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quarta-feira, 29 de abril de 2015

Ser um homem feminino? Como a publicidade contribui para a desigualdade de gênero

Paula Coruja Fonseca
Temática - Ano XI, n. 04 - Abril/2015 - NAMID/UFPB


Resumo: Neste artigo vamos discutir como o discurso publicitário contribui para a construção da ideia de feminino e masculino e o quanto isso auxilia na reprodução da desigualdade de gênero. Os estudos culturais são nossos referenciais por evidenciar, além da ideologia e estrutura de produção, o sentido que a comunicação e a indústria da cultura produz nos consumidores. Essa perspectiva também ajuda a compreender como as representações sociais e identidades são construídas (HALL, 1999) e problematiza o papel da publicidade. Tensionamos a questão a partir do entendimento de como as ideias do que é masculino e o que é feminino, e os lugares dos sujeitos identificados como tal, são demarcadas pela linguagem (BUTLER, 2008). Por último, analisamos o vídeo “Dove Men Care”, produto midiático que usa humor para apresentar um produto, mas também nos traz pistas sobre o discurso heteronormativo que reforça a desigualdade de gênero. 




quinta-feira, 13 de março de 2014

Como respeitar uma pessoa transexual

Chrystian Sales, Rafael Bemerguy, Eduardo Pinto Lara de Carvalho, Lean

Caso você recentemente tenha conhecido uma pessoa transexual, talvez você ainda não compreenda a sua identidade e, ainda, se sinta inseguro quanto à forma de agir quando está com ela de maneira a não ofendê-la ou magoá-la. O termo “transexual” neste artigo se refere a uma pessoa que não se identifica com o gênero que foi determinado ao nascimento. Há pessoas transexuais ao redor de todo o mundo, e em uma ampla variedade de culturas — na realidade, seria difícil citar um país ou cultura em que não se encontram transexuais. Para estas pessoas, nem sempre é fácil explicar sua situação de gênero na sociedade atual. Leia mais para aprender a entender e respeitar alguém que desafie as suas ideias sobre gênero e que não cai facilmente nas categorias “homem” ou “mulher”.

1 - Respeite sua identidade de gênero. De agora em diante, pense nesta pessoa de acordo com o gênero pelo qual ela se refere a si mesma, com o nome e o gênero gramatical ("o", "a", "ele", "ela" etc.) escolhidos, independente de sua aparência física (a menos que a pessoa ainda não tenha se assumido - pergunte, para saber com certeza, se há momentos inadequados).

2 - Cuidado com o pretérito imperfeito. Quando estiver discutindo o passado, tente não usar frases como “quando você estava no gênero anterior” ou “nascido homem/mulher”- ou, ao menos, tome cuidado quando fizer isso - pois muitos transexuais sentem que sempre foram do gênero com o qual se afirmam, mas tiveram que esconder isso por razões diversas. Pergunte à pessoa transexual como ela gostaria que falassem dela no passado. Uma solução é evitar referir-se ao gênero quando falar do passado, usando outros pontos de referência, como “no ano passado”, “quando você era criança”, “quando você estava no ensino médio”, etc. Se você precisa referir-se à transição de gênero quando estiver conversando a respeito do passado, diga “antes de você assumir o seu verdadeiro gênero” ou “antes do início de sua transição” (quando aplicável).

3 - Use uma linguagem apropriada ao gênero da pessoa. Pergunte qual gênero a pessoa transexual prefere que seja usado em referência a ela, e respeite a sua escolha. Por exemplo, alguém que se identifica como mulher pode preferir palavras e pronomes femininos, como ela, dela, atriz, garçonete, etc. Por outro lado, alguém que se identifique como homem pode preferir termos masculinos como ele, dele, etc. Use o nome que for da preferência da pessoa.
  • O seu amigo João acaba de se revelar como uma pessoa transexual e agora deseja ser chamado de Maria. A partir desse ponto, não diga “este é o meu amigo João, eu conheço ele desde a quinta série”. Ao invés disso, diga “esta é minha amiga Maria, eu conheço ela desde a quinta série”. Discuta qualquer estranheza que você sinta em outro momento, em que você e Maria possam conversar a sós. Definitivamente, se você quer manter a amizade da pessoa, é preciso respeitar o desejo de Maria e se referir a ela como quem ela é hoje, e não como aquela pessoa que você conhecia; apesar do fato de que a pessoa transexual é aquela que você conhecia: você só passou a conhecê-la ainda melhor agora.

4 - Não tenha medo de fazer perguntas[1]. Algumas das pessoas transexuais, mas certamente não todas, responderão a perguntas relacionadas à sua identidade e/ou gênero. Não espere, no entanto, que ela seja a sua única fonte de aprendizagem. É responsabilidade sua informar-se por conta própria. Além disso, se uma pessoa transexual não se sentir confortável respondendo às suas perguntas, não tente “forçá-la a se abrir”. Por último, perguntas sobre órgãos genitais, cirurgias e nomes anteriores devem apenas ser feitas caso você precise sabê-las para oferecer algum cuidado médico, ter relações sexuais com a pessoa transexual, ou caso necessite do nome original por razões legais.

5 - Respeite a busca por privacidade da pessoa transexual. Não exponha-a sem o seu consentimento explícito. Contar às pessoas que você é uma pessoa transexual é uma decisão muito difícil, e não deve ser tomada levianamente. “Tirá-la do armário” sem o devido consentimento é uma grande traição de sua confiança e pode possivelmente custar o seu relacionamento com a pessoa. Dependendo da situação, pode também colocá-la em risco de sofrer uma grande perda — ou até mesmo violência física. Ela contará a quem desejar, se ou quando estiver pronta. Este conselho é apropriado tanto àqueles que vivem como transexuais integralmente como aos que ainda não realizaram sua transição. Muitos dos que vivem integralmente em seu papel de gênero adequado desejarão que as pessoas que não os conheciam em seu gênero anterior não os conheçam em qualquer outro gênero que não seja o atual.

6 - Não pense que você já conhece a experiência da pessoa. Há muitas formas diferentes em que as diferenças de identidade de gênero podem se expressar. A ideia de se estar “aprisionado no corpo de um homem/de uma mulher”, a crença de que mulheres ou homens trans são excessivamente femininas ou masculinos, a crença de que todas as pessoas transexuais querem realizar o tratamento com hormônios e/ou cirurgia, todos são estereótipos, que se aplicam a algumas pessoas mas não a outras. Guie-se pelo que a pessoa lhe disser a respeito de sua própria situação, e escute-a sem noções preconcebidas. Não imponha teorias que você aprendeu, nem presuma que a experiência de outras pessoas transexuais que você conheceu ou a respeito de quem você ouviu falar se aplica à pessoa que está à sua frente. Não presuma que ela realizará a sua transição por traumas passados em sua vida ou que está modificando seu gênero como uma forma de escapar de seu próprio corpo.

7 - Comece a reconhecer a diferença entre identidade de gênero e sexualidade. Não presuma que o gênero de uma pessoa se correlacione à sua sexualidade —não é assim. Há pessoas transexuais heterossexuais, gays, lésbicas, curiosas e assexuais. Se a pessoa revela a você a sua orientação sexual, use os termos que ela usar.

8 - Trate pessoas transgênero mesma maneira. Enquanto ela pode gostar da atenção extra que você a dá, sem dúvida o ato de exagerar não será tão apreciado. Depois de estar bem informado, cuide para não se exceder. Pessoas transexuais têm essencialmente a mesma personalidade que tinham antes de sair do armário. Por isso, trate-as como você trataria qualquer outra pessoa.
  • Esteja disposto a ouvir. Muitas pessoas trans vivem em comunidades pequenas, onde o compartilhamento a sua experiência fica limitado aos seus semelhantes. Muitas vezes, para elas, ser capaz de explicar a sua experiência e instruir as pessoas sobre ela é construtivo tanto para elas quanto para você.
  • Seja direto. Se estiver achando alguma coisa difícil, avise. Para elas, uma reação honesta e direta é bem mais fácil de lidar do que um “corte”.
  • Saia com a pessoa transgênero. Faça disso algo normal – acostume-se com ela no jeito como ela se apresenta, e mais cedo ou mais tarde você vai perceber que não é uma pessoa estranha, mas sim uma pessoa como outra qualquer. No fim, você pode acabar ganhando um(a) grande amigo(a).


9 - Quem começa a expressar um gênero diferente daquele determinado no nascimento está, em geral, passando por um momento que alterará sua vida para sempre. Paciência, compreensão e disposição para discutir as questões trazidas por estas mudanças a ajudarão na passagem por este difícil e emocional período de sua vida. É melhor fazer perguntas abertas, que permitam à pessoa compartilhar tanto quanto lhe for confortável. Por exemplo: “Como vão as coisas”; “Você parece cansado. Quer conversar a respeito?”; “Você parece bastante feliz hoje. Aconteceu algo bom?”; “Como lhe posso ajudar neste período de mudanças?”; “Sou todo ouvidos, caso você queira conversar a respeito de algo”.

Dicas

  • Nem todas as pessoas transexuais buscam a cirurgia de redesignação sexual (CRS). CRS é quase sempre um termo mais apropriado para ser utilizado do que “operação de mudança de sexo”. Não presuma ser mais apropriado perguntar a respeito dos planos de uma pessoa quanto a cirurgias, hormônios etc., do que seria intrometer-se em quaisquer outras questões médicas de qualquer pessoa. Além disso, não presuma que haja apenas um caminho “certo” para a transição (i.e.: que para “realmente ser transexual” ou para “finalizar a transição”, uma pessoa deve realizar uma CRS).
  • A menos que você tenha um relacionamento pessoal e próximo com a pessoa, é rude perguntar qual é seu nome “verdadeiro” ou de nascença — eles consideram o nome escolhido para adequar-se a seu gênero (caso o tenham alterado) como seu nome real, e querem que você pense a respeito deles da mesma maneira.
  • Perguntar a respeito dos órgãos genitais de pessoas transexuais e sobre como elas têm relações sexuais não é apropriado, da mesma maneira que não o é perguntar a respeito da vida sexual aos cissexuais (pessoas cujo corpo naturalmente corresponde à sua preferência de gênero).
  • Muitos creem que a palavra “transexual” é um adjetivo, uma palavra descritiva, ao invés de um substantivo. Outros pensam de forma diferente: da mesma forma que você não chamaria uma pessoa mais velha de “velha” ou dizer que estão “envelhecidas”, é inapropriado se referir a uma pessoa transexual como “uma transexual” sem acrescentar “pessoa”, “mulher”, “homem” ou outro substantivo apropriado. Algumas pessoas transexuais ainda consideram isso como uma atitude objetificadora e desumanizadora.
  • Se você deixar escorregar um “ela” ou “ele” quando queria dizer o outro, logo depois de se conhecerem, não se desculpe excessivamente - só siga a falha com o termo correto e continue o que você estava dizendo.
  • A transexualidade era conhecida medicamente como transtorno de identidade de gênero, mas há demasiada polêmica circundando o termo. Alguns acreditam que o problema consiste na incapacidade da sociedade em reconhecer as variações de sexo e gênero encontradas na natureza (inclusive em seres humanos). Outros criticam esta denominação por tratar a comunidade transexual como patológica, pois implica fortemente que ser uma pessoa transexual é possuir um distúrbio ou problema saúde. Hoje em dia, o termo que possui melhor aceitação na comunidade transexual e médica é disforia de gênero.
  • Algumas pessoas acreditam que a única “cura” para uma pessoa transexual é corrigir a aparência física (com cirurgia e/ou hormônios) para se adequar à identidade de gênero mental. Segundo essa visão, o problema é com o corpo, e não com a mente. Evidências e autoridades médicas atuais apoiam a eficácia desses tratamentos. Alguns acreditam que o problema são as expectativas da sociedade relativas ao gênero e as limitações para homem e mulheres, e precisam refletir uma maior aceitação da variedade de expressões de gênero para ambos os sexos.
  • Algumas pessoas transexuais responderão a perguntas confortavelmente, enquanto outras não. Se uma pessoa transexual não parecer confortável com questionamentos ou não deseja responder a algo, não a force. Se você realmente precisa saber de algo, use os recursos aqui presentes.
  • Páginas como My True Gender, PlanetOut, Facebook e MySpace possuem grupos outras seções dedicadas a transexuais; vá até elas para manter contato ou aprender mais a respeito.

Avisos

  • Evite o uso de gírias transfóbicas, como “travesti”, “traveco”, “veado” ou “sapatão”. Estes termos são opressivos, objetificadores e desumanizantes.
  • Não realize comparações com pessoas não-transexuais, direcionando-se a elas como um garoto ou garota “reais” ou “normais”. O que faz de um homem um homem “de verdade” ou de uma mulher uma mulher “de verdade” é a forma com a qual se identificam a si mesmos, e não como outra pessoa percebe ou classifica seus corpos. Um homem transexual não é menos homem do que um homem cissexual, e uma mulher transexual não é menos mulher do que uma mulher cissexual.
  • Nunca diga a uma pessoa transexual que as pessoas não as compreenderão ou amarão por causa de sua identidade transexual. Isso é incrivelmente doloroso, e ainda mais, não é verdade. Muitas pessoas transexuais são compreendidas, aceitas e amadas.
  • Mesmo que você tenha objeções à identidade transexual da pessoa, você deve sempre respeitá-la e jamais envergonhá-la propositalmente em público. Causar vergonha ou humilhação à pessoa transexual jamais trará o bem a ninguém, e fazê-lo pode ser algo perigoso a ela.
  • Tome muito cuidado quando se referir à identidade transexual de alguém como uma “escolha”. A disforia de gênero, por sua própria definição, não é de forma alguma uma escolha .[2] Algumas pessoas transexuais descrevem à sua identidade como uma escolha, e algumas não. Para alguns, a “escolha” foi alterar seus corpos para adequar-se à mente. Encontre maneiras de respeitar a identidade de uma pessoa que não se baseiem no fato de ela optar ou não por ela.
  • Intersexual é um termo geral usado para diversas situações nas quais uma pessoa nasceu com uma anatomia sexual e/ou reprodutiva que não se adequa às definições típicas de masculino ou feminino.[3] Enquanto algumas pessoas intersexuais são também transexuais, os dois conceitos são distintos e não devem ser confundidos.[4]


Fontes e Citações
1.http://www.autostraddle.com/how-to-talk-to-a-transperson-76785/
2.http://en.wikipedia.org/wiki/Transsexuality#Gender_dysphoria
3.http://www.isna.org/faq/what_is_intersex
4.http://www.survivorproject.org/is-intro.html


Disponível em http://pt.wikihow.com/Respeitar-uma-Pessoa-Transexual. Acesso em 04 mar 2014.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Travestilidades: incursões sobre envelhecimento a partir das trajetórias de vida de travestis na cidade do Recife

Cicera Glaudiane Holanda Costa
IV Reunião Equatorial de Antropologia
XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste
04 a 07 de agosto de 2013, Fortaleza-CE

Resumo: A experiência travesti suscita diversas reflexões referente a dicotomia masculino/feminino através da (re)construção de uma imagem, que ao mesmo tempo dialoga como pontua uma ruptura com a lógica dominante de gêneros. Esse mesmo corpo estabelece uma linguagem que narra pulsões e transgressões, que ganha significado a partir da cultura que está inserido e é atualizado e alterado a partir dela. Neste sentido, esta pesquisa tem como perspectiva contribuir para discussões dos processos de construção das travestilidades, assim como refletir sobre questões que problematizam a representação do corpo, gênero e sexualidade no cotidiano. Procurando, nesta direção, conhecer os significados atribuídos pelas travestis ao envelhecimento e ao corpo envelhecido. Essas questões foram acessadas a partir de elementos trazidos em seus discursos e da análise de fotografias e material audiovisual produzido em contextos diferentes nos encontros com as interlocutoras, especialmente em entrevistas vídeogravadas. As trajetórias de vida das travestis são compreendidas com base no “paradigma do curso da vida”, onde qualquer ponto da trajetória de vida precisa ser analisado de uma perspectiva dinâmica, como consequência de experiências passadas e expectativas futuras, e de uma integração entre os motivos pessoais e os limites do contexto social e cultural correspondente

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Como os pais transmitem preconceitos aos filhos sem saber

Stephanie D’Ornelas
6.10.2012

Desde pequenos somos cercados de estereótipos e generalizações: meninas usam rosa, meninos azul; garotos têm cabelo curto, meninas longo; eles brincam de carrinho, elas de boneca, e por aí vai. Normalmente, essas falas vêm de dentro de casa, dos nossos próprios pais. Um novo estudo mostra que essas generalizações, que são extremamente comuns, fazem com que os pais transmitam preconceitos aos filhos sem saber.

Pesquisadores da Universidade de Nova York e da Universidade de Princeton (ambas nos EUA) descobriram que uma simples generalização pode fazer com que as crianças desenvolvam várias outras ideias genéricas sobre um determinado grupo de pessoas.

Pesquisas anteriores já haviam demonstrado que crenças e preconceitos podem surgir em idade pré-escolar, mas os motivos disso sempre foram pouco claros. A formação que as crianças têm em casa pode ser uma das explicações.

No estudo, pesquisadores descobriram que a linguagem genérica desempenha um papel poderoso na formação das crianças, fazendo com que essas desenvolvam crenças sobre categorias sociais de maneira diferente do que as crianças que não têm essa experiência de linguagem em casa. A linguagem genérica pode criar tendências ao desenvolvimento de estereótipos e preconceitos.


Disponível em http://hypescience.com/como-os-pais-transmitem-preconceitos-aos-filhos-sem-saber/. Acesso em 03 nov 2013.

sábado, 14 de setembro de 2013

O silêncio na psicanálise

Alessandra Fernandes Carreira
10/09/2013

É tão vasto o silêncio da noite na montanha.
É tão despovoado.
Tenta-se em vão trabalhar para não ouvi-lo, 
pensar depressa para disfarçá-lo.
“Silêncio”, Clarice Lispector

A descoberta do inconsciente e a invenção da psicanálise, entre o final do século XIX e o início do século XX, deveu-se em grande parte a uma atitude fundamentalmente simples de seu fundador, Sigmund Freud: ele se dispôs a ouvir o que suas pacientes histéricas, até então silenciadas pela religião e pela ciência, tinham a dizer sobre seu próprio adoecimento.

Nessa escuta, a princípio, Freud lançou mão da hipnose, que serviu para retirar suas pacientes desse silenciamento, colocando-as a falar. Essa “limpeza da chaminé”, como foi nomeado esse trabalho por uma das pacientes de Josef Breuer, parceiro de Freud, recuperava cenas que, após serem recordadas no estado hipnótico, proporcionavam um notável alívio sintomático. Mas, por outro lado, esse método revelou-se inapropriado porque trazia dois efeitos indesejados ao tratamento: 1. existiam pacientes que não se conseguia hipnotizar e 2. os sintomas histéricos ou retornavam depois de um tempo, ou ganhavam novos formatos (Freud, 1909).

Tendo obtido, através da utilização da hipnose, a prova de que era preciso sair do silêncio para que o tratamento pudesse acontecer, Freud iniciou uma busca por um método de trabalho que permitisse ultrapassar essa barreira sem, no entanto, alterar o estado de consciência do paciente. Vemos que ele se deu conta da importância de o paciente poder ouvir o que dizia, enquanto dizia. Isso significava deixá-lo exposto à surpresa, ao enigma e, principalmente, ao silêncio.

Nessa busca, que podemos qualificar como ética, Freud criou, após alguns ensaios, o método da “associação livre”, utilizado até hoje. Trata-se de o paciente dizer tudo o que lhe vier ao pensamento, inclusive, e sobretudo, aquilo que ele julgar absurdo ou irrelevante. Vemos aí que Freud fez uma aposta: a de que o paciente sabe algo que sua consciência afirma desconhecer, pois há algo silenciado ou, em termos freudianos, recalcado. Com isso, ele também reconheceu uma insistência do recalcado em retornar, mas de forma disfarçada, distorcida.

Porém, a aplicação desse método fez Freud deparar-se, em seu trabalho clínico, com barreiras que ele chamou de resistências, ou seja, impedimentos para a associação livre, destacando-se dentre elas o silêncio do paciente. Esse silêncio aparece na sessão sob vários formatos: não ter nada a dizer, não poder dizer o que pensou ou experimentar uma espécie de “branco”, um esquecimento.

Essas lacunas, que emergem na associação livre, logo revelaram-se extremamente importantes no trabalho da análise, já que Freud reconheceu nelas um apontamento da proximidade do recalcado, isto é, daquilo que estava silenciado por ser, justamente, o cerne do sofrimento atual do paciente, sendo sua recordação direta, por isso, severamente evitada pelo aparelho psíquico (Freud, 1914).

Vemos que não só o silêncio, mas a própria possibilidade de silenciar durante uma sessão, tornou-se muito importante para o trabalho psicanalítico, na medida em que se fez índice daquilo que não consegue passar à palavra e que, por isso, traumatiza. É claro que o esforço de uma psicanálise vai na direção dessa passagem à palavra, mas esse trabalho não pode ser forçado. Ele precisa ser realizado pelo próprio paciente, que se autoriza, em seu tempo e em uma relação transferencial com seu psicanalista, a ultrapassar essa barreira de silêncio, dissolvendo através da ética do bem-dizer alguns sintomas que serviam, até então, para trazerem de forma mascarada o que estava silenciado.

Diferentemente da hipnose, que fornece um comando para que o paciente fale, Freud introduziu uma nova forma de trabalhar, na qual o paciente fica exposto ao próprio movimento do inconsciente, caracterizado por uma espécie de pulsação, que se alterna em abertura e fechamento (Lacan, 1964), bem como por apresentar caminhos próprios e tortuosos, exigindo um trabalho de escuta e interpretação. Esse é o meio para o analisante iniciar uma pesquisa que é fundamental para que uma psicanálise, de fato, aconteça.

Realizada essa demarcação do silêncio como mola propulsora do tratamento e índice do recalcado, que marcam a própria invenção da psicanálise, é preciso que agora abordemos uma espécie de duplo estatuto que o caracteriza. O próprio Freud já o vislumbrou, uma vez que, ao lado desse silêncio que pode e precisa passar à palavra na cadeia associativa, ele também encontrou um outro: aquilo que ele chamou de “rochedo da castração”, intransponível e que confere uma dimensão interminável à uma psicanálise (Freud, 1937). Dito de outro modo: trata-se de um impossível, que diz respeito ao vazio e que nunca passa à palavra.

É interessante notar que essa duplicidade é reconhecida também por Roland Barthes (1978), em referência à língua clássica, sendo que ele utiliza dois termos em latim para abordá-la. Um deles é sileo, que remete a uma ausência de movimento e de ruído, uma espécie de virgindade intemporal das coisas que existe antes de elas nascerem ou depois de elas desaparecerem. É aí que encontramos a origem de silentes, que pode ser traduzido para o português, em uma de suas acepções, como “mortos”. Já o outro termo utilizado por Barthes é taceo, que diz respeito a um calar-se enquanto deixar de falar, isto é, um silêncio verbal.

Jacques Lacan (1964-1965) também remete a duas formas do silêncio, utilizando esses mesmos termos em latim. Define taceo como a dimensão do silêncio que é aquela da palavra não-dita, enquanto sileo é, para ele, um silêncio fundante, estruturante, que aponta para uma ausência essencial da palavra, isto é, um buraco de significação, uma impossibilidade de simbolização (Lacan, 1967) que é, em última instância, a própria morte.

Para abordar as origens desse silêncio estruturante, Lacan (1964-1965) refere ao grito, expressão primitiva e indiferenciada da necessidade no recém-nascido que, por estar fora do sentido, convoca o outro a um ato interpretativo, que só pode se dar na linguagem. Tal ato tem por efeito a transmutação do próprio grito em demanda, ou seja, a mera descarga fisiológica, animada por um desconforto, é tomada como um pedido de um sujeito.

Freud já apontava que a primeira e mítica experiência de satisfação depende dessa ação do outro. Entretanto, acreditava que, por ela ser inédita, é também irrecuperável enquanto tal. Ela estabelece, com isso, tanto uma expectativa e procura por satisfação nos mesmos moldes da experiência inaugural, quanto uma impossibilidade de reencontro do objeto, ou seja, um vazio contínuo e constante para o sujeito, que nenhum objeto substituto pode preencher.

Isso mostra que, para além da demanda, que toma o lugar da necessidade através de um ato interpretativo do outro, surge também o desejo, pois há sempre uma insatisfação em toda e qualquer satisfação, há sempre falta. Dito de outro modo: o significante não dá conta do real, nem tudo passa à palavra, há sempre um resto. Em virtude dessa impossibilidade, podemos tomar o desejo, então, como oriundo do próprio silêncio que surge junto com o significante.

Assim, o grito não se perfila sobre um fundo de silêncio, pelo contrário: ele o faz surgir como silêncio (Lacan, 1964). Referindo ao quadro O grito (1893), de Eduard Munch, Lacan chama a nossa atenção para esse ser de aspecto estranho, que tapa as orelhas e escancara a boca em um grito que, literalmente, parece provocar e sustentar o silêncio. “O grito faz o abismo onde o silêncio se aloja.” (Lacan, 1964-1965, p. 217).

Esse abismo obriga o sujeito a uma retomada que Lacan chama de fantasia: uma construção significante que procura escamotear esse vazio ou, como nos diz Freud (1908), que procura concertar a realidade insatisfatória e realizar, sem realizar, o desejo. Assim, Lacan define a fantasia como algo que se interpõe à verdade, tal qual uma tela colocada no caixilho de uma janela. Isso é incrivelmente bem ilustrado em uma série de quadros de René Magritte, que trazem janelas justamente nessa condição de anteparo, especialmente um deles, intitulado A condição humana, de 1935. Para Lacan, “Seja qual for o encanto do que está pintado na tela, trata-se de não ver o que se vê pela janela.” (Lacan, 1962-1963, p. 85). E o que se vê pela janela? Nada.

Vale ressaltar que, embora inconfessável (Freud, 1908), por estar na lógica significante, a fantasia pode passar à palavra, isto é, ao saber. Mas, para isso, é preciso ultrapassar uma barreira: a da vergonha e da culpa. Essa travessia, embora realizada na cadeia associativa, conduz ao encontro derradeiro com o inominável, com a verdade que só pode ser meio-dita (Lacan, 1969-1970), o que estabelece a seguinte direção para uma psicanálise: é preciso atravessar taceo para atingir, embora não dizer, sileo.

Destarte, uma psicanálise trabalha nessas duas formas do silêncio, buscando trazer à palavra o que deixou de ser dito, por um lado, e cernindo aquilo que não pode ser dito, ou seja, apontando para essa impossibilidade estrutural e estruturante de sileo. Embora isso tenha uma dimensão trágica, tem também uma dimensão fecunda, à medida que libera o sujeito de uma esperança de completude que o mantém alienado ao desejo do Outro, desejo esse que se revela, afinal, sem nenhuma substância, mas sim como pura falta.

Referências bibliográficas
Barthes, R. O neutro. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Freud, S. (1908). "Escritores criativos e devaneio". In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. IX, pp. 149-161.
Freud, S. (1909). "Cinco lições de psicanálise". In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. XI, pp. 13-57.
Freud, S. (1914). "Recordar, repetir e elaborar". In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. XII, pp. 193-206.
Freud, S. (1937)." Análise terminável e interminável". In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, vol. XXIII, pp. 247-288.
Lacan, J. (1962-1963). O Seminário de Jacques Lacan, livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Lacan, J. (1964). O seminário de Jacques Lacan, livro 11: Os Quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Lacan, J. (1964-1965). Problemas cruciais para a psicanálise. Recife: Centro de Estudos Freudianos do Recife. (publicação para circulação interna)
Lacan, J. (1966-1967). La logique du fantasme. Seminário inédito. (mimeo)
Lacan, J. (1969-1970). O seminário de Jacques Lacan, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
Lispector, C. (1998). "Silêncio". In Onde estivestes de noite. Rio de Janeiro: Rocco.


Disponível em http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=91&id=1125. Acesso em 10 set 2013.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Suécia debate uso de pronome que indica o terceiro sexo

AFP
08.10.2012 


Na Suécia, o debate sobre a igualdade sexual supera a simples questão dos salários e direitos civis e invadiu a própria gramática sueca, em que um pronome – o neutro “hen” – para indicar o terceiro sexo tenta se estabelecer entre os já tradicionais “ele” e “ela”.

A utilização do “hen” se tornou frequente em 2012, depois da publicação de um livro para crianças, o Kivi och Monsterhund (“Kivi e o carro monstruoso”), que suprimiu o “han” (ele) e “hon” (ela) a fim de, segundo seu autor, Jesper Lundqvist, poder dirigir-se às crianças de um modo geral, sem distingui-las entre meninos e meninas.

O “hen” foi inventado por linguistas nos anos 1960, em plena onda feminista, quando a referência masculina em alguns casos (como ‘o ser humano’) era politicamente incorreta. “Foi uma tentativa de simplificar o idioma e evitar escrever ele/ela”, explicou a linguista Karin Milles.

O pronome, no entanto, caiu em desuso e só foi redescoberto nos anos 2000 pelas pessoas que reivindicavam uma identidade transgênero, acrescentou.

O “hen” não visa a substituir o “ele” ou o “ela”. Este pronome permite referir-se a uma pessoa sem revelar seu sexo, seja porque a pessoa em questão se reivindica transgênero ou porque acredita ser supérflua essa informação.

“Na sociedade atual, é preciso ter um terceiro sexo, uma terceira posição”, afirma a chefe do Conselho de Línguas (Spraakradet), Susanna Karlsson.

“É necessário, no entanto, conservar o ‘ele’ ou ‘ela’, já que são categorias ante as quais todos se orientam. A pessoa quer saber se está falando com um homem ou uma mulher”, acrescentou.

Segundo a linguista, o “hen” é uma ferramenta que “funciona para propagar a idéia de paridade”.

Seu colega Mikael Parkvall questiona a ideia. “A ideia de que a língua determina o pensamento é muito popular, mas nós, os especialistas, somos mais céticos”. “O laço entre o idioma e o pensamento não é especialmente forte e não se torna mais paritário só porque se utiliza um pronome neutro”, observa.

Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/suecia-debate-uso-de-pronome-que-indica-o-terceiro-sexo/>. Acesso em 09 out 2012.