Iran Giusti
17/07/2014
O uso de apelidos é algo comum no Facebook. Muitas pessoas
preferem usá-los para nominar seus perfis no lugar dos seus nomes de batismo.
Entre os famosos, a prática é ainda mais costumeira. Por exemplo, ninguém
conhece a cantora Mayra Corrêa Aygadoux, mas sim a sua alcunha artística, Maria
Gadú.
Esse uso tão comum de apelidos parece não valer para todos,
no entanto. Nas últimas semanas, diversas drag queens e transexuais receberam
notificações do Facebook, alertando que os seus nomes nas redes sociais não
correspondiam aos de batismo. Quem insistiu em mantê-los, teve perfis
bloqueados e até excluídos.
Este foi o caso da drag queen Rebecca Foxx, 23. “Primeiro
fui bloqueada. Disseram que era uma medida de segurança, precisei identificar
alguns amigos para provar que era eu mesma. Consegui então ter acesso a um novo
perfil. Mas dias depois, quando acordei, peguei meu celular e meu perfil estava
desativado. Uma mensagem dizia que meu nome não era real”, reclama Rebecca.
Quem também teve o perfil bloqueado foi a drag queen Rita
Von Hunty, 22. Ela chegou a trocar o sobrenome artístico pelo real quando
recebeu o alerta, mas 24 horas depois, o perfil foi excluído. Rita diz que a
medida prejudicou sua vida profissional
“O Facebook é fundamental para as drags. Nosso trabalho
depende do contato com nossos amigos e admiradores. Somos uma geração de
artistas que se vale da plataforma digital para encontrar pessoas que bebem das
mesmas referências”, justifica Rita.
A também drag Samantha Banks, 24, compartilha da opinião de
Rita e acrescenta que a relação com os contratantes também é feita pela rede
social. “É por meio do Facebook que eu consigo os principais contatos para me
chamarem para festas e eventos”, aponta Samantha.
“Parece uma estratégia para forçar com que paguemos para ter
alcance nas nossas postagens (Amanda Sparks)
Samantha e as outras performers suspeitam que a atitude da
empresa camufle interesses comerciais, numa tentativa de obrigar os usuários a
trocarem seus perfis pessoais por páginas institucionais, como as de marcas e
empresas.
“Parece uma estratégia para forçar com que paguemos para ter
alcance nas nossas postagens”, presume a drag Amanda Sparks,32.
“No perfil, consigo atingir facilmente até 70 % dos seus
amigos numa publicação, já com a página, atinjo menos de 10% dos meus
seguidores. Se eu quiser aumentar esse número, vou precisar pagar diariamente
para o Facebook para que promovam minha publicação”, pondera Samantha.
Diretora de comunicação do Facebook Brasil, Camila Fusco
nega o intuito comercial da medida e diz que a rede social é igualitária. “A
politica de nomes reais é válida para todos. No Brasil, temos uma equipe desde
outubro de 2013 que entra em contato com artistas, indicando o uso da página no
lugar do perfil pessoal, mas temos 87 milhões de usuários, é um processo que
leva tempo. O recomendado para os perfis pessoais é o uso do nome de registro
com o nome social ou artístico entre parênteses.”
Em sua política de uso, descrita em seu site, a rede social
de fato deixa claro essa condição. “O nome que você usa deve ser o seu nome
verdadeiro, conforme descrito em seu cartão de crédito, carteira de habilitação
ou identificação de aluno”, recomenda o Facebook. Na listagem de documentos de
identificação, são aceitos ainda Certidão de Nascimento, extrato bancário,
prontuário médico e carteirinha de biblioteca.
Questão para o Ministério Público
Para a especialista em direito digital Isabela Guimarães, a
postura do Facebook é controversa. “Nós podemos discutir o que é uma informação
real. Infelizmente, as transexuais não têm uma lei que garante o uso do nome
social delas. Mas isso não significa que o nome pelo qual elas atendem e são
conhecidas não seja real”, pondera Isabela, acrescentando que a rede social
pode ser investigada pelo Ministério Público.
“Infelizmente, as transexuais não têm uma lei que garante o
uso do nome social. Mas isso não significa que o nome pelo qual elas atendem e
são conhecidas não seja real
(Isabela Guimarães)
“A partir do momento que diversos artistas e pessoas usam
nomes que não são os de registro, e eles não têm o perfil desativado, podemos
falar em dois pesos e duas medidas. O Facebook pode ser acionado por prática
discriminatória, por parte do Ministério Público. O que o Facebook deveria
fazer era combater perfis que causam danos a terceiros e não combater quem
exerce um trabalho artístico ou utiliza seu nome social”, prossegue a jurista.
Surpresa com a varredura nos perfis de drags e transexuais,
Isabela lembra que a unidade do Brasil da rede social se contradiz com a
postura da matriz, nos Estados Unidos, que recentemente listou 50 termos de
gênero, além do masculino e feminino, para que os usuários pudessem se
identificar.
Camila contrapõe, dizendo que o Facebook dos EUA também tem
restrições. “Aqui essa funcionalidade não está disponível, mas mesmo lá,
escolher o seu gênero não significa que seu nome real não deve ser usado”,
afirma a gerente de comunicação.
“Se eu for forçada a utilizar o nome do RG, como vi
acontecer com algumas amigas drag queens, eu abandono o Facebook. Isso fere a
luta de uma vida inteira para ser respeitada como sou” (Ledah El Hireche)
Luta por identidade
O caso da estudante de psicologia Ledah Martins El Hireche,
24, é ainda mais complicado, já que a questão não envolve apenas um trabalho
artístico, mas sua identidade como pessoa. “Acordei um dia com um amigo me
ligando, querendo saber o que havia acontecido com meu perfil que tinha
desaparecido. Quando tentei fazer login, recebi a mensagem que meu nome era
falso e que eu teria que alterar para o ‘nome verdadeiro’”, conta Ledah.
Usar o nome de registro na rede social é uma possibilidade
que Ledah não cogita. “Se eu for forçada a utilizar o nome do RG, como vi acontecer
com algumas amigas drag queens, eu abandono o Facebook. Isso fere a luta de uma
vida inteira para ser respeitada como sou”, desabafa.
No Brasil, a alteração dos nomes de registro por transexuais
costuma ser lenta e, muitas vezes, necessita de intervenção da Justiça, como é
o caso de Ledah. “A questão já está sendo resolvida pela minha advogada, mas
leva tempo para se concretizar. Mas se até lá o Facebook não respeitar o uso do
nome social, não farei mais questão de participar de uma rede preconceituosa
que segrega e não respeita minha questão de gênero.”
Para a gerente de comunicação do Facebook Brasil, apesar de
viverem uma situação particular e cheia de dificuldades diárias, os transexuais
não merecem tratamento diferente. “Nós ouvimos o feedback de cada um, mas não
temos como abrir exceções para inserir os nomes que essas pessoas escolheram.
Errado seria se houvesse algum tratamento distinto. Caso obtenham algum dos
documentos listados poderão solicitar a alteração dos nomes.”
Disponível em
http://igay.ig.com.br/2014-07-17/facebook-apaga-perfis-de-trans-e-drag-queens-e-revolta-usuarias.html.
Acesso em 29 jul 2014.