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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Universo infantil moldado

Diana Levcovitz; Adriana Maimone Aguillar

A o refletir sobre o corpo da criança, poderíamos levar em consideração inúmeros aspectos. Existe, atualmente, um número expressivo de pesquisas realizadas sobre a obesidade infantil, especialmente em crianças de classe média, associando o distúrbio a hábitos sedentários, tais como as práticas de jogar video-games, assistir televisão, navegar na Internet, à falta de atividades físicas nas escolas, como a expressão corporal, os esportes, a dança ou o teatro. Alia-se a isso a alimentação inadequada, mesmo em crianças das classes populares, ou a falta de um padrão alimentar. Outro aspecto seria a questão da violência corporal que inclui maus tratos por parte dos pais ou responsáveis, familiares, adultos e até adolescentes. Poderíamos falar da questão das brincadeiras de rua, cada vez mais escassas, e que, em outros tempos, favoreciam um corpo em movimento. Hoje, quando se fala em questão das brincadeiras de rua, cada vez mais escassas, e que, em outros tempos, favoreciam um corpo em movimento. Hoje, quando se fala em criança de rua, queremos fazer referência a meninos abandonados e não a crianças brincando nas ruas; são os valores que se invertem.

Para este ensaio nos restringiremos à pedagogização do corpo infantil

Ainda temos as questões de sexualidade, de gênero, de raça e de etnia. Como são vividos e pensados estes aspectos com relação ao corpo da criança?

Falar do corpo da criança implica, necessariamente, falar de vários corpos e, até mesmo, de várias infâncias. Ou, talvez, devamos especificar a que corpo e a que infância estamos nos referindo. Nos séculos XVI e XVII, tanto a noção de infância como a noção de corpo, eram totalmente diferentes daquela que possuímos atualmente. Algumas pessoas poderão se assustar ao ler as páginas do diário de Heroard, médico de Henrique IV, no qual anotava alguns fatos da vida do jovem Luís XIII. Philippe Ariès descreve algumas passagens deste diário no livro História Social da Criança e da Família, onde podemos perceber claramente as distinções de comportamento. São descritas situações nas quais brincadeiras sexuais eram realizadas sem a menor vergonha ou pudor: “Luís XIII tem um ano: ‘Muito alegre’, anota Heroard, ‘ele manda que todos lhe beijem o pênis.’ Ele tem certeza de que todos se divertem com isso. Todos se divertem também com sua brincadeira diante de duas visitas, o senhor de Bonnières e sua filha: ‘Ele riu muito para (o visitante), levantou- lhe a roupa e mostrou-lhe o pênis, mas, sobretudo à sua filha; então segurando o pênis e rindo com seu risinho, sacudiu o corpo todo.’As pessoas achavam tanta graça que a criança não se cansava de repetir um gesto que lhe valia tanto sucesso.” (ARIÈS, 1981, p.126)

Consideramos interessante ressaltar essas descrições apenas como ilustração para a compreensão da maneira como a concepção de corpo assim como a de infância se transforma no decorrer dos tempos.

Gênero e a teoria Queer
Queer é uma palavra inglesa e significa estranho, excêntrico. Mas também é a forma pejorativa de se referir a homens e mulheres que se interessam por pessoas do mesmo sexo. A filósofa norte-americana Judith Butler manteve o termo para que, por meio do deboche, pudesse reinvidicar para os estudos, e para a militância de uma forma geral, um caráter de contestação. O termo, dessa forma, passou a designar tudo (pessoa ou coisa) que assume posição contra qualquer tipo de normatização. A teoria queer nasceu de estudos feministas nos anos 90, sob influência do pensamento de Foucault, especialmente no diz respeito à forma como o poder se relaciona com a identidade. Basta lembrar que nas últimas décadas do século XX, as feministas foram as primeiras a questionar que uma identidade universal (no caso, a branca e masculina) devesse servir como fundamento único para o pensamento e para a ação política. Alardearam a necessidade de levar em conta a diferença, lembrando que raça, etnia, classe, gênero e sexualidade são categorias que interagem e produzem um amplo espectro de identidades que são mutáveis e resistentes a definições rígidas. Dessa maneira, ao compreenderem a noção de categorias transhistóricas, tais como: mulher, homem, homossexual, etc, muitos acadêmicos assumidamente feministas e gays desenvolveram trabalhos de teoria queer como uma nova forma de pensar as políticas de gênero e de sexualidade. Convém ser ressaltado que, enquanto a teoria produzida desde estudos gays ou lésbicos examina diferentes identidades, a teoria queer examina as diferenças para minar a própria noção de identidade.

“Correr, para nós, é como andar a cavalo, galopando, competindo com o vento. Não se sabe nada, não se pensa, não se lembra de nada, nada se vê, apenas sente-se a vida, uma vida plena.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p.29)

MICHEL FOUCAULT, em História da Sexualidade I, A Vontade de Saber, opõe dois conceitos ao estudar os discursos produzidos sobre o sexo. Um deles era a scientia sexualis ou, dito resumidamente, um conjunto de saberes sobre o sexo como discurso médico, cientificista, baseado na biologia evolucionista da reprodução. Outro conceito , a ars erotica, era um conjunto de saberes nascidos das práticas culturais, algumas milenares, da Grécia e da Roma clássicas, da Índia e da China, que buscavam saber sobre o sexo para ampliá-lo. No ocidente vingou o primeiro tipo de saber, tendo na confissão religiosa sua principal fonte de discursos. Posteriormente, a confissão religiosa daria lugar à Pedagogia e à Medicina. Quando o filósofo elabora o conceito de dispositivo da sexualidade, o faz levando em conta estratégias globais de dominação. Para este ensaio, entretanto, nos restringiremos a uma delas: a pedagogização do corpo da criança. Não foi simplesmente proibido falar de sexo, mas, por meio da Pedagogia, produziram-se formas exatas e corretas de se falar sobre o sexo, ou seja, uma legitimação dos discursos sobre o assunto, acompanhada de uma forma correta de se utilizar os corpos, mediante discursos específicos sobre o corpo.

A chamada “sociedade disciplinar” (termo cunhado por Michel Foucault que se refere a cada um em uma instituição cujo objetivo é o controle e a produção dos corpos), com seu modelo de repressão, impedia que se falasse do corpo. Atualmente, na “sociedade de controle” (descrita por Gilles Deleuze no livro Conversações, o qual a sociedade abole fronteiras, mas não o controle) , ainda que a repressão não tenha sucumbido de todo, vivemos experiências contrárias a ela. Nas palavras de Lins e de Gadelha (2002, pp.171-172) “(...) superexcitam-se os corpos (...) configurando um corpo ágil, animado, hiperacelerado. (...) Segundo Nietzsche, é sempre sobre a superfície dos corpos que incide qualquer ‘educação’.”

Quando falamos de infância e de corpo caímos certamente em questões acerca da educação, seja aquela oferecida pela escola, seja a oferecida pelos pais ou seus responsáveis.

Família e escola foram instituições responsáveis pelo ensino de cuidados individuais com o corpo

PARA COMPREENDERMOS aspectos relativos aos corpos das crianças devemos levar em conta a maneira como nele estão inscritos alguns imperativos históricos e culturais.

A partir disso, é possível afirmar que a criança, antes mesmo de nascer, já está inserida num complexo de sentidos que lhe é dado pelas instituições que a aguardam. Querendo ou não, ela carrega em seu corpo uma espécie de narrativa que seus antepassados e mesmo seus contemporâneos veiculam. E isso vale tanto para a criança que habita um grande centro urbano quanto para aquela que vive em uma pequena aldeia e pertence a um povo indígena. Entretanto, ela é um ser capaz de experienciar a vida de maneira intensa, diferente do adulto. A criança tem inventividade para transformar o que vê e o que descobre e, junto com seus pares, produz cultura. Efetuar esse entendimento demanda uma compreensão da história, da geografia e da cultura que atuam na direção da construção de um corpo que possui características próprias. Para isso, algumas perguntas se impõem: como é vista a sexualidade na infância? E quanto à questão de gênero, existe alguma diferença no trato dos meninos e com as meninas? As crianças negras, ou de diferentes etnias, como são tratadas?

“Lembro-me de uma surra que um colega levou. Foi o professor de caligrafia que o castigou. (...) Tive muito medo então. Parecia-me, que, assim que acabassem com ele chegaria a minha vez. E senti muita vergonha, pois o garoto foi castigado nu.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, 39)

Família e escola têm-se constituído historicamente como instituições de referência para se entender e informar o que vem a ser a criança. Podese dizer que foram as instituições responsáveis pelo engendramento da individualização, ensinando e exigindo ao longo do tempo, o cuidado sobre o corpo em seus mínimos detalhes. Foucault, em entrevista à revista Quel Corps? em junho de 1975, afirmou que tal movimento de individualização propiciou a possibilidade de se perceber no corpo beleza, capacidade e habilidades. E isso só foi possível dentro de um processo de educação meticuloso e sistemático, levado adiante coletivamente. Fez-se necessário um investimento no corpo, uma produção de padrões de disciplina e de destreza, de higiene, de “boa” postura, e mesmo de etiqueta, de retórica e de apreciação do belo. Dessa maneira, as crianças, à semelhança de soldados, eram investidas de um modelo de corpo poderoso e saudável, adepto da ginástica, da nutrição balanceada, das horas de sono restauradoras etc. Paralelamente, refinaram-se os saberes e diversas disciplinas acreditaram poder explicar os funcionamentos e, os alcances e a formação de um corpo modelar. A Medicina, com a Fisiologia e a Psiquiatria, seria um exemplo disso. “(...) Mas, a partir do momento em que o poder produziu este efeito, como conseqüência direta de suas conquistas, emerge inevitavelmente a reivindicação de seu próprio corpo contra o poder, a saúde contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade, do casamento, do pudor. E, assim, o que tornava forte o poder passa a ser aquilo por que ele é atacado... O poder penetrou no corpo, encontra−se exposto no próprio corpo... (...)” (Foucault, revista Quel Corps?, junho de 1975)

Não é possível afirmar que a disciplina, na escola, tenha sido banida de todo

NESSE SENTIDO, o corpo da criança, como o do adulto, passa a ser positivado. Ainda que, na casa ou na escola, seja muitas vezes desencorajado a se mover e a falar, esse mesmo corpo recebe paparicação, aprende a sociabilidade da negociação e inventa esconderijos para suas pequenas descompressões. Não se trata, enfim, de um corpo genérico, mas de um corpo produzido socialmente, culturalmente.

Nas relações entre os corpos das crianças e dos adultos estão presentes relações de poder. Melhor dizendo, em qualquer tipo de relação entre pessoas (criança-criança; adultoadulto e criança-adulto) o poder está presente. E isso ocorre em nome de uma disciplina, de uma docilização. Isso pode ser percebido facilmente no poder da mãe sobre a constituição do paladar na criança, ou nas horas de sono “criadas” para esta.

NA SOCIEDADE disciplinar característica do século XVIII, a cada um era destinado um lugar: a caserna, a fábrica, a escola, o manicômio, o prostíbulo. Dessa maneira, os corpos eram vigiados constantemente e as ações humanas executadas de acordo com ordens superiores. A escola surgiu, dessa maneira, como instituição disciplinar por excelência. Nos dias atuais, entretanto, não é possível afirmar que a disciplina, na escola, tenha sido banida de todo. Exemplo disso são estudos que constataram que, por ser o momento do recreio o da movimentação livre, os professores o suprimem como forma de punição aos desobedientes. Ademais, ao analisarem mudanças ocorridas na escola, alguns autores chegam a afirmar que a indisciplina e a violência nesse espaço podem ser vistas como efeito de uma transformação na sociedade. O que se tem, na verdade, são resquícios da “sociedade disciplinar” sobrevivendo a outro tipo de sociedade, ou seja, a “sociedade de controle”. Nesta, os espaços de trabalho e de estudo, por exemplo, não aparecem tão bem definidos, e não existe mais uma vigilância constante sobre as pessoas. O controle é exercido “a céu aberto”, de uma maneira tão branda que dificilmente é reconhecido como tal. Outros exemplos da “sociedade de controle” são os telefones celulares, a Internet, o GPS, a senha digital, as câmeras de segurança, enfim, facilidades que o homem contemporâneo raramente questiona como invasivas, por conta do proveito que delas tira. O controle, dessa maneira, parece perder sua origem institucional para se exercer no nível pessoal.

O controle é exercido “a céu aberto”, de uma maneira tão branda que dificilmente é reconhecido como tal

Uma oportunidade que as crianças inventam para relaxar do controle disciplinar é inserir a sexualidade nas brincadeiras. Esse é um assunto que provoca incômodo em casa e na escola e torna-se visível nas ações “inocentes” impregnadas de excitabilidade e agressividade das crianças. Sendo elemento tão constante na vida de todos, a sexualidade manifesta- se na criança também como vontade de saber, de descobrir, de experimentar poder.

De uma maneira mais extensa, a sexualidade indica também a maneira como o indivíduo sente, percebe, e lida com a genitalidade. Esse conjunto de experiências carrega significados que são partilhados em diferentes culturas e em determinados momentos de suas histórias. Apenas para ilustrar, o que no Brasil contemporâneo é considerado incesto não o é, por exemplo, numa tribo da Polinésia francesa no século XVII. Ou mesmo a masturbação que, em tempos bíblicos, recebeu a conotação de imoralidade pelo fato de, nas práticas masculinas, a ejaculação resultar desperdício de esperma essencial para a reprodução.

“Vocês pensam, quem sabe, que nós também batemos um no outro. Mas nossas mãos são pequenas e temos pouca força. E mesmo quando estamos com uma bruta raiva nunca batemos para machucar. Vocês não sabem como são as nossas brigas.”(Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p. 106)

Ao afirmar que há diferentes formas de se viver a sexualidade e de se organizar afetivamente, Miskolci (2005) lembra que diversos tipos de arranjos familiares se constituem a todo tempo, no mundo todo. Basta lembrar que a família chamada de ”tradicional”, isto é, composta de pai, mãe e filhos, tem dividido a cena social com famílias em que só um adulto cuida da criança, com famílias cujo casal parental é homoerótico, e outras mais. Em tempos de reprodução assexuada, vale lembrar que a heterossexualidade, antes definição de padrão de normalidade em matéria de escolha ou orientação sexual, é apenas mais uma – embora majoritária – no universo de possibilidades de vivência afetiva e erótica. Em outras palavras, ser heterossexual não é sinônimo de ser normal, pois quem tem outra orientação sexual não é imoral, indecente ou anormal.

Autores defendem que novas questões de gênero devem considerar a inversão do pólo referencial

“DANÇA É COISA DE MENINA”; “Azul pros meninos, rosa pras meninas”; “Chorar é pra mariquinha”. Quando uma criança, espontaneamente, faz afirmações como essas chegamos a achar natural que ela separe o mundo em duas categorias e que, com base nelas, ordene seu saber e seu querer. Porém, não se falam coisas espontaneamente, mas a partir de idéias, crenças, costumes que nos acompanham desde o nascimento. E, no mundo da linguagem, dificilmente haverá algo natural. Sabe-se que a natureza não equipou os corpos com idéias, crenças e falas; elas foram sendo engendradas nas pessoas de muitas formas, desde as relações de troca até o simples ensinamento. Afirmações como essas e tantas outras que separam meninas e meninos foram produzidas muito antes que a criança sequer se posicionasse sobre elas.

ATITUDES DO ADULTO muitas vezes conduzem a criança a formar para si uma noção de gênero, de sexo e de identidade num sentido mais amplo. Isso pode ser percebido não apenas na casa ou na rua, mas, também, nos chamados equipamentos coletivos de educação. Alguns autores brasileiros, como Louro (2003) e Miskolci (2005), defendem que novas questões surgidas a partir dos estudos sobre gênero devem levar em conta o risco de se inverter o pólo referencial, substituindo o homem - branco, ocidental, heterossexual, de classe média - da cena hegemônica pela mulher perpetuando, assim, uma polarização que é típica do binarismo conceitual. No campo da pesquisa histórica, Goellner (2003) mostrou ser possível traçar o percurso das práticas de atenção ao corpo, com a saúde e a higiene representando o “cuidado de si”, tanto quanto as modificações sofridas ou realizadas ao longo dos séculos. Autores estrangeiros, especialmente Butler (2005) acrescenta a essas preocupações a teoria queer afirmando que, ao longo do tempo, foi construído também um discurso que legitimou as diferenças de gênero. O resultado disso, no longo prazo, foi a instituição do heterossexualismo compulsório. Em outras palavras, para que a função reprodutiva tida como natural fosse garantida, alinharam-se, obrigatoriamente, o sexo, o gênero e o desejo (veja texto O que é a teoria queer?).

“As crianças são rápidas porque sabem deslizar entre.” (Diálogos, Deleuze; Parnet, 1998, p. 42)

Etnia, do conceito à reflexão
O conceito de etnia, Munanga lhe atribui uma conotação política, dada sua característica dinâmica. Segundo ele, etnia descreve um conjunto de seres humanos que, em um determinado tempo, falam uma mesma língua, professam uma religião ou acreditam em um mesmo ancestral e partilham uma visão de mundo. Formam, assim, uma cultura que ocupa um determinado território. Talvez se possa acrescentar que o conceito também abarca culturas que estão em busca de um território, a exemplo de muitos povos indígenas do Brasil, dos judeus e palestinos na Faixa de Gaza, dos bascos na França e na Espanha. “Ao mesmo tempo em que nossa miscigenação e pluralidade étnica se transformam em magníficas metáforas e alegorias literárias, negros, índios e mestiços vivem a mais brutal discriminação em todos os lugares em que vivem, seja no campo ou nos centros urbanos. Estranho jogo esse em que os diferentes são, a um só tempo, objeto de exaltação e de exclusão.” (Gonçalves; Gonçalves e Silva, O Jogo das Diferenças, p.14). Até nos livros escolares, particularmente nos do ensino fundamental, o tema é revestido de um romantismo que coloca os índios em um passado idílico, aprisionando-os em um imaginário de beleza, ingenuidade e falta de futuro. Nas escolas, políticas de afirmação de etnias ou inexistem ou são apagadas. É urgente, insistem esses estudiosos, que se estude a conduta da sociedade em relação às diversas etnias, verificando que apoio recebem quando resistem ao processo de globalização que, em larga medida, se coloca como eurocêntrico e hegemônico.

Ao contrário do gênero, para muitos, a diferença entre raça e etnia não é tão explícita. Ao orientar a discussão sobre o tema, Munanga (2003) diz que, enquanto o conceito de raça se refere as características físicas - formatos de rosto, de nariz, tipos de cabelo, diferentes graus de concentração de melanina - o conceito de etnia procura localizar os grupos humanos desde uma perspectiva histórica, simbólica e psicológica.

Componentes educacionais devem ser projetados e executados levando em conta as diferentes identidades

A PESQUISA NACIONAL por Amostra Domiciliar (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1999, concluiu que a população brasileira negra era de 45,5%. Apesar de tal constatação, o que se vê, cotidianamente, é a negação da contribuição da raça negra para a formação cultural do País. Uma explicação para esse apagamento é dada pelo mito da democracia racial, segundo o qual a sociedade brasileira vive em harmonia, respeitando mutuamente os direitos das diferentes raças. Na realidade, existe um padrão sobre o qual se busca adequar a diferença racial, que por vezes abertamente, conduz o ideal de beleza, de cultura, de bom gosto, de verdade, ao modelo eurocêntrico, isto é, branco – preferencialmente do hemisfério norte – cristão e masculino.

“Os adultos ficam espantados quando nos vêem brigando; e, no entanto, somos solidários entre nós. Pois é, existem dois grandes times: os adultos e as crianças.” (Janusz Korczak, Quando eu voltar a ser criança, p. 212)

NO QUE DIZ RESPEITO à criança, desde uma perspectiva de coletivo, a escola é um espaço que deveria acolher e promover diferenças. Abramowicz e Silvério (2006) alertam que, para isso acontecer na prática, ela deve se orientar por uma equalização na qualidade do atendimento que oferece. Os serviços, as instalações e os equipamentos, o currículo, a formação de pessoal, e tantos outros componentes educacionais devem ser projetados e executados levando em conta as diferentes identidades. Não se trata de premiar um segmento da sociedade em detrimento de outro, mas privilegiar atitudes voltadas para a valorização das diferenças étnico-raciais (veja quadro Etnia, do conceito à reflexão).

A conclusão que chegamos é que cada criança traz uma singularidade, uma história, uma vida, experiências particulares. Traz também sentidos dados pela cultura e orientações passíveis de negociação no plano das relações cotidianas. Perceber cada singularidade, revelar as possíveis expressões de racismo e preconceito e trabalhar com essas questões presentes nos espaços coletivos, este é o desafio colocado ao adulto, na casa, na escola, na rua, na mídia. Cada uma destas instituições pode se atribuir a tarefa de buscar novas possibilidades de propiciar à criança ou a apoiar em relacionamentos com os outros, com o conhecimento, favorecendo assim a criação de si e do outro.



Disponível em http://sociologiacienciaevida.uol.com.br/ESSO/edicoes/17/artigo92056-1.asp. Acesso em 14 out 2013.