Iran Giusti
12/06/2013
Nascida no corpo de um homem, a modelo carioca Felipa
Tavares foi percebendo desde a infância que a sua identidade era feminina.
Hoje, aos 26 anos, ela tem a convicção de que é uma mulher, inclusive se veste
e se porta como tal. Porém, o seu RG ainda contraria o que ela sente, a
identificando como uma pessoa do sexo masculino.
Assim como Felipa, diversas transexuais brasileiras
enfrentam o demorado processo jurídico para trocar o nome de batismo pelo outro
que elas escolheram. Além representar reconhecimento de uma identidade própria,
o documento alterado também evita uma série de constrangimentos dolorosos.
Felipa Tavares ao iG Gente: "Se for só beijinho,
não
falo que sou transexual"
“Mudar o nome tem um peso enorme. Estou cansada de chegar
aos lugares e começar a ser desrespeitada no minuto seguinte depois que eu
apresento o meu RG. Uma vez no banco, o gerente pegou meu documento, chamou os
colegas e começou a dar risada apontando para mim”, desabafa Felipa, relatando
apenas um dos inúmeros constrangimentos que já passou.
Mudar o nome tem um peso enorme. Estou cansada de chegar aos
lugares e começar a ser desrespeitada no minuto seguinte depois que eu
apresento o meu
RG (Felipe Tavares)
Como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) não contabiliza os transexuais no censo, ainda não há números
exatos sobre a porcentagem que eles representam no total da população
brasileira. Mas dados do SUS (Sistema Único de Saúde) fornecem uma pista da
situação, ao mostrar que são realizadas diariamente no Brasil duas cirurgias de
mudança sexo.
Embora tenha esse desejo, Felipa ainda não conseguir fazer a
mudança de sexo, mas já entrou na justiça com o pedido para mudar de nome. Mas
antes disso, ela precisou passar em nove cartórios do Rio de Janeiro, onde
mora, para reunir os documentários necessários para o processo.
A advogada Luisa Helena Stern , 47, já venceu tanto o
processo jurídico quanto o médico. “Ter o seu nome no RG é uma grande
conquista. Tirar a certidão de nascimento com o nome novo, aquele que te
representa, é como nascer de novo, só que desta vez, do jeito certo”, constata
Luisa, que vive em Porto Alegre.
Luisa relata que o processo de mudança do RG acelerou quando
ela fez a mudança de sexo. “Quando entrei na justiça, eu ainda não havia feito
a cirurgia e notei que o juiz protelou ao máximo a alteração no documento para
que ambas as coisas acontecessem juntas”, observa a advogada, que realizou as
duas modificações no ano passado.
Ela agora aguarda decisão da justiça para que em seu
documento o campo 'sexo' seja alterado
de 'masculino' para 'feminino'.
Acompanhando atualmente oito casos de transexuais que querem
mudar de nome, o advogado Eduardo Mazzilli conta que a duração do processo
jurídico varia muito nas diferentes regiões do Brasil. Em São Paulo, todo o
trâmite costuma levar em torno de quatro meses, mas em outro estados, o tempo
total pode ser dez vezes maior, chegando a quatro anos.
“Há relatos de casos de transexuais que não conseguiram
lidar com o preconceito e se mataram durante o processo da troca de sexo e até
do nome”, revela Mazzilli.
Apesar da demora, o advogado diz que juridicamente o
processo é simples, o que acaba prolongando o tempo é a quantidade de
documentos exigidos. “É necessário apresentar desde RG e CPF até documentos
relativos a ações penais, assim como o documento de alistamento militar. Algo
que muitas delas não têm porque não tiveram coragem de se alistar”, aponta
Mazzilli.
Ter o seu nome no RG é uma grande conquista. Tirar a
certidão de nascimento com o nome novo, aquele que te representa, é como nascer
de novo, só que desta vez, do jeito certo (Luisa Helena Stern)
“Para mudar o RG, é preciso demonstrar para o juiz que a
transexual usa o nome feminino no dia a dia. Isso pode ser comprovado com
perfis em redes sociais e até documentos que comprovam a participação em
palestras”, exemplifica o advogado. “A mudança de sexo é mais complicada, exige
laudos médicos e a realização da cirurgia em si, que já é muito difícil”
completa.
Numa tentativa de encurtar o tempo da burocracia, a Centro
de Referencia em Direitos Humanos do Pará criou a Carteira de Nome Social,
também conhecido como Carteira Trans, documento para transexuais e travestis
que é válido em todo o estado, nos ambientes estatais e privados. Não é
necessário de medida judicial para requerê-lo, basta apenas que a (o) interessada
(o) compareça ao órgão paraense.
“Este documento foi desenvolvido no Rio Grande do Sul, vimos
o projeto e aprimoramos. Lá, ele deve ser apresentado junto ao RG, o que acaba
não ajudando muito. No Pará, conseguimos contemplar todos os dados como RG e
CPF, permitindo a identificação civil sem ferir a identificação social, que é
como a pessoa se percebe”, avalia Bruna Lorrane de Andrade , 25, transexual que
coordena o centro de referência.
Além de preencher a lacuna dos poderes judiciário e
legislativo em relação aos direitos dos transexuais, o documento paraense
pretende reduzir problemas causados por esse não reconhecimento da identidade,
como é o caso das trans que abandonam os estudos por conta dos constrangimentos
sofridos na escola.
“Esperamos que isso acabe com o estigma de que o transgênero
é marginalizado, que vive sempre de prostituição”, conclui Bruna.
Disponível em
http://igay.ig.com.br/2013-06-12/transexuais-quero-ser-mulher-tambem-no-meu-rg.html.
Acesso em 14 out 2013.