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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Melhores que ontem piores que amanhã

Lilian Graziano

Há pouco tempo estava folheando uma revista quando deparei-me, satisfeita, com uma entrevista dada pelo respeitado psicólogo e professor da Universidade de Harvard, Steven Pinker. Conheço o trabalho de Pinker já há algum tempo e cheguei a utilizar um de seus livros, Tábula Rasa, em minha tese de doutorado. Acaba de me ocorrer que talvez criemos laços afetivos com nossas referências bibliográficas. Ou, quem sabe, estas acabem se tornando nossas referências justamente pelo fato de nos serem caras.

O fato é que se já gostava do trabalho desse autor, passei a admirá-lo ainda mais. A começar pelo título de seu novo livro, ainda sem tradução no Brasil, The Better Angels of our Nature: Why Violence Has Declined (Os Anjos Bons Dentro de Nós: Por que a Violência Declinou). Defendendo a premissa básica de seu livro Pinker afirma, na tal entrevista, que atualmente vivemos no melhor dos tempos, visto que a sociedade é hoje menos violenta do que fora no passado.

Confesso que esta ideia não me pareceu nova. De fato é uma velha convicção que trago comigo e sobre a qual já discuti em várias rodinhas de amigos. No entanto, nunca estudei o assunto sistematicamente como o fez o autor, de forma que fiquei muito satisfeita ao saber que havia um aval científico para minha crença.

Achei que valeria a pena incluir a referida entrevista em meu site e comecei a procurar por um link na Internet que me levasse a ela. Foi aí que tive uma surpresa. Apenas um dia após sua publicação, vários blogs, igrejas e outros sites já faziam menção à entrevista. Como todo assunto polêmico, as reações se dividiam em dois extremos: acordo ou desacordo veemente.

SEI MUITO BEM QUE O TIPO DE CALO QUE MAIS DÓI É AQUELE QUE, PRECISAMENTE, SE ALOJA EM NOSSO PRÓPRIO PÉ. MAS É NECESSÁRIO QUE, NESTE CASO, EXAMINEMOS OS FATOS DESPROVIDOS DE PAIXÕES

As pessoas parecem não saber o que é Ciência. Se eu estivesse naquela minha rodinha de amigos falando sobre minha impressão pessoal acerca da diminuição da violência, eu acharia perfeitamente natural que algumas pessoas dessa rodinha não concordassem comigo. Afinal, estaríamos no campo da pura especulação, algo do tipo: Maradona ou Pelé?

Mas quando um pesquisador de Harvard publica um livro de 832 páginas para defender uma ideia, acredito que seria sensato pelo menos que se lesse o livro para então, discordar-se dele. Mas se há algo que define o ser humano, certamente não seria sua sensatez.

Ainda me espanta a quantidade de "urubulinos" de plantão que insistem em ver o pior dos mundos. "Se esse é o melhor dos tempos, não quero nem ver os piores", afirmam, refutando todas as teses que Pinker utiliza, como se as conhecessem.

Sei muito bem que o tipo de calo que mais dói é aquele que, precisamente, se aloja em nosso próprio pé. Em outras palavras, a violência mais brutal será sempre aquela que vivenciamos. Mas é necessário que, neste caso, examinemos os fatos desprovidos de paixões.

Se, na Idade Média, você perguntasse a um vizinho quantas pessoas ele matou, talvez ele não soubesse dizer. E talvez você nem fizesse tal pergunta, dada à banalidade de seu significado. Nessa época, qualquer grande desacordo era resolvido de maneira brutal.

Mas havia também uma brutalidade mais elegante. Moda na Europa durante os séculos XIII a XVII, os duelos eram utilizados como forma de resolver desavenças pessoais e até mesmo familiares, sendo usados também em casos de dívidas (o que, diga-se de passagem, torna o nosso atual SPC a quinta essência da evolução).

Ao contrário do que se possa imaginar, os duelos eram típicos das classes mais abastadas e eram também praticados (pasmem!) por mulheres.

E o que dizer a respeito do Coliseu? Hoje criticamos a violência da televisão e dos games, esquecendo-nos de que na Roma Antiga a carnificina era real. Nos primórdios da política "pão e circo", cerca de 90.000 pessoas se divertiam, assistindo aos gladiadores lutarem até a morte.

Sangue era o que não faltava no nosso passado histórico. E era consenso a possibilidade de se "lavar a honra" com ele. O curioso, é que o próprio conceito de honra era duvidoso. No Brasil colônia, por exemplo, era permitido ao homem matar sua esposa caso ela viesse a cometer adultério.

Mas vamos trazer esse olhar para um pouco mais perto de nós. Lembro-me perfeitamente que minha professora da quarta série do antigo primário, dava "cascudos" na cabeça dos meninos que não se comportavam bem. Para os mais novos, devo uma explicação: "cascudos" são pequenos socos, dados com os nós dos dedos. Na época da minha mãe, as crianças, quando em casa, apanhavam com varas de marmelo; quando na escola, de palmatória.

Quando procuramos evidências que comprovem a tese de que atualmente vivemos num mundo menos violento, nem mesmo a Ciência escapa. Em um dos experimentos mais famosos da Psicologia, realizado em 1920, Watson demonstrou o condicionamento respondente, condicionando um bebê de apenas 11 meses a apresentar fobia de ratos brancos (e mais tarde de coelhos, cachorros, bichos de pelúcia, cabelo branco. "Uau! Descobrimos a generalização!!!")

Não sei quanto a vocês. Mas para mim evolução humana é mais do que descendermos dos macacos. É sermos hoje melhores do que fomos ontem e, (às vezes, infelizmente) piores do que seremos amanhã. É. Eu acredito na evolução da nossa espécie!

Disponível em <http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/75/artigo252666-1.asp>. Acesso em 16 jun 2012.