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sábado, 7 de fevereiro de 2015

O nome civil do transexual: uma análise a partir da realidade jurídica pátria

Priscilla Lemos Queiroz Cappelletti
Âmbito Jurídico


Resumo: O Direito Civil brasileiro, durante muitos anos, teve como sua principal preocupação a proteção do interesse patrimonialista dos indivíduos. Hodiernamente, contudo, essa perspectiva está ultrapassada, já que, a partir da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana se materializa como valor axiológico a fundamentar e orientar todas as normas jurídicas pátrias. Nesse contexto, há uma consolidação dos direitos da personalidade, voltados à promoção existencial do ser nas relações privadas e, por isso, caracterizados como inatos, essenciais, gerais, absolutos, inexpropriáveis, vitalícios, imprescritíveis. Dentre eles, encontra-se o direito ao nome, que permite a individualização e a identificação da pessoa no meio social. Diante disso, o presente trabalho tem como escopo analisar a problemática do nome civil do transexual na contemporaneidade, uma vez que sua mutabilidade não encontra respaldo na legislação pátria. Para tanto, utiliza-se de uma pesquisa descritiva, de observação indireta e baseada no método hipotético-dedutivo.



sábado, 17 de janeiro de 2015

Travestismo, transexualismo, transgêneros: identificação e imitação

Simona Argentieri
Jornal de Psicanálise, São Paulo, 42(77): 167-185, dez. 2009. 


Resumo: No decorrer de algumas décadas, tem havido uma dramática mudança, tanto psicológica quanto nos direitos civis, na convulsiva arena social e cultural em que os assim chamados “transexualismos” vivem, são definidos e se definem. Até a linguagem técnica mudou. No passado, diagnósticos de transexualismo e travestismo eram muito diferentes uns dos outros; enquanto falamos hoje de “disforia de gênero” ou usamos o termo abrangente “transgênero”, que muda o acento da pulsão sexual para a identidade de gênero. Em nosso trabalho clínico, os fenômenos do assim chamado “vestir-se como o outro sexo” infantil aumentaram, e há muito mais casos de perversões femininas – ou, ao menos, sua existência não é mais negada, ainda que possam ter nomes diferentes. Penso que a psicanálise deve se esforçar para recuperar seu espaço teórico e método específico de trabalho clínico, de modo a se afastar dos escândalos confusos da mídia, da sedução falsamente liberal e do conluio da reatribuição médico-cirúrgica de gênero sexual (atualmente permitida nas instituições públicas de muitos países) que, na verdade, remete o problema de volta ao nível biológico. Não podemos nos limitar a intervir, como acontece frequentemente, quando o dano já ocorreu.




terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Do reconhecimento dos direitos dos transexuais como um dos direitos da personalidade

Valéria Silva Galdino Cardin; Fernanda Moreira Benvenuto
Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, v. 13, n. 1, p. 113-130, jan./jun. 2013


Resumo: Nesta pesquisa analisa-se a transexualidade, que consiste em uma disforia de gênero. O transexual é caracterizado pelo desejo de readequar o seu sexo anatômico em conformidade com o seu sexo psicossocial. Os princípios da dignidade da pessoa humana, da autonomia da vontade, da igualdade e da liberdade é que fundamentam o livre exercício da identidade de gênero do indivíduo transexual que não se enquadra no padrão social heteronormativo e a readequação sexual deste, garantindo seu reconhecimento e sua inclusão na sociedade como meio de efetivação dos direitos e garantias individuais. Desta forma, os direitos da personalidade do transexual são infringidos quando da negativa da readequação sexual e da mudança do nome e da identidade sexual no registro civil. Conclui-se que a efetivação dos direitos da personalidade dos transexuais só ocorrerá quando houver uma regulamentação que venha tutelar as consequências da readequação sexual deles, permitindo, assim, um tratamento igualitário, vedando quaisquer
formas de discriminação e vitimização e um reconhecimento pelas instituições sociais.



terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Heterossexuais reclamam que gays têm mais direitos que eles na Inglaterra

Aline Pinheiro
11 de dezembro de 2014


O dia 10 de dezembro foi um marco na história da Inglaterra. Pela primeira vez, casais gays que vivem em união estável podem transformar o relacionamento em casamento, sem burocracia e sem custos. Muito provavelmente, também é a primeira vez que os homossexuais estão em vantagem. Em território britânico, o direito de formar união estável continua restrito a eles. Casais heterossexuais, quando querem formalizar a união na Inglaterra, só têm como opção o casamento.

A data marca a entrada em vigor de um dispositivo de uma lei aprovada no ano passado, chamada de Marriage (Same Sex Couples) Act 2013. Inicialmente, ela autorizou o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Desde março, na Inglaterra, os homossexuais podem casar. Antes disso, só era permitido a eles formar união estável. A novidade agora é que o novo dispositivo facilita a conversão da união estável em casamento.

A garantia, embora bastante aplaudida, já está sendo questionada na Justiça. O descontentamento não é por a lei ter previsto direitos aos gays, mas sim ter excluídos heterossexuais. Até o ano passado, homem e mulher se casavam e gays formavam união estável. A partir deste ano, os homossexuais podem optar entre o casamento e a união civil. Já os casais de sexo opostos não têm essa segunda opção.

Um casal heterossexual levou a discussão para os tribunais britânicos pedindo o direito de formalizar o relacionamento deles, sem ter de casar. Os dois alegam ser contra a instituição do casamento, mas querem assinar um papel que reconheça a relação deles.

A Convenção Europeia de Direitos Humanos, da qual o Reino Unido é signatário, proíbe que uma pessoa seja discriminada em razão do sexo. É com base nela que a Corte Europeia de Direitos Humanos já disse que não pode ser negado aos gays o direito de formar família. A mesma corte, no entanto, disse que o casamento pode ser restrito ao relacionamento entre um homem e uma mulher, desde que o Estado preveja alguma forma de reconhecimento das relações homossexuais. A corte nunca teve de se posicionar sobre heterossexuais que se dizem discriminados.


Disponível em http://www.conjur.com.br/2014-dez-11/lei-inglesa-gays-direito-heterossexuais-nao. Acesso em 22 dez 2014.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Comissão da Arquidiocese de SP defende dignidade de gays

William Castanho; Mônica Reolom  
30/04/2014

A Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo publicou nesta quarta-feira, 30, uma nota em "defesa da dignidade, da cidadania e da segurança" dos homossexuais. O texto foi publicado às vésperas da 18.ª Parada do Orgulho de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais de São Paulo, que será realizada neste domingo, 4, na Avenida Paulista.

"Não podemos nos calar diante da realidade vivenciada por esta população, que é alvo do preconceito e vítima da violação sistemática de seus direitos fundamentais, tais como a saúde, a educação, o trabalho, a moradia, a cultura, entre outros", afirma, em nota, a entidade da Igreja Católica. A comissão diz também que LGBTs "enfrentam diariamente insuportável violência verbal e física, culminando em assassinatos, que são verdadeiros crimes de ódio".

A entidade convida "pessoas de boa vontade e, em particular todos os cristãos, a refletirem sobre essa realidade profundamente injusta das pessoas LGBT e a se empenharem ativamente na sua superação, guiados pelo supremo princípio da dignidade humana". Ainda de acordo com a nota, o posicionamento da entidade, "fiel à sua missão de anunciar e defender os valores evangélicos e civilizatórios dos direitos humanos, fundamenta-se na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, aprovada no Concílio Vaticano II: "As alegrias e esperanças, as tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrais e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo", diz o documento.

Dar voz. O diretor da Comissão Justiça e Paz da arquidiocese, Geraldo Magela Tardelli, afirmou que esta é a primeira vez que a comissão escreve "formalmente" a favor dos homossexuais. "A comissão tem uma missão, segundo D. Paulo Evaristo Ars: 'temos que dar voz aqueles que não tem voz'. Neste momento, o que estamos percebendo é que há um crescimento de violência contra homossexuais, então a gente não pode se omitir em relação a essa violação dos direitos humanos", afirmou o diretor.

Segundo ele, a realização da Parada Gay determinou a divulgação da nota. "Nós achamos que esse era o momento correto de colocar essa nota em circulação. Nós da Igreja estamos engajados na defesa dos direitos humanos e não compactuamos com nenhuma violação, independentemente da cor e da orientação sexual das pessoas", disse Tardelli.


Disponível em http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/comissao-da-arquidiocese-de-sp-defende-dignidade-de-gays. Acesso em 02 mai 2014.

sábado, 8 de setembro de 2012

Transexuais chegam à Convenção Democrata para apoiar Obama

AFP
05 setembro 2012  

Amy, Jamie, Janice, Meghan e Melissa atravessaram o país para declarar seu apoio ao presidente Barack Obama. Delegadas do Partido Democrata, elas são mulheres que nasceram homens.

Éramos "seis em 2004, oito em 2008 e hoje somos 13", explicou à AFP, com voz grave, Melissa Sklarz, ao destacar o aumento crescente no número de delegados transexuais nas últimas três convenções democratas.

Primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Obama é visto como um progressista nos direitos dos transexuais, fazendo de Amanda Simpson, em 2009, a primeira política transexual indicada para um cargo no governo.

Mara Keisling, de 52 anos, não é delegado mas como diretor-executivo do Centro Nacional de Igualdade Transexual, foi à convenção para divulgar as realizações de Obama para os direitos da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros).

"Estou tão feliz por estar aqui", declarou à AFP, enquanto cerca de seis mil delegados se preparavam para confirmar Obama como candidato à reeleição, em novembro.

"O presidente fez tanto progresso para as pessoas LGBT. (Mas) O trabalho ainda não terminou", acrescentou.

Kylar Broadus, delegado transexual de Columbia, Missouri, nasceu mulher, mas agora se vê como homem. Ele explicou que os problemas econômicos com os quais se confrontam os americanos foram sentidos de forma mais intensa pela empobrecida minoria a que pertence.

"Emprego é a questão número um para a comunidade de transgêneros", disse à AFP Kylar, de 49 anos. "Há pobreza extrema na comunidade de transgêneros. A maioria de nós não é empregável, não tem emprego", acrescentou.

Disponível em http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5hGBmJnsJZyuNSnVyMYTk1Jd-hRjQ?docId=CNG.8998afa0b89572e97a83dd6fb35295a5.a11. Acesso e 07 set 2012.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Limites e possibilidades do exercício da autonomia nas práticas terapêuticas de modificação corporal e alteração da identidade sexual

Miriam Ventura; Fermin Roland Schramm
Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 19 [ 1 ]: 65-93, 2009


Resumo: As normas brasileiras condicionam o acesso às modificações corporais para alteração da identidade sexual à confirmação do diagnóstico psiquiátrico de transexualismo - transtorno de identidade de gênero ou sexual -, e o acompanhamento psiquiátrico por dois anos para sua realização. O desconforto com o sexo anatômico e o desejo de a pessoa modificar a genitália para a do sexo oposto é o principal critério definidor do diagnóstico de transexualismo. A cirurgia de transgenitalização é considerada etapa final do tratamento, e vem sendo admitida pela instância judicial como condição necessária para a alteração da identidade sexual legal. O artigo discute o conflito moral entre o sujeito transexual e as normas vigentes em relação ao exercício da autonomia individual nas práticas terapêuticas, aplicando as ferramentas da bioética, a partir da análise dos argumentos utilizados pelas instâncias de saúde e judicial sobre o tema, nos artigos, documentos e decisões judiciais nacionais. Observa-se que houve avanços no acesso aos recursos terapêuticos e legais, mas as limitações e restrições ainda impostas ao exercício da autonomia do/a transexual podem ter efeitos negativos para a saúde e os direitos daqueles não considerados pela norma vigente como “verdadeiros transexuais”. Os direitos da pessoa transexual à assistência integral à saúde, inclusive sexual, e ao livre desenvolvimento de sua personalidade são infringidos no momento em que a autonomia do paciente não é adequadamente preservada pelas normas vigentes, convertendo-se os direitos humanos num tipo de dever de a pessoa adequar-se à moralidade sexual dominante.

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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

ONU pede proteção mundial a direitos dos homossexuais

Portal Terra
15 de dezembro de 2011 • 17h59 • atualizado às 18h13

Homossexuais e transexuais enfrentam discriminação e violência por causa da sua orientação sexual em todas as regiões do mundo, o que inclui assassinatos, estupros e torturas - além do risco de pena de morte em pelo menos cinco países -, disse a ONU na quinta-feira. O primeiro relatório oficial da entidade sobre o tema pede aos governos que protejam gays, lésbicas, bissexuais e transexuais (LGBTs), que punam as violações graves e revoguem leis discriminatórias.

"A violência homofóbica e transfóbica já foi registrada em todas as regiões. Tal violência pode ser física (incluindo assassinatos, agressões, sequestros, estupros e violência sexual) ou psicológica (incluindo ameaças, coerção e privações arbitrárias da liberdade)", diz o relatório de 25 páginas assinado pela alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Navi Pillay.

O texto foi encomendado em junho pelo Conselho de Direitos Humanos, que na época reconheceu os direitos iguais de LGBTs, e condenou toda forma de violência ou discriminação com base na orientação sexual. Países ocidentais consideraram a decisão histórica, ao passo que governos islâmicos a rejeitaram firmemente.

No último dia 6, em discurso no Conselho de Direitos Humanos, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, disse que "nunca deveria ser crime ser gay". O relatório de Pillay diz que pessoas vistas como homossexuais podem sofrer violência espontânea "nas ruas", ou então abusos mais organizados, "inclusive por extremistas religiosos, grupos paramilitares, neonazistas e nacionalistas extremistas".

A violência contra LGBTs tende a revelar "um alto grau de crueldade", com mutilações e castração, segundo o relatório, que critica também os "assassinatos por honra" cometidos por parentes e membros de comunidades onde vivem os homossexuais. O texto cita casos de assassinatos de gays na Suécia e na Holanda, a morte de uma transexual em Portugal, e crimes contra mulheres lésbicas, bissexuais ou transexuais em El Salvador, Quirguistão e África do Sul.

Outro caso destacado no relatório aconteceu no Brasil, onde um casal de lésbicas teria sofrido agressões em uma delegacia e sido obrigado a fazer sexo oral. Atualmente, acrescenta o relatório, há 76 países com leis usadas para criminalizar comportamentos com base na orientação sexual e identidade de gênero. O texto não cita os países que impõem a pena de morte, mas ativistas dizem que são eles: Irã, Mauritânia, Arábia Saudita, Sudão e Iêmen, além de algumas regiões da Nigéria e Somália.

Disponível em <http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI5520834-EI294,00-ONU+pede+protecao+mundial+a+direitos+dos+homossexuais.html>. Acesso em 18 dez 2011.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A pessoa transexual e o princípio da dignidade da pessoa humana: aplicação da principiologia constitucional.

Luiz Alberto David Araújo


A questão dos direitos das pessoas transexuais está intimamente ligada à aplicabilidade da principiologia constitucional. Primeiramente, é preciso distinguir o transexual do homossexual. Entende-se por transexual aquele que apresenta um sexo psicológico distinto de seu sexo biológico. Além disso, apresenta uma vontade irreversível de atingir seu sexo psicológico; não aceita seu sexo biológico e tenta de todas as formas assumir seu sexo psicológico. O homossexual, por seu lado, em apertadíssima síntese, manifesta o desejo sexual de manter relações com pessoas do mesmo sexo. São problemas diversos, com conseqüências jurídicas diversas.

Imaginemos alguém que acorda, olha-se no espelho e encontra um corpo masculino quando, na verdade, esperava (e desejava) encontrar um corpo feminino. Seu sexo psicológico é de mulher e seu corpo é de homem. Seus pensamentos são femininos, sua vontade é feminina, suas vestes são femininas, mas seu corpo é masculino. Esse é o dilema básico do transexual.

Podemos dizer que para amenizar esse conflito a pessoa transexual poderá tentar um tratamento psicológico. Ineficaz o tratamento, resta, apenas, a cirurgia de redesignação de sexo. Tal cirurgia consiste na melhor adaptação possível da pessoa ao seu sexo psicológico. Ao menos aparentemente, a pessoa transexual poderá eliminar o conflito ao, exibir um corpo que estará em conformidade com seu sexo psicológico. Dessa forma, juntando o sexo psicológico com o novo sexo redesignado, haverá uma unidade, necessária à felicidade desse grupo de pessoas.

A cirurgia, nos termos da Resolução n. 1.482, de 10 de dezembro de 1997, do Conselho Federal de Medicina, não se limita apenas a promover a adaptação do transexual ao seu sexo psicológico; abrange também o acompanhamento, quer fonoaudiológico, quer psicoterapêutico, hormonal etc. Haverá a cirurgia, que será precedida e sucedida de tratamentos necessários para a boa adaptação à nova realidade.

Sendo assim, a cirurgia de redesignação de sexo constitui um instrumento necessário para que a pessoa transexual possa integrar-se socialmente e viver de acordo com suas opões sexuais, como decorrência do direito à intimidade e à vida privada, bens garantidos constitucionalmente no art. 5.º, inciso X, da Lei Maior.

É com fundamento no art. 5.º, inciso X, pois que garante a intimidade e a vida privada, que podemos asseverar que a pessoa transexual tem direito a fazer a sua opção sexual, uma vez constatada, mediante perícia, a sua transexualidade. A operação de redesignação de sexo, portanto, já vem sendo admitida pela doutrina e pela jurisprudência. A princípio, chegou-se a cogitar que poderia haver lesão corporal, mas a jurisprudência se firmou no sentido de reconhecer o estado de necessidade do paciente transexual.

Assim, a cirurgia é admitida e está disciplinada em Resolução do Conselho Federal de Medicina. Realizada a cirurgia, surgem novos problemas, que devem ser enfrentados pelo Direito. A pessoa transexual tem um nome masculino e, pela cirurgia, passa a ter um corpo feminino. Ou, inversamente, tem um nome feminino e, com a cirurgia, torna-se dona de um corpo masculino. Como então resolver o problema, já que um nome masculino para um corpo feminino (ou vice-versa) causará uma série de problemas ao transexual?

Podemos fazer outra pergunta, simples, que revelará o conflito e a sua intensidade  da pessoa transexual redesignada: a que banheiro público, por exemplo, a Roberta Close deverá dirigir-se? O Poder Judiciário entendeu de não lhe permitir a alteração de nome. Portanto, estamos falando de uma pessoa chamada Luiz Roberto e do sexo masculino. Em que banheiro público, uma pessoa chamada Luiz Roberto, do sexo masculino, deve entrar? A resposta dada pelo Poder Judiciário é: masculino. Imaginemos agora, o constrangimento dessa pessoa ao ser obrigada a entrar no banheiro masculino...

A redesignação de sexo deve, assim, fazer-se acompanhar da alteração de nome. O sistema infra-constitucional (Lei de Registros Públicos) não tem previsão específica para o problema. Há um projeto de Lei (n. 70-B, de 1995), que tramita pelo Congresso Nacional, no qual a alteração seria permitida. No entanto, embora concordando com a modificação do nome (para ajustá-lo ao sexo redesignado), o projeto prevê que deve constar a inscrição “transexual” no documento da pessoa. Todos os documentos trariam, então, um “terceiro tipo de sexo”: o transexual. O projeto, nesse particular, fere por completo o princípio da dignidade da pessoa humana e o da intimidade, bens garantidos constitucionalmente. Como imaginar alguém com uma carteira de identidade onde conste que é transexual?

Entendemos que a redesignação de sexo deve vir acompanhada da alteração, requerida judicialmente, do prenome do indivíduo, que deve ser o mais próximo do anterior (por exemplo: Roberto/Roberta; Carlos/Carla etc.), bem como do seu sexo. Assim, duas serão as alterações: passará a pessoa a ter novo nome e novo sexo, que constarão de seus novos assentos.

Desde logo, algumas objeções podem ser apontadas. A primeira delas é a concernente a não haver previsão legal específica. Ora, tal objeção deve ser superada pela interpretação principiológica. Devemos ver os princípios constitucionais como transmissores de valores, ou seja, condutores da valoração constitucional, tendo como trajeto a via constituinte/intérprete. Assim, o princípio nada mais é que um condutor que levará a valoração constitucional para o intérprete para que, na hora da aplicação da regra, valha-se da valoração para a aplicação correta do comando constitucional.

No caso da Constituição brasileira de 1988, temos, logo no art. 1.º, a constatação de que somos um Estado Democrático de Direito, e, em seus fundamentos, encontramos a dignidade da pessoa humana. Ora, como entender que o sistema deva preservar a dignidade se mantemos uma pessoa infeliz, com uma divergência entre seu sexo psicológico e seu sexo biológico? Como imaginar uma pessoa com corpo de mulher, pensando que é homem? Como imaginar uma pessoa com corpo de homem, pensando que é mulher? A solução está na redesignação de sexo e em sua adaptação à nova realidade. Após, portanto, a redesignação de sexo, deverá ocorrer a adaptação dos registros, averbando-se o novo nome e o novo sexo.

Assim, a primeira objeção, consistente na inexistência de lei específica que permita a alteração de nome, deve ser rejeitada, pois o sistema constitucional, preservando a dignidade da pessoa humana e garantindo o direito à intimidade (art. 5.o, X) deve prevalecer sobre a regra infraconstitucional. A alteração do nome e do sexo deve seguir os ditames assegurados pela principiologia constitucional.

Outra objeção seria a de que teria havido apenas a alteração superficial do sexo, e não alteração dos órgãos internos, e que tais pessoas não teriam a alteração completa de seus sexos. Nesse particular, precisamos entender que há vários conceitos de sexo. Vejamos nos esportes. Qual o conceito de sexo para o mundo dos esportes? Alguém biologicamente mulher pode ser proibido de competir por ter uma taxa de hormônios fora do parâmetro fixado. Nesse caso, qual foi o critério utilizado? O sexo biológico? A resposta é negativa. Partiu-se da idéia do equilíbrio hormonal. 

Portanto, já se aplicam outros conceitos de sexo. Realmente, quando há a operação, os órgãos internos continuam da mesma forma, sendo a alteração superficial. Mas essa alteração superficial já é suficiente para tornar o indivíduo mais feliz, mais adaptado, vivendo uma vida mais digna. E, no caso, o sexo psicológico deve prevalecer, aliado a transformação (parcial, mas real) de seu sexo antigo, para o redesignado. Não se pode afirmar que houve uma transformação completa de homem em mulher (ou vice-versa), mas a transformação havida, aliada ao sexo psicológico do indivíduo, deve permitir que seja considerado com o seu sexo redesignado. Além da mudança de nome, deve haver a mudança de sexo.

Uma outra ordem de objeção poderia ser a que permitisse eventual fraude. Em princípio, parece pouco crível que alguém passe por uma cirurgia delicadíssima, por tratamento hormonal e acompanhamento psicológico, apenas para fugir de seus credores. Mesmo assim, todavia, seu pedido de retificação de assento civil deverá vir acompanhado de todas as suas certidões, para que sejam evitadas quaisquer fraudes.

Por fim, o argumento da proteção de terceiros. Muitas pessoas poderiam envolver-se com o transexual redesignado sem saber de seu passado. Nesse particular, havendo o envolvimento afetivo do casal, o sistema legislativo não poderia impedir o matrimônio. Caso, no entanto, o parceiro soubesse do fato, querendo, poderia alegar erro essencial na pessoa do cônjuge, e anular o casamento. É claro que seria mais prudente que o transexual redesignado conversasse e expusesse toda a situação para o seu parceiro, pois sendo assim, este parceiro não poderia alegar eventual erro.

A conversão do sexo do transexual, com a averbação de seu registro civil, poderia ainda criar problemas para menores envolvidos. Imaginemos que o transexual já foi casado e tenha filhos. Se os filhos forem menores, entendemos que a cirurgia e a averbação não deveriam ocorrer, pois haveria, nesse caso, interesses de menores, que poderiam sofrer com a adaptação. Superada a menoridade, não haveria mais problemas nem para a cirurgia nem para a averbação. No caso, esta não geraria a alteração do registro dos filhos, sob pena de terem dois pais ou duas mães.

Em resumo, toda a questão da proteção do transexual deve estar relacionada com o princípio da dignidade da pessoa humana e sob essa ótica deve ser enfocada, moldando a atividade do intérprete e do juiz. O sistema constitucional tem como finalidade facilitar a felicidade das pessoas e não impedir e servir de obstáculo para tal objetivo.


Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/14183/13747>. Acesso em 29 jul 2010.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Biblioteca 1: A proteção constitucional do transexual



ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. 162 páginas.

Analisa os Direitos Constitucionais das minorias sexuais, a cirurgia de redesignação do sexo como forma de integração social, a questão da filiação e alteração no nome decorrente da mudança de sexo.


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