, psicólogo da Universidade Stanford.

Ao que parece, nosso aparato cognitivo faz de tudo para preservar os preconceitos. Temos, portanto, de nos arranjar com eles, fadados a nos vigiar constantemente? A conclusão soa pessimista demais. Mais eficaz seria não permitir sequer o surgimento de estereótipos. Os psicólogos sociais Baron e Byrne vão direto ao ponto quando dizem que crianças não nascem preconceituosas: o preconceito é, portanto, aprendido. É por essa razão que ambos os pesquisadores incentivam pais, pedagogos e professores a deixar de transmitir opiniões estereotipadas. Mas há um problema aí: cada um de nós considera suas opiniões corretas e livres de preconceito. Algo semelhante, portanto, funcionará somente se pais e demais envolvidos forem sensibilizados para as próprias opiniões preconcebidas.

Muitos psicólogos defendem o ponto de vista de que o contato com os discriminados diminui os preconceitos pouco a pouco. Com o intuito de investigar essa idéia, os psicólogos sociais de Marburg, Wagner e sua equipe, se valeram de estatísticas de criminalidade e de dados provenientes de amplos levantamentos. Verificou-se que precisamente os moradores de regiões com alta porcentagem de estrangeiros são as que menos nutrem opiniões estereotipadas. Violência contra estrangeiros ou slogans xenófobos, por outro lado, aparecem sobretudo onde a possibilidade de intercâmbio é quase inexistente. Esses dados, contudo, não constituem prova definitiva de que o contato realmente contribui para a eliminação dos preconceitos. Talvez fosse possível concluir, antes disso, que lugares com grande variedade cultural tendem a atrair pessoas simpáticas às culturas estrangeiras.

Provas mais contundentes são oferecidas por estudos realizados em salas de aula. Nelas, pode-se ensinar as crianças de forma direcionada, em conjunto com minorias ou separadamente delas. Todavia, como se verificou nos Estados Unidos e em outros países, esse contato nem sempre obtém o êxito desejado. Por vezes, ele apenas intensifica o conflito, piorando a situação dos grupos estigmatizados. Somente sob certas condições a luta contra os preconceitos é bem-sucedida - às vezes com resultados surpreendentes. Por um lado, é indispensável que as autoridades, a direção da escola e sua política apóiem esse modelo educacional. É necessário, por exemplo, que recursos sejam disponibilizados em quantidade suficiente ou, pelo menos, que se dê total respaldo aos pedagogos envolvidos em projetos dessa natureza.

Além disso, a interação entre grupos de alunos precisa ser bastante intensa: intercâmbios superficiais não bastam. Ajuda muito, por exemplo, se membros dos diferentes círculos já tiverem relação de amizade. Na aula em si, trata-se de propor aos alunos um objetivo comum ou tarefas a serem realizadas em grupos mistos. Do contrário, os alunos de uma classe tenderão a se compor outra vez de acordo com sua origem. Por fim, desempenha papel decisivo o modo como os grupos se vêem no início de um projeto pedagógico como esse. É imperativo não vigorar entre eles nenhuma diferença de status - condição, aliás, que raras vezes se verifica. Se algum domínio é exercido por um grupo de alunos, isso resultará em conflitos que apenas fortalecerão medos e reservas preexistentes. Havendo hostilidade prévia entre os grupos, é quase certo que o projeto fracassará.

No entanto, na presença dos pressupostos necessários, o que se verifica entre as classes ou os grupos de trabalho mistos é um fenômeno que lança no esquecimento todas as diferenças e visões preconcebidas: a chamada recategorização. Os estudantes passam a se ver não mais como "nativos" e estrangeiros, mas apenas como membros de uma mesma equipe. E, fora da sala de aula, esse mecanismo funciona da mesma maneira. Assim é que um torcedor de determinado time de futebol pode torcer também por um jogador de outro time quando esse jogador está atuando na seleção nacional. Da mesma forma, os habitantes de um bairro com características multiculturais se identificam com todos os demais grupos étnicos moradores da "sua" rua.

Mas e o próprio indivíduo, o que pode fazer? A ele cabe exercitar sua autocrítica com tenacidade e lutar por juízos objetivos. Importante é como se comporta nosso ambiente social, pois apenas quando os meios de comunicação e a experiência cotidiana nos esfregam na cara que nossas idéias preconcebidas não se aplicam, e nós mesmos enfim o percebemos, tornamo-nos capazes de modificá-las. Somente assim é possível combater a discriminação.

Disponível em <http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/pensamentos_perigosos.html>. Acesso em 15 nov 2012.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Cultura e ideologia: a mídia revelando estereótipos raciais de gênero

Adriane Roso et al
Psicologia & Sociedade; 14 (2): 74-94; jul./dez.2002


Resumo: Nesse artigo, analisamos duas formas simbólicas brasileiras (comerciais de televisão) tendo como enquadre teórico uma metodologia crítica baseada em alguns elementos teóricos dos Estudos Culturais. O ponto de partida é o conceito de minoria e maioria, e seu caráter nômico e anômico. Assumimos que as formas simbólicas podem ser entendidas como portadoras de ideologia, e para entender a ideologia subjacente a elas nós temos que desconstruir a unidade da mensagem e expor sua “naturalidade”. Nesse processo, aspectos relacionados às relações de dominação de gênero e raça foram desveladas, indicando que a discriminação em direção às minorias ainda é parte da nossa realidade mediada.