Mostrando postagens com marcador SUS. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador SUS. Mostrar todas as postagens

sábado, 6 de dezembro de 2014

Reflexões acerca do transtorno de identidade de gênero frente aos serviços de saúde: revisão bibliográfica

Fernanda Resende Maksoud; Xisto Sena Passos; Renata Fabiana Pegoraro
Revista Psicologia e Saúde, v. 6, n. 2, jul. /dez. 2014, p. 47-55


Resumo: O objeto do estudo é o transtorno de identidade de gênero relacionado ao diagnóstico, aos serviços de saúde, abordando também a visão dos profissionais de saúde. Trata-se de uma pesquisa descritivo-exploratória, com abordagem qualitativa através da revisão bibliográfica de artigos nacionais identificados por meio de buscas efetuadas nas bases LILACS e Scielo. Os estudos sobre transexualidade referidos aos serviços de saúde e profissionais sugerem que o assunto ainda é alvo de muito preconceito e que já existem serviços de saúde especializados a fim de diagnosticar e tratar esses pacientes. A análise dos estudos permite concluir que a transexualidade ainda é tratada com desconhecimento por alguns profissionais de saúde, uma vez que os transexuais devem ser acolhidos e tratados com respeito e valorização de sua diversidade.



terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Justiça autoriza mudança de sexo em criança de oito anos

Expresso MT
08 de junho de 2012


A Justiça de Mato Grosso autorizou a mudança de sexo nos documentos de uma criança de oito anos de idade.

O menor V. S. C. foi registrado no Cartório das Pessoas Naturais de Buritis, no Estado de Rondônia, como sendo do sexo masculino.

A criança nasceu com um problema hormonal (alterações metabólicas), que levaram ao desenvolvimento externo da genitália, como de aspecto masculino (hiperplasia adrenal congênita).

O menor tem os pais separados e vive em Pontal do Araguaia (512 km a Leste de Cuiabá) e ficava sob os cuidados da mãe, que nunca se importou com a peculiaridade nem com o comportamento do filho.

No início de 2010, as educadoras da escola onde a criança estudava perceberam um comportamento diferente e levaram o fato ao conhecimento do pai de V. S. C., que procurou auxílio do Conselho Tutelar para encaminhá-la para tratamento.

Uma junta médica da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP) detectou que a criança possuía genitália interna feminina, absolutamente normal, justificando a cirurgia de adequação ao sexo feminino.

Todo o tratamento necessário foi feito pelo Sistema Único de Saíde (SUS) e os médicos, após a primeira intervenção cirúrgica, exigiram que o pai já providenciasse a alteração no registro civil da criança, para fazer constar o sexo feminino

O pai da criança procurou o Núcleo da Defensoria Pública de Barra do Garças (509 km a Leste da Capital), para ajuizar um pedido de Retificação do Registro Civil.

A ação foi feita com urgência, considerando que a criança estava sendo exposta a situação vexatória, além de ter problemas para retornar de São Paulo para sua cidade.

De acordo com a defensora pública Lindalva Fátima Ramos, a ação de retificação foi protocolada em 14 de janeiro de 2011 e a sentença deferindo a mudança de sexo (de masculino para feminino), bem como o nome da criança, que agora se chama Vitória, foi prolatada em 31 de março, sendo o registro modificado em julho daquele mesmo ano.

Após a realização de uma segunda cirurgia e de todo acompanhamento necessário, a criança, que agora mora com o pai, já tem uma vida normal como qualquer criança de sua idade.

Outro caso

Em abril passado, uma criança que nasceu com genitália ambígua, na cidade de Barra do Garças, ganhou o direito de ter o seu nome e gênero trocado na Certidão de Nascimento, após passar por cirurgia para definição do sexo.

Esse foi o primeiro caso registrado em Mato Grosso e foi divulgado pela Defensoria Pública do Estado.

L. S. nasceu de parto normal e foi registrado como bebê de sexo masculino. Ao realizar o teste do pezinho – obtenção de uma amostra de sangue, através de uma picada no pé do recém-nascido para detecção precoce de doenças –, foi descoberto que o bebê corria risco de morte.


Disponível em http://www.expressomt.com.br/matogrosso/justica-autoriza-mudanca-de-sexo-em-crianca-de-oito-anos-17037.html. Acesso em 01 dez 2014.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O transexual e os reflexos jurídicos da cirurgia de redesignação do sexo

Alana Rissinger
Beatris Francisca Chemin
Revista Destaques Acadêmicos
vol. 5, n. 2, 2-13 - CCHJ/UNIVATES

Resumo: A cirurgia de redesignação sexual é uma realidade cada vez mais comum no Brasil, inclusive já constando como procedimento oferecido pelo Sistema Único de Saúde. Assim, este artigo versa sobre os reflexos que a cirurgia de mudança de sexo provoca no campo jurídico, especialmente no que diz respeito à retificação do Registro Civil do transexual, à possibilidade de casamento e aos reflexos relacionados à filiação. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico-bibliográfico e documental. Dessa forma, as reflexões partem de estudo sobre os elementos formadores do sexo e identifica as diferentes formas de manifestações sexuais. Depois, examina os reflexos jurídicos da cirurgia de redesignação sexual, no que diz respeito ao Registro Civil, ao casamento e à filiação. Nesse sentido, entende que a cirurgia de mudança de sexo deve ser compreendida como forma de solução do conflito transexual e as suas repercussões jurídicas, interpretadas conforme os princípios constitucionais e os direitos de personalidade. Dessa forma, o transexual operado deve ter direito à alteração de seu Registro Civil – com a retificação de seu nome e sexo – ao casamento e à constituição de família, inclusive com filhos, se o assunto for discutido sob ótica livre de preconceitos e baseado nos princípios fundamentais que regem a Constituição Federal.



sexta-feira, 28 de março de 2014

Médicos e transexuais

Concília Ortona

Ser transexual é uma escolha? Crianças percebem seu transtorno de identidade de gênero? É ético possibilitar o início da transição para a mudança de sexo a adolescentes? Questões sobre estes temas delicados – e pouco abordados – voltaram à tona no Brasil, em julho, quando o Ministério da Saúde (MS) lançou duas portarias em 24 horas: a inicial, entre outros pontos, antecipava, de 18 para 16 anos, o emprego de hormônios a transexuais, e de 21 para 18, a operação, no âmbito do SUS. A norma seguinte derrubou a anterior, até a “definição de protocolos clínicos e de atendimento”.

Enquanto as discussões tomam forma no País, a Ser Médico entrevistou duas autoridades médicas norte-americanas no assunto, que, além de explicações técnicas, transmitem pontos de vista de protagonistas dessa história: são transexuais. A primeira parte da entrevista focaliza a ginecologista Marci L. Bowers, 55 anos, que foi Mark até os 40 – tendo, inclusive, se casado e sido pai de três filhos. Figurando na lista dos Melhores Médicos Norte-Americanos, em 2002 e 2003, atualmente é especialista em mudança de sexo. Na segunda, quem fala é o médico Ben Barres, 58 anos, PhD e presidente do departamento de Neurobiologia da Stanford University School of Medicine. Com 42 anos ainda era Barbara e, apesar de hoje ser oficialmente homem, indigna-se contra pares que sugerem “aptidão intrínseca” do sexo masculino à Ciência. Em ambos os casos, pode-se observar o equívoco de restringirem-se as opções profissionais de transgêneros a determinadas carreiras. Confira, a seguir, as duas entrevistas.

Ser Médico – No Brasil, tentou-se antecipar o início do processo de mudança de sexo, iniciativa derrubada provavelmente por pressões religiosas e/ou políticas. Um adolescente com 16 anos consegue saber, com certeza, se é transexual?
Marci L. Bowers – É vergonhoso e perigoso política e religião desempenharem quaisquer papéis na tomada de decisão médica. De qualquer modo, sou sensível a tal questão. Nos EUA, como em outros locais do mundo, vemos uma população cada vez mais jovem solicitando hormônios e cirurgia. Nem sempre são situações fáceis de se lidar, pois nosso juramento nos impede de tomarmos medidas, quando riscos excedem os benefícios. Em geral, em transexuais, sentimentos confusos quanto ao gênero começam bem cedo, antes da puberdade, sugerindo a existência de uma base biológica de gênero. Só que é preciso cuidado. Apenas um terço das crianças com comportamento não compatível com o sexo biológico vai se tornar um adulto transexual. Por outro lado, o agravamento do desconforto, pela puberdade, é altamente preditivo de identidade de gênero contrária. Pela minha experiência, um bom momento – o início da transição – é a partir dos 17 anos, quando parece haver a combinação perfeita de idade, maturidade e apoio dos pais, necessários para resultados cirúrgicos e sociais bem-sucedidos.

SM – Quando a senhora percebeu que era mulher, depois de viver por tantos anos como homem? Houve horas em que pensou: “posso manter-me como marido e pai, e continuar feliz”?
MB – Sempre pensei em mim como do gênero feminino, mas não conseguia colocar isso em palavras. Naquele tempo, nos anos 60, nem sabíamos a maneira correta de chamar esse tipo de comportamento. Sentia-me esquisito, constrangido e sozinho em meus pensamentos. Bem que tentei dar um jeito de ser machão na adolescência, mas a “persona masculina” simplesmente não se encaixava bem em mim. De forma inconsciente, sabia da disforia de gênero o tempo todo. Muitas das minhas memórias mais antigas e pungentes vinculam-se ao travestismo. Por exemplo, lembro-me de minha mãe chorando, em 1963, porque o presidente Kennedy havia sido assassinado, e ficar mais assustada ainda ao se deparar comigo, com cinco anos, com o vestido de chiffon amarelo da minha irmã. Gostaria de ter feito a transição ao sair do ensino médio, aos 19 anos, mas faltavam coragem e dinheiro. O casamento e a chegada das crianças foram importantes em minha vida adulta, mas perpetuaram meu sacrifício por mais 21 anos, quando finalmente realizei meu destino como mulher. A verdade é que chegou a um ponto em que viver como homem parecia cada vez mais perigoso para a minha saúde mental.

SM – Talvez por preconceito, no Brasil os transexuais parecem ter oportunidades profissionais restritas. Vemos dançarinos, artistas, cabeleireiros, maquiadores, mas raramente médicos ou professores universitários. Acontece o mesmo nos EUA?
MB – Nos EUA, houve um relaxamento dos papéis estipulados por gênero, masculino e feminino, refletindo os avanços sociais conseguidos pela população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT). A ideia de que alguém possa ser transexual, e trabalhar como advogado competente, médico ou piloto de avião, reflete essa mudança de atitude. Há 20 anos isso seria inimaginável. Quem se classificasse como transgênero seria visto como mentalmente desequilibrado, na melhor das hipóteses, ou psicologicamente perturbado, na pior.

SM – A senhora já foi considerada por seus pares do Conselho de Pesquisa Americano como um dos Melhores Médicos da América. A que atribui tal reconhecimento?
MB – Durante os 20 anos em que atuei como obstetra, era visto como um profissional compassivo e carinhoso. Essa reputação permaneceu em meu trabalho atual, como cirurgiã especializada em transgenitalização. Depois de ajudar cerca de 2.500 bebês a nascer, fiz meu último parto em 2007. Foi uma época maravilhosa. Sinto falta, principalmente, da intimidade do momento e da alegria de trazer o potencial humano ao mundo. De certa forma, no entanto, mudar a genitália de alguém permite também uma espécie de renascimento para a verdade. Até agora, realizei mais de 1.100 operações do sexo masculino para feminino e cerca de 250, do feminino para o masculino.

SM – Falando sobre este assunto, já enfrentou algum conflito de interesse, por ser transexual e possibilitar mudança de sexo a outras pessoas? Por exemplo:“será que minha experiência influenciou na decisão deste paciente”?
MB – Engraçado... Sabe que ninguém nunca havia me feito essa pergunta antes? Sinceramente não enfrento nenhum conflito, pois estou no fim da engrenagem. Antes de chegar à cirurgia, os pacientes já vivenciaram todas as dúvidas e indefinições, abriram o jogo com familiares e amigos, com psicólogos e psiquiatras, além de terem usado hormônios do sexo oposto, durante, pelo menos, um ano. De qualquer maneira, faço o papel de “advogado do diabo”, falando a respeito de prós e contras, além de voltar no tempo a respeito dos fatos que culminaram em sua decisão. Se ainda assim insistirem, estão prontos. Ninguém nunca me acusou de ter interferido indevidamente, e quase nunca ouço algum paciente reclamando de que cometeu um erro. Na verdade, a pergunta mais fascinante talvez seja “por que há tão pouco arrependimento?”. O que mostra o quanto o gênero é algo pessoal e, se estiver errado, impossível de se ignorar.

SM – O que diria a colegas que alegam “objeção de consciência” à cirurgia de mudança de sexo, comparando-a à “mutilação”?
MB – Machos e fêmeas são, biologicamente, bem mais parecidos do que diferentes. Todos surgimos como embriões do sexo feminino, e os sinais biológicos e hormônios que alteram nossos caminhos na região genital são bem discretos. Na realidade, o que nos separa, na infância, são os limites trazidos pelas expectativas sociais em relação a meninos e meninas. Além disso, há um grande número de bebês nascidos com condição intersexual, com genitália nem essencialmente masculina nem feminina. Como a sociedade mantém-se desconfortável com algo que não seja estritamente masculino ou feminino, logo após o nascimento chamamos rapidamente especialistas, como geneticistas e cirurgiões pediátricos, para suavizar essas confusas situa¬ções. Assim, a partir de uma lógica biológica, pode-se ver por que faz tanto sentido oferecermos mudança de sexo, quando essa se traduz em melhoria da qualidade de vida. Transexuais são mais felizes após a transição, isso é fato. Comparar essa lógica à mutilação ou a fetiches referentes à amputação corresponde a uma tática para assustar os desavisados. É como alertar os pacientes de que a remoção do apêndice pode levar ao Mal de de Alzheimer.

SM – Já se sentiu discriminada por colegas ou pacientes?
MB – Se ocorrer alguma discriminação, é idêntica àquela contra qualquer outra de nós, mulheres. Mas, pensando bem, médicas lidam com dificuldades específicas. Certa vez, uma paciente solicitou um “cirurgião de verdade”, enquanto eu lhe explicava detalhes de sua histerectomia. Da outra, me peguei usando mais calças e jaquetas, a fim de ganhar mais credibilidade profissional. Recentemente, fui apresentada por um colega como: “esta é a nossa médica transexual”. Já pensou como seria se introduzisse alguém como: “este é o meu advogado judeu”. Ou: “conheça o meu contador mexicano”. Ou: “você vai adorar a comida preparada por nosso chef bissexual”. Sim, enfrento mais tensões e desafios do que outros, em muitos aspectos. Mas, como profissional adequadamente remunerada, tive vantagens. Arcar com minha cirurgia foi uma delas. Isso seria bem mais difícil para um transexual que vive nas ruas ou que trabalha em uma oficina mecânica.

SM – Por que decidiu ajudar, gratuitamente, mulheres que passaram pela terrível experiência de amputação de clitóris?
MB – Em 2007, Nadine Gary, diretora da organização internacional Clitoraid, perguntou-me se queria aprender uma técnica desenvolvida em Paris, por Pierre Foldes, para a reconstrução de clitóris mutilados por motivos culturais. Aceitei sem hesitar. É um pequeno sacrifício em repúdio a esse crime contra a humanidade. Só anos mais tarde soube que mais de 30 ginecologistas haviam declinado. Existem céticos que duvidam da eficácia da operação, mas ela funciona, pois, na maioria das vezes, boa parte do órgão permanece sob a pele. Ao apelar à técnica, em parte, as mulheres pensam na função sexual. Só que, principalmente, querem recuperar a identidade perdida. Geralmente se sentem violadas, envergonhadas e diminuídas.

SM – Como é sua relação com seus filhos? Hoje, a senhora diz preferir relacionamentos amorosos com mulheres, em vez de homens. Isso não leva a dúvidas de que sua essência continua sendo masculina?
MB – Meus filhos são fantásticos. A mais velha terminou a faculdade e a outra se prepara para a escola de Medicina. Meu filho tem 17 anos, frequenta o ensino médio e mora comigo. Felizmente, minha ex-esposa manteve-se como um grande apoio e amiga. Depois da transição, eu saía exclusivamente com homens, e não tinha dificuldade em atraí-los. No entanto, com o tempo, descobri que faltava uma certa conexão emocional, pelo menos, em relação àqueles que conheci. Parecia ainda que se sentiam meio intimidados com a minha posição, como médica conhecida. Seria melhor classificar-me como bissexual. A tal conexão emocional acontece atualmente com a mulher com quem vivo há cinco anos, que também é médica.

Barres: transexual feminista

Ser Médico – O senhor é um cientista respeitado, sendo, inclusive, presidente do Departamento de Neurobiologia, em Stanford. Por ser transexual, enfrentou mais desafios, comparado a colegas?
Ben Barres – Minha família, amigos e alunos têm me dado um apoio incrível, desde que anunciei a mudança de sexo, 16 anos atrás. Confesso que, na época, fiquei preocupado com o fato de que minha carreira pudesse acabar, que os colegas não compreendessem, e os estudantes não viessem mais ao meu laboratório. Felizmente, meus medos foram exagerados. Não estou ciente de qualquer financiamento perdido, artigos não publicados, colaborações em trabalhos não aceitas, ou convites para congressos cancelados pelo fato de ser transexual. Não significa que não tenha havido alguma discriminação, só que, pelo visto, não foi relevante. Minha situação pode ter sido diferente da de outros – por viver na Baía de São Francisco, região receptiva dos EUA, e atuar em uma carreira em que é amplamente aceita a ideia de que as diferenças humanas são fundamentais para impulsionar inovação e sucesso na academia. É preciso considerar também que a transição me tornou um homem, em uma sociedade menos propensa a aceitar mulheres em certas áreas. A história de cientistas mulheres, transgêneros do masculino para o feminino ou de gays, pode ser menos positiva.

SM – É mais difícil ser um cientista do sexo feminino do que do masculino? É mais difícil ser mulher do que homem?
BB – A cientista transexual Joan Roughgarden disse bem: em nossa sociedade, se você é mulher, é considerada incompetente até provar o contrário. Se é homem, é competente, até prova em contrário. Portanto, ao longo de suas vidas, homens parecem contar com uma vantagem constante, enquanto as mulheres, com uma desvantagem, que nem percebem, pelo menos enquanto são jovens. Essa diferença simples, em forma de expectativa social, pode ser suficiente para explicar diferenças de realizações entre homens e mulheres.

SM – Por que criticou colegas que diziam que “a razão pela qual há menos mulheres do que homens em Ciência e em cátedras de Engenharia e Matemática é que mulheres não contam com níveis elevados de ‘aptidão intrínseca’ exigidos para essas carreiras”?
BB – Larry Summers (economista norte-americano, secretário do Tesouro no governo de Bill Clinton) e muitos homens antes dele usaram o mote “quanto mais gênios, mais idiotas”, para argumentar que os cérebros masculinos são mais inconstantes – prontos para ir além da normalidade e linearidade –, de modo que haverá um maior número de homens talentosos do que de mulheres igualmente capazes. Não há estudos que confirmem tal raciocínio e, de fato, há uma quantidade cada vez maior de informações contra ele. Simplesmente não conseguimos prever o motivo de algumas pessoas se tornarem grandes artistas, cientistas ou inventores. Tentou-se avaliar, por meio de testes de QI e de matemática, mas acontece que vários ganhadores do Nobel não possuem QI de gênio, e muitos gênios não alcançam grandes feitos.

SM – No decorrer de seus estudos, o senhor encontrou, ou procurou, alguma explicação na Neurobiologia do por que alguém nasce com o corpo contrário à sua essência?
BB – É uma pergunta fascinante. É evidente que existem circuitos neurais que controlam e moldam os comportamentos específicos de gênero. Por exemplo, há evidências de que a exposição a hormônios sexuais exógenos (de causas externas) ou a produtos químicos chamados “disruptores endócrinos”, que imitam os hormônios, é capaz de perturbar o desenvolvimento de circuitos cerebrais e de alterar comportamentos específicos de gênero. Estudos anteriores mostraram que as “filhas de DES” (meninas expostas, enquanto fetos, ao dietilestilbestrol, antineoplásico que inibe a secreção de determinados hormônios) são dez vezes mais propensas ao lesbianismo do que as demais. Além disso, há alguma evidência de que “filhos de DES” são mais propensos ao transexualismo. Quando eu era um feto, fui exposto a uma droga à base de testosterona, e suspeito fortemente de que esta tenha masculinizado meu cérebro, como ocorre com fetos de macacas. No entanto, para a maioria dos transexuais, não há histórico de tal exposição, sendo ainda um mistério do por que eles são transgêneros. É muito provável que as variações genéticas sejam as responsáveis. Enquanto muitos consideram que ser LGBT corresponde a uma escolha, muitos de nós afirmamos estar cientes de sua diferença desde crianças pequenas. Ninguém optaria livremente por enfrentar a angústia emocional e o prejuízo social que surgem de tal “escolha”, a menos que conseguisse viver de um modo coerente à sua identidade sexual inata.


Disponível em http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Revista&id=694. Acesso em 23 mar 2014.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O que não deu certo para elas

Fabiana Moraes
1 de abril de 2012

Faz um ano que Juliana Amorim, 26 anos, saiu do Hospital das Clínicas (HC) após se submeter a cirurgia de redesignação sexual. Estava certa que seu cotidiano se ajustaria ao corpo que finalmente traduzia por fora aquilo o que ela era por dentro. Doze meses depois, Juliana passa por constrangimentos parecidos com aqueles que enfrentava antes de iniciar o demorado processo de transexualização: tem vergonha do novo corpo, está depressiva e não fica nua na frente do próprio marido. Seu canal vaginal, aberto quando transexuais masculinos passam para o feminino, está fechado, com o novo sexo cumprindo uma função meramente estética. Ela procurou há meses o HC para resolver o problema e teve uma péssima notícia: os procedimentos de transexualização, assim como aqueles que podem ocorrer após a cirurgia, foram suspensos. Duas outras transexuais enfrentam o mesmo problema.

O colamento das paredes (estenose) da neovagina de Juliana foi provocado pela própria paciente. "“Percebi que o canal não foi aberto totalmente no meio, e mais à direita. Quando eu movimentava a perna, o molde era expulso. Sentia dor para recolocar, sentia dor quando fazia movimentos simples. Deixei fechar para que reabrissem da maneira correta".” O molde ao qual ela se refere, um pênis de borracha com aproximadamente 12 centímetros, deve ser mantido dentro do canal para que a neovagina não se feche durante a cicatrização. Além de Juliana, outras pacientes estão com o canal fechado. Joicy Melo, 51, fez duas reaberturas para dilatar as paredes vaginais, sem sucesso. A agricultora e cabeleireira também foi informada que não há, atualmente, um médico para realizar a nova cirurgia. Outra paciente já operada que sofre de estenose, segundo o HC, é a cabeleireira Cynthia Lourenço, operada em 2006.

Segundo nota enviada pelo hospital, os procedimentos foram suspensos por conta da aposentadoria, no ano passado, do cirurgião ginecologista Sabino Pinho, responsável por todas as 22 pacientes que realizaram a redesignação sexual no HC. A retomada da marcação de consulta aconteceria, diz a nota, na segunda quinzena de abril. Apesar disso, Sabino Pinho opera, no dia 23 de abril, a transexual Graziele dos Santos, 24. A intervenção comandada pelo cirurgião explica-se pelo fato de o médico acompanhar a paciente há mais de dois anos. "“Me comprometi com ela"”, diz o médico. Seguindo a mesma lógica, resta saber por que mulheres que necessitam de intervenções de porte bem menor, a exemplo de Juliana, Cynthia e Joicy, estão há meses com o corpo fechado.

As transexuais foram diversas vezes, após a cirurgia, ao HC. Juliana, semanas após a intervenção, sofreu uma infecção urinária e ainda precisou de uma nova operação para redesenhar a vagina, já que havia excesso de pele. Durante a recuperação, uma enfermeira esqueceu fechada a sonda posta em Juliana e a urina se acumulou em seu organismo. "“A cirurgia explodiu, ficou horrível".” Uma nova intervenção foi feita para recompor a vagina. Juliana, porém, não ficou satisfeita com a aparência de seu púbis. “"Vi o resultado da cirurgia de outras meninas. Não está igual. Minha vagina está horrível, exposta, sem a cobertura dos lábios".” Ela conta que, em uma das últimas consultas, ao reclamar da aparência do púbis, ouviu do cirurgião: “"Se quisesse melhor, deveria ter nascido mulher”". Sabino Pinho diz que, antes do acidente, a cirurgia estava perfeita. "“Fiz o melhor que pude para recompor a vagina, mas é claro que não ficou do jeito que eu operei anteriormente. O que eu quis dizer é que posso fazer a dilatação, que a recomposição é o que melhor pude fazer. Não me lembro nem como falei".” A frustração com o corpo que apenas se aproxima daquilo que Juliana sempre sonhou tem provocado outras dificuldades na sua vida. Na semana passada, comemorava ter conseguido um trabalho. Na quarta, pediu para sair. "“Deixei o emprego para correr atrás da cirurgia. Não tem como ficar feliz por muito tempo".”

Joicy tem situação ainda mais complicada. Sem um parceiro para apoiá-la e vivendo em Alagoinha, no Agreste, a 250 quilômetros do Recife, a agricultora realizou a cirurgia em novembro de 2010. Em meados do ano passado, precisou dilatar as paredes do canal vaginal. Sem os cuidados necessários para manter o molde no local (uso de calcinhas mais apertadas) e sem dinheiro para comprar os medicamentos que ajudariam na cicatrização (pomada à base de fibrinolisina, cerca de R$ 50, 30 gramas), o canal fechou novamente. Voltou ao HC e refez o procedimento. As paredes colaram mais uma vez. Joicy serve como um forte exemplo de como a cirurgia de transexualização não pode ser pensada apenas como uma intervenção em si: ela envolve um cuidado mais amplo das pacientes, que precisam ser acompanhadas semanalmente após saírem do hospital (como o Sistema Único de Saúde recomenda). A não observação deste fator pelo HC tem causado não só o sofrimento de várias transexuais, mas custos mais elevados ao próprio serviço público de saúde, já que as reaberturas de canal também são feitas com verbas federais.

Identidade

O pacote da falta de cuidados atrelados à transexualização inclui a ausência de orientação para que as novas mulheres consigam adotar o nome social em documentos como a identidade. O hospital afirma que assessora as pacientes após a cirurgia, mas na prática isso não acontece. De acordo com relatos das próprias transexuais, as recomendações do HC não são as mesmas para todas as mulheres. Tamires Gomes, 37, fez a cirurgia em dezembro mas ainda não teve acesso ao laudo médico indicando sua condição de transexual atendida pelo serviço público. "“Fui no HC no começo de março para uma consulta, mas informaram que não havia médico. Também não consegui falar sobre o laudo".” Este documento, indicando que um psiquiatra encontrou na paciente um distúrbio de identidade, é importante para que o processo seja iniciado e corra sem grandes complicações. Joicy até hoje carrega consigo a identidade onde lemos João Batista da Silva no lugar da assinatura. Está há anos tentando dar conta da burocracia que acompanhou todo seu processo de transformação em mulher. Perdeu a conta das vezes que foi ao Fórum de Alagoinha tentando resolver a questão. Juliana procurou um advogado particular. Ele solicitou o laudo do psiquiatra e uma xerox do prontuário para apresentar à Justiça. "“Falei com Inalda (Lafayette, psicóloga que acompanha as transexuais no HC) e ela conseguiu o laudo, mas não o prontuário. Disseram que só passariam se a Justiça pedisse".”

A falta de cuidado do hospital em relação às pacientes transexuais alertou entidades como a Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans) e o Núcleo de Pesquisa em Gênero e Masculinidades da Universidade Federal de Pernambuco (Gema/UFPE), ambas incluídas no Fórum LGBT de Pernambuco. Este vem colhendo informações para entrar com um pedido de audiência pública no Ministério Público. "“Temos recebido algumas denúncias de procedimentos irregulares na readequação sexual realizada pelo HC"”, diz Tiago Corrêa, do Gema.

Cirurgia fora da lista oficial do SUS

Realizadas há 11 anos, as cirurgias de redesignação sexual do Hospital das Clínicas (HC) não fazem parte, oficialmente, da rede do Sistema Único de Saúde (SUS). No local, o processo de transexualização é feito com a verba que o sistema destina para procedimentos de alta complexidade (o tratamento, que dura mais de dois anos, custa cerca de R$ 1,3 milhão por paciente). No Brasil, apenas quatro hospitais públicos atendem transexuais masculinos para femininos através do SUS: Hospital das Clínicas de Porto Alegre, Hospital Universitário Pedro Ernesto (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), Fundação Faculdade de Medicina/Instituto de Psiquiatria (São Paulo) e Hospital das Clínicas de Goiás.

O Hospital das Clínicas pernambucano não foi habilitado pelo Ministério da Saúde para as cirurgias porque não atende aos pré-requisitos exigidos pelo SUS. O texto voltado para o tratamento de transexuais é claro: o acompanhamento das pacientes não pode se restringir ao diagnóstico e à intervenção cirúrgica, tem que dar conta da saúde integral das transexuais, com ênfase na reinserção social. Dentro desse processo, está incluída a terapia hormonal, havendo necessidade de assistência endocrinológica. "“Os exames devem ser realizados com intervalo máximo de um ano, a fim de reduzir danos por efeitos colaterais do uso da medicação, e para viabilizar diagnósticos precoces em relação a câncer e baixa densiometria ósseos”", diz o texto do SUS, que recomenda acompanhamento pós-cirúrgico de pelo menos dois anos. Psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras e cirurgião são alguns dos profissionais que integram a equipe multidisciplinar.

Cotado para assumir a chefia das cirurgias de redesignação sexual do HC, o urologista Rogerson Tenório de Andrade integra, desde 2005, a equipe de Sabino Pinho. Ele espera que a direção do HC finalize sua transferência do Hospital Otávio de Freitas, que é estadual, para o HC gerido pelo governo federal. Apesar de ainda não estar no cargo, o médico encaminhou à direção do hospital projeto de criação de um Ambulatório de Sexualidade, no qual as transexuais também seriam atendidas. Ciente das dificuldades das pacientes que procuram o serviço, ele solicita a criação de um núcleo com fonoaudiólogos, endocrinologista, psiquiatra. O professor adjunto de ginecologia da UFPE José Carlos de Lima substituirá, na especialidade médica, o cirurgião Sabino Pinho. "“O Conselho Federal de Medicina (CFM) exige vários especialistas para atender estes pacientes".” Uma das transexuais que aguarda há dois anos a cirurgia e preferiu não se identificar disse que, em sua última visita ao hospital (dia 17) foi informada de que também não havia psiquiatra para atender novas pacientes. Há cerca de um ano, o serviço não conta com atendimento psiquiátrico. Os médicos Roberto Faustino e João Ricardo não foram substituídos.

Urologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe/RJ), um dos mais completos do serviço público nas cirurgias em transexuais, Eloísio Alexsandro diz que atendimento com intenção de cirurgia de transgenitalização, privado ou público, deve seguir recomendações da resolução 1.955/2010 do CFM. A prática no SUS segue a portaria 1.707/2008 do Ministério da Saúde e está fundamentada na resolução do CFM. "“Esta portaria determina que a equipe multidisciplinar tenha no mínimo um cirurgião reconstrutor genital, um médico prescritor, psicólogo, psiquiatra e assistente social".” A equipe que realiza cirurgias de transexualização no HC, até o momento da aposentadoria de Sabino Pinho, era formada por urologista, ginecologista e dois residentes, de acordo com Rogerson Tenório de Andrade. A psicóloga Inalda Lafayette integra a equipe.

Outra diferença entre o Hupe e o HC está na orientação em relação aos novos documentos. No centro de referência, assim que as transexuais recebem os laudos de psicólogos e psiquiatras atestando sua condição transexual, são encaminhadas à defensoria pública do Rio de Janeiro para alterar pré-nome e gênero. Não precisam esperar os dois anos de tratamento psicológico nem a cirurgia para iniciar a mudança de nome.

Especial mostra a dificuldade

A falta de acompanhamento mais eficiente e mesmo humano entre as pacientes que tentam ou já se submeteram a cirurgia de redesignação no HC foi um dos fios condutores da reportagem "O Nascimento de Joicy", publicada pelo Jornal do Commercio em abril de 2011. A série, que durou três dias, foi baseada na transexual Joicy Melo, 51 anos. Em cinco meses, foi possível acompanhá-la a várias visitas ao serviço de ginecologia do hospital. Detalhes em http://www2.uol.com.br/JC/especial/joicy


Disponível em http://www.ufpe.br/agencia/clipping/index.php?option=com_content&view=article&id=4655%3Ao-que-nao-deu-certo-para-elas&catid=34&Itemid=122. Acesso em 09 fev2014.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

UFMG discute nesta semana ampliação da cirurgia de mudança de sexo no Brasil

Letícia Orlandi
07/01/2014

Antes restrito aos homens que querem mudar de gênero, o procedimento da transgenitalização para mulheres, mais complexo e de caráter experimental, também pode ser realizado a partir dos 18 anos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Uma nova portaria, publicada no Diário Oficial da União em 21 de novembro, acata a decisão judicial que, em setembro, determinou que o Ministério da Saúde tomasse as medidas necessárias para facilitar o acesso a cirurgias de transgenitalização e adequação sexual.

Os hospitais tiveram 30 dias para se adequar às novas regras, incluindo a criação dos Serviços de Atenção Especializada com médicos das áreas de endocrinologia, ginecologistas, urologistas, obstetras, cirurgiões plásticos, psicólogos e psiquiatras, além de enfermeiros e assistentes sociais. Com a portaria, transexuais e travestis também terão acesso gratuito à prótese de silicone para mama e à terapia hormonal.

Em 2012, o Ministério da Saúde incluiu pela primeira vez o público travesti em sua campanha de incentivo ao uso da camisinha no carnaval. Com a nova portaria, que inclui acesso gratuito à prótese de silicone para mama e à terapia hormonal para transexuais e travestis, especialistas acreditam que o preconceito também poderá diminuir

De acordo com a psicóloga Anne Rafaele Telmira, pesquisadora do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da UFMG, essa mudança permite uma nova abertura aos transexuais na saúde pública. “Ela vai redefinir e ampliar o processo de transexualização das transexuais femininas e dos transhomens, que são um novo fenômeno, assim como as travestis, que não eram contempladas com o serviço do SUS”, opina.

O tratamento hormonal também é oferecido somente a partir dos 18 anos, já que os jovens transexuais de menor idade podem ter dificuldades com a adaptação aos medicamentos. “Isso é uma questão muito importante tanto para os transhomens quanto para as transexuais femininas, porque eles começam a se hormonizar muito cedo, enquanto o corpo se desenvolve, e isso pode trazer problemas para a saúde”, alerta a psicóloga.

Além disso, o paciente terá o direito de receber um acompanhamento psicoterápico antes e depois da cirurgia, já que a mudança de identidade pode comprometer sua situação no meio social. Para Anne Rafaele Telmira, apesar da relevância dessa orientação, alguns tópicos ainda precisam ser trabalhados. “Deve haver um acompanhamento no sentido de autoimagem e a questão da inserção na família, mas existem pontos que ainda não foram contemplados, como o acesso ao mercado de trabalho”, observa.

Atualmente, quatro hospitais universitários do país realizam o procedimento cirúrgico pelo SUS: Hospitais das Clínicas de Porto Alegre e Goiânia, Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de São Paulo e Hospital Pedro Ernesto da UERJ. Para mais informações, acesse o site do Conselho Federal de Medicina: www.cfm.org.br.

Nesta semana, o programa de rádio Saúde com Ciência, produzido pela Faculdade de Medicina da UFMG, discute o tema Transexuais e o SUS: nova portaria. O programa vai ar de segunda a sexta-feira, às 5h, 8h e 18h, na rádio UFMG Educativa, 104,5 FM. Ele ainda é veiculado em 37 emissoras de rádio em Minas Gerais e é possível conferir as edições pelo site do Saúde com Ciência. Nesta quarta-feira, o assunto será o processo psiquiátrico envolvido na questão; na quinta será abordada a cirurgia para transexuais masculinos e na sexta o debate será sobre o preconceito.


Disponível em http://sites.uai.com.br/app/noticia/saudeplena/noticias/2014/01/07/noticia_saudeplena,147051/ufmg-discute-nesta-semana-ampliacao-da-cirurgia-de-mudanca-de-sexo-no.shtml. Acesso em 07 jan 2014.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

'A vitória é nossa', diz transexual do RS que provocou mudanças no SUS

Caetanno Freitas
23/11/2013

Ao ficar sabendo sobre as mudanças para o atendimento de transexuais e travestis pelo Sistema Único de Saúde (SUS), publicadas nesta quinta-feira (21) pelo Ministério da Saúde, o serígrafo Renato Fonseca, de 46 anos, viu cada vez mais próximo o fim da longa fila de espera que o atormenta há sete anos. Ele é uma das vozes mais graves entre o grupo com cerca de 30 pessoas que ingressou, no Rio Grande do Sul, com uma representação no Ministério Público Federal (MPF) para que o SUS contemplasse transexuais masculinos em cirurgias de trocas de sexo no Brasil.

Nascido Rosane Oliveira da Fonseca, Renato esperava há muito tempo pela oportunidade de fazer a cirurgia de troca de sexo. Agora, com as novas diretrizes do Ministério da Saúde, válidas para todo país, o procedimento poderá ser marcado a qualquer momento.

“Fizemos tudo juntos, a vitória é nossa. A gente vive tapado com roupas em pleno verão. Queremos a liberdade. Estou desde ontem (quinta) vibrando muito. É uma alegria enorme”, descreve ao G1.

Renato adianta que na próxima segunda-feira (25) o grupo estará no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) para dar início ao processo de marcação das cirurgias.

“Esperamos que o hospital agilize. A gente passa tanto tempo em avaliação com psicólogos e psiquiatras para que eles tenham certeza da nossa certeza que, quando chega uma notícia dessas, a ansiedade é quase incontrolável”, afirma.

O procurador regional da República da 4ª Região, Paulo Leivas, foi um dos que ajuizaram a ação para que o SUS incluísse na sua lista de procedimentos a cirurgia de transgenitalização, ou mudança de sexo, em meados de 2002. Cinco anos depois, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região deu parecer favorável e notificou a União, que recorreu da decisão. As possibilidades de reversão judicial foram esgotadas em 2009. Desde lá, a medida estava sendo descumprida, conforme o procurador.

“A União desistiu dos recursos por causa de uma declaração do então ministro da Saúde (José Gomes Temporão), que declarou ser favorável ao direito dos transexuais. Ou seja, a decisão transitou em julgado. O SUS começou a oferecer o procedimento a transexuais femininos e ignorou os masculinos até hoje”, explica.

O Programa de Transexualidade do HCPA é coordenado pelo cirurgião Walter Koff, também professor de urologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele também exaltou as mudanças anunciadas pelo Ministério da Saúde. “Temos 32 pacientes na fila esperando essa portaria para poder retirar mamas, ovários e útero. Isso vai ser muito importante.”

O HCPA é um dos quatro centros brasileiros capacitados para realizar esse tipo de tratamento. A instituição já fez 168 cirurgias de redesignação do sexo masculino para feminino.

Novas diretrizes do Ministério da Saúde

A Portaria 2.803 de 19 de novembro de 2013, publicada nesta quinta-feira (21) no Diário Oficial da União, estabelece que os transexuais masculinos – pessoas que são fisicamente do sexo feminino, mas se identificam como homens – tenham as cirurgias de retirada das mamas, do útero e dos ovários cobertas pelo sistema público. Eles também passam a ter direito à terapia hormonal para adequação à aparência masculina. Esse grupo não estava incluído na portaria que regia o processo de mudança de sexo pelo SUS até então.

Já as transexuais femininas – pessoas que nascem com corpo masculino, mas se identificam como mulheres – também terão um tratamento adicional coberto pelo SUS: a cirurgia de implante de silicone nas mamas. Desde 2008, elas também têm direito a terapia hormonal, cirurgia de redesignação sexual – com amputação do pênis e construção de neovagina – e cirurgia para redução do pomo de adão e adequação das cordas vocais para feminilização da voz.

A partir de agora, também terão direito a atendimento especializado pelo SUS os travestis, grupo que não tem necessariamente interesse em realizar a cirurgia de transgenitalização. A portaria define que o tratamento não será focado apenas nas cirurgias, mas em um atendimento global com equipes multidisciplinares.

Polêmica da idade mínima

As novas regras estabelecem a idade mínima de 18 anos para início da terapia com hormônios e de 21 anos para a realização dos procedimentos cirúrgicos.

Essas são as mesmas idades estabelecidas pela Portaria 457, de 19 de agosto de 2008, regra que regia o processo de mudança de sexo até então.

Em 31 de julho deste ano, o Ministério da Saúde chegou a publicar uma portaria para definir o processo transexualizador pelo SUS – suspensa no mesmo dia da publicação – que estabelecia a redução da idade mínima para hormonioterapia para 16 anos e dos procedimentos cirúrgicos para 18 anos, o que foi revisto nas novas regras.

Segundo o Ministério da Saúde, essa revisão foi decidida para adequar as normas à resolução 1955, de setembro de 2010, do CFM.

Para Koff, o ideal para o paciente é passar pelo tratamento o quanto antes. “Vamos reivindicar que se abaixe a idade mínima para a cirurgia e para o tratamento com hormônios. Quanto antes, melhor. Como esse processo começa na infância, quando eles têm 16 anos, já estão no fim da puberdade e têm condições de tomar a decisão”. Segundo ele, o tratamento precoce pode evitar sofrimentos no âmbito social e afetivo.


Disponível em http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/11/vitoria-e-nossa-diz-transexual-do-rs-que-provocou-mudancas-no-sus.html. Acesso em 23 nov 2013

terça-feira, 10 de setembro de 2013

TRF-4 manda SUS fazer cirurgia de mudança de sexo

Consultor Jurídico
7 de setembro de 2013

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou sentença que determina à União que providencie, no prazo de 90 dias, a cirurgia de mudança de sexo (transgenitalização) de uma moradora de Massaranduba (SC). O procedimento será feito por meio do Sistema Único de Saúde.

A costureira, que adotou o nome Dirce, foi batizada como Dirceu. Ela conta que desde os 4 anos se sente como menina. Explica que seguir com a identidade masculina faz com que se sinta humilhada no seu dia a dia.

Desde 2009, a autora busca na Justiça a realização da cirurgia gratuita, tendo obtido sentença procedente na Justiça Federal de Jaraguá do Sul (SC). A decisão levou a União a recorrer no tribunal, alegando que existe uma fila de espera para o procedimento e que estaria havendo tratamento privilegiado à autora.

O relator do processo na corte, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, esclareceu em seu voto que a perícia médica comprova a necessidade da cirurgia. “O médico especialista confirmou o diagnóstico da autora de transexualismo e afirmou que não há outro tratamento alternativo.”

Silva disse que Dirce preenche todas as exigências previstas na Portaria SAS 457/2008, do Ministério da Saúde, que trata do tema. Ela é maior de idade, já fez acompanhamento psiquiátrico por dois anos, tem laudo psicológico favorável e diagnóstico de transexualismo. Para o magistrado, cabe à Justiça garantir o direito fundamental à saúde, previsto na Constituição.

Quanto à alegação da União sobre a decisão ferir o princípio da igualdade, o desembargador ressalvou que a existência de fila composta por outros pacientes para a mesma cirurgia não foi comprovada nos autos. Ele também lembra que o caso da autora é diferente dos demais, visto que, por falhas burocráticas do estado de Santa Catarina e do município onde mora, ela não conseguiu iniciar o tratamento de mudança de sexo em 2009 pelas vias normais, conforme determinado judicialmente por diversas vezes.

A cirurgia deverá ser feita no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, após encaminhamento do estado de Santa Catarina e do município da autora. O não-cumprimento da decisão acarretará multa diária de R$ 500 a ser paga solidariamente pela União, estado de SC e município de Massaranduba.

Pioneirismo

O caso de Massaranduba não foi o único do TRF-4. Em agosto de 2007, uma decisão tomada pela 3ª Turma é que acabou levando o governo federal a incluir a cirurgia de mudança de sexo na lista dos procedimentos pagos pelo SUS.

O relator do processo, juiz federal Roger Raupp Rios, na época convocado para atuar no tribunal, afirmou em seu voto: “a transexualidade deve ser reconhecida como um distúrbio de identidade sexual no qual o indívíduo necessita fazer a alteração da designação sexual, sob pena de graves consequências para sua vida, dentre as quais se destacam o intenso sofrimento, a possibilidade de automutilação e de suicídio”.

Transexualismo

O transexualismo é um transtorno de identidade sexual, definido na Classificação Internacional de Doenças (CID) como um desejo de viver e ser aceito como um membro do sexo oposto, usualmente acompanhado por uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu próprio sexo anatômico. Esse transtorno geralmente leva o transexual a um desejo de submeter-se a tratamento hormonal e cirurgia para tornar seu corpo tão congruente quanto possível com o sexo preferido.

Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-set-07/trf-prazo-90-dias-sus-faca-cirurgia-mudanca-sexo. Acesso em 10 set 2013.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Transexual poderá retirar útero e mama pelo SUS em SP

Solange Spigliatti
10/01/2011

A Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo vai oferecer gratuitamente, a partir do fim de janeiro, cirurgias para remoção de útero para mulheres que se sentem homens (transexuais). Elas serão atendidas pelo Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, na capital paulista.

Os pacientes triados no CRT serão encaminhados para o hospital estadual Pérola Byington, para avaliação e realização de histerectomia (retirada do útero). A secretaria também deverá encaminhar os transexuais para cirurgia de retirada de mama. O hospital de referência para esse procedimento, na capital, será definido nos próximos meses.

O Pérola Byington terá capacidade para realizar até 100 cirurgias de retirada de útero, com atendimento personalizado, quartos individuais e equipe treinada para lidar com as demandas específicas desta população. Já o tratamento de neofaloplastia (construção do pênis) ainda não foi liberado e permanece em caráter experimental no Estado.

Disponível em http://saude.ig.com.br/transexual+podera+retirar+utero+e+mama+pelo+sus+em+sp/n1237936490669.html. Acesso em 08 set 2013.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Deputados querem barrar mudança de sexo pelo SUS

Revista Forum
02/02/2012

Se depender de membros do Legislativo, a iniciativa do Executivo sobre a cirurgia de mudança de sexo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) não acontecerá. Miguel Martini (PHS-MG) protocolou na Mesa Diretora da Casa um projeto de decreto legislativo que interfere na identidade sexual de milhares de pessoas: a realização do chamado “processo transexualizador” – ou cirurgia de mudança de sexo – por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).

O deputado quer suspender a Portaria 1.707, publicada em agosto deste ano pelo Ministério da Saúde, que prevê a inclusão desse tipo de cirurgia entre os procedimentos custeados pelo SUS. Caso seja aprovado pela Câmara e pelo Senado, o decreto pode frustrar a expectativa das 500 pessoas que, segundo o Coletivo Nacional de Transexuais, aguardam na fila da rede pública para trocar de sexo.

“Ora, se o SUS não tem condições de atender as mulheres durante o pré-natal, se não tem condições de fazer cirurgias, se não tem condições de atender pacientes oncológicos, como poderá fazer cirurgia para mudança de sexo, em detrimento daqueles que não têm condições de viver nem de sobreviver?”, questionou Martini, integrante da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara.

Um dos principais representantes no Congresso do movimento Renovação Carismática, da Igreja Católica, Martini já articula o apoio da Frente Parlamentar Evangélica para derrubar a norma, o que deve deflagrar mais um embate entre religiosos e homossexuais no Parlamento, a exemplo do que já ocorre na discussão do projeto de lei que torna crime a discriminação por orientação sexual.

O presidente da Frente Parlamentar Evangélica da Câmara, João Campos (PSDB-GO), condena veementemente a possibilidade de mudança de sexo por meio de procedimento bancado pelos SUS. “Isso é um absurdo. O SUS não está tendo dinheiro para financiar políticas públicas curativas, ou de combate a epidemias, vai ter dinheiro para atender a questões pontuais, individuais, de alguns cidadãos brasileiros?”, protestou Campos, para quem a coletividade será desrespeitada se esse tipo de cirurgia for realizado pelo SUS.

“Quantas pessoas estão esperando na fila para fazer cirurgia de câncer de mama, por exemplo, e não conseguem? Isso é dissenso, uma falta de juízo, uma excrescência”, completou o deputado, acrescentando que as “conveniências” de determinados cidadãos não pode ser bancada pelo Estado sem que esteja caracterizada a necessidade. “Quem quiser [fazer a cirurgia de troca de sexo] que pague de seu próprio bolso. Além disso, homossexualidade não é doença.”

João Campos afirma que, se todas as reivindicações dos grupos homossexuais e congêneres fossem atendidas, o país viverá “uma ditadura dos homossexuais”. “Se todas as demandas dos gays do país têm de ser consideradas legais, tudo o que for contrário a elas será visto como irregularidade”, declarou o tucano.

Já o presidente do grupo Estruturação (grupo LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros – de Brasília), Milton Santos, avalia que a objeção dos deputados revela mais uma preocupação religiosa e falta de conhecimento do que apreço pelo interesse público.

“Acho que alguns parlamentares se baseiam em fundamentos bíblicos, religiosos, para questionar direitos conquistados pelo grupo LGBT”, criticou Milton, dizendo que já enfrentou situações semelhantes envolvendo congressistas. “Em geral, o Congresso tem um olhar para a população não se baseando no que a Constituição rege. Alguns parlamentares não se preocupam em se informar a respeito de certos assuntos.”

Religião

Miguel Martini contesta que sua iniciativa seja baseada em questões religiosas. Segundo o deputado, motivos não faltam para barrar a realização de cirurgias de mudança de sexo pelo SUS.

“É um motivo lógico, de um claro bom senso, e diria que quase ético. Na medida em que o governo está buscando recursos para a saúde, com vários problemas no setor, uma coisa dessas é uma ofensa à população”, disse o líder do PHS, apelando à realidade social para reforçar sua argumentação. “Eu presido uma entidade oncológica. As pessoas com câncer não conseguem fazer as cirurgias previstas no SUS”, acrescentou.

Outra razão apontada por Martini é o custo da cirurgia de mudança de sexo (cerca de R$ 1,5 mil), além da suposta falta de premência do problema. “É uma coisa caríssima, um processo muito complexo. E quem é homossexual não tem risco de morte porque é homossexual”, alegou o deputado, dizendo ser até compreensível que países desenvolvidos, com eficiente estrutura de saúde pública, ofereçam o serviço aos cidadãos.

“Mas é inaceitável em um país com os problemas do Brasil. Isso [a operação] é um luxo, uma agressão à sociedade. Isso é um acinte contra o povo brasileiro, contra o cidadão que não tem dinheiro, não tem atendimento, está sofrendo dor, muitos estão morrendo nas filas do SUS”, arrematou o deputado, acrescentando que o procedimento contraria o artigo 129 do Código Penal Brasileiro – o Decreto Lei n.º 2.848, que define pena de detenção de três meses a um ano para quem “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.

Além disso, argumenta Martini, o segundo parágrafo do artigo 129 também estabelece que a pena é de “reclusão de dois a oito anos” se a lesão corporal é resultado, entre outras hipóteses, de “perda ou inutilização de membro, sentido ou função”.

Segundo a assessoria do ministério da Saúde, o argumento de Miguel Martini é questionável. “Não há motivo para que o Estado não assista pessoas que sofrem física e emocionalmente, quando o assunto é a necessidade em saúde”, argumenta o ministério. Além disso, segundo a assessoria, o próprio Conselho Federal de Medicina reconhece que a cirurgia de mudança de sexo não é mais vista como procedimento experimental, e sim como prática clínica.


Disponível em http://revistaforum.com.br/blog/2012/02/deputados_querem_barrar_mudanca_de_sexo_pelo_sus-2/. Acesso em 25 ago 2013.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Transexualidade

Catarina Rabello
25th March 2008

A transexualidade se instala devido à impossibilidade da pessoa aceitar as suas características sexuais de nascimento. Há alguns anos atrás dizia-se transexualismo, porém, o sufixo "ismo" relacionando o termo a uma doença tem sido evitado. Em alguns países, como na França, a transexualidade tem sido considerada uma variação da identidade de gênero, não estando mais necessariamente associada à idéia de patologia mental. Na classificação médica a transexualidade é reconhecida como disforia de gênero, a partir da qual o paciente identifica-se com o gênero oposto e deseja irremediavelmente habitar um corpo do sexo oposto ao seu. Neste caso, o paciente requer atendimento por equipe especializada multidisciplinar para submeter-se a protocolos de avaliação e candidatar-se a tratamentos para a mudança de sexo. Caso a sua avaliação não indique impedimentos de ordem clínica ou psíquica, pode iniciar a sua participação em uma extensa e prolongada programação de intervenções médico-cirúrgicas, terapia hormonal e mudança de sexo através da cirurgia genital e outras que complementam os caracteres sexuais secundários, além de poder tratar das questões psicológicas através da psicoterapia. Este tratamento tem sido oferecido pelo SUS em grandes centros médico-acadêmicos, como no Hospital das Clínicas em São Paulo.

A transexualidade é diagnosticada como disforia de gênero quando o conflito de identidade de gênero surge desde a infância e permanece como desejo irreconciliável de pertencer ao gênero oposto até a fase adulta, quando o paciente pode optar finalmente por um tratamento para a adequação do sexo. O transexual masculino assume uma identidade feminina em todos os seus comportamentos, reações e desejos, não suportando em seu corpo e em sua maneira de ser quaisquer características que o identifiquem como homem. Pode mudar o registro do nome próprio, o que já está previsto no código civil e pode alterar inclusive o padrão vocal submetendo-se a intervenções cirúrgicas e fonoaudiológicas para mudar a voz. O transexual feminino vive as mesmas questões, ou seja, quer livrar-se das características sexuais femininas para viver livremente a sua identidade masculina, com todos os padrões físicos e de comportamento que lhe são atribuídos no contexto sócio-cultural.

As causas da transexualidade ainda provocam polêmica entre os cientistas de várias áreas, mas há estudos que demonstram a influência fatores genéticos e hormonais atuando desde a formação do sistema nervoso central na fase embrionária. Estudos psicanalíticos associam a transexualidade aos conflitos que se estruturam nas fases pré-edípica e edípica do desenvolvimento psíquico, período que abrange desde o nascimento até por volta dos cinco anos de idade e desempenha um papel essencial  na construção da identidade, no estabelecimento da autoimagem e na estruturação das idealizações inconscientes.

As dificuldades decorrentes da transexualidade no adolescente podem gerar problemas de adaptação e integração psicossocial. Se o adolescente  não sentir-se aceito no ambiente social e familiar ou não sentir-se à vontade para compartilhar os seus conflitos com uma pessoa que possa ouvi-lo e orientá-lo adequadamente, pode desenvolver inibições na sua conduta e na capacidade de expressar-se.  Neste caso, a falta de sintonia corpo/mente pode levá-lo a reprimir-se constantemente numa tentativa de esconder os seus problemas, o que pode levar a um isolamento crescente, timidez e evitação da convivência social e afetiva. O isolamento crescente pode favorecer o desenvolvimento de sintomas diversos e o surgimento de defesas patológicas que podem prejudicar o seu contato com o mundo e interferir no seu desenvolvimento global.

A avaliação psíquica cuidadosa e a psicoterapia psicanalítica podem ajudar o paciente a lidar melhor com os seus conflitos de identidade, discriminar as fontes de suas dificuldades, analisar os seus desejos, medos e defesas e colaborar para a elaboração de questões reprimidas inconscientes, em busca do auto-conhecimento, do desenvolvimento pleno de seus recursos afetivo-emocionais e da prevenção de danos ligados aos desafios psicossociais que possa  enfrentar.

Disponível em http://psicatarina.blogspot.com.br/2008/03/transexualismo-um-distrbio-de.html?m=1. Acesso em 11 ago 2013.

sábado, 27 de julho de 2013

Os dilemas da transexualidade

Jade Curvello
Pedro Pimenta
19 de setembro de 2012

Descrito tradicionalmente pela medicina como patologia psiquiátrica, a transexualidade é considerada uma desordem mental, ou ainda um transtorno da identidade sexual. No entanto, os tempos mudaram, as ideias evoluíram e sua abordagem como transtorno mental está relacionada a normas sociais e culturais. Diante disso, a tendência atual é considerar a transexualidade uma condição de gênero, e não um distúrbio.

Assunto polêmico na área científica, a cirurgia de readequação de sexo é uma alternativa encontrada para necessidades psíquicas e físicas. Entretanto, questões éticas e até religiosas costumam impor limites à realização do procedimento. Seu custo e tempo de espera acabam por desmotivar alguns candidatos à readequação. Regularizada no Brasil em 2002, a transgenitalização não é apenas o procedimento cirúrgico, mas um processo complexo que inclui o tratamento psicológico antes e depois da cirurgia.

Segundo os especialistas da área, a cirurgia acontece em média na razão de nove homens para uma mulher, dado explicado pela maior divulgação de casos de mulheres trans – homens que fazem a operação. O fato ocorre porque há uma “maior viabilidade técnica” na realização da operação neste caso.

O professor da Faculdade de Ciências Médicas da Uerj e médico do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do Estado do Rio de Janeiro, Miguel Chalub, explica que “é necessária uma observação médica durante dois anos antes de se implementar a cirurgia. Não se trata propriamente de tratamento pré-cirúrgico, pois as pessoas não são ‘doentes’. O que se procura é prepará-las para a cirurgia e a nova identidade”.

Nesta linha, também pensa a doutora em Saúde Coletiva pela Uerj, Daniela Murta, cuja tese de doutorado se baseia na despatologização da transexualidade. Segundo ela, o fato da pessoa se identificar como transexual não torna obrigatório o atendimento psicológico, e o auxílio será feito somente para a reflexão daquilo que lhe causa sofrimento.

A pesquisadora explica que essa mudança na forma de abordagem ocasionaria transformações na sociedade e na vida da população transexual. “Essas pessoas não precisariam depender de um diagnóstico para acessar os serviços de saúde e se autodeterminar, também não conviveriam com o estigma de ser portador de um transtorno”, analisa.

Daniela também conta que a transexualidade é vivida de forma singular por cada paciente, e que a desistência é causada por diversos motivos. “As causas podem ser desde a percepção de que um determinado procedimento não é mais um desejo dessas pessoas, e até mesmo uma questão clínica que inviabiliza a realização de uma cirurgia”.

Apesar de estar disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2008, o processo de transgenitalização ainda enfrenta dificuldades de execução, como, por exemplo, estar disponível somente para mulheres trans, e principalmente o que diz respeito à demora em sua realização. Há pessoas que esperam anos na fila de atendimento, o que ocasiona, por vezes, uma migração para o serviço privado ou até mesmo no exterior.

A doutora em Saúde Coletiva atenta para outra questão e encerra: “muitas vezes as pessoas acabam não realizando o procedimento por razões que estão relacionadas a uma incerteza diagnóstica dos profissionais, que acabam por vetar a realização da cirurgia”.


Disponível em http://www.folhadointerior.com.br/v2/page/noticiasdtl.asp?t=OS+DILEMAS+DA+TRANSEXUALIDADE&id=50501#.UF2pMsbBe-Q.facebook. Acesso em 25 jul 2013.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Empresa dá crachá em branco para transexual

Maíra Amorim
Publicado:17/12/12

Na segunda-feira passada, a física Roberta Nunes deu um passo importante no que imagina que poderá facilitar sua inserção no mercado de trabalho: fez a cirurgia de mudança de sexo. Com especialização em engenharia, Roberta já trabalhou em duas grandes empresas de telecomunicações. Mas não obteve o direito de usar seu nome social, o feminino, no trabalho, o que levanta uma questão: a iniciativa privada lida bem com a questão da diversidade sexual no trabalho?

A última empresa que a contratou, a Claro, inicialmente aceitou que em seu crachá constasse Roberta Nunes e não seu nome de nascença. Mas o RH acabou voltando atrás e pediu que o nome feminino ficasse abreviado, com o masculino aparecendo abaixo. Como a transexual não aceitou, a solução foi dar a ela um crachá em branco, usado por consultores e visitantes.

Empresa diz que respeita diversidade

— Fiquei três anos usando o crachá em branco. Inicialmente eu tentei brigar, mas depois desisti, pois era o meu ganha-pão e eu precisava do dinheiro. Preferi evitar retaliações — contou Roberta em entrevista ao Boa Chance na sexta-feira anterior à cirurgia.

Roberta queria juntar dinheiro para pagar a operação, que custou cerca de R$ 30 mil. Depois de três anos na fila de espera do SUS, ela desistiu de aguardar, já que a previsão era de que sua vez ainda poderia demorar seis anos.
— Devo prezar pela minha qualidade de vida. Fazer a cirurgia aos 36 anos seria esperar demais — diz ela, que tem 30 anos e, desde os 20 anos, quando iniciou sua transição de gênero, planejava a mudança de sexo.

Consultada sobre o caso, a Claro divulgou nota, por meio da assessoria, em que diz: “A Claro informa que respeita a orientação de gênero de todos os seus colaboradores”. Para Roberta, faltou habilidade para tratar o tema. Problema que, segundo ela, acontece na iniciativa privada de modo geral.
— Faltam políticas para garantir a inclusão dos transexuais. No serviço público, existem mais iniciativas para proteger os direitos — diz Roberta.

É a portaria 233, de 2010, que assegura ao servidor público, na esfera da administração federal, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais. Na inciativa privada, não há nada igual.
— Então, a transexual fica presa à boa vontade e à sensibilidade do patrão ou do RH — diz Bárbara Aires, diretora da Astra Rio (Associação das Travestis e Transexuais do Rio de Janeiro).

Bárbara, que também é produtora da TV Globo, usa seu nome social no crachá. Mas sabe que é uma exceção.
— Governo e ONGs devem se juntar para fazer ações de sensibilização junto às empresas. É preciso desfazer a imagem de que lugar de transexual é só nas esquinas. Elas também podem ocupar lugar de destaque nas empresas.

Após cirurgia, volta a todo o vapor

Para Bárbara, assim como ela, Roberta ultrapassou uma barreira ao ser contratada. O nome no crachá poderia ser um segundo passo, mas Roberta não pode alcançá-lo porque foi demitida em setembro. A dispensa ocorreu quando ela mudou de equipe e deixou de dar plantões em home office. Roberta admite que o novo gerente não simpatizava com ela — tanto que não lhe passava tarefas — mas não sabe exatamente o que motivou a demissão:
— Disseram que, por quatro meses, tentaram readequar minhas funções, mas que não havia vaga no meu perfil.

No início de 2013, depois do repouso exigido pela cirurgia, Roberta dará entrada na mudança de nome e de gênero. Espera, assim, ter mais facilidade no mercado de trabalho:
— Pretendo voltar a todo vapor e buscar um cargo de nível gerencial.

Disponível em http://oglobo.globo.com/emprego/empresa-da-cracha-em-branco-para-transexual-7070699. Acesso em 19 dez 2012.