Mel Bleil Gallo
07 de novembro de 2013
Apesar dos dois cursos superiores e de uma pós-graduação, a
analista de sistemas Daniela Andrade, de 30 anos, está desempregada. O designer
de produtos Paulo Bevilacqua, de 27 anos, nunca conseguiu fazer um estágio na
área. Já a advogada Márcia Rocha, de 47 anos, conseguiu seguir carreira como empresária
do ramo imobiliário. Eles têm profissões distintas, mas uma característica em
comum: todos são transgêneros.
Da discriminação profissional sofrida pelas duas paulistas e
pelo designer mineiro, veio a iniciativa de criar um site com ofertas de emprego
voltadas especialmente para pessoas trans. O mecanismo criado por eles é
simples. Travestis, transexuais e crossdressers se cadastram no portal
Transempregos (www.transempregos.com.br) e passam a acompanhar as vagas de seu
interesse, oferecidas especificamente por empresas comprometidas com a
diversidade sexual. A iniciativa foi bem recebida e, em menos de um mês, dez
empresas ofereceram empregos no site. Além disso, cerca de 160 pessoas se
cadastraram, em busca de vagas.
As ofertas variam entre as posições de auxiliar
administrativo, recepcionista, acompanhante terapêutico, programador web,
telemarketing e profissional de salão de beleza. Há vagas de estágio, trabalho
temporário ou de período integral, em diversas cidades do País. Por ora, nenhum
contrato foi fechado.
Paulo Bevilacqua explica que o perfil dos candidatos já
cadastrados tem variado entre dois grupos. Há pessoas com muita qualificação,
mas que costumam ser barradas na entrevista e sofrem com o constrangimento de
não ter o nome social aceito. Há também um grupo com baixa escolaridade, que,
sem o apoio da família, teve de abandonar os estudos muito cedo. "É tanta
gente talentosa, fazendo várias coisas. Não entendo por que as empresas não dão
oportunidade. Qual a dificuldade de nos chamar pelo nome social, pelo gênero
que nos identificamos? Não queremos tratamento especial, só respeito",
disse Bevilacqua, que passou por apenas um emprego formal e hoje atua como
freelancer.
Ao oferecer vagas de emprego em um site voltado
especificamente para pessoas trans, a primeira barreira já é superada, explicam
os idealizadores do site. "A entrevista é a pior parte. Eu chego lá e
sinto logo um enorme desconforto do entrevistador. Parece que você só pode
exercer duas profissões na vida: na prostituição ou no salão de beleza. Em vez
de analisar se eu tenho capacidade profissional, o diretor só faz perguntas
pessoais", conta Daniela.
Mas ela explica que não basta contratar: é preciso estimular
o respeito à diversidade no ambiente profissional. "Mesmo quando sou chamada,
tenho que ouvir coisas como 'tudo bem você usar o banheiro feminino, mas tem de
deixar tudo limpo'. Depois, perguntam se podem continuar fazendo piadas de
'traveco', por exemplo", conta.
Prostituição. Não é à toa que a Associação Nacional de
Travestis e Transexuais do Brasil (Antra) estima que 90% das pessoas trans
trabalhem como profissionais do sexo. "Mas essa estimativa é aproximada,
porque não há estatística sobre transexuais e travestis no censo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)", explica a presidente da
associação, Cristiane Stefanny, de 35 anos. "Se tivesse um campo para
tratar de orientação e identidade de gênero, o próprio público começaria a se
identificar e aparecer."
De acordo com Márcia, que integra a Comissão de Diversidade
Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, o cálculo é válido apenas
para mulheres travestis. "Homens trans raramente vão se prostituir.
Mulheres trans de classe média ou alta também não vão. São as de classe baixa,
com pouca instrução, que geralmente vão para as ruas. As de classe mais alta
ficam no armário, como eu fiquei."
Incentivos. Em São Paulo, o governo do Estado busca
incentivar, desde 2007, as empresas a adotarem práticas de inclusão social, por
meio do Selo Paulista de Diversidade.
Mas, para a supervisora do programa, Gleice Salgado, a
iniciativa ainda precisa avançar muito no que diz respeito à 'transfobia'. Das
18 empresas certificadas, nenhuma tem ações voltadas para a inclusão dessas
pessoas. "Minha luta é que, para ter o selo, as empresas sejam obrigadas a
incluir também as pessoas trans nas suas ações." Ela afirma que, em 2014,
a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo pretende
oferecer cursos de capacitação voltados para a entrada desse público no mercado
de trabalho.
Disponível em
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,ha-vagas-para-transexuais-e-travestis,1093997,0.htm.
Acesso em 04 mar 2014.