Ricardo Donisete
19/08/2013
Sophia Burset é uma transexual num mundo preconceituoso e
desinformado sobre o assunto transexualidade. Tendo casado com uma mulher antes
de assumir sua identidade feminina, ela tem um filho que não aceita bem a sua
mudança de sexo. Para complicar ainda mais a situação, Sophia vai parar na cadeia
por fraudar cartões de crédito, que foram usados para custear sua cirurgia de
readequação sexual.
Resumidamente, essa é a história da personagem que a
americana Laverne Cox interpreta na série “Orange Is The New Black”,
recém-lançada pelo Netflix, um serviço de streaming de filmes e seriados. A
atriz não tem filhos e, felizmente, também não tem problemas legais. Mesmo
assim, a sua experiência pessoal ajudou o compor o papel, já que Laverne é uma
transexual que já enfrentou muito preconceito.
“Eu me identifico com os sentimentos que fizeram Sophia se
sentir culpada por ter consciência da sua condição. Ela sacrificou tudo, sua
família e sua liberdade para ser verdadeira com ela mesma, para viver de uma
maneira autêntica. Mas pagou um preço alto por isso”, admite Laverne, falando
numa conferência por telefone com a reportagem do iGay , da qual participaram
também outros veículos de imprensa de todo o continente americano.
Ainda apontando as semelhanças que a sua vida pessoal guarda
com a personagem, Laverne lembra as dificuldades que Sophia passa na cadeia
para tomar os hormônios que a auxiliam na mudança de sexo. “Infelizmente, em
alguns momentos na minha vida também me foram negados cuidados de saúde para a
minha transexualidade”, conta a atriz.
Embora tenha passado por dificuldades parecidas com as de
sua personagem, Laverne tem uma visão esperançosa sobre o futuro das
transexuais como ela, reconhecendo que a sua própria presença num programa de
sucesso pode ajudar a diminuir o preconceito.
“Acho que demos um primeiro passo. Acredito que ser
representado na TV é algo muito importante”, explica Laverne. “Hoje, a maioria
dos americanos entende que os homossexuais têm o direito de casar... No meu
pensamento, essas pessoas mudaram seus corações e mentes por causa desse tipo
de representação. Então, é algo realmente poderoso. Mas as políticas públicas
também têm que mudar”, pondera.
Dividindo o papel com o irmão gêmeo
Em flashbacks, “Orange Is The New Black” mostra o passado de
Sophia, quando ela ainda era o bombeiro Marcus e não tinha feito a cirurgia de
mudança de sexo. Laverne chegou a se oferecer para interpretar o personagem
nesta fase, mas a ideia foi descartada quando uma diretora da série descobriu
que ela tinha um irmão gêmeo, o músico M Lamar.
“Nós temos um vínculo muito forte e temos muito respeito um
pelo outro, nos respeitamos como artistas e como pessoas. E fiquei grata por
poder dividir com ele esse momento na série”, diz Laverne sobre trabalhar com M
Lamar, acrescentando que os dois dividiram o papel, mas não chegaram a gravar
juntos.
A diretora que teve a ideia de chamar M Lamar é nada mais
nada menos do que a estrela Jodie Foster . A premiada atriz foi a responsável
pela direção do episódio que mostra o passado de Sophia.
“Jodie foi incrível. Ela é uma grande diretora de atores,
por razões óbvias. Ela é uma atriz brilhante, mas também muito generosa. Foi
como ter um mestrado em atuação”, relata Laverne, se derramando em elogios para
a diretora famosa.
"Gosto mais de mim agora"
Laverne começou sua carreira no meio artístico em 2008,
participando do reality show “I Want to Work for Diddy” do canal VH1, que
buscava uma assistente para o rapper P. Diddy. Ela não venceu a competição, mas
ficou famosa nos Estados Unidos. Desde então, a transexual tem buscado se
aperfeiçoar com artista e também como pessoa.
“Eu gosto mais de mim agora. Comecei a trabalhar com um
terapeuta, o nome dele é Brad Calcutera, e ele é brilhante. Trabalhei muito as
minhas questões internas, venci a minha homofobia internalizada, o meu racismo
internalizado e também a vergonha”.
Depois da terapia, a atriz mudou até concepção sobre o
próprio trabalho. “É um equívoco dizer que atuar é fingir ser outra pessoa. A
realidade é que nós exploramos a nossa própria verdade para dar verdade aos
nossos personagens”, conclui Laverne.
*Com reportagem de Renata Reif
Disponível em
http://igay.ig.com.br/2013-08-19/venci-a-minha-homofobia-e-o-meu-racismo-diz-atriz-transexual-dos-eua.html.
Acesso em 14 out 2013.