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terça-feira, 4 de novembro de 2014

Mercado erótico e sensual se reinventa e deixa lições

Renata Leite
04/11/2014

Luz neon, ambiente escuro e filmes pornográficos expostos nas estantes. Esses eram alguns dos elementos mais característicos das sex shops dos anos 1980 e 1990, mas que, hoje, estão cada vez mais distantes da realidade do setor erótico e sensual brasileiro. Dão lugar a eles, paredes brancas, comunicação visual clean e a preocupação em evitar que produtos mais explícitos permaneçam à vista e assustem a clientela. A mudança faz parte dos esforços dos empresários para levar casais e, especialmente, mulheres casadas para dentro de lojas e ao e-commerce, pessoas que até bem pouco tempo atrás não se enxergavam como clientes dessas empresas.

O público feminino já representa 70% dos compradores de sex shops físicas e virtuais, cujas vendas cresceram 20% em 2002, 15% em 2006, 18,5% em 2011 e 8% em 2013. Neste último ano, o incremento no faturamento ficou abaixo do que nos demais períodos, devido à ameaça de crise econômica, mas, ainda assim, acima do resultado de outros setores da economia. Mesmo com o longo período de crescimento contínuo, segundo pesquisa da fabricante de preservativos e itens eróticos Durex, apenas 17% dos brasileiros já adquiriram ou experimentaram um produto do setor, ante 22% das pessoas, quando se considera todo o mundo.

A última estratégia das empresas que atuam neste mercado, intensificada este ano, foi o investimento em ações de responsabilidade social. “Em outubro, vestimos as sex shops da Avenida Paulista, em São Paulo, de rosa, numa campanha pelo combate ao câncer de mama, e distribuímos dois mil informativos sobre a prevenção à doença. Também entregamos géis massageadores às mulheres, e o sorriso que vimos no rosto delas nos mostrou que já estão compreendendo a função de nossos produtos”, comemora Paula Aguiar, presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme), em entrevista ao Mundo do Marketing.

Retorno às raízes

Esse movimento de aproximação do público feminino representa um retorno às origens, já que a primeira sex shop foi inaugurada na Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial, por uma mulher que enxergava na atividade uma ferramenta de empoderamento das demais mulheres. A maioria delas não havia recebido uma educação sexual voltada para o prazer e a saúde, lacuna percebida por Beate Uhse, que havia sido privilegiada por uma educação não repressora conduzida por pais médicos. Após começar vendendo tabelinhas porta a porta, a ex-pilota de acrobacia aérea, então desempregada, ampliou seu portfólio e se tornou conselheira das moradoras do entorno.

Quando o modelo foi importado para os Estados Unidos, no início da década de 1970, entretanto, ganhou novos contornos. Os filmes pornográficos foram colocados à venda dentro dessas lojas, modificando o público que frequentava o ponto de venda. Os homens heterossexuais e, especialmente, os homoafetivos passaram a ser o principal público. “Estamos na terceira geração de empresários à frente do setor, que marca o retorno das mulheres para a condução dos empreendimentos. Essa mudança deu uma guinada nos negócios, que hoje buscam desconstruir os tabus e os preconceitos que estão entranhados na cultura brasileira”, relata Paula, que atua no setor há quase 15 anos.

A empresária começou sua trajetória na internet e pode ser considerada veterana, já que, entre os negócios online, 56% foram inaugurados há menos de dois anos e 76%, há menos de três anos. Entre os empresários do setor, 100% contam com lojas virtuais, 33% físicas e 29% atuam por meio de catálogos, segundo levantamento da Abeme. Além das ações sociais realizadas ao longo de 2014, a associação também aposta no público evangélico para incrementar o faturamento. Até o fim deste mês, a instituição lançará um e-book com instruções para a venda a essa parcela da população.

Venda para crentes

Entre os temas abordados nos capítulos estão “Deus e o sexo”, “a bíblia e o sexo” e “como atender a esse público”. Alguns pastores já apontam os produtos eróticos e sensuais como importantes ferramentas para a manutenção de casamentos, mas ainda existem muitas fiéis que vendem os itens às amigas de cultos de forma quase clandestina, temendo represálias da Igreja. Nas lojas, no entanto, as crentes se mostram mais abertas a informações e ofertas do que as católicas, que continuam mais envoltas em tabus.

Com a crescente demanda por informações sobre como vender para pessoas religiosas, a associação reuniu empresários do setor, clientes evangélicas e especialistas em educação sexual para desenvolverem o e-book. “O intuito é quebrar tabus, mostrar que o produto erótico tem o poder de unir, reconectar casais, inclusive aqueles que estão juntos dentro da fé. Os itens são importantes aliados das famílias”, ressalta Paula.

Essa necessidade de educação estimula a venda direta como um importante canal de compra de produtos do setor. A aquisição de itens costuma vir acompanhada de aconselhamentos e explicações de uso. Nesse contexto, nasceu a Sophie Boutique Sensual, há cerca de um ano e meio. A marca atua por meio do sistema de festas, encontros e reuniões realizados pelas consultoras, num modelo semelhante ao adotado inicialmente pela Tupperware. A ideia é que as mulheres se encontrem dentro de seu círculo de amizade, num ambiente em que se sentem seguras para conversar sobre suas intimidades.

Marca busca investidores para expandir

Atualmente, a empresa conta com 10 consultoras e busca investidores para poder ganhar capilaridade. “Eu e minha sócia fizemos 60 reuniões no primeiro ano para validar esse modelo. Passaram por nós mais de mil mulheres. Nosso objetivo não é apenas vender um produto, mas transformar a consciência delas sobre a sexualidade humana. Por isso, sempre levamos um conteúdo para ajudá-las a construir esse relacionamento com seu próprio corpo”, diz Christiane Marcello, Fundadora da Sophie Boutique Sensual, em entrevista ao Mundo do Marketing.

A marca busca se distanciar ao máximo do conceito de sex shop, por este mercado ainda estar marginalizado, ancorado na pornografia, no chulo e no vulgar. Para se afastar dos atributos negativos e pejorativos, a companhia optou por se posicionar como boutique, assim como muitas empresas que atuam no setor. As atividades não se resumem às reuniões. Hoje, a Sophie Boutique Sensual conta com mais dois núcleos: um que vende serviços complementares, como palestras e rodas de leitura, e outro com foco na fabricação de produtos, como bijuterias para o corpo, acessórios, luvas e vendas.

O trabalho todo tem na educação um importante pilar. “Cerca de 99% das mulheres que chegam às reuniões nunca estiveram numa sex shop. Elas costumam manifestar o desejo de apimentar a relação. À medida que a mulher chega no núcleo de aconselhamento, acaba trazendo seus maridos. Aos poucos, estamos formando nossos primeiros grupos de homens”, conta Christiane, que ganhou experiência durante os cerca de 15 anos em que atuou como Executiva de empresas como Avon, Grupo Boticário e Jequiti.

Comunicação voltada para o romantismo

A maioria das novas companhias do setor já nasceu adotando a comunicação voltada para o amor e para os casais. Essa voz coesa vem gerando efeitos positivos na imagem do mercado perante a sociedade, embora a relação com o vulgar ainda seja comum na mente de muitos consumidores. A comunicação visual das lojas é muito importante para a mudança na concepção do público, e essa é uma das apostas da Doce Sensualidade. A boutique foca no romantismo e no amor em todas as peças no ponto de venda e no site.

A própria distribuição dos produtos na loja apresenta os clientes aos produtos de forma amena. A proposta é conquistar a confiança do consumidor pouco a pouco, até partir para entender as reais necessidades dele. A ideia é trabalhar como num relacionamento, começando pela sedução. A pessoa chega no ambiente claro, intimista, onde não há vibradores e próteses expostas. Os produtos são apresentados pouco a pouco, para que o cliente vá se despindo de inibições e preconceitos.

O mesmo conceito está sendo aplicado ao e-commerce que será lançado nos próximos dias. “O tabu é um dos fatores que mais distanciam o público-alvo de uma loja, e isso impõe alguns cuidados. Quando abri o ponto de venda, desenvolvi embalagens lindas e sacolas com o logotipo da empresa, mas os clientes não queriam usá-las, porque tinham vergonha. Hoje usamos bolsas pretas, sem nenhuma referência. Somos conhecidos como o país das mulheres mais sensuais, da bunda, do carnaval, mas quando montamos a empresa é que vimos como, na verdade, somos retrógrados em relação a sexualidade”, analisa Thais Plaza, Sócia da Doce Sensualidade, em entrevista ao Mundo do Marketing.


Disponível em http://www.mundodomarketing.com.br/reportagens/marca/32112/mercado-erotico-e-sensual-se-reinventa-e-deixa-licoes.html?utm_medium=e-mail&utm_source=mail2easy&utm_campaign=Newsletter+Dia. Acesso em 04 nov 2014.

domingo, 14 de julho de 2013

Nos bastidores da cura gay

João Batista Junior
28.jun.2013

O salão térreo de um casarão colonial onde se localiza a Igreja Cristã Pentecostal Independente Maravilhas de Jesus, no centro, tem bancos de estofado puídos e um palco pequeno. Ao lado das portas de entrada, três pastores estão a postos para receber os fiéis. Às 15 horas da última quarta (26), um dos líderes espirituais disponíveis era Aristides de Lima Santos.

Usando calça de brim creme, camisa azul-claro com todos os botões fechados e um blazer escuro por cima, o senhor de estatura baixa aparentava pouco mais de 50 anos de idade. Ao ser abordado, simpático e solícito, contou um pouco de sua história. Lembrou que, antes de aceitar Jesus, vivia no pecado: era um mulherengo incorrigível. “Desses que não conseguem passar uma semana sem uma companheira diferente”, confessou. Na função de orientar o rebanho, está acostumado a lidar com todo tipo de gente e de angústias. Conta já ter recebido por lá algumas pessoas dispostas a abandonar a homossexualidade. Com base nessa experiência, criou uma teoria a respeito dos gays que querem se tornar héteros. “Irmão, é preciso arrumar uma mulher quanto antes para casar e ter filhos”, costuma aconselhar. “Ela não precisa saber que o senhor tinha essa tendência. Vai ajudar na sua libertação.”

Em seguida, Santos abre sua bolsa e tira uma Bíblia cheia de anotações e trechos grifados. Com voz calma, lê passagens para justificar essa linha de raciocínio. Cita Mateus 26:41, olhando nos olhos do interlocutor: “Vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca”. Do Levítico 18:22 extrai a seguinte passagem: “Não te deitarás com um homem, como se fosse uma mulher: isso é uma abominação”. As palavras do livro sagrado servem para justificar o pensamento do pastor. Segundo ele, na escala de malfeitorias, um homossexual está na mesma categoria do ladrão, do assassino, do viciado em drogas e do adúltero. Todos são pecadores mortais. “Mas Deus é misericordioso e não discrimina ninguém, desde que a pessoa liberte sua alma do diabo”, ameniza. Termina a pregação fazendo uma ressalva: “Homossexuais são como as prostitutas: sofreram alguma macumba e têm influências de forças malignas”.

Na semana passada, Veja São Paulo ouviu frases como essas em um périplo por dez igrejas evangélicas da metrópole, das mais variadas vertentes. Sem se identificar como jornalista, o repórter bateu às portas de cada uma dizendo que era um homossexual disposto a tentar uma nova vida. O objetivo era saber como essa questão é tratada no dia a dia dessas religiões. Em outras palavras: afinal, a tão falada “cura gay” existe na prática?

O assunto entrou no centro das discussões após um projeto de lei do deputado João Campos (PSDB-GO) que suspende o trecho da resolução do Conselho de Psicologia de 1999 que proibiu profissionais da área de oferecer tratamento e cura de homossexualidade. Um profissional que iniciar uma terapia com o objetivo de fazer de um gay um heterossexual pode ser hoje processado e ter seu diploma cassado. A proposta de Campos foi aprovada pela Comissão de Direitos Humanos, liderada pelo pastor e deputado Marco Feliciano (PSC-SP). 

Essa mudança provocou uma grande polêmica e virou um dos temas da atual onda de manifestações no país. No último dia 21, segundo cálculos da PM, cerca de 1 000 pessoas iniciaram uma passeata na Praça Roosevelt, no centro, portando cartazes como “Feliciano, cura o Ricky Martin para mim?”. Na quarta passada, aproximadamente 300 pessoas (também de acordo com estimativas da PM) realizaram um ato parecido na Avenida Paulista.

No universo dos templos visitados, ninguém usou o termo “cura gay” ou demonstrou ter um programa específico para tal finalidade. Nove dos dez pastores consultados, entretanto, sugeriram algum tratamento espiritual para a pessoa se livrar do que consideram um pecado grave. Para eles, a prática homossexual é condenável e precisa ser mudada imediatamente, sob o risco de o transgressor acabar no inferno. “Com muita oração, renegando os amigos homossexuais e tirando a influência de qualquer magia negra, é possível um gay se casar e ter filhos. Já vi muitos pastores convertidos”, garantiu na última terça (25) André Luís, da Universal do Reino de Deus localizada na Rua dos Timbiras, no centro.

Endereços da Assembleia de Deus Ministério do Belém, da Internacional da Graça de Deus e da Deus É Amor também foram visitados. “Não é natural ser assim: 100% dos homossexuais sofreram feitiço”, afirmou a pastora Maria do Carmo Moreira, da Comunidade Cristã Paz e Vida. “Entregue sua alma a Jesus e não procure um psicólogo, que vai achar tudo normal e querer que o senhor se aceite.” Na Igreja Mundial do Poder de Deus, o pastor Eder Brotto foi categórico: “Isso é coisa do capeta”. Depois de proferir uma oração de libertação (“Feche os olhos, leve a mão direita à altura do coração e comece a renegar os prazeres da carne”), Brotto sugeriu ao repórter que frequentasse a igreja às sextas e aos domingos, além de rezar três vezes por dia ajoelhado no chão.

A homossexualidade é condenada por praticamente todos os segmentos do cristianismo, com poucas exceções, como a Igreja Anglicana, que até já ordenou sacerdotes gays. A abordagem do tema, porém, é muito variável. “Em geral, casos de exorcismo e gritaria são mais comuns nas evangélicas neopentecostais, enquanto nas protestantes tradicionais e na católica a questão costuma ser tratada em conversas individuais, na privacidade do gabinete pastoral”, diz a teóloga Sandra Duarte de Souza, professora e pesquisadora da Universidade Metodista de São Paulo. “Essa forma mais discreta, entretanto, não significa que seja menos violenta. A pressão em conversas duras pode ser tão devastadora quanto os rituais ao estilo ‘sai, capeta’.”

Os pastores que pregam contra a prática gay se valem invariavelmente de trechos da Bíblia. Trata-se de um terreno minado. Ocorre que as discussões sobre interpretação e até mesmo as traduções dos textos fazem com que o significado de tais passagens seja questionado. “Os fundamentalistas tomam ao pé da letra alguns trechos, esquecendo de outros nos quais Jesus prega o acolhimento e o amor aos excluídos”, observa o teólogo Paulo Sérgio Lopes Gonçalves, da PUC de Campinas.

O trabalho de libertação, como dizem nas igrejas evangélicas, acabou criando um novo gênero: os ex-gays. Eles são quase como propagandas ambulantes do processo, apontados como provas vivas de que, com a ajuda de Deus — e dos pastores, claro —, é possível transformar sua orientação sexual. “Graças ao Senhor, entendi que a maneira como eu vivia era errada e busquei forças para sair daquilo”, conta o presbítero Eduardo Rocha, representante da Igreja Sal da Terra. Rocha era um transformista conhecido pelo nome de guerra Grevâniah Rhiuchélley. Ele começou a se vestir de mulher aos 16 anos, mas conta que sentia atração por meninos desde os 12. Cocaína e maconha entraram rápido na sua rotina. “Eu debochava de religião, não tinha respeito por Jesus”, penitencia-se.

Tudo mudou durante uma rave na cidade de Alto Paraíso, no interior de Goiás. Foi quando Rocha teria ouvido uma voz. “Ela me dizia que o Senhor ia mudar minha vida.” Desde então, o baladeiro passou a ler a Bíblia e a frequentar cultos. “O processo não foi traumático ou agressivo, mas muito difícil”, lembra. Cinco anos depois da conversão, em 2007, Rocha se casou com a musicista Genoveva Geni. Hoje, eles trabalham para que outros jovens encontrem a tal salvação. Às quartas-feiras, o ex-transformista se encontra com um grupo de cerca de vinte gays em reuniões nos moldes dos alcoólicos anônimos.

“Oramos, lemos a Bíblia, cada um conta sua história e tento fazê-los entender que precisam sair da vida de pecado”, descreve. Rocha também dá seus testemunhos em diversas igrejas evangélicas da cidade e organiza o Seminário de Sexualidade Cristã, que aborda temas como “pureza sexual” e “restauração da identidade”. Diz ele: “Todos que estão vivendo como homossexuais enfrentam um desvio de personalidade que deve ser contornado”.

Na contracorrente, começaram a surgir no meio evangélico algumas dissidências. É o caso da pastora Lanna Holder, lésbica assumida e fundadora da igreja Comunidade Cidade de Refúgio. Até os 20 anos, segundo relata, Lanna levou a vida com fartura de drogas, álcool e namoradas. “Depois me converti e passei a pregar contra as lésbicas”, conta. Na época, chegou a se casar com um homem e teve um filho. Lanna defendeu a “cura gay” por dezesseis anos. O ponto de virada tem nome e sobrenome: Rosania Rocha, uma cantora gospel. As duas lutaram contra a paixão, tentaram se libertar da atração, mas jogaram os panos. Em 2011, fundaram juntas a Comunidade Cidade de Refúgio, localizada no centro. Elas já contam com 600 fiéis, em sua maior parte gays. “Quase todos eles tentaram se ‘salvar’ e não conseguiram. É normal recebermos aqui gente que já quis se matar várias vezes devido a esses processos, que causam um problema sério de autoaceitação”, diz Lanna.

Não são apenas igrejas fundadas por homossexuais que pregam a tolerância. “Desvirar gay para quê?”, perguntou ao repórter de VEJA SÃO PAULO a obreira Rose Silva, do Centro de Meditação Cristã, no Brás, no encontro ocorrido no fim da tarde da última quarta (26). “Faça uma oração da libertação para se aceitar, não para se reprimir. Deus ama a todos em sua plenitude.”

Rose concorda que as igrejas evangélicas não toleram a prática homossexual, mas para ela a questão deveria ser abordada com outro viés. “Em primeiro lugar, penso se a pessoa interfere negativamente na vida dos outros. Se não, quero mais é que ela seja feliz.”

"Isso é coisa do capeta"

Em nove dos dez endereços visitados pelo repórter, que não se identificou como tal, os pastores trataram a homossexualidade como um pecado e deram conselhos para a conversão. A seguir, trechos de alguns dos encontros

a) Igreja Cristã Pentecostal Independente Maravilhas de Jesus, no centro (pastor Aristides de Lima Santos)

— Sou gay e quero mudar de lado. Como faço?
— Precisa seguir o ditado bíblico: “Vigiai para não entrar em tentação”. É fundamental que o senhor se case para aceitar Jesus, se libertar e não pensar em homem.
— Não há o risco de minha companheira ser infeliz? 
— Ela não precisa saber que o senhor era gay. A Bíblia diz que varão não pode ter relacionamento com outro varão. A homossexualidade é um pecado mortal, assim como matar.

b) Comunidade Cristã Paz e Vida, no centro (pastora Maria do Carmo Moreira)

— Sou gay e quero saber se é possível virar heterossexual.
— Para Deus, nada é impossível. Não é natural ser assim: 100% dos homossexuais sofreram feitiço.
— O que devo fazer para mudar?
— Depende de você saber que está no caminho errado e fazer a vontade de Deus. Leia este livro, Jesus, a Vida Completa, frequente os cultos, ore e abandone a vida de prazeres da carne. O caminho será um processo natural, pode ter certeza.

c) Igreja Universal do Reino de Deus, no centro (pastor André Luís)

— Sou gay e quero saber se é possível trocar de lado.
— Sim, conheço alguns pastores que eram assim e hoje são casados e têm filhos. Assim como um viciado em cocaína precisa se livrar dos amigos drogados, um homossexual tem de deixar de lado a sua turma. É preciso também evitar bares e baladas para não cair em tentação.
— O que mais?
— No começo, precisa vir pelo menos quatro vezes por semana à igreja para tirar o capeta do seu corpo. Pagar os 10% do dízimo também é fundamental. É devolver para Deus a graça de você ter ido para o caminho certo.

d) Igreja Mundial do Poder de Deus, na Zona Leste (pastor Eder Brotto)

— Sou gay e quero virar heterossexual. É possível?
— É fundamental, caso contrário vai para o inferno. Isso é coisa do capeta.
— Como faço?
— Tem de vir aqui às sextas, dias em que tiramos o capeta do corpo, e aos domingos. Tenha uma Bíblia ao lado da cama. Ore três vezes ao dia, ajoelhado (podemos nos humilhar para Deus). Sugiro ler Isaías, capítulo 44. Fala da aceitação do Senhor. E não deixe de pagar o dízimo.

e) Igreja Pentecostal Deus É Amor, no centro (pastor Lourival de Almeida)

— Quero deixar de ser gay. É possível?
— Claro. Tudo é uma questão de poder do controle.
— Como assim?
— Sou homem no sentido heterossexual da palavra. Todo homem é, por essência, polígamo. É preciso ter o próprio domínio para respeitar e honrar a mulher. O mesmo vale para o homossexual: controle seu desejo.

f) Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus, na Zona Leste (pastor Paulo Rogério)

— Quero me tornar heterossexual. Como faço?
— Para tirar a influência do diabo, precisa fazer uma série de orações.
— Por exemplo?
— Sexta é o dia em que o diabo está mais presente na sociedade. Faça jejum à noite, antes de vir para a igreja. Volte a comer no sábado de manhã. Vai ajudar no trabalho de purificação.

g) Casa da Bênção, na Zona Leste (pastor Cléber Lana)

— Como faço para deixar de ser gay?
— Isso é uma maldição hereditária. Existem outras pessoas assim na sua família?
— Que eu saiba, não.
— Então pode ser algum trabalho feito contra você. Sugiro que se entregue a Deus, ore e frequente cultos de libertação.


Disponível em http://vejasp.abril.com.br/materia/bastidores-cura-gay. Acesso em 09 jul 2013.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Avon, Silas Malafaia e a propagação da homofobia

Beatriz Mendes
07/05/2012

Silas Malafaia é um velho conhecido da comunidade gay no Brasil. O pastor, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, costuma protagonizar polêmicas a envolver intolerância e preconceito. Em 2006, foi ele o responsável por uma manifestação diante do Congresso Nacional contra a lei criminalizadora da homofobia. Na ocasião o pastor afirmou que relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são a porta de entrada para a pedofilia. “Deveriam descer o porrete nesses homossexuais”, decretou, certa vez, em seu programa de tevê - em rede nacional, diga-se, valendo-se de seu direito de liberdade de expressão.

Por estes e outros motivos, foi uma surpresa para o professor de inglês Sérgio Viula, de 42 anos, e seu namorado, Emanuel Façanha da Silva, quando em meio a promoções de maquiagens, perfumes e bijuterias, depararam-se com livros de Malafaia no catálogo da Avon. “Não são somente obras devocionais ou de leitura budista, católica ou uma novena. Os livros dele são de militância fundamentalista aberta, assim como seus programas de televisão”, diz Viúla a CartaCapital.

O professor conta que a gota d’água foi a inclusão do livro A Estratégia entre os títulos comercializados pela Editora Central Gospel - cujo dono é Silas Malafaia. A obra, escrita pelo pastor americano Louis Sheldon, levanta a teoria de que os homossexuais estão fazendo um complô contra a humanidade.

Diante da situação, Viula – que não faz parte de nenhuma organização LGBT - resolveu se manifestar. Seu argumento se baseou em um tratado de direitos humanos emitido no ano passado pela Avon, comprometendo-se a não contribuir com qualquer tipo de prática discriminatória. “Escrevi uma carta para a empresa brasileira, falando sobre a minha indignação. Como eles não se manifestaram de imediato, resolvi traduzir a mensagem e encaminhá-la para a Avon dos Estados Unidos”, conta.

Pouco tempo depois, a empresa brasileira escreveu um comunicado em sua página do Facebook, alegando que a “variedade de títulos comercializados contempla a diversidade de estilos de vida, religião e filosofia presentes em nosso País”. Complementou falando não ter a intenção de promover conteúdo desrespeitoso aos direitos humanos.

“A carta contribuiu para eles entrarem em contato comigo, mas o fator determinante foi o fato de o Emanuel ter resolvido parar de trabalhar com a Avon”, acredita o professor. Segundo ele, o parceiro era o que a empresa chama de “Consultor Estrela”, pois vendia produtos em grande quantidade. Quando se deu conta de que os livros de Malafaia estavam no catálogo, abriu mão do cargo. “A gente nunca tinha reparado nos títulos porque ele trabalhava mais com o setor de cosméticos. Mas quando saiu da Avon, representantes da marca o procuraram no escritório, pedindo para ele voltar”.

Nesse meio tempo, as pessoas começaram a se solidarizar com a causa. Representantes de grupos LGBT também entraram em contato com a Avon. Duas mulheres redigiram uma petição em inglês, divulgada no All Out, site que publica abaixo-assinados do mundo todo. “No texto, eles explicaram quem é Silas Malafaia e quais são as ideias propagadas por ele. O negócio está bombando, a Avon vai ter que tomar uma atitude”, enfatiza o militante.

“Muitas pessoas também me perguntaram se valia a pena lutar por essa questão. Eu acho que sim porque se fosse o livro do Hitler, os judeus protestariam, se fosse um livro que negasse a existência da escravidão, os negros ficariam indignados. Por que os gays não podem se manifestar também?”, questiona.

Outro lado

CartaCapital pediu entrevistas à direção da Avon, mas a empresa informou que seu posicionamento oficial é aquele já divulgado por meio do comunicado. “Estamos avaliando as ponderações recebidas e buscando a melhor solução para seguir atendendo nossos consumidores com base em nossos valores”.

Silas Malafaia, por sua vez, tratou a questão com desdém. Em nota divulgada em sua página, o pastor ironizou a movimentação dos ativistas. “Esses gays estão dando um ‘tiro no pé’, estão me promovendo com uma tamanha grandeza que nunca pensei de ser tão citado e até defendido por jornalistas como, por exemplo, Reinaldo Azevedo’, escreveu.

Ele afirmou ainda que essas ações dão a ele elementos para lutar contra o Projeto de Lei 122 – aquele que criminaliza a homofobia. “Se antes de ter leis que dão a eles privilégios, já se acham no direito de perseguir e intimidar os que são contra seus ideais, imaginem se a lei for aprovada”, disse.

Também incentivou os fiéis a mandarem emails para a empresa, pedindo para os livros continuarem no catálogo. “Nós, evangélicos, representamos pelo menos 30% das vendas de produtos Avon. Os gays talvez 2%. Eles são tão abusados que pensam que com ameaças vão nos calar”, concluiu.

Diante do comunicado, Viula afirmou: “Malafaia é um extremista. Inclusive, outros pastores não concordam com as atitudes dele. Dá para ser cristão sem ser homofóbico, agora eu não sei como é possível ser homofóbico e cristão. Essas são contradições que podem matar pessoas”.

O professor fala com autoridade: ele já trabalhou como pastor da Igreja Batista e ajudou, na época, a fundar o Movimento pela Sexualidade Sadia (Moses), ONG prestadora de serviços de "assistência" a homossexuais que gostariam de mudar sua orientação sexual. “Depois de um tempo no Moses eu percebi que aquilo era uma falácia, uma hipocrisia. As pessoas sofriam e viviam uma vida dupla, é impossível deixar de ser gay”, contou.


Disponível em http://www.cartacapital.com.br/sociedade/avon-silas-malafaia-e-a-propagacao-da-homofobia/. Acesso em 04 jun 2013.