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quarta-feira, 2 de abril de 2014

Os princípios constitucionais e o transexualismo

Rosangela Mara Sartori Borges
Unopar Cient. Ciênc. Jurid. Empres, Londrina, v. 4, n.º 1/2, p. 27-33, mar/set. 2003

Resumo: O artigo refere-se à análise do transexualismo à luz dos princípios constitucionais, no sistema jurídico brasileiro, especialmente o do Estado Democrático de Direito e o da preservação da dignidade da pessoa humana. Demonstra que todos, inclusive as minorias, são titulares de direitos e com tais devem ser amparados pelo Estado que tenha como fundamento a democracia e a preservação de dignidade da pessoa humana.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

As decisões extravagantes referentes ao direito à saúde

Hercília Maria Portela Procópio
28 de junho de 2012

Um grande problema que os entes federados enfrentam hoje é o número elevado de demandas judiciais envolvendo casos cujos pedidos extrapolam os limites do direito à saúde. Não é pouco o número de ações em que se pleiteiam cadeira de rodas elétrica, bomba de insulina, cirurgia de transexualização, dentre outros. A solução para o conflito torna-se tarefa árdua e se não houver uma reflexão séria sobre este problema, poderá haver um caos na saúde pública, o que poderá trazer prejuízos irreversíveis a toda a população.

É importante assinalar, inicialmente, que o ponto de partida do aplicador da norma deverá ser sempre o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins, ou seja, os Princípios Constitucionais. De um lado, temos o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que visa a preservar a vida do administrado; de outro, temos princípios não menos importantes como o da Equivalência e Uniformidade dos Benefícios e Serviços de Saúde, o da Legalidade e o Federativo.

Diante de um conflito entre princípios de mesma hierarquia, compete ao aplicador da norma em concreto verificar se a solução que ele pretende dar ao caso é a mais adequada, necessária e proporcional. É claro que deve haver plena consciência de que o bem maior é a vida já que, em última análise, o Estado, em seu sentido amplo, foi criado exatamente para preservar a vida dos indivíduos que o compõem. Ocorre que é plenamente possível garantir um mínimo existencial à sobrevivência dos cidadãos, sem, contudo, colocar em risco uma série de outros princípios constitucionais.

Mas acontece que, muitas vezes, para atender às demandas judiciais, desrespeitam-se os três requisitos acima, o que traz, como consequência, algumas decisões inadequadas, desnecessárias e desproporcionais aos entes federados, bem como discriminatórias em relação aos demais necessitados do mesmo Sistema Único de Saúde, uma vez que várias pessoas, sem ajuizar ações, aguardam medicamentos, tratamentos e cirurgias, respeitando a sua vez na fila de espera, e que são atropelados no atendimento de seu direito, em virtude do atendimento imediato daqueles que ingressam em juízo.

Verifica-se, neste caso, violação ao Princípio Constitucional da Uniformidade e Equivalência dos Benefícios e Serviços. Tal realidade mostra-se incompatível com os objetivos visados pela seguridade social: uniformidade e equivalência, ou seja, atender a todos na mesma proporção, sem privilegiar um em detrimento de outro.

Observa-se, ainda, que ao beneficiar determinados “doentes”, estar-se-á burlando o princípio da distributividade previsto no mesmo artigo.

Não se pode deixar de salientar, lado outro, que o número de decisões que albergam estes pedidos está a comprometer os recursos destinados à saúde pública, que se tornam cada dia mais escassos.

E diante de um quadro irrefutável de aumento na escassez de recursos, normal em decorrência do cumprimento das decisões judiciais, impõe-se uma reflexão sobre a possibilidade de enquadrar estes pedidos ditos “diferentes” ou “extravagantes” como sendo realmente necessários à saúde dos indivíduos que os pleiteiam.

É claro que a saúde é direito de todos. Isto é verdade incontestável! Mas é mais certo ainda que o atendimento aos interesses não pode ser amplo e irrestrito. Há que se fazer uma diferença entre a necessidade e o conforto, entre a necessidade e a vaidade. Há uma diferença grande, por exemplo, entre a necessidade de fornecimento de cadeira de rodas e cadeira de rodas elétrica e entre fornecer seringas e insulina para controle de diabetes e fornecer bomba de insulina. E a diferença maior está no preço do fornecimento de cada um.

Uma bomba de insulina é infinitamente mais cara do que as seringas com a insulina para aplicação e o fornecimento da primeira onera desnecessariamente o Ente Federado que a fornece, em detrimento de inúmeros outros necessitados. Se os dois tratamentos são eficazes, não há a necessidade de deferir-se o mais caro.

Outro exemplo, recentíssimo, são as condenações para o custeio das cirurgias de transexualização. Este tipo de intervenção cirúrgica estaria enquadrada como direito à saúde, garantido pela Constituição?

É claro que seria ótimo se o Estado pudesse atender ao interesse de todos tal qual desejado, mas também é certo que o atendimento indiscriminado destes pedidos extravagantes, além de comprometer diretamente o orçamento do ente federado obrigado ao cumprimento da decisão judicial, ainda prejudica o atendimento daqueles que poderiam ter o tratamento/equipamento/cirurgia pleiteado, mas que deixam de recebê-lo em virtude de falta de dinheiro para aquisição, em virtude do comprometimento da verba destinada à saúde para o cumprimento das decisões judiciais.

Os recursos do Poder Público são restritos pela própria Constituição, que é rigorosa em limitar as prestações estatais judiciáveis, sendo um contrassenso, a inviabilizar a própria função estatal, acreditar no seu ilimitado dever de garantir a saúde de seus administrados, considerando-se o fornecimento de todas as modalidades de tratamento e cirurgias existentes no mundo.

E se não houver uma reflexão pontual sobre o assunto e se as decisões judiciais não tiverem, como limite, o verdadeiro binômio necessidade-capacidade, o orçamento da saúde pública poderá ficar comprometido a ponto de os entes federados não terem mais como cumprir as decisões judiciais que são hodiernamente proferidas.

Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-jun-28/hercilia-procopio-decisoes-extravagantes-referentes-direito-saude>. Acesso em 03 out 2012.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Situação do transexual está inserida no direito à saúde

Luis Felipe Galeazzi Franco
16 de julho de 2012

Na data de 28/06/2012 foi publicado no site da ConJur artigo intitulado “As decisões extravagantes referentes ao direito à saúde”, abordando o grande problema que os entes federados enfrentam hoje, relativo ao número elevado de demandas judiciais envolvendo casos cujos pedidos extrapolam os limites do direito à saúde. Como bem observado no referido artigo, percebe-se que as decisões judiciais no campo das ações em que se pleiteiam medicamentos e tratamentos médicos em face dos entes públicos muitas vezes ainda são tomadas desconsiderando as políticas públicas de saúde existentes e a realidade técnica (médico-farmacêutica). Por outro lado, discorda-se do exemplo colocado no referido artigo ao citar como exemplo de decisão extravagante as condenações para o custeio das cirurgias de transexualização. Questiona a autora se esse tipo de intervenção cirúrgica “estaria enquadrada como direito à saúde, garantido pela Constituição”.

De fato, em demandas relativas ao direito à saúde presencia-se o aspecto emocional que subjaz à discussão jurídica, consistente na percepção do juiz que um cidadão jurisdicionado possa a vir a falecer “em suas mãos” por falta de um medicamento, razão pela qual comumente se acolhe o pedido da parte autora, deferindo-se medicamentos e tratamentos médicos, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, sem a devida comprovação de sua segurança biológica, eficiência, eficácia, custo-efetividade e, não raro, sem registro na Anvisa e sem ao menos se verificar se existe alternativa terapêutica inserida na própria política pública já existente, trazendo como consequência, conforme frisado no referido artigo, “algumas decisões inadequadas, desnecessárias e desproporcionais aos entes federados, bem como discriminatórias em relação aos demais necessitados do mesmo Sistema Único de Saúde”. Citem-se como exemplo: a) a concessão de oxigenoterapia hiperbárica para tratamento de pé diabético, tecnologia a qual, se incorporada ao SUS, resultaria no impacto de R$ 11 bilhões, conforme dados da Conitec, ou seja, mais de 10% do orçamento do Ministério da Saúde; b) a concessão de órteses e próteses com discriminação de marca específica, o que dá azo a eventual conluio entre prescritores e indústria; c) o medicamento do eculizumabe (Soliris), cujos gastos do Ministério da Saúde com compras decorrentes de decisões judiciais foram de aproximadamente R$ 12 milhões (compreendido o período de 2009 a 2011, atendendo a 14 ações judiciais individuais) e que, segundo o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde — Decit-MS, não possui evidência científica suficiente para a incorporação no âmbito do SUS, além do fato de não possuir registro na Anvisa e tanto a agência sanitária canadense (Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health — CADTH), quanto a agência escocesa (Scottish Medicines Consortium — SMC) não recomendarem a incorporação do eculizumabe em seus sistemas públicos de saúde, ressaltando que o tema é objeto da SL 558 no Supremo Tribunal Federal, pendente de julgamento.

O Judiciário e os demais operadores do Direito não podem fechar os olhos para a existência de um constante desafio em se garantir a universalidade e integralidade do acesso à saúde diante de recursos públicos contingenciados, mesmo porque o campo da saúde, assim como demais setores da economia, tem sofrido inúmeras transformações decorrentes, principalmente, de novos conhecimentos e do desenvolvimento tecnológico. Assim, é prudente que os provedores de serviços de saúde busquem absorver de forma racional os avanços tecnológicos após avaliar cuidadosamente a efetividade das inovações, razão pela qual não pode prevalecer, no âmbito das ações judiciais, a lógica do “pediu-levou”, que mais beneficia os interesses das indústrias farmacêuticas que a saúde da população. Não é demais lembrar que o interesse econômico subjacente às tecnologias de saúde não pode ser desprezado. O mercado da saúde é dominado por multinacionais, dotadas de forte poder econômico e o Estado brasileiro é um mercado consumidor importante[i].

Frise-se que a diretriz do atendimento integral, estabelecida no texto constitucional (artigo 198, II), representa simultaneamente o caminho a ser trilhado e o objetivo a ser perseguido e alcançado à medida do financeiramente possível. Por outro lado não se trata de direito absoluto! Não há um direito à integralidade, no sentido de se abarcar todas as tecnologias em saúde disponíveis no mercado, até porque a tal diretriz, como estabelecida na Constituição, deve ter como prioridade as atividades preventivas. Nesse contexto, relevante salientar a inovação legislativa representada pela Lei 12.401/2011, que altera a Lei 8.080/1990, dispondo sobre a assistência terapêutica e sobre as condições e requisitos para a incorporação de tecnologias em saúde no sistema brasileiro de atenção à saúde. A edição deste diploma legal se deu, entre outros motivos, pela necessidade de se delinear de forma mais precisa o conceito de integralidade da assistência adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e objetiva beneficiar os usuários do SUS e fortalecer a atuação do Ministério da Saúde no que concerne a sua capacidade para orientar as atividades econômicas em prol das necessidades em saúde.

Portanto, tal diploma legal deve ser observado pelo Judiciário, no intuito de se evitar decisões judiciais que desconsideram por completo que, para que se concretize o acesso universal e igualitário à saúde (artigo 196 da Constituição Federal), compreende-se a imposição de que as ações e os serviços de saúde sejam dirigidos à população como um todo, sem discriminação ou privilégios de qualquer ordem. Nesse sentido a reflexão de Luís Roberto Barroso: “O Judiciário não pode ser menos do que deve ser, deixando de tutelar direitos fundamentais que podem ser promovidos com a sua atuação. De outra parte, não deve querer ser mais do que pode ser, presumindo demais de si mesmo e, a pretexto de promover os direitos fundamentais de uns, causar grave lesão a direitos da mesma natureza de outros tantos.”[ii][1]

Não obstante a constatação das dificuldades existentes ao lidar com questões envolvendo assistência à saúde em processos judiciais, inegável o esforço do Judiciário na busca de maior eficiência na solução de tais demandas, pela instituição do Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e os respectivos Comitês Executivos Estaduais, que têm como objetivo a elaboração de estudos e a proposição de medidas e normas para o aperfeiçoamento de procedimentos e a prevenção de novos conflitos judiciais na área da saúde, sendo indispensável, para isso, a atuação conjunta do Poder Judiciário com o Ministério da Saúde, como órgão de direção nacional do SUS e com as Secretarias de Saúde em cada estado ou município.

No tocante ao questionamento sobre se a intervenção cirúrgica de redesignação sexual estaria enquadrada como direito à saúde, garantido pela Constituição, é de se tecer algumas considerações. Em primeiro lugar, frise-se que a transexualidade é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um transtorno de identidade de gênero, sendo inclusive catalogada no código internacional de doenças, cujo CID é o 10-F64.0, sendo que o único tratamento para melhorar tal condição clínica é a troca de sexo social e genital, além de psicoterapia de apoio. O transexual busca a cirurgia de trangenitalização para adequar sua aparência física ao seu sexo psicológico, ou seja, o procedimento cirúrgico é a etapa mais importante do tratamento de transexualismo, necessitando de um diagnóstico preciso, multidisciplinar, por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social. Ademais, a transexualidade não está associada e é independente da orientação sexual, bem como não se confunde com hermafroditismo.

Por sua vez, a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1.955 de 12 de agosto de 2010[iii]que dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo, ao considerar o paciente transexual como portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou, até mesmo, autoextermínio, afirma em seu artigo 3º que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios de: a) desconforto com o sexo anatômico natural; b) desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; c) permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; d) ausência de outros transtornos mentais. Ademais, atualmente a possibilidade de realização da cirurgia de redesignação sexual em nosso país pelo transexual encontra-se ainda mais concreta, com a edição da Portaria 1.707 de 18 de agosto de 2008 do Ministério da Saúde[iv], que instituiu o processo transexualizador no âmbito do SUS[v], além do que a Resolução do CFM de 2010 traz novidade em relação à anterior no sentido de que os tratamentos de transgenitalismo podem ser realizados em qualquer estabelecimento de saúde devidamente habilitado.

Diante disso, percebe-se facilmente que a situação do transexual está inserida no campo do direito à saúde como um direito fundamental, haja vista ser a saúde, conforme o conceito da OMS[vi], um estado de completo bem-estar físico, mental e social, recordando-se ainda que para a realização da cirurgia de transgenitalização há a necessidade de um diagnóstico médico e de indicação terapêutica. A referida cirurgia é, portanto, uma prestação positiva de saúde que objetiva garantir não mais que o mínimo de bem estar ao transexual. Diante das considerações tecidas sobre a tutela jurídica do transexual, cabe apontar pertinente observação de Tereza Rodrigues Vieira, em trabalho sobre o tema: “O transexual não quer muito, quer apenas o mínimo essencial para uma sobrevivência digna, procurando o equilíbrio entre os direitos fundamentais e sociais. O direito à busca do equilíbrio corpo-mente do transexual, ou seja, à adequação do sexo e prenome, está ancorado no direito ao próprio corpo, no direito à saúde e, principalmente, no direito à identidade sexual, a qual integra um poderoso aspecto da identidade pessoal.”[vii][2]

Assim, é possível sustentar a possibilidade autorização de realização da cirurgia de transgenitalização pelo SUS, mesmo que requeridas em ações judiciais, desde que cumpridos os requisitos da Resolução do Conselho Federal de Medicina 1.955/2010 e da Portaria n. 1.707/2008 do Ministério da Saúde, não só do ponto de vista biomédico, com propósito terapêutico, mas também como forma de concretização dos direitos fundamentais pelo Estado, principalmente dos direitos à saúde, à igualdade, a não discriminação e, primordialmente, como proteção à dignidade da pessoa humana ao livre desenvolvimento da personalidade e à identidade de gênero.
________________________________________
[i] “As farmacêuticas gastam dezenas de bilhões de dólares para seduzir os médicos oferecendo viagens e convenções. E o pior, muitas vezes fazem isso fingindo que os estão educando. O resultado dessa convivência é que os médicos aprenderam um estilo de medicina que se baseia em remédios. E mais: que remédios recém-lançados, normalmente mais caros, são melhores do que os antigos, ainda que não haja qualquer evidência científica que sustente essa idéia. (...) Elas fazem experimentos clínicos, mas não o trabalho essencial, que é realizado pelos cientistas ligados às redes de saúde de vários países e pelas universidades. E isso acontece porque a indústria farmacêutica está mais preocupada com o marketing do que com a pesquisa e desenvolvimento. Em 2004, o conjunto das 9 principais farmacêuticas americanas teve lucros sobre vendas 3 vezes maiores que a média das outras 500 empresas mais rentáveis dos EUA. Elas gastam 15% do orçamento em pesquisa e desenvolvimento – isso é menos do que a metade do que gastam com administração e marketing.(Doutores sabem de nada, Entrevista com médica americana Marcia Angell, acadêmica sênior do Departamento de Medicina Social da Universidade Harvard, autora do livro The Truth About Drug Companies - “A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos - ex-editora de uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo Revista New England Journal of Medicine, publicada na Revista Super Interessante, in http://super.abril.com.br/saude/doutores-sabem-nada-446454.shtml).
[ii]
[ii] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Interesse Público, Belo Horizonte, ano IX, n. 46, p. 31-62. nov. 2007.p. 33.
[iii]
[iii] CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.955 de 12 de agosto de 2010. Publicada no D.O.U., de 3 de setembro de 2010, seção I, p. 109/110. Disponível em
[iv]
[iv] BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.707 de 18 de agosto de 2008. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo Transexualizador, a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Disponível em:
[v]
[v] Destaque-se ainda a edição da Portaria SAS/MS nº 457/2008 da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, que aprovou a Regulamentação do Processo Transexualizador no âmbito do SUS. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2008/prt0457_19_08_2008.html>
[vi]
[vi] Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946. Disponível em:
[vii]
[vii] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008 p. 232.


Disponível em <http://www.conjur.com.br/2012-jul-16/luis-franco-situacao-transexual-campo-direito-saude>. Acesso em 27 ago 2012.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

União estável entre homossexuais

Roberto Dias
29 de maio de 2012

Há um ano, o STF reconhecia, por unanimidade, a união estável homoafetiva como entidade familiar. Foi uma decisão histórica que rejeitou a discriminação de pessoas em razão da orientação sexual.

Um ponto polêmico dizia respeito à previsão constitucional que reconhece, para efeito da proteção do Estado, “a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar” (artigo 226, parágrafo 3.º). Essa norma impediria a proteção da união de pessoas do mesmo sexo? Como superar a previsão literal? Este era um dos principais desafios do STF.

E a superação se deu com a interpretação sistemática da Constituição, com o entendimento de que ali há um conjunto harmônico de normas, como lembrado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Carmen Lúcia. Esse conjunto instituiu um Estado que, fundado na dignidade da pessoa, tem como objetivo constituir uma sociedade livre, com a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A união homoafetiva, portanto, tem sua base nos direitos fundamentais. Afinal, nas palavras do ministro Ayres Britto, não existe “subfamília, família de segunda classe ou família mais ou menos”. A heteroafetividade em si não torna os heterossexuais superiores, tampouco os “beneficia com a titularidade exclusiva do direito de constituir uma família”.

O STF concluiu que a Constituição, ao contemplar expressamente a existência da família formada pelo casamento, aquela decorrente da união estável entre homem e mulher e, também, aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes – família monoparental – não excluiu o reconhecimento da entidade familiar estabelecida pela união estável homoafetiva. Pelo fato de existir – nas palavras do ministro Marco Aurélio Mello – uma obrigação constitucional de não discriminação e de respeito à dignidade humana, às diferenças e à orientação sexual, não se pode interpretar literalmente as normas jurídicas que não reconhecem os direitos de grupos minoritários.

Podemos dizer que três importantes argumentos fundamentaram a decisão. Primeiro, o princípio da igualdade impede que as pessoas sejam discriminadas em razão da orientação sexual. A Constituição aceita a diversidade e reconhece o direito do indivíduo de construir, livremente, sua identidade.

Segundo: a Constituição garante o direito à intimidade, ou seja, relacionamentos afetivos mantidos por qualquer pessoa não dizem respeito a mais ninguém. Há direitos e obrigações que decorrem da união estável. Mas não importa se ela é formada pela afetividade heterossexual ou homossexual.

Em terceiro lugar, a Constituição deve ser interpretada como conjunto harmônico de normas: ela não é a somatória daquilo que está literalmente previsto em cada uma das partes isoladas. Assim, o fato de a Constituição não prever, explicitamente, a entidade familiar homoafetiva não significa que ela proibiu a união entre pessoas do mesmo sexo e sua proteção pelo Estado. Ao contrário, os direitos fundamentais previstos na Constituição – como a igualdade e a intimidade – impõem o reconhecimento da união homoafetiva, mesmo sem previsão constitucional explícita.


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Disponível em <http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,uniao-estavel-entre-homossexuais,879206,0.htm>. Acesso em 09 jul 2012.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A pessoa transexual e o princípio da dignidade da pessoa humana: aplicação da principiologia constitucional.

Luiz Alberto David Araújo


A questão dos direitos das pessoas transexuais está intimamente ligada à aplicabilidade da principiologia constitucional. Primeiramente, é preciso distinguir o transexual do homossexual. Entende-se por transexual aquele que apresenta um sexo psicológico distinto de seu sexo biológico. Além disso, apresenta uma vontade irreversível de atingir seu sexo psicológico; não aceita seu sexo biológico e tenta de todas as formas assumir seu sexo psicológico. O homossexual, por seu lado, em apertadíssima síntese, manifesta o desejo sexual de manter relações com pessoas do mesmo sexo. São problemas diversos, com conseqüências jurídicas diversas.

Imaginemos alguém que acorda, olha-se no espelho e encontra um corpo masculino quando, na verdade, esperava (e desejava) encontrar um corpo feminino. Seu sexo psicológico é de mulher e seu corpo é de homem. Seus pensamentos são femininos, sua vontade é feminina, suas vestes são femininas, mas seu corpo é masculino. Esse é o dilema básico do transexual.

Podemos dizer que para amenizar esse conflito a pessoa transexual poderá tentar um tratamento psicológico. Ineficaz o tratamento, resta, apenas, a cirurgia de redesignação de sexo. Tal cirurgia consiste na melhor adaptação possível da pessoa ao seu sexo psicológico. Ao menos aparentemente, a pessoa transexual poderá eliminar o conflito ao, exibir um corpo que estará em conformidade com seu sexo psicológico. Dessa forma, juntando o sexo psicológico com o novo sexo redesignado, haverá uma unidade, necessária à felicidade desse grupo de pessoas.

A cirurgia, nos termos da Resolução n. 1.482, de 10 de dezembro de 1997, do Conselho Federal de Medicina, não se limita apenas a promover a adaptação do transexual ao seu sexo psicológico; abrange também o acompanhamento, quer fonoaudiológico, quer psicoterapêutico, hormonal etc. Haverá a cirurgia, que será precedida e sucedida de tratamentos necessários para a boa adaptação à nova realidade.

Sendo assim, a cirurgia de redesignação de sexo constitui um instrumento necessário para que a pessoa transexual possa integrar-se socialmente e viver de acordo com suas opões sexuais, como decorrência do direito à intimidade e à vida privada, bens garantidos constitucionalmente no art. 5.º, inciso X, da Lei Maior.

É com fundamento no art. 5.º, inciso X, pois que garante a intimidade e a vida privada, que podemos asseverar que a pessoa transexual tem direito a fazer a sua opção sexual, uma vez constatada, mediante perícia, a sua transexualidade. A operação de redesignação de sexo, portanto, já vem sendo admitida pela doutrina e pela jurisprudência. A princípio, chegou-se a cogitar que poderia haver lesão corporal, mas a jurisprudência se firmou no sentido de reconhecer o estado de necessidade do paciente transexual.

Assim, a cirurgia é admitida e está disciplinada em Resolução do Conselho Federal de Medicina. Realizada a cirurgia, surgem novos problemas, que devem ser enfrentados pelo Direito. A pessoa transexual tem um nome masculino e, pela cirurgia, passa a ter um corpo feminino. Ou, inversamente, tem um nome feminino e, com a cirurgia, torna-se dona de um corpo masculino. Como então resolver o problema, já que um nome masculino para um corpo feminino (ou vice-versa) causará uma série de problemas ao transexual?

Podemos fazer outra pergunta, simples, que revelará o conflito e a sua intensidade  da pessoa transexual redesignada: a que banheiro público, por exemplo, a Roberta Close deverá dirigir-se? O Poder Judiciário entendeu de não lhe permitir a alteração de nome. Portanto, estamos falando de uma pessoa chamada Luiz Roberto e do sexo masculino. Em que banheiro público, uma pessoa chamada Luiz Roberto, do sexo masculino, deve entrar? A resposta dada pelo Poder Judiciário é: masculino. Imaginemos agora, o constrangimento dessa pessoa ao ser obrigada a entrar no banheiro masculino...

A redesignação de sexo deve, assim, fazer-se acompanhar da alteração de nome. O sistema infra-constitucional (Lei de Registros Públicos) não tem previsão específica para o problema. Há um projeto de Lei (n. 70-B, de 1995), que tramita pelo Congresso Nacional, no qual a alteração seria permitida. No entanto, embora concordando com a modificação do nome (para ajustá-lo ao sexo redesignado), o projeto prevê que deve constar a inscrição “transexual” no documento da pessoa. Todos os documentos trariam, então, um “terceiro tipo de sexo”: o transexual. O projeto, nesse particular, fere por completo o princípio da dignidade da pessoa humana e o da intimidade, bens garantidos constitucionalmente. Como imaginar alguém com uma carteira de identidade onde conste que é transexual?

Entendemos que a redesignação de sexo deve vir acompanhada da alteração, requerida judicialmente, do prenome do indivíduo, que deve ser o mais próximo do anterior (por exemplo: Roberto/Roberta; Carlos/Carla etc.), bem como do seu sexo. Assim, duas serão as alterações: passará a pessoa a ter novo nome e novo sexo, que constarão de seus novos assentos.

Desde logo, algumas objeções podem ser apontadas. A primeira delas é a concernente a não haver previsão legal específica. Ora, tal objeção deve ser superada pela interpretação principiológica. Devemos ver os princípios constitucionais como transmissores de valores, ou seja, condutores da valoração constitucional, tendo como trajeto a via constituinte/intérprete. Assim, o princípio nada mais é que um condutor que levará a valoração constitucional para o intérprete para que, na hora da aplicação da regra, valha-se da valoração para a aplicação correta do comando constitucional.

No caso da Constituição brasileira de 1988, temos, logo no art. 1.º, a constatação de que somos um Estado Democrático de Direito, e, em seus fundamentos, encontramos a dignidade da pessoa humana. Ora, como entender que o sistema deva preservar a dignidade se mantemos uma pessoa infeliz, com uma divergência entre seu sexo psicológico e seu sexo biológico? Como imaginar uma pessoa com corpo de mulher, pensando que é homem? Como imaginar uma pessoa com corpo de homem, pensando que é mulher? A solução está na redesignação de sexo e em sua adaptação à nova realidade. Após, portanto, a redesignação de sexo, deverá ocorrer a adaptação dos registros, averbando-se o novo nome e o novo sexo.

Assim, a primeira objeção, consistente na inexistência de lei específica que permita a alteração de nome, deve ser rejeitada, pois o sistema constitucional, preservando a dignidade da pessoa humana e garantindo o direito à intimidade (art. 5.o, X) deve prevalecer sobre a regra infraconstitucional. A alteração do nome e do sexo deve seguir os ditames assegurados pela principiologia constitucional.

Outra objeção seria a de que teria havido apenas a alteração superficial do sexo, e não alteração dos órgãos internos, e que tais pessoas não teriam a alteração completa de seus sexos. Nesse particular, precisamos entender que há vários conceitos de sexo. Vejamos nos esportes. Qual o conceito de sexo para o mundo dos esportes? Alguém biologicamente mulher pode ser proibido de competir por ter uma taxa de hormônios fora do parâmetro fixado. Nesse caso, qual foi o critério utilizado? O sexo biológico? A resposta é negativa. Partiu-se da idéia do equilíbrio hormonal. 

Portanto, já se aplicam outros conceitos de sexo. Realmente, quando há a operação, os órgãos internos continuam da mesma forma, sendo a alteração superficial. Mas essa alteração superficial já é suficiente para tornar o indivíduo mais feliz, mais adaptado, vivendo uma vida mais digna. E, no caso, o sexo psicológico deve prevalecer, aliado a transformação (parcial, mas real) de seu sexo antigo, para o redesignado. Não se pode afirmar que houve uma transformação completa de homem em mulher (ou vice-versa), mas a transformação havida, aliada ao sexo psicológico do indivíduo, deve permitir que seja considerado com o seu sexo redesignado. Além da mudança de nome, deve haver a mudança de sexo.

Uma outra ordem de objeção poderia ser a que permitisse eventual fraude. Em princípio, parece pouco crível que alguém passe por uma cirurgia delicadíssima, por tratamento hormonal e acompanhamento psicológico, apenas para fugir de seus credores. Mesmo assim, todavia, seu pedido de retificação de assento civil deverá vir acompanhado de todas as suas certidões, para que sejam evitadas quaisquer fraudes.

Por fim, o argumento da proteção de terceiros. Muitas pessoas poderiam envolver-se com o transexual redesignado sem saber de seu passado. Nesse particular, havendo o envolvimento afetivo do casal, o sistema legislativo não poderia impedir o matrimônio. Caso, no entanto, o parceiro soubesse do fato, querendo, poderia alegar erro essencial na pessoa do cônjuge, e anular o casamento. É claro que seria mais prudente que o transexual redesignado conversasse e expusesse toda a situação para o seu parceiro, pois sendo assim, este parceiro não poderia alegar eventual erro.

A conversão do sexo do transexual, com a averbação de seu registro civil, poderia ainda criar problemas para menores envolvidos. Imaginemos que o transexual já foi casado e tenha filhos. Se os filhos forem menores, entendemos que a cirurgia e a averbação não deveriam ocorrer, pois haveria, nesse caso, interesses de menores, que poderiam sofrer com a adaptação. Superada a menoridade, não haveria mais problemas nem para a cirurgia nem para a averbação. No caso, esta não geraria a alteração do registro dos filhos, sob pena de terem dois pais ou duas mães.

Em resumo, toda a questão da proteção do transexual deve estar relacionada com o princípio da dignidade da pessoa humana e sob essa ótica deve ser enfocada, moldando a atividade do intérprete e do juiz. O sistema constitucional tem como finalidade facilitar a felicidade das pessoas e não impedir e servir de obstáculo para tal objetivo.


Disponível em <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/14183/13747>. Acesso em 29 jul 2010.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Biblioteca 1: A proteção constitucional do transexual



ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. 162 páginas.

Analisa os Direitos Constitucionais das minorias sexuais, a cirurgia de redesignação do sexo como forma de integração social, a questão da filiação e alteração no nome decorrente da mudança de sexo.


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