Thais Sabino
08 de Outubro de 2013
Adriana Tamashiro, 31 anos, foi espancada pelo parceiro a 20
dias do casamento. M. R. P., 26 anos, foi agredida grávida de seis meses pelo
marido. T. N. S., 47 anos, passou 20 anos sofrendo agressões verbais e físicas
dentro da própria casa. Elas representam pequena parcela das mulheres que
sofrem violência praticada pelo companheiro. Recentemente, o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) concluiu em um estudo que a Lei Maria da
Penha não reduziu a mortalidade do gênero. Um dos motivos, segundo especialistas
entrevistados pelo Terra, é a omissão à denúncia de algumas mulheres, mas o
principal é que “a lei não tem varinha de condão, é preciso fazer campanha por
uma cultura de paz”, afirmou a psicóloga Roseli Goffman.
Para a também conselheira do Conselho Federal de Psicologia,
a lei não pode levar a responsabilidade por um problema de comportamento
secular do Brasil. “Ela (Lei Maria da Penha) é um avanço e tem que continuar. O
que a gente precisa é trabalhar são outras ferramentas para a mudança da mentalidade
e imaginário social”, disse. Em uma
sociedade à qual Roseli classifica como “falocêntrica” e enraizada pelo ódio e
machismo - “ocupamos o sétimo lugar no feminicídio”, comentou – precisa de uma
“campanha nacional pela diminuição da violência contra a mulher”, disse a
psicóloga Janaína Leslao.
Para Janaína, que atua na causa há anos, assim como há um
trabalho grande de combate à violência no trânsito, é preciso atuar reeducação
comportamental de homens e mulheres. “A gente não vê uma campanha de massa, na
mesma proporção que a de trânsito, pela mudança da atitude dos homens em
relação às mulheres, por uma convivência pacífica e igualdade de direitos”,
criticou. A violência doméstica não é um problema de casal, mas, sim, social.
“Devemos meter a colher em violência contra a mulher”, acrescentou.
A gente não vê uma campanha de massa, na mesma proporção que
a de trânsito, pela mudança da atitude dos homens em relação às mulheres
Janaína Leslao
Psicóloga
A designer Adriana foi espancada no próprio apartamento.
“Ele quebrou metade da casa, a vizinha ficou em pânico e ligou para o porteiro,
mas ele disse que não podia fazer nada se eu não pedisse ajuda pelo interfone”,
contou sobre o ocorrido do dia 18/9. Ela tem apenas alguns flashes de memória
do dia em que, depois de uma briga, o ex-noivo a seguiu inconformado com o fim
do relacionamento. “Ele me chutava, me dava socos, minha vizinha ouviu ele me
jogar na parede e gritar que ia me matar”, relatou.
O casal estava junto há pouco tempo, tudo foi muito intenso,
segundo ela: estavam juntos há dois meses e já moravam juntos. Mesmo assim,
após um primeiro mês “lindo”, na primeira discussão ela percebeu a
agressividade mais intensa do parceiro. Na segunda, vieram as agressões verbais
que a motivaram a desistir do casamento. “Talvez tenha sido ingenuidade minha
imaginar que ele não seria capaz de me levantar a mão”, disse. Com o
apartamento todo ensanguentado, o ex-noivo tentou deixar o prédio, mas foi
impedido pelo porteiro. Adriana chamou a polícia, ele foi preso em flagrante,
pagou fiança e está em liberdade.
Casos como o da dona de casa M. R. P. são bastante comuns,
segundo a delegada Celi Paulino Carlota. M. R. P. namorou por anos na
adolescência com o agressor, ficou um tempo separada dele e depois o casal decidiu
morar junto, em 2010. “Nos primeiros meses ficou tudo bem, depois, qualquer
problema que surgia ele não queria conversar, começava a brigar e a me
ofender”, lembrou. Nas situações eles se separavam, mas meses depois voltavam a
morar juntos. “Ele me humilhava, falava que eu não prestava para nada, que eu
era um lixo e nunca ia ter nada na vida”, relatou M. R. P.
Recentemente, a discussão foi mais além: depois dos
xingamentos usuais, ele a jogou no chão, bateu no rosto, puxou o cabelo e
apertou o pescoço. Quando a polícia chegou, chamada pelos vizinhos, o agressor
já estava indo embora e ela preferiu não denunciar. “Falei que estava tudo bem,
porque já vou passar pelo processo de divisão de bens e pensão, se ele perde o
emprego como vai ajudar eu e a minha filha?”, justificou. Segundo ela, os
policiais questionaram os arranhões no rosto e pescoço dela, mas ela insistiu
que não havia ocorrido agressão.
Elas sempre querem dar uma chance, é uma coisa maternal,
falam que não querem prejudicar o pai dos filhos, que ele perca o emprego ou vá
preso
Celi Paulino Carlota
Delegada titular da 1ª Delegacia da Mulher
A segunda chance
Celi contou que as mulheres vítimas de lesão corporal,
ameaças e ofensas chegam à delegacia abaladas em dúvida se devem denunciar ou
não. “Elas sempre querem dar uma chance, é uma coisa maternal, falam que não
querem prejudicar o pai dos filhos, que ele perca o emprego ou vá preso”, disse
a delegada. A orientação da profissional, no entanto, é que a impunidade pode
levar à morte da vítima e das pessoas próximas também. Segundo ela, o agressor
passa por um período de arrependimento, promete melhoras, mas volta cometer os
erros. Ela está recebendo casos em que a violência se estende aos filhos com
mais frequência.
A missionária norte-americana T. N. S. conheceu um advogado
brasileiro há cerca de 20 anos nos EUA, eles se apaixonaram, se casaram e se
mudaram para o Brasil. “Foram mais de 15 anos de violência, ele destruiu a
minha alma”, contou. T. N. S. sofria humilhações em público, ouvia que não
servia para nada e que mulher era só para sexo. A primeira agressão física veio
com quase dois anos de casamento: um soco, uma chave de braço e puxões nos
cabelos. Depois da primeira vez, a situação começou a acontecer com mais
frequência e, grávida da terceira filha, ele rompeu a bolsa de água de T. N. S.
com um soco na barriga dela.
Foram mais de 15 anos de violência, ele destruiu a minha
alma
T.N.S (Vítima)
Ao todo, eles se separaram três vezes, mas os pedidos de
desculpas do agressor sempre convenciam T. N. S. A última briga fez com que ela
ameaçasse denunciá-lo. Como resposta, o agressor disse que tiraria a guarda dos
quatro filhos – três meninas e um menino – de T. N. S. Ele conseguiu. Segundo
ela, o ex-marido juntou um laudo médico falso que alegava a insanidade mental
da mulher e obteve o direito de ficar com os filhos. “A culpa é minha porque eu
demorei a tomar uma posição. Se eu tivesse denunciado antes não perderia 20
anos da minha vida e as minhas crianças. Quanto mais tempo você fica na situação,
mais coloca as pessoas em perigo”, afirmou T. N. S.
A denúncia
Um das razões para T. N. S. não ir à polícia era o medo de
punição. Ela desconhecia a Lei Maria da Penha, de proteção às mulheres contra a
violência doméstica. A lei, em vigência desde 2006, prevê medidas protetivas
como o impedimento do agressor de se aproximar da vítima, fazer contato
telefônico ou pela internet sob o risco de prisão, além de a mulher poder pedir
o afastamento do companheiro do lar e alimentos provisórios. “Ela consegue tudo
isso já na delegacia”, garantiu Celi. A denúncia também pode ser feita diante
de ameaças e agressões verbais, acrescentou.
O primeiro passo após uma agressão física é procurar um
pronto-socorro caso existam ferimentos. Depois, a vítima deve ir até à delegacia
da mulher e abrir o boletim de ocorrência. Foi o que fez Adriana. Logo após a
polícia prender o agressor, ela foi para o hospital e seguiu ao Instituto
Médico Legal para fazer exames. Na delegacia, ela estava certa de que não
deixaria a violência passar impune, abriu um boletim de ocorrência e agora
aguarda ser chamada para depor e fazer o reconhecimento.
Segundo a delegada, as mulheres que buscam ajuda são cada
vez mais jovens e, de acordo com Janaína, cerca de 90% são agredidas por uma
pessoa íntima com quem se estabeleceu em algum momento uma relação de afeto.
Além do apoio policial e jurídico, segundo Janaína, centros de atendimento à
mulher ajudam na parte psicológica e recuperação da autoestima. As instituições
mantêm sigilo e possuem equipe multidisciplinar, completou.
Disponível em
http://mulher.terra.com.br/vida-a-dois/violencia-a-mulher-e-problema-cultural-especialistas-cobram-campanha,93c1414a7cf71410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html.
Acesso em 10 fev 2014.