Jomar Martins
30 de julho de 2012
A RBS Editora Jornalística deve pagar R$ 10 mil de
indenização a um inspetor da Polícia Civil por tê-lo confundido com um
travesti, na edição do jornal Zero Hora do dia 2 de janeiro de 2009. O Recurso
Especial do jornal, enviado à 3ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, diante do desacolhimento dos Embargos de Declaração pela 9ª
Câmara Cível de Direito Privado, foi negado pelo desembargador André Luiz
Planella Villarinho.
Ele afirmou que se o juiz já encontrou motivo suficiente
para fundamentar a decisão, ele não está obrigado a responder a todas as
alegações, nem a se ater aos fundamentos indicados pelas partes — tampouco a
responder um a um a todos os seus argumentos. ‘‘A Câmara julgadora apreciou as
questões deduzidas, decidindo de forma clara e conforme sua convicção, com base
nos elementos de prova que entendeu pertinentes. No entanto, se a decisão não
correspondeu à expectativa da parte, não deve por isso ser imputado vício ao
julgado’’, considerou.
Com relação ao valor arbitrado para a reparação do moral, o
terceiro vice-presidente do TJ gaúcho disse que o quantum está sujeito ao
prudente arbítrio judicial, pois ‘‘inexiste tarifação de indenização por dano
moral com piso e teto’’. E só admite revisão em casos excepcionais, de patente
absurdo, quando se extrapole inteiramente do razoável, seja para mais ou para
menos, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça. ‘‘E tal não é a
hipótese dos autos’’, fulminou.
Como o recurso principal, interposto pela RBS, não teve
sequência, o desembargador deixou de reconhecer o Recurso Especial adesivo do
policial, como preceitua o artigo 500, inciso III, do Código de Processo Civil.
Ele queria o aumento do valor da indenização. O indeferimento de ambos os
Recursos Especiais aconteceu no dia 12 de abril.
O caso
O inspetor de policia Sylvio Edmundo dos Santos Júnior
estava de plantão na noite do dia 31 de dezembro de 2008, quando saiu para
atender uma ocorrência de homicídio na Avenida dos Estados, na zona norte de
Porto Alegre. O delito fora cometido contra um travesti. Ao lavrar a ocorrência
policial, disse que figurou como ‘‘comunicante’’ e que o campo ‘‘vítima’’
constou como ‘‘ignorado’’, já que não foi prontamente identificado. Durante a
ocorrência, negou ter contatado com a imprensa.
No dia posterior, 2 de janeiro, ao folhear o jornal Zero
Hora, surpreendeu-se ao ler a notícia sobre o homicídio. Disse que o jornal
citou seu nome como sendo a vítima do crime. A nota da página 38 diz, ipsis
literis: ‘‘Porto Alegre – O corpo de um travesti identificado como Sylvio
Edmundo dos Santos Júnior, 42 anos, foi encontrado na Avenida dos Estados,
próximo ao Aeroporto Salgado Filho, às 2h de quarta-feira. A vítima apresentava
marcas de pauladas na cabeça e perfurações no corpo. Na mão direita foi encontrado
um punhado de cabelo loiro.
Um taxista avisou aos policiais que viu três
jovens, um deles com um boné e uma mochila, saindo correndo das proximidades do
local da morte’’. O site Clic RBS e o jornal Diário Gaúcho, ambos ligados ao
Grupo RBS, também noticiaram o fato desta forma.
Em função do ocorrido, o policial afirmou ter experimentado
inúmeros prejuízos de ordem moral, além do abalo psicológico – devidamente
comprovado por atestados. Por isso, ajuizou uma Ação de Indenização por danos
morais contra a empresa que edita ZH — RBS Editora Jornalística — na 3ª Vara
Cível do Foro Central da Capital. Além da reparação financeira, pediu que o
jornal se retratasse do erro.
A empresa apresentou defesa. Admitiu como equívoco a
publicação do nome do autor na condição de vítima do homicídio. Entretanto,
sublinhou que tal equívoco não é o suficiente para ensejar sua
responsabilização civil e, em decorrência, indenizá-lo por danos morais. Isso
porque a nota jornalística não teve o condão de desencadear transtornos mentais
e comportamentais no autor. Logo, sem ato ilícito, não se pode falar em
indenização.
Dever de indenizar
No dia 21 de dezembro de 2009, a 3ª Vara Cível julgou
parcialmente procedente a demanda, por entender que ficou comprovado o uso
irregular e descuidado do nome do autor. A juíza de Direito Jane Maria Köhler
Vidal frisou que, embora não se tenha certeza de que ele tenha apresentado
anteriormente problemas psiquiátricos, o fato é que a divulgação incorreta da
notícia veio a agravar sua situação. Segundo ela, o dano é presumido — decorre
do próprio fato, não necessitando da produção de provas para sua verificação.
A juíza de primeiro grau arbitrou a indenização por danos
morais em R$ 10 mil. Negou, entretanto, a veiculação de retratação da notícia,
tendo de vista o decurso de prazo entre a ocorrência do fato e a data da
sentença — praticamente um ano. ‘‘Ademais, a Lei de Imprensa foi considerada,
há pouco tempo, inconstitucional pelo STF, não mais podendo produzir efeitos no
ordenamento jurídico pátrio’’, encerrou.
Inconformadas com o teor da sentença, as partes apelaram ao
Tribunal de Justiça. A RBS afirmou que o fato não justifica o elevado valor da
indenização, tendo em vista os limites da proporcionalidade e da razoabilidade.
Alegou que sequer estariam presentes os requisitos necessários ao
reconhecimento do dever de indenizar, dado o caráter informativo da nota
jornalística.
O inspetor de polícia, em recurso adesivo, pleiteou o
aumento do valor da indenização, por considerá-lo insuficiente face aos danos
suportados, além da retratação. Disse ter recebido diversos telefonemas, tanto
de pessoas preocupadas com seu estado de saúde quanto de outras, que caçoaram
da notícia publicada. A repercussão do fato também colocou em cheque sua
conduta. Afinal, é inspetor lotado na Delegacia de Homicídios e Desaparecidos,
com 15 anos de carreira, reconhecido pelos seus diversos cursos de formação —
inclusive, no exterior.
Em julgamento no dia 30 de agosto de 2011, a 9ª Câmara
Cível, por unanimidade, negou provimento a ambos os recursos. O relator do
processo, juiz convocado Roberto Carvalho Fraga, afirmou que foram preenchidos
os requisitos necessários ao reconhecimento do dever de indenizar: a conduta
ilícita, o nexo causal e o dano — conforme previsto no artigo 927 do Código
Civil.
Quanto ao valor da indenização, frisou que a questão é
altamente subjetiva, pela ausência de critérios rígidos para seu arbitramento.
Entretanto, reconheceu, a doutrina e a jurisprudência têm construído paradigmas
materiais pautados pelo equilíbrio. ‘‘Ausente um critério matemático ou uma
tabela para a recompensa do dano sofrido, mas presente que a paga deve
representar para a vítima uma satisfação, capaz de amenizar ou suavizar o mal
sofrido.
E, de outro lado, significar, para o ofensor, um efeito pedagógico no
sentido de inibir reiteração de fatos como esse no futuro’’, emendou o
julgador, mantendo o valor de R$ 10 mil decidido na primeira instância.
Em 30 de novembro de 2011, em novo lance processual, o juiz
convocado relatou os Embargos de Declaração interpostos pelo grupo de
comunicação — que alegou omissão e requereu o prequestionamento da matéria.
Roberto Carvalho Fraga, no entanto, não acolheu o recurso, por entender que a
empresa condenada pretendia, na verdade, reanalisar a matéria — o que não é
possível nesta via.
Para Fraga, os Embargos de Declaração, para obterem sucesso,
devem se restringir às hipóteses previstas no artigo 535 do Código de Processo
Civil (CPC), sendo imprescindível demonstrar os vícios ali enumerados. Nesse sentido,
a omissão restará determinada somente nos casos em que deficitário o exame da
matéria de fato, assim compreendida a ausência de exame de questões importantes
e que conduzam a julgamento divergente sobre a base fática sobre o que se está
julgando. ‘‘Ou seja, não há omissão se o julgador não considerou todos os
fundamentos da irresignação da parte, porquanto afastados pela motivação da
decisão e, muito menos, que não tenha o acórdão registrado as normas legais que
o embargante gostaria de ver traduzidas’’, completou o julgador.
Também desacolheram os Embargos os demais integrantes da 9ª
Câmara Cível presentes à sessão de julgamento, desembargadores Leonel Pires
Ohlweiler e Marilene Bonzanini.
Decisão sobre o Recurso Especial: http://s.conjur.com.br/dl/recursos-especiais-interpostos-policial.pdf
Sentença da 3ª Vara Cível:
http://s.conjur.com.br/dl/sentenca-3a-vara-civel-condena-rbs.pdf
Decisão que negou as Apelações:
http://s.conjur.com.br/dl/9a-camara-civel-tj-rs-indefere.pdf
Decisão sobre os Embargos de Declaração:
http://s.conjur.com.br/dl/tribunal-justica-rs-rejeita-embargos.pdf
Disponível em
http://www.conjur.com.br/2012-jul-30/policial-confundido-travesti-indenizado-jornal-zero-hora.
Acesso em 25 jul 2013.