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domingo, 30 de setembro de 2012

Batalha contra o espelho

Roberta de Medeiros

As cirurgias plásticas viraram uma obsessão do cantor americano Michael Jackson, cujas intervenções começaram em 1984 e não pararam mais. Em uma entrevista concedida em 1993 à apresentadora americana Oprah Winfrey, o astro pop se descreveu como perfeccionista e "nunca satisfeito com nada", incluindo a sua aparência. Jackson não estava sozinho. Afinal, quem nunca se sentiu insatisfeito diante do espelho ao menos por um dia? Mas há quem confira dimensões extremas à conhecida fábula do patinho feio e transforme o próprio corpo num verdadeiro campo de batalha. São pessoas que sofrem de uma desordem psicológica chamada dismorfofobia ou transtorno dismórfico, que as faz alimentarem ideias irreais sobre a própria imagem corporal. É o caso da engenheira química C., de 39 anos, que teve sérios problemas devido à excessiva preocupação com a sua aparência física. Dizia que seu rosto se tornava flácido e que suas bochechas estavam prestes a desabar. Começou, então, a se sentir insegura a ponto de não sair na rua sozinha. Deixou de dirigir, ficando a maior parte do tempo em casa. Passou a ter espasmos no rosto e deixou até mesmo de falar. Exames clínicos, porém, não mostraram qualquer alteração na pele ou no tônus muscular do rosto de C., mulher jovem e de boa aparência.

O distúrbio foi relatado pela primeira vez pelo psiquiatra italiano Enrico Morselli, em 1886. À época, foi descrito como um sentimento de feiura ou defeito no qual a pessoa sente que é observada por outras, embora a sua aparência esteja dentro dos limites da normalidade. Por isso, o distúrbio recebeu o nome de "hipocondria da beleza". Somente nos Estados Unidos, o distúrbio atingiria cerca de 5 milhões de pessoas ou 2% da população. "Trata-se de uma certeza, muitas vezes delirante, de que uma parte do corpo não está bem. Enquanto a pessoa que alucina inventa o mundo, o delirante vê o mundo com outros olhos", compara o neurologista Edson Amâncio, autor do livro O homem que fazia chover.

"Em geral, as queixas envolvem falhas imaginárias ou leves no rosto ou na cabeça, como acnes, cicatrizes, rugas ou inchaços", diz. Dificuldades sociais e conjugais ocorrem com as pessoas que têm o transtorno, dependendo da gravidade, a ponto de terem sua vida completamente desestruturada. "O prejuízo pode ser resultado do tempo que se gasta com a atenção ao corpo, em detrimento de outros aspectos da vida, quase sempre negligenciados", diz Amâncio. "Quem sofre da doença se olha com frequência no espelho ou em outras superfícies refletoras para checar a aparência, o que pode consumir muitas horas por dia numa atitude compulsiva bastante difícil de resistir", diz o neurologista. Outros, ao contrário, esquivam-se de espelhos em uma tentativa não bem-sucedida de diminuir o mal-estar e a preocupação.

Camuflagem

As queixas de quem tem preocupação exagerada com o corpo, entretanto, são vagas. Muitas pessoas evitam descrever seus defeitos em detalhes, podendo se referir à sua "feiura" em geral. Essas pessoas tentam camuflar seus defeitos imaginários com óculos escuros, bonés, luvas ou roupas. O psiquiatra e psicoterapeuta Geraldo Possendoro, professor da Unifesp, lembra que a crença de que algo está errado com o corpo pode extrapolar todos os limites. "A pessoa pode se queixar de que os poros do nariz estão muito abertos, por exemplo. Muitas vezes não há defeito algum ou o defeito é supervalorizado pelo paciente", diz Possendoro, para quem o problema muitas vezes está associado à baixa autoestima.

Os indivíduos com esse transtorno frequentemente pensam que os outros estão observando o seu "defeito", o que pode levar a uma esquiva das situações sociais que, levada ao extremo, chega até ao isolamento social. "Esses pacientes buscam e recebem tratamentos para a correção de seus defeitos imaginários, em uma peregrinação por diversos profissionais, principalmente cirurgiões plásticos, sem, no entanto, corrigir os supostos defeitos", diz Possendoro.

Dificuldades sociais e conjugais ocorrem com as pessoas que têm o transtorno, dependendo da gravidade

Alguns especialistas chegam a questionar se a anorexia poderia ser um caso de dismorfofobia, já que os indivíduos supervalorizam o tamanho do seu corpo e se angustiam com seu defeito imaginado. Já Possendoro defende o diagnóstico diferencial entre anorexia do transtorno dismórfico.

O tratamento inclui antidepressivos e psicoterapia. A literatura, no entanto, aponta a possibilidade de que o transtorno seja, na verdade, um delírio somático, uma crença irreal (e incorrigível pela argumentação) sobre o próprio corpo. "Nesse caso, o tratamento incluiria a administração de antipsicóticos associados a antidepressivos", diz Possendoro.
"Quanto à história familiar, não existem dados que estabeleçam um padrão claro do transtorno dismórfico corporal com outros transtornos psiquiátricos", diz Amâncio.

Dismorfofobia e outros transtornos obsessivos
Pacientes com transtornos obsessivos têm maior atividade em uma determinada região do cérebro, o córtex pré-frontal, o que os leva a ter procedimentos de controle exagerados, como retornar à própria casa várias vezes para checar se o fogão ou o ferro de passar foram desligados. Ou seja, estão sempre em estado de alerta. Dos transtornos psiquiátricos, o que mais se assemelha em critérios diagnósticos com a fobia social é o transtorno dismórfico corporal. Em ambos, os pacientes apresentam ansiedade social elevada, esquiva de situações sociais e medo de crítica e comentários adversos sobre sua aparência. Isolamento social e falta de habilidade social geralmente estão presentes nos dois casos.

Herodotus
Transtorno dismórfico corporal é um novo nome para um velho transtorno. Ele tem sido descrito nas literaturas europeia e japonesa por uma variedade de nomes. A primeira referência aparece na história de Herodotus, no mito da garota feia de Esparta, que era levada por sua enfermeira, todos os dias, ao templo, para se livrar da sua falta de beleza e atrativos.

Neurose compulsiva
Emil Kraepelin (1856-1926), grande psiquiatra alemão, considerado o criador da moderna Psiquiatria devido às suas enormes contribuições científicas contidas ao longo das oito edições de seu Tratado de Psiquiatria, ocupou-se do tema dismorfofobia, introduzindo-o na oitava edição do Tratado sob a rubrica de Neurose Compulsiva. Considerou a dismorfofobia como uma das formas clínicas da série de medos obsessivos que surgem do contato com outras pessoas. É desta forma que a dismorfofobia assemelha-se à timidez, ao medo de provas e à antropofobia, entre outros.

Homem dos lobos
Entre os casos clínicos publicados por Freud, o do paciente Serguéi Constantinovitch Pankejeff ficou conhecido como o "Homem dos lobos". Ele iniciou sua análise com Freud em 1910 e apresentava, entre outros sintomas, uma preocupação excessiva com a aparência de seu nariz. Antes de iniciar a análise com Freud, já havia feito vários tratamentos e se consultado também com os médicos Theodor Ziehen, de Berlim, e Emil Kraepelin, de Munique. Esse histórico, com certeza, aumentou o interesse de Freud pelo caso, pois considerava esses dois importantes médicos como "rivais" de profissão.

Tipos de delírio 
Alguns autores defendem que a dismorfofobia pode se apresentar como um tipo de delírio que se caracteriza pela presença de uma imagem distorcida em relação ao corpo. Conheça os tipos de delírio:

Delírio erotomaníaco 
A pessoa acredita ser amada por uma pessoa que ocupa posição superior, como autoridades e artistas.

Delírio de grandeza 
A pessoa está convencida de que tem ligação com personalidades importantes ou que tem um talento especial ou possui grande fortuna. 

Delírio de ciúme 
Sem motivo justo, a pessoa acredita que está sendo traída. Ela toma medidas extremas, às vezes tiranas, na tentativa de controlar o parceiro. 

Delírio persecutório
É o tipo mais comum entre os paranoicos ou delirantes crônicos. O delírio costuma envolver a crença de estar sendo vítima de conspiração, traição, espionagem, perseguição.

Delírio somático
São formas de delírio em relação ao corpo. Os mais comuns dizem respeito à convicção de que a pessoa tem deformações de certas partes do corpo.

Narcisismo

Para a psiquiatra Magda Vaissman, professora da UFRJ, transtornos de personalidade como narcisista, obsessivo- compulsivo e borderline podem predispor à dismorfofobia. "É muito frequente que o transtorno esteja associado ao narcisismo. Do ponto de vista psicanalítico, é um problema na elaboração do narcisismo primário. No complexo de Édipo, a criança sai do narcisismo para ir ao encontro do outro. Mas isso pode não ser bem elaborado, dando origem à personalidade narcisista", explica.

Em outros casos, a dismorfofobia está relacionada ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), no qual a pessoa se entrega a uma série de rituais de verifi cação do corpo, marcas e cicatrizes para afastar um pensamento incômodo ou intrusivo. A diferença do paciente com TOC em relação àquele que sofre de dismorfofobia é que, no primeiro caso, ele está convencido de que o pensamento intrusivo que leva à compulsão não é verdadeiro, embora não consiga se libertar, enquanto no segundo caso, a preocupação com o corpo é quase um delírio. "O quadro pode se apresentar como uma compulsão, no qual a pessoa segue uma série de rituais ou pode ocorrer ao nível do pensamento, que são as obsessões", analisa.

Ela lembra que a vigorexia, uma espécie de dependência por exercícios físicos associada ao culto à imagem, pode ser uma variante da dismorfofobia. "A pessoa nunca está satisfeita com o corpo, acha que pode perder massa muscular, mergulha numa rotina extenuante de exercícios e, muitas vezes, recorre aos anabolizantes para manter o tônus muscular", diz Magda.

Critérios Diagnósticos do Transtorno Dismórfico Corporal

A. Preocupação com um imaginado defeito na aparência. Se uma ligeira anomalia física está presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva. 
B. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. 
C. A preocupação não é mais bem explicada por outro transtorno mental (por exemplo, a insatisfação com a forma e o tamanho do corpo na anorexia). 

Referência: Edson Amâncio, O homem que fazia chover Editora Barcarola

Cultura do belo

Uma entrevista feita com 162 homens e 184 mulheres pela divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas, em São Paulo, mostrou que 69% dos entrevistados passaram pelo menos uma hora por dia pensando que não têm uma boa imagem. Mas o que leva cada vez mais pessoas a um descontentamento tão grande com a própria aparência?

Alguns especialistas chegam a questionar se a anorexia poderia ser um caso de dismorfofobia

O transtorno pode ser reflexo de uma sociedade obsessivamente preocupada pela estética corporal, que vende corpos nos meios de comunicação. "A nossa sociedade finge que o transtorno não é um problema. Há um individualismo exacerbado, as pessoas vivem isoladas, as famílias são desestruturadas... A cultura do belo incentiva a competição, o indivíduo vive mergulhado numa sensação de fracasso, ele sente que nunca vai chegar lá", afirma Magda.

"O problema é que a maioria das pessoas com dismorfofobia não procura atendimento psiquiátrico, já que a sociedade incentiva a cultura do belo", analisa Magda. Outro motivo que afasta dismórficos dos consultórios é que muitos preferem se entregar ao bisturi. Pesquisa feita pelo Instituto InterScience revelou que 90% das mulheres e 65% dos homens afirmam sonhar com mudanças no próprio corpo. Do total, 5% já tinham feito alguma plástica e 90% já faziam planos de realizar a segunda. Entre aqueles que nunca fizeram uma cirurgia plástica, 30% declararam que esperavam ter coragem para realizá-la.

Um estudo feito pelo Observatoire Cidil des Habitudes Alimentaires (Ocha) em um universo de mil mulheres revelou que 86% delas se dizem insatisfeitas com suas medidas. Apenas 14% alegaram estar satisfeitas com o próprio corpo. O Brasil é o segundo no ranking dos países que mais realizam cirurgias plásticas, metade delas puramente estéticas - 40% lipoaspiração, 30% mamas, 20% face. A maioria foi realizada em pessoas de 20 a 34 anos. O número de jovens que colocaram próteses para "turbinar" os seios aumentou 300% nos últimos dez anos.

E não adianta o familiar contrariar o paciente que sofre do transtorno. "Quanto mais oposição se faz, mais se cria uma resistência por parte do paciente. O ideal é não incentiválo. O que a família pode fazer é mostrar que há outros prazeres na vida, que não o culto ao corpo, e fazê-lo entender que ele sofre de uma doença", aconselha Magda.

Essas pessoas podem apresentar fortes ideações suicidas. 13% dos pacientes psiquiátricos britânicos apresentam o transtorno. 75% das pessoas com dismorfofobia não se casam ou se divorciam, 70% têm ideações suicidas e 25% realmente se suicidam. 20,7% das pessoas que fazem cirurgias de rinoplastia têm um possível diagnóstico de dismorfofobia. Pesquisa feita pela Universidade de Utrech, na Holanda, mostra que as mulheres que se submetem a operações de implante mamário apresentam risco três vezes maior de cometer suicídio em relação às demais mulheres. 82,6% das pessoas que sofrem o transtorno se sentem insatisfeitas com os resultados das cirurgias. Existe a crença de que a próxima intervenção será a última. E assim, entram num circuito no qual a insatisfação é cada vez maior. Muitos casos vão parar na Justiça.

O problema nos faz questionar sobre a ética no exercício do cirurgião plástico. "O médico deveria estar preparado para identificar a dismorfofobia. O ideal seria uma interação entre o cirurgião e o psiquiatra ou o psicoterapeuta. Muitas vezes o profissional faz a correção daquilo que é um grande incômodo para o paciente, e esse desconforto em relação à aparência se desloca para outra região do corpo", observa Amâncio.

Outros transtornos somatoformes
O transtorno de somatização (historicamente chamado de histeria ou síndrome de Briquet) é um transtorno polissintomático que se inicia antes dos 30 anos, estendese por um período de tempo e é caracterizado por uma combinação de dor, sintomas gastrintestinais, sexuais e pseudoneurológicos.

O transtorno somatoforme indiferenciado que se caracteriza por queixas físicas inexplicáveis, com duração mínima de seis meses, abaixo do limiar para um diagnóstico de transtorno de somatização.

O transtorno conversivo envolve sintomas ou déficits inexplicáveis que afetam a função motora ou sensorial voluntária, sugerindo uma condição neurológica ou outra condição médica geral. Presume-se uma associação de fatores psicológicos com os sintomas e déficits.

O transtorno doloroso caracteriza-se por dor como foco predominante de atenção clínica. Além disso, presumese que fatores psicológicos têm um importante papel em seu início, gravidade, exacerbação ou manutenção. A hipocondria é a preocupação com o medo ou a ideia de ter uma doença grave, com base em uma interpretação errônea de sintomas ou funções corporais.

O transtorno dismórfico corporal é a preocupação com um defeito imaginado ou exagerado na aparência física. O transtorno de somatização sem outra especificação é incluído para a codificação de transtornos com sintomas somatoformes que não satisfazem os critérios para qualquer um dos transtornos somatoformes.

Fonte: Psiqweb /G J Ballone

Disponível em <http://portalcienciaevida.uol.com.br/esps/Edicoes/67/artigo225215-1.asp>. Acesso em 29 set 2012

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A assexualidade e o DSM

Elisabete Regina Baptista de Oliveira
Quinta-feira, 26 de maio de 2011


Hoje falaremos um pouquinho sobre um documento nascido nos Estados Unidos, o qual classifica, segundo critérios nem sempre claros, os chamados transtornos mentais. Trata-se do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - mais conhecido como DSM, na sigla em inglês -, publicado desde 1952 pela Associação Americana de Psiquiatria. Este documento constitui a fonte de referência mais influente sobre o que é considerado “normal” ou “anormal” em saúde mental, não somente nos Estados Unidos, mas também em outros países.

Atualmente em sua 4ª. edição (DSM-IV), o Manual é utilizado para diagnóstico e classificação de transtornos mentais por profissionais da área da saúde mental, convênios médicos, clínicas, hospitais, indústrias farmacêuticas e outras instituições do campo da saúde nos Estados Unidos. A Associação Americana de Psiquiatria tem, portanto, o monopólio do diagnóstico e da classificação dos transtornos mentais, o que impulsiona um mercado formidável de tratamentos e medicamentos para milhões de pessoas, movimentando milhões e milhões de dólares por ano.

Apesar das críticas e questionamentos ao Manual levantados por diversas áreas do conhecimento (afinal, que confiabilidade pode ter um diagnóstico de transtorno mental que segue uma classificação pré-existente, sobretudo se tal diagnóstico leva a tratamentos e medicamentos, cuja necessidade dificilmente pode ser comprovada?), o DSM continua sendo a bíblia da psiquiatria americana.

A cada nova edição do documento, novos transtornos são acrescentados ou retirados, novas classificações são propostas e criadas, caminhando-se cada vez mais para a biologização dos distúrbios. Trata-se de um mecanismo de medicalização dos comportamentos sociais, que é um tema que temos repetido aqui no Blog desde o início. A primeira versão, de 1952, listava um total de 106 transtornos mentais; a versão mais recente, de 1994 traz 357 transtornos.

Para se ter uma idéia da importância política do DSM para a sociedade como um todo, basta lembrar que somente em 1973, quando o documento retirou a homossexualidade de sua lista de transtornos mentais, é que abriu-se as portas para as lutas pelos direitos civis de pessoas homossexuais nos Estados Unidos, e também no resto do mundo. Portanto, essas classificações vão muito além do interesse de médicos e pessoas portadoras de transtorno; elas têm um impacto social que não pode ser desconsiderado.

A esta altura, o leitor já deve estar concluindo que o DSM também medicaliza, patologiza e biologiza diferentes condutas sexuais da população, classificando-as como transtornos que necessitam de tratamento. E é justamente nessa perspectiva que encontramos a assexualidade fazendo parte dessa classificação, ainda que a palavra assexualidade não figure no Manual.

A pesquisadora Jane Russo, em trabalho de 2004, observa que, ao tratar dos transtornos relacionados à sexualidade, o Manual traz uma concepção do que significa “sexualidade normal”. A 4ª. versão do Manual define disfunção sexual como “uma perturbação nos processos que caracterizam o ciclo de resposta sexual ou por dor associada com o intercurso sexual.” O ciclo de resposta sexual compreende as fases de desejo, excitação, orgasmo e resolução. Para cada uma dessas fases, são listados transtornos específicos.

O que nos interessa aqui é o chamado Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo, definido pelo Manual como “deficiência ou ausência de fantasias sexuais e desejo de ter atividade sexual.” Jane Russo destaca que, ao referir-se a “deficiência de fantasias” ou “baixo desejo”, o Manual sugere que existe um nível normal de fantasias e desejos, e que estar abaixo desse nível significa ser portador de um distúrbio. Como a assexualidade é caracterizada pela ausência de desejo e/ou atração sexual, isso a coloca automaticamente na lista dos distúrbios sexuais, segundo o DSM. Ou seja, para o Manual, quem não tem interesse pela atividade sexual é necessariamente portador de um transtorno mental.

Ciente disso, o movimento assexual norte-americano, mais precisamente um grupo de trabalho composto por membros da AVEN (Asexual Visibility and Education Network) tem atuado em conjunto com membros da Associação Americana de Psiquiatria para que essa descrição seja alterada, pois para o movimento, a falta de interesse por sexo não deve ser considerada necessariamente um distúrbio, uma vez que muitas pessoas vivem muito bem sem sexo.

Está prevista uma nova edição do DSM a ser publicada em 2013, e é justamente nesta edição que os assexuais norte-americanos esperam poder incidir. A exemplo dos desdobramentos da retirada da homossexualidade da lista de transtornos mentais em 1973, espera-se que a modificação proposta pelo movimento assexual possa constituir o primeiro passo para o reconhecimento da assexualidade como orientação sexual.

Referência Bibliográfica.
RUSSO, Jane Araújo. Do desvio ao transtorno: a medicalização da sexualidade na nosografia psiquiátrica contemporânea. In: PISCITELLI, A.; GREGORI, M. F.; CARRARA, S. Sexualidades e saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.


Disponível em <http://assexualidades.blogspot.com/2011/05/assexualidade-e-o-dsm.html>. Acesso em 09 ago 2011.